FORMAÇÃO
DA
MONARQUIA NACIONAL
No meio
das dificuldades criadas pela crise que afetou a Europa
ocidental no fim da Idade Média, a centralização do poder pelos reis surgiu
como alternativa política capaz de restabelecer a ordem e a segurança.
Atuando
inicialmente como árbitro entre os senhores feudais e a burguesia, o rei
conseguiu, aos poucos, impor sua autoridade sobre todo o território do reino.
Nesse
longo e tortuoso processo, a fragmentação do poder político, característica da
Idade Média, deu lugar ao governo centralizado e à unificação dos territórios.
Surgiram assim, por toda a Europa ocidental, monarquias fortalecidas, como as
de Portugal, Espanha, França e Inglaterra.
Senhor
absoluto do poder, foi o rei o principal agente na construção do Estado
moderno. No contexto da época, destacaram-se os grupos que foram contra e
aqueles que foram a favor desse processo.
1)
A favor:
Em
sua luta para centralizar o poder, o rei teve alguns aliados. O principal deles
foi a burguesia mercantil e financeira, formada por comerciantes e banqueiros.
O
fato de cada feudo ter suas próprias moedas, aliado aos diferentes sistemas de
pesos e medidas existentes em cada um deles, trazia enormes entraves às
atividades mercantis.
Além
disso, o pagamento de pedágios, imposto pelos senhores feudais às caravanas de
mercadores, prejudicava ainda mais os negócios da burguesia. Um poder
centralizado e forte poderia, entre outras coisas, resolver esses problemas e
ainda oferecer proteção às rotas comerciais, o que não acontecia no mundo
feudal.
Interessados
nessas mudanças, comerciantes e banqueiros forneceram ao rei apoio financeiro —
por meio de doações e empréstimos — e funcionários para a formação de uma
burocracia profissionalizada a serviço do Estado. Paralelamente, utilizando as
leis e as fórmulas jurídicas do Direito romano, juristas de formação
universitária ajudaram o monarca a justificar e legitimar o poder absoluto.
2)
Contra:
A
Igreja ofereceu forte resistência à centralização do poder real ao ser ameaçada
de perder a posse de suas terras. Além disso, os monarcas diminuíram a
interferência dessa instituição em assuntos internos do Estado, especialmente
naqueles relacionados às leis e aos impostos.
Também
os senhores feudais foram contra: para eles, o processo de fortalecimento da
autoridade do rei acarretou a diminuição de seu poder. Naturalmente, eles
procuraram resistir a essa perda, recorrendo algumas vezes à luta armada. A
decadência do sistema feudal, entretanto, já se tornara irreversível,
acentuando-se ainda mais com a ocorrência de mudanças no plano institucional.
Situado
entre essas duas forças, o rei permanecia firme no objetivo de fortalecer o
próprio poder. Entre outras iniciativas, ele passou a contratar soldados profissionais
para suportar guerras prolongadas, formando exércitos permanentes. Desse
modo, já não precisava dos combatentes arregimentados pelos nobres.
Ao
mesmo tempo, o emprego crescente da infantaria e a utilização das armas
de fogo — com a chegada dos primeiros canhões à Europa no século XIV —
diminuíram a importância da cavalaria. Essa mudança contribuiu para
enfraquecer ainda mais o poderio dos senhores feudais.
Havia,
portanto, diversos interesses em jogo: o rei queria mais poder para si; a
burguesia reivindicava segurança e liberdade para seus negócios; os senhores
feudais recusavam-se a renunciar a seus privilégios; e, finalmente, a Igreja
lutava para manter a posição que havia conquistado durante a Idade Média.
Para
fortalecer seu poder, o rei jogava com esses interesses, favorecendo ora um,
ora outro entre os diversos grupos sociais. Era como se ele desempenhasse o
papel de “fiel da balança”.
Nos lugares onde melhor cumpriu essa função, mais sólido tornou-se
seu poder.
