quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

DO  FEUDALISMO  AO  CAPITALISMO


  Uma  população  em  expansão
 No ano 800, a população europeia era de aproximadamente 18 milhões de pessoas. Até o ano 1100, esse número aumentou em cerca de 8 milhões de habitantes, saltando para quase 26 milhões.  Em 1200, alcançou a marca de 34 milhões de habitantes. Isso significa que em quatrocentos anos a população da Europa praticamente dobrou.


A diminuição das invasões a partir do século X gerou um clima de estabilidade social sem precedentes no mundo feudal. O número de mortes por epidemias também diminuiu  consideravelmente.
Sem disputas contra invasores e momentaneamente livres das epidemias, o número de nascimentos começou a superar o de mortes, ocasionando o aumento populacional. O crescimento da população trouxe consigo a ampliação do mercado de consumo e da oferta de mão de obra. Dessa forma, cresceu a demanda por alimentos.
Esse problema foi resolvido por meio da ampliação das áreas de cultivo, mediante o uso de áreas até então ocupadas por florestas e pântanos.
Ao mesmo tempo, algumas técnicas de cultivo foram aperfeiçoadas, elevando a produtividade do trabalhador rural. O resultado da combinação desses dois fatores foi o aumento da produção agrícola. Entretanto, isso não foi sufi ciente para alimentar a população crescente dos feudos.
Os senhores feudais começaram então a expulsar de suas terras o excedente populacional. Banidos dos feudos, geralmente sob a alegação de quebrarem alguma regra, muitos servos viram-se obrigados a mendigar ou a saquear nas estradas.
Enquanto isso ocorria com a população mais pobre, os filhos de senhores feudais viram-se na contingência de abandonar a propriedade paterna. Para garantir a supremacia dos feudos e não dividir suas posses, os senhores feudais fizeram do filho primogênito o único herdeiro. Assim, os outros filhos eram praticamente expulsos das terras, tendo de encontrar novos meios para sobreviver.
Essas circunstâncias acentuavam o clima de disputa entre os nobres cavaleiros. Nessa época, ocorriam também combates e torneios que transformavam os campos em verdadeiras arenas. Foi necessária a intervenção da Igreja, instituindo períodos para essas disputas, como forma de regulamentá-las e evitar que a produção agrícola fosse comprometida.
Esse ambiente, dominado pelo espírito guerreiro, favoreceu o movimento das Cruzadas, promovido pela Igreja.

2. As Cruzadas
No século XI, grande parte dos domínios árabes, incluindo a Terra Santa — que englobava Jerusalém e outros lugares onde Jesus viveu e pregou sua doutrina —, caiu em poder dos turcos seldjúcidas, povo vindo do Oriente que se convertera ao islã. Diferentemente dos árabes, que nunca se opuseram às peregrinações dos cristãos à Terra Santa, os turcos tornaram-nas mais difíceis.
Diante disso, o papa Urbano II, falando aos nobres, na França, em 1095, fez-lhes um apelo pela libertação da Terra Santa. Por trás do apelo religioso do papa estava o interesse da Igreja em aumentar seu prestígio e restabelecer a união da cristandade, rompida pelo Cisma do Oriente, em 1054.
A adesão dos nobres ao apelo papal foi imediata. Para eles, as expedições à Terra Santa seriam uma forma de conquistar terras, prestígio e riquezas no Oriente. Afinal, muitos estavam empobrecidos por causa do direito de primogenitura.
Assim, no ano seguinte, as Cruzadas tiveram início. Costurando cruzes vermelhas sobre as roupas, nobres, camponeses, pobres, mendigos e até mesmo crianças partiram da Europa em grandes expedições militares com o objetivo de tomar a Terra Santa dos muçulmanos.
A Primeira Cruzada (1096-1099) conseguiu conquistar Jerusalém após três anos de lutas. A vitória permitiu a criação de alguns Estados cristãos na região, cujas terras foram distribuídas como na Europa feudal. Entretanto, pouco tempo depois, a Terra Santa foi novamente tomada pelos muçulmanos.
Outras sete Cruzadas foram realizadas, a última delas em 1270. Todas fracassaram. Apesar disso, como consequência delas, o Mediterrâneo foi reaberto à navegação europeia e os contatos culturais e comerciais entre o Ocidente e o Oriente foram restabelecidos.
As Cruzadas contribuíram ainda para aumentar a circulação de pessoas e riquezas na Europa. Por meio delas, o comércio se fortaleceu e acabou estimulando o povoamento das cidades.

