GETÚLIO VARGAS
Nas memórias de infância de de um escritor
A figura onipresente do ditador, leis trabalhistas, o Brasil na Segunda Guerra, reportagem sobre torturas – a história do Brasil em um turbilhão de lembranças da infância do escritor Ivan Ângelo.
“–
Trabalhadores do Brasil!”
Getúlio
Vargas era apenas uma voz no rádio. Aquela saudação, com o “l” alongado do
final, acompanhava-me desde antes de eu aprender a falar. Em casa, crescemos
com ela. O sentido do que a voz dizia nos escapava, era coisa de adultos [...].
Trabalhadores do Brasil! E Getúlio mudou o dinheiro, um mil-réis valia um
cruzeiro. O perfil de Getúlio na moeda de dez centavos. No nosso mundinho, um
tostão, ou cem réis, valia um getulinho. Duzentos réis, o duzentão, dois
getulinhos. No rádio, a música como ele queria: “Quem trabalha é que tem
razão,/eu digo e não tenho medo de errar;/O bonde de São Januário/leva mais um
operário/sou eu que vou trabalhar”.
A propaganda procurava mostrar Getulio como o "pai dos pobres". |
Leis
novas para o trabalhador e um lema se espalha: é o pai dos pobres.
Trabalhadores do Brasil! O “Brasilllll” vai entrar na guerra. A cobra vai fumar
(...). Nosso mundinho ampliava-se, e o Getúlio que era só voz ia ganhando cara
e corpo nas revistas do barbeiro (baixinho gordinho de charuto entre os dedos
nas caricaturas da revista Careta) e nos jornais entrevistos nas bancas,
até que um dia apareceu na minha primeira matinê de cinema – maravilha!
– no jornal da tela. A imagem mais marcante ficou sendo a da escola
pública, foto oficial vista todo o dia, três anos seguidos. [...] Voltavam os
soldados da guerra, ia-se embora o Getúlio. Ia mesmo? Trabalhadores do Brasil!
“Queremos Getúlio! Queremos Getúlio!” – gritavam eles nas ruas.
Foi. O retrato oficial sumiu da parede da escola. Eleições [...] Os carrascos nazistas
são julgados em Nuremberg – horrores! – e condenados
à forca. “Falta alguém em Nuremberg”, acusa a reportagem em O Cruzeiro: horrores
brasileiros sob a ditadura: testículos esmagados, afogamentos, espetos sob as
unhas, arames em brasa na uretra, estupros. Uma paródia da marchinha de
carnaval Pirata da perna de pau virou o maior sucesso: “Eu sou o
Getúlio, já fui ditador,/com o voto dos trouxas/eu
sou senador./Minha galera/em quinze anos de navegação/trouxe a miséria/o
câmbio negro e a inflação”.
Ângelo,
Ivan. Lembranças de Getúlio.In: Caldeira,
Jorge.
Brasil: a História contada por quem viu. São
Paulo: Mameluco, 2008..