2. A
formação do Estado moderno
Aos
poucos, o rei impôs sua autoridade sobre territórios cada vez mais vastos. Com
o tempo, os limites entre esses territórios começaram a ganhar significado
político, fiscal e militar, fixando-se e tornando-se fronteiras.
Dentro
desses novos limites prevaleceram as línguas faladas nas regiões hegemônicas,
assim definidas por sua riqueza ou importância política. O idioma oficial da
Espanha, por exemplo, derivou do castelhano, língua falada em Castela, o
principal reino formador do país.
Nessas
circunstâncias, surgiu o estado moderno, igualmente chamado de estado
nacional ou Monarquia nacional. Fenômeno novo na história, uma de
suas principais características foi o caráter fortemente centralizado do poder
monárquico em oposição à fragmentação vivida no sistema feudal.
Quase
todos os países da Europa ocidental passaram por esse processo de centralização
do poder nas mãos do rei. As duas grandes exceções foram o Sacro Império
Romano-Germânico e a Península Itálica.
Essas
duas regiões permaneceram fragmentadas em pequenos feudos e principados durante
muito tempo.
Somente
no século XIX elas passaram por processos de unificação política e territorial,
que deram origem à Alemanha e à Itália modernas.
O
monopólio da força legítima
Do
ponto de vista ideológico, a centralização política em torno do rei só foi
possível porque todos os setores da sociedade — inclusive a Igreja — acabaram
por aceitar a legitimidade de seu poder.
Desde
a Idade Média difundia-se a ideia segundo a qual o rei era soberano “pela graça
de Deus” e, portanto, sua autoridade era legítima. Apoiado nessa concepção, o
rei passou a exercer os monopólios da força legítima, da justiça e
da arrecadação de impostos.
Com
a centralização do poder, ficou estabelecido que somente o rei podia constituir
forças armadas (exércitos, polícia), encarregadas de manter a ordem e
defender o território de agressões externas (antes, os senhores feudais tinham
suas próprias milícias armadas). Dessa forma, o monarca passou a exercer o
monopólio do uso legítimo da força.
Ao
mesmo tempo, os tribunais dos senhores feudais desapareceram, a Igreja manteve
apenas seu poder de julgar os assuntos relativos à fé e o rei fi cou com o
controle da justiça em todas as outras áreas.
O
funcionamento do Estado exigiu a formação e o treinamento de uma burocracia
profissional, encarregada de administrar e de fazer cumprir as determinações do
soberano e suas leis. Para manter toda essa organização, foi necessário
monopolizar a arrecadação de impostos, até então cobrados de maneira
descentralizada pelos senhores de cada feudo.
A
formação do Estado moderno ocorreu de forma diversa em cada região da Europa.
Em todas elas, porém, foi o resultado de longos e sangrentos confl itos, como
veremos a seguir.
3. O
Estado moderno na França
Na
França, os conflitos entre o rei e seus adversários atingiram o ápice no
reinado de Filipe IV, o Belo (entre 1285 e 1314). Filipe chegou a ser ameaçado
de excomunhão pelo papa, após obrigar a Igreja a pagar impostos. Em 1309, ao
transferir a sede do papado para Avignon, na França, acabou submetendo o
próprio papa ao seu poder. Essa situação perdurou até 1377, quando o papado retornou
a Roma.
Durante seu
reinado, Filipe IV voltou-se contra os nobres da Ordem dos Cavaleiros
Templários, surgida na época das Cruzadas. Por dever uma grande soma de
dinheiro aos templários, o rei tentou confiscar seus bens. Na luta que se
seguiu, muitos templários foram dizimados. Alguns deles, porém, conseguiram
fugir e se estabelecer na Península Ibérica, onde posteriormente desempenhariam
importante papel na expansão marítima.
A Guerra
dos Cem Anos, entre os séculos XIV e XV (veja o boxe a seguir), foi decisiva
para o fortalecimento da monarquia. No curso do conflito, os reis franceses
promoveram importantes reformas militares e financeiras, como a constituição de
um exército permanente, controlado pelo poder central, e a criação de um
imposto fixo destinado a garantir a manutenção da força armada.