3. O renascimento comercial e urbano
A partir das Cruzadas, a mudança mais visível na Europa ocidental ficou conhecida pelo nome de renascimento comercial e urbano. Ele significou o desenvolvimento do comércio e das cidades, que tiveram pouca importância nos séculos anteriores.
O comércio voltou a ter importância crescente. Nesse processo, destacou-se o comércio praticado nas feiras realizadas nas vilas ou perto dos castelos e outros lugares fortificados. Inicialmente periódicas, as feiras tornaram-se permanentes, propiciando o aparecimento de núcleos urbanos, os chamados burgos.
Novas cidades desenvolveram-se a partir dos burgos, enquanto cidades antigas, que não haviam desaparecido completamente, ganharam vida. As cidades atraíam cada vez mais artesãos, que nelas se fixavam para viver de seu ofício.
Atraíam também servos camponeses que as buscavam para tentar vender os seus excedentes agrícolas ou para viver como trabalhadores livres. Atraíam, ainda, comerciantes de sal, ferro e inúmeras outras mercadorias, provenientes de regiões distantes.

As moedas voltam a circular
As atividades comerciais restabeleceram o uso regular da moeda. Logo, diferentes moedas circulavam nas feiras e nos núcleos urbanos, provenientes de vários feudos e regiões da Europa, já que os grandes senhores feudais podiam cunhar as próprias moedas. Essa variedade criou a necessidade do câmbio, isto é, da troca de moedas. Os que se dedicavam a ele eram chamados cambistas.
Mais tarde, os cambistas passaram também a realizar empréstimos e a fazer outras operações financeiras. Assim, surgiram os bancos (do italiano banca, palavra que designava o assento ocupado pelo cambista). Durante muito tempo, os banqueiros mais importantes eram os da Península Itálica, onde, inicialmente, o comércio era mais intenso. Isso porque, desde séculos antes das Cruzadas, algumas cidades italianas, como Gênova e Veneza, mantinham relações comerciais com o Império Bizantino e com os árabes.

A burguesia entra em cena
As cidades que se formaram ao pé das fortificações estavam estreitamente vinculadas aos senhores feudais. Esses nobres, proprietários das terras onde ficavam os burgos, cobravam pesadas taxas dos que neles habitavam.
No início, toda a população do burgo era denominada burguesia; posteriormente, esse termo passou a designar apenas comerciantes, banqueiros e alguns artesãos enriquecidos.
Com o aumento do comércio e o fortalecimento da burguesia, os burgos começaram a reivindicar algum grau de liberdade em relação ao senhor feudal. Alguns desses burgos obtiveram pacificamente autorização para negociar sem pagar aos senhores nenhuma tributação. Isso era conseguido por meio de um documento conhecido como Carta de Franquia, que os moradores do burgo compravam ao senhor feudal ou a um eclesiástico (quando as terras onde ficava a cidade pertenciam à Igreja). Em muitos casos, porém, os burgos tiveram de lutar, unindo-se aos reis, a fim de conseguir dos senhores feudais a licença (franquia) para efetuar suas atividades nas cidades.

Os trabalhadores urbanos se organizam
Nas cidades, a produção artesanal e o comércio tornaram-se tão intensos que aqueles que se dedicavam a essas ocupações passaram a se organizar em associações com o intuito de regular suas atividades. As chamadas corporações de ofício dos artesãos controlavam a produção e impediam a concorrência desleal, fixavam preços, salários e padrões de qualidade. Entre todas essas funções, destacava-se a de reservar o mercado da cidade aos seus membros, além de torná-los mais fortes para negociar com os senhores feudais.
Da mesma forma que as corporações dos artesãos, formaram-se associações de comerciantes ou guildas, como medida para regular o mercado no interior dos burgos. Garantir a proteção contra os comerciantes de regiões distantes era uma das principais funções das guildas.
Essas associações de artesãos e comerciantes negociavam também os impostos com os senhores feudais. Quando a organização interna das cidades adquiria completa autonomia em relação aos feudos, as associações passavam a cuidar da administração das cidades livres.

Religião e negócios
A moral católica medieval tinha como verdadeiro que “é difícil não pecar quando se exerce a profissão de comprar e vender” (Le Goff, Jacques. Mercadores e banqueiros da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 71.). Por isso, a Igreja procurou coibir as ambições dos homens de negócios, preocupados com o lucro, impondo o justo preço e condenando a usura.
A noção do justo preço excluía qualquer ideia de lucro e devia levar em conta apenas o custo das matérias-primas e um pequeno ganho pelo trabalho prestado. Além da tentativa de exploração pelo preço, era considerado usura todo negócio que implicasse pagamento de juros — por exemplo, o empréstimo.
Esse ideal foi inicialmente adotado por artesãos e comerciantes, cujas atividades eram rigorosamente controladas pelas corporações. Na prática, porém, não era mais possível à Igreja aplicar suas imposições com rigor. A Igreja foi então obrigada a fazer concessões. Além disso, os homens de negócios sempre encontravam meios de contornar as interdições religiosas.

