quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

FORMAÇÃO  DA  MONARQUIA  NACIONAL

 No  meio  das  dificuldades  criadas pela crise que afetou a Europa ocidental no fim da Idade Média, a centralização do poder pelos reis surgiu como alternativa política capaz de restabelecer a ordem e a segurança.

Atuando inicialmente como árbitro entre os senhores feudais e a burguesia, o rei conseguiu, aos poucos, impor sua autoridade sobre todo o território do reino.
Nesse longo e tortuoso processo, a fragmentação do poder político, característica da Idade Média, deu lugar ao governo centralizado e à unificação dos territórios. Surgiram assim, por toda a Europa ocidental, monarquias fortalecidas, como as de Portugal, Espanha, França e Inglaterra.
Senhor absoluto do poder, foi o rei o principal agente na construção do Estado moderno. No contexto da época, destacaram-se os grupos que foram contra e aqueles que foram a favor desse processo.

1)    A favor:
Em sua luta para centralizar o poder, o rei teve alguns aliados. O principal deles foi a burguesia mercantil e financeira, formada por comerciantes e banqueiros.
O fato de cada feudo ter suas próprias moedas, aliado aos diferentes sistemas de pesos e medidas existentes em cada um deles, trazia enormes entraves às atividades mercantis.
Além disso, o pagamento de pedágios, imposto pelos senhores feudais às caravanas de mercadores, prejudicava ainda mais os negócios da burguesia. Um poder centralizado e forte poderia, entre outras coisas, resolver esses problemas e ainda oferecer proteção às rotas comerciais, o que não acontecia no mundo feudal.

Interessados nessas mudanças, comerciantes e banqueiros forneceram ao rei apoio financeiro — por meio de doações e empréstimos — e funcionários para a formação de uma burocracia profissionalizada a serviço do Estado. Paralelamente, utilizando as leis e as fórmulas jurídicas do Direito romano, juristas de formação universitária ajudaram o monarca a justificar e legitimar o poder absoluto.

2)    Contra:
A Igreja ofereceu forte resistência à centralização do poder real ao ser ameaçada de perder a posse de suas terras. Além disso, os monarcas diminuíram a interferência dessa instituição em assuntos internos do Estado, especialmente naqueles relacionados às leis e aos impostos.

Também os senhores feudais foram contra: para eles, o processo de fortalecimento da autoridade do rei acarretou a diminuição de seu poder. Naturalmente, eles procuraram resistir a essa perda, recorrendo algumas vezes à luta armada. A decadência do sistema feudal, entretanto, já se tornara irreversível, acentuando-se ainda mais com a ocorrência de mudanças no plano institucional.

Situado entre essas duas forças, o rei permanecia firme no objetivo de fortalecer o próprio poder. Entre outras iniciativas, ele passou a contratar soldados profissionais para suportar guerras prolongadas, formando exércitos permanentes. Desse modo, já não precisava dos combatentes arregimentados pelos nobres.
Ao mesmo tempo, o emprego crescente da infantaria e a utilização das armas de fogo — com a chegada dos primeiros canhões à Europa no século XIV — diminuíram a importância da cavalaria. Essa mudança contribuiu para enfraquecer ainda mais o poderio dos senhores feudais.
Havia, portanto, diversos interesses em jogo: o rei queria mais poder para si; a burguesia reivindicava segurança e liberdade para seus negócios; os senhores feudais recusavam-se a renunciar a seus privilégios; e, finalmente, a Igreja lutava para manter a posição que havia conquistado durante a Idade Média.
Para fortalecer seu poder, o rei jogava com esses interesses, favorecendo ora um, ora outro entre os diversos grupos sociais. Era como se ele desempenhasse o papel de “fiel da balança”.
Nos lugares onde melhor cumpriu essa função, mais sólido tornou-se seu poder.

2. A formação do Estado moderno
Aos poucos, o rei impôs sua autoridade sobre territórios cada vez mais vastos. Com o tempo, os limites entre esses territórios começaram a ganhar significado político, fiscal e militar, fixando-se e tornando-se fronteiras.
Dentro desses novos limites prevaleceram as línguas faladas nas regiões hegemônicas, assim definidas por sua riqueza ou importância política. O idioma oficial da Espanha, por exemplo, derivou do castelhano, língua falada em Castela, o principal reino formador do país.
Nessas circunstâncias, surgiu o estado moderno, igualmente chamado de estado nacional ou Monarquia nacional. Fenômeno novo na história, uma de suas principais características foi o caráter fortemente centralizado do poder monárquico em oposição à fragmentação vivida no sistema feudal.
Quase todos os países da Europa ocidental passaram por esse processo de centralização do poder nas mãos do rei. As duas grandes exceções foram o Sacro Império Romano-Germânico e a Península Itálica.
Essas duas regiões permaneceram fragmentadas em pequenos feudos e principados durante muito tempo.
Somente no século XIX elas passaram por processos de unificação política e territorial, que deram origem à Alemanha e à Itália modernas.