Dessa
forma, no fim do século XV, a França havia se transformado em um Estado
unificado econômica e politicamente. Em seu interior desaparecera a antiga
autonomia dos domínios feudais. O idioma francês impôs-se em todo o território,
passando a ser falado ao lado dos dialetos regionais.
No início
do século XVI, a monarquia francesa, sob o reinado de Francisco I (entre 1515 e
1547), tornou-se absolutista. Essa nova maneira de governar, que iria se
disseminar pela Europa, baseava-se na centralização completa do poder nas mãos
do rei.
4.
Inglaterra: monarquia e Parlamento
Na
Inglaterra, a centralização do poder deu-se de modo diferente do ocorrido na
França. Em 1066, a Inglaterra foi invadida por nobres vindos da França,
conhecidos por normandos, chefiados por Guilherme, o Conquistador. Guilherme
era duque da Normandia. Com a invasão, tornou-se rei da Inglaterra.
O
ducado da Normandia constituía um dos vários feudos que formavam o reino
francês. Diferentemente dos outros feudos, nele o duque reservava para si o
monopólio da justiça, sem dividi-lo com os pequenos nobres (os vassalos ou
barões), o que tornava o poder mais centralizado. Dessa forma, quando os
normandos invadiram a Inglaterra, transmitiram não a organização feudal que imperava
na França, mas uma espécie de “feudalismo centralizado”, como observou o
historiador inglês Perry Anderson.
O
caráter mais centralizado do reino inglês não impediu que nele se manifestassem
alguns aspectos do feudalismo. Durante vários séculos, as relações entre o rei
e a nobreza mantiveram-se tensas e conflituosas, pressionadas constantemente
pelas disputas de poder.
Em 1215,
diante de uma série de medidas autoritárias tomadas pelo rei João Sem-Terra,
como a imposição de novos impostos, os nobres reuniram-se e aprovaram um
documento que limitava o poder do soberano e determinava que ele só poderia
aumentar impostos mediante aceitação do grande Conselho, órgão formado
pela própria nobreza e por representantes do clero.
Esse
documento incluía vários outros dispositivos, alguns dos quais favoráveis à
população em geral e não só à nobreza. Um deles, por exemplo, determinava
julgamento justo e imparcial a todo indivíduo que cometesse um delito. Outro
estabelecia que nenhuma pessoa podia ser presa sem causa formada (direito de habeas
corpus). A Magna Carta, como foi denominado o documento, é até hoje
uma das bases constitucionais da Inglaterra.
Em 1258, o
Grande Conselho passou a ser conhecido como Parlamento. Algumas décadas depois,
o rei Eduardo I (entre 1272 e 1307) promoveu o ingresso de representantes da
burguesia e da baixa nobreza nessa instituição. Procurava, assim, limitar o peso da alta nobreza e da Igreja no
Parlamento.
A partir de
1332, os representantes da burguesia e da baixa nobreza passaram a se reunir de
forma separada dos representantes da alta nobreza e da Igreja. Essa separação
deu origem, em 1350, a duas câmaras no interior do Parlamento:
a Câmara
dos Comuns, formada por burgueses e membros da baixa nobreza; e a Câmara dos
Lordes, composta de nobres e membros do alto clero. Esse sistema está em vigor ainda
hoje.
5. Monarquia
nacional na Península Ibérica
A
formação da monarquia nacional na Península Ibérica ocorreu conjuntamente à
luta pela expulsão dos muçulmanos. Como já vimos, os muçulmanos (chamados de
mouros ou sarracenos na Península Ibérica) haviam invadido a Península Ibérica
no começo do século VIII. Apenas a região dos Montes Pireneus, próxima ao Reino
da França, escapou dessa invasão. Ali se formou o Reino cristão das Astúrias. A
partir de então, os cristãos lutaram contra os muçulmanos pela recuperação dos
territórios perdidos. Essa luta, que duraria vários séculos, ficaria conhecida como
reconquista.