4. O comércio de longa distância
As Cruzadas deram grande impulso às atividades comerciais no Mediterrâneo. Vejamos como isso se deu:
• Cidades da Península Itálica, como Veneza e Gênova, passaram praticamente a monopolizar o contato com o Oriente. Os produtos orientais trazidos pelos comerciantes da Península Itálica eram revendidos para outras regiões da Europa. A Península Itálica tornou-se, dessa forma, o principal centro comercial europeu.
• Outro importante polo de atividades comerciais desenvolveu-se simultaneamente no norte da Europa, na região de Flandres (norte da atual Bélgica). Desse polo, o comércio se propagou para o mar Báltico, chegando à Rússia. Mais tarde, um grupo de cidades do norte da Europa formaram uma liga comercial chamada Hansa Teutônica, que monopolizou o comércio nessa vasta região.
• Ligando Flandres (norte) à Península Itálica (sul), desenvolveu-se uma rota terrestre que travessava a região francesa de Champanhe. Nesse percurso realizavam-se, durante todo o ano, grandes feiras, que serviam de ponto de encontro aos comerciantes europeus.

Desse modo, entre os séculos XIII e XIV, formou-se na Europa uma verdadeira teia de rotas por onde começou a fluir um intenso e próspero comércio.

5. Primeiros passos do capitalismo mercantil
O renascimento comercial e urbano, que ocorreu a partir do século XI, introduziu muitas novidades na organização da sociedade feudal. Surgiram diferentes grupos sociais, como a burguesia e os trabalhadores assalariados.
Criaram-se novas formas de enriquecimento por meio do crescimento das atividades bancárias e do comércio de mercadorias. Ganharam importância o comércio em grande escala e a produção para o mercado.
Essas novidades indicavam o lento aparecimento de um novo sistema econômico: o pré-capitalismo.
Uma das características do novo sistema era o fato de sua economia estar baseada na moeda e não na troca de produtos, como ocorria antes. Aos poucos, ele ganhou espaços cada vez maiores na ordem feudal e começou a entrar em choque com ela. A antiga nobreza, rica em terras, adaptava-se com dificuldade à nova economia. Enquanto isso, comerciantes e banqueiros enriqueciam e começavam a disputar poder com os senhores feudais.
A partir do século XV, com o início das Grandes Navegações, o pré-capitalismo se transformaria lentamente em capitalismo mercantil. Com este, o capital investido no comércio passou a dominar a produção, e o trabalho assalariado se expandiu. No lugar das corporações de ofício, surgiram as manufaturas. Pouco a pouco, a ordem feudal entrou em crise e o capitalismo mercantil se tornou dominante em toda a Europa ocidental.

6. A fome, a peste e a guerra
A dissolução do feudalismo foi apressada no fim da Idade Média por uma sucessão de acontecimentos que gerou a chamada “crise do século XIV”. Vejamos quais foram esses acontecimentos:
• A produção de alimentos sempre foi deficiente no sistema feudal, de modo que a fome era uma ameaça constante. Entre 1315 e 1317, a situação se agravou e provocou surtos de fome em vários lugares da Europa.
• A falta de estrutura das cidades para suportar o aumento populacional, associada ao problema da fome, acabou facilitando a propagação de uma série de epidemias. A pior de todas foi a chamada peste negra, que assolou a Europa entre 1348 e 1350 e matou cerca de um terço da população.
• Inúmeras guerras também contribuíram para aumentar a mortandade e tornar a situação na Europa ainda mais difícil. A maior delas foi, sem dúvida, a Guerra dos Cem Anos (1337--1453), travada entre as monarquias da Inglaterra e da França.

Sob a ação dos três flagelos do século XIV – a fome, a peste e a guerra – a população diminuía e a mão de obra se tornava cada vez mais escassa. Isso levou os senhores feudais a aumentar a exploração dos camponeses. Em consequência, houve inúmeras revoltas, nas quais os camponeses rebelados queimavam propriedades e assassinavam senhores feudais. Em algumas cidades, ocorreram desordens e motins.
A crise abalou também a estrutura de poder descentralizada característica do feudalismo, que não conseguia gerar respostas para os problemas que surgiam. Os governos centralizados começaram então a ganhar força, pois conseguiam arbitrar os conflitos inevitáveis em uma sociedade cada vez mais complexa.
Foi nesse contexto que se deu o fortalecimento do poder dos reis e a consequente formação do Estado moderno. Desse modo, pode-se dizer que as transformações da Baixa Idade Média – desenvolvimento do comércio e das cidades, uso da moeda, aparecimento da burguesia, fortalecimento do poder do rei – condenaram o feudalismo à dissolução. A essas mudanças pode-se acrescentar o Renascimento, no século XIV, e as Grandes Navegações, no século XV, todas apontando para o advento dos chamados tempos modernos.



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