O monopólio da força legítima
Do ponto de vista ideológico, a centralização política em torno do rei só foi possível porque todos os setores da sociedade — inclusive a Igreja — acabaram por aceitar a legitimidade de seu poder.
Desde a Idade Média difundia-se a ideia segundo a qual o rei era soberano “pela graça de Deus” e, portanto, sua autoridade era legítima. Apoiado nessa concepção, o rei passou a exercer os monopólios da força legítima, da justiça e da arrecadação de impostos.
Com a centralização do poder, ficou estabelecido que somente o rei podia constituir forças armadas (exércitos, polícia), encarregadas de manter a ordem e defender o território de agressões externas (antes, os senhores feudais tinham suas próprias milícias armadas). Dessa forma, o monarca passou a exercer o monopólio do uso legítimo da força.
Ao mesmo tempo, os tribunais dos senhores feudais desapareceram, a Igreja manteve apenas seu poder de julgar os assuntos relativos à fé e o rei fi cou com o controle da justiça em todas as outras áreas.
O funcionamento do Estado exigiu a formação e o treinamento de uma burocracia profissional, encarregada de administrar e de fazer cumprir as determinações do soberano e suas leis. Para manter toda essa organização, foi necessário monopolizar a arrecadação de impostos, até então cobrados de maneira descentralizada pelos senhores de cada feudo.
A formação do Estado moderno ocorreu de forma diversa em cada região da Europa. Em todas elas, porém, foi o resultado de longos e sangrentos confl itos, como veremos a seguir.

3. O Estado moderno na França
Na França, os conflitos entre o rei e seus adversários atingiram o ápice no reinado de Filipe IV, o Belo (entre 1285 e 1314). Filipe chegou a ser ameaçado de excomunhão pelo papa, após obrigar a Igreja a pagar impostos. Em 1309, ao transferir a sede do papado para Avignon, na França, acabou submetendo o próprio papa ao seu poder. Essa situação perdurou até 1377, quando o papado retornou a Roma.
Durante seu reinado, Filipe IV voltou-se contra os nobres da Ordem dos Cavaleiros Templários, surgida na época das Cruzadas. Por dever uma grande soma de dinheiro aos templários, o rei tentou confiscar seus bens. Na luta que se seguiu, muitos templários foram dizimados. Alguns deles, porém, conseguiram fugir e se estabelecer na Península Ibérica, onde posteriormente desempenhariam importante papel na expansão marítima.
A Guerra dos Cem Anos, entre os séculos XIV e XV (veja o boxe a seguir), foi decisiva para o fortalecimento da monarquia. No curso do conflito, os reis franceses promoveram importantes reformas militares e financeiras, como a constituição de um exército permanente, controlado pelo poder central, e a criação de um imposto fixo destinado a garantir a manutenção da força armada.
Dessa forma, no fim do século XV, a França havia se transformado em um Estado unificado econômica e politicamente. Em seu interior desaparecera a antiga autonomia dos domínios feudais. O idioma francês impôs-se em todo o território, passando a ser falado ao lado dos dialetos regionais.
No início do século XVI, a monarquia francesa, sob o reinado de Francisco I (entre 1515 e 1547), tornou-se absolutista. Essa nova maneira de governar, que iria se disseminar pela Europa, baseava-se na centralização completa do poder nas mãos do rei.

4. Inglaterra: monarquia e Parlamento
Na Inglaterra, a centralização do poder deu-se de modo diferente do ocorrido na França. Em 1066, a Inglaterra foi invadida por nobres vindos da França, conhecidos por normandos, chefiados por Guilherme, o Conquistador. Guilherme era duque da Normandia. Com a invasão, tornou-se rei da Inglaterra.
O ducado da Normandia constituía um dos vários feudos que formavam o reino francês. Diferentemente dos outros feudos, nele o duque reservava para si o monopólio da justiça, sem dividi-lo com os pequenos nobres (os vassalos ou barões), o que tornava o poder mais centralizado. Dessa forma, quando os normandos invadiram a Inglaterra, transmitiram não a organização feudal que imperava na França, mas uma espécie de “feudalismo centralizado”, como observou o historiador inglês Perry Anderson.
O caráter mais centralizado do reino inglês não impediu que nele se manifestassem alguns aspectos do feudalismo. Durante vários séculos, as relações entre o rei e a nobreza mantiveram-se tensas e conflituosas, pressionadas constantemente pelas disputas de poder.
Em 1215, diante de uma série de medidas autoritárias tomadas pelo rei João Sem-Terra, como a imposição de novos impostos, os nobres reuniram-se e aprovaram um documento que limitava o poder do soberano e determinava que ele só poderia aumentar impostos mediante aceitação do grande Conselho, órgão formado pela própria nobreza e por representantes do clero.
Esse documento incluía vários outros dispositivos, alguns dos quais favoráveis à população em geral e não só à nobreza. Um deles, por exemplo, determinava julgamento justo e imparcial a todo indivíduo que cometesse um delito. Outro estabelecia que nenhuma pessoa podia ser presa sem causa formada (direito de habeas corpus). A Magna Carta, como foi denominado o documento, é até hoje uma das bases constitucionais da Inglaterra.
Em 1258, o Grande Conselho passou a ser conhecido como Parlamento. Algumas décadas depois, o rei Eduardo I (entre 1272 e 1307) promoveu o ingresso de representantes da burguesia e da baixa nobreza nessa instituição. Procurava, assim,  limitar o peso da alta nobreza e da Igreja no Parlamento.
A partir de 1332, os representantes da burguesia e da baixa nobreza passaram a se reunir de forma separada dos representantes da alta nobreza e da Igreja. Essa separação deu origem, em 1350, a duas câmaras no interior do Parlamento:
a Câmara dos Comuns, formada por burgueses e membros da baixa nobreza; e a Câmara dos Lordes, composta de nobres e membros do alto clero. Esse sistema está em vigor ainda hoje.