A formação da Espanha
À
medida que a luta avançava, outros reinos cristãos foram surgindo na península,
entre os quais Leão, Aragão e Castela. No fim do século XI, Afonso VI, dos
reinos unificados de Leão e Castela, impôs sucessivas derrotas aos muçulmanos.
Em suas campanhas, contou com a ajuda de Henrique de Borgonha,
um
senhor feudal vassalo do rei da França. Para recompensar Henrique, Afonso VI
ofereceu-lhe o Condado portucalense como feudo.
Em
1212, na batalha de Navas de tolosa, as forças unidas dos diversos
reinos cristãos derrotaram os muçulmanos, cujo domínio, a partir desse momento,
ficou restrito à região de Granada, no sul da península Ibérica.
O
passo decisivo para a expulsão dos árabes ocorreu em 1469, quando Fernando, rei
de Aragão, casou-se com Isabel, que se tornaria depois rainha de Castela. Os
dois reinos haviam estado unidos sob o reinado de Afonso VI, mas se separaram
posteriormente. Com o casamento de Fernando e Isabel, eles voltaram a se unificar,
tornando-se a base da Espanha moderna.
Fernando
e Isabel, conhecidos como “reis católicos”, venceram a resistência dos senhores
feudais e limitaram a autonomia das cidades, impondo a todos a autoridade do
poder real. Em 1480, com a instituição do Tribunal da Inquisição, a Igreja
Católica e os monarcas uniram-se contra qualquer tipo de resistência ou
oposição.
A
consolidação da monarquia espanhola ocorreu em 1492, ano em que se deu a
reconquista de Granada e a expulsão definitiva dos árabes.
A monarquia
espanhola não admitia outra religião que não a católica em seus domínios. Por essa
razão, ainda no mesmo ano da tomada de Granada, a Coroa impôs aos judeus a
conversão ao catolicismo ou o abandono do território.
Também em
1492, o navegador genovês Cristóvão Colombo, financiado pela Coroa espanhola, encontraria
terras desconhecidas dos europeus, chamadas posteriormente América. Esse
acontecimento fortaleceria ainda mais a monarquia espanhola.
O nascimento de Portugal
O
Condado Portucalense, recebido como feudo por Henrique de Borgonha, estava
ligado por laços de vassalagem ao Reino de Leão e Castela. Em 1139, Afonso
Henriques, filho de Henrique de Borgonha, rompeu esse vínculo e se proclamou
Afonso I, rei de Portugal, iniciando a Dinastia de Borgonha (1139-1383) e a
história de Portugal como reino independente.
Nos
anos seguintes, organizaram-se as instituições do Estado português. Ao lado da
monarquia, estabeleceram-se as Cortes gerais, órgão constituído pela
família real, pelo clero e pela nobreza.
Em
1383, com a morte do rei Dom Fernando, o trono português deveria passar para
sua filha, casada com o rei de Castela. Diante da possibilidade de união dos
dois reinos, a burguesia, a população e parte da nobreza se rebelaram e
aclamaram um novo rei, Dom João I, mestre de Avis (nome de uma ordem militar).
Em seguida, as forças portuguesas conseguiram derrotar os castelhanos e
garantir a independência de Portugal.
Esse
movimento, denominado revolução de avis (1383-1385), consolidou a
monarquia centralizada e fortaleceu a burguesia mercantil, que estabeleceu
estreitos vínculos com o rei.
Já
a antiga nobreza, que em grande parte havia dado sustentação à união com
Castela, saiu enfraquecida.
Graças
a essas mudanças, antes de qualquer outra região da Europa, Portugal reuniu as
condições constitutivas do Estado moderno: um território unificado, gerido por
um governo soberano e forte, reconhecido e aceito pela população. Essa precoce
centralização política seria um dos componentes que permitiriam a Portugal
lançar-se antes de qualquer outro reino europeu no empreendimento da expansão
marítimo-comercial.