DO
FEUDALISMO AO CAPITALISMO
Uma população em expansão
No
ano 800, a população europeia era de aproximadamente 18 milhões de pessoas. Até
o ano 1100, esse número aumentou em cerca de 8 milhões de habitantes, saltando
para quase 26 milhões. Em 1200, alcançou
a marca de 34 milhões de habitantes. Isso significa que em quatrocentos anos a
população da Europa praticamente dobrou.
A
diminuição das invasões a partir do século X gerou um clima de estabilidade
social sem precedentes no mundo feudal. O número de mortes por epidemias também
diminuiu consideravelmente.
Sem
disputas contra invasores e momentaneamente livres das epidemias, o número de nascimentos
começou a superar o de mortes, ocasionando o aumento populacional. O
crescimento da população trouxe consigo a ampliação do mercado de consumo e da
oferta de mão de obra. Dessa forma, cresceu a demanda por alimentos.
Esse
problema foi resolvido por meio da ampliação das áreas de cultivo, mediante o
uso de áreas até então ocupadas por florestas e pântanos.
Ao
mesmo tempo, algumas técnicas de cultivo foram aperfeiçoadas, elevando a
produtividade do trabalhador rural. O resultado da combinação desses dois
fatores foi o aumento da produção agrícola. Entretanto, isso não foi sufi
ciente para alimentar a população crescente dos feudos.
Os
senhores feudais começaram então a expulsar de suas terras o excedente
populacional. Banidos dos feudos, geralmente sob a alegação de quebrarem alguma
regra, muitos servos viram-se obrigados a mendigar ou a saquear nas estradas.
Enquanto
isso ocorria com a população mais pobre, os filhos de senhores feudais viram-se
na contingência de abandonar a propriedade paterna. Para garantir a supremacia
dos feudos e não dividir suas posses, os senhores feudais fizeram do filho primogênito
o único herdeiro. Assim, os outros filhos eram praticamente expulsos das
terras, tendo de encontrar novos meios para sobreviver.
Essas
circunstâncias acentuavam o clima de disputa entre os nobres cavaleiros. Nessa
época, ocorriam também combates e torneios que transformavam os campos em
verdadeiras arenas. Foi necessária a intervenção da Igreja, instituindo
períodos para essas disputas, como forma de regulamentá-las e evitar que a
produção agrícola fosse comprometida.
Esse
ambiente, dominado pelo espírito guerreiro, favoreceu o movimento das Cruzadas,
promovido pela Igreja.
2. As
Cruzadas
No
século XI, grande parte dos domínios árabes, incluindo a Terra Santa — que
englobava Jerusalém e outros lugares onde Jesus viveu e pregou sua doutrina —,
caiu em poder dos turcos seldjúcidas, povo vindo do Oriente que se convertera
ao islã. Diferentemente dos árabes, que nunca se opuseram às peregrinações dos
cristãos à Terra Santa, os turcos tornaram-nas mais difíceis.
Diante
disso, o papa Urbano II, falando aos nobres, na França, em 1095, fez-lhes um
apelo pela libertação da Terra Santa. Por trás do apelo religioso do papa
estava o interesse da Igreja em aumentar seu prestígio e restabelecer a união
da cristandade, rompida pelo Cisma do Oriente, em 1