5. Monarquia nacional na Península Ibérica
A formação da monarquia nacional na Península Ibérica ocorreu conjuntamente à luta pela expulsão dos muçulmanos. Como já vimos, os muçulmanos (chamados de mouros ou sarracenos na Península Ibérica) haviam invadido a Península Ibérica no começo do século VIII. Apenas a região dos Montes Pireneus, próxima ao Reino da França, escapou dessa invasão. Ali se formou o Reino cristão das Astúrias. A partir de então, os cristãos lutaram contra os muçulmanos pela recuperação dos territórios perdidos. Essa luta, que duraria vários séculos, ficaria conhecida como reconquista.

A formação da Espanha
À medida que a luta avançava, outros reinos cristãos foram surgindo na península, entre os quais Leão, Aragão e Castela. No fim do século XI, Afonso VI, dos reinos unificados de Leão e Castela, impôs sucessivas derrotas aos muçulmanos. Em suas campanhas, contou com a ajuda de Henrique de Borgonha,
um senhor feudal vassalo do rei da França. Para recompensar Henrique, Afonso VI ofereceu-lhe o Condado portucalense como feudo.
Em 1212, na batalha de Navas de tolosa, as forças unidas dos diversos reinos cristãos derrotaram os muçulmanos, cujo domínio, a partir desse momento, ficou restrito à região de Granada, no sul da península Ibérica.
O passo decisivo para a expulsão dos árabes ocorreu em 1469, quando Fernando, rei de Aragão, casou-se com Isabel, que se tornaria depois rainha de Castela. Os dois reinos haviam estado unidos sob o reinado de Afonso VI, mas se separaram posteriormente. Com o casamento de Fernando e Isabel, eles voltaram a se unificar, tornando-se a base da Espanha moderna.
Fernando e Isabel, conhecidos como “reis católicos”, venceram a resistência dos senhores feudais e limitaram a autonomia das cidades, impondo a todos a autoridade do poder real. Em 1480, com a instituição do Tribunal da Inquisição, a Igreja Católica e os monarcas uniram-se contra qualquer tipo de resistência ou oposição.
A consolidação da monarquia espanhola ocorreu em 1492, ano em que se deu a reconquista de Granada e a expulsão definitiva dos árabes.
A monarquia espanhola não admitia outra religião que não a católica em seus domínios. Por essa razão, ainda no mesmo ano da tomada de Granada, a Coroa impôs aos judeus a conversão ao catolicismo ou o abandono do território.
Também em 1492, o navegador genovês Cristóvão Colombo, financiado pela Coroa espanhola, encontraria terras desconhecidas dos europeus, chamadas posteriormente América. Esse acontecimento fortaleceria ainda mais a monarquia espanhola.

O nascimento de Portugal
O Condado Portucalense, recebido como feudo por Henrique de Borgonha, estava ligado por laços de vassalagem ao Reino de Leão e Castela. Em 1139, Afonso Henriques, filho de Henrique de Borgonha, rompeu esse vínculo e se proclamou Afonso I, rei de Portugal, iniciando a Dinastia de Borgonha (1139-1383) e a história de Portugal como reino independente.
Nos anos seguintes, organizaram-se as instituições do Estado português. Ao lado da monarquia, estabeleceram-se as Cortes gerais, órgão constituído pela família real, pelo clero e pela nobreza.
Em 1383, com a morte do rei Dom Fernando, o trono português deveria passar para sua filha, casada com o rei de Castela. Diante da possibilidade de união dos dois reinos, a burguesia, a população e parte da nobreza se rebelaram e aclamaram um novo rei, Dom João I, mestre de Avis (nome de uma ordem militar). Em seguida, as forças portuguesas conseguiram derrotar os castelhanos e garantir a independência de Portugal.
Esse movimento, denominado revolução de avis (1383-1385), consolidou a monarquia centralizada e fortaleceu a burguesia mercantil, que estabeleceu estreitos vínculos com o rei.
Já a antiga nobreza, que em grande parte havia dado sustentação à união com Castela, saiu enfraquecida.
Graças a essas mudanças, antes de qualquer outra região da Europa, Portugal reuniu as condições constitutivas do Estado moderno: um território unificado, gerido por um governo soberano e forte, reconhecido e aceito pela população. Essa precoce centralização política seria um dos componentes que permitiriam a Portugal lançar-se antes de qualquer outro reino europeu no empreendimento da expansão marítimo-comercial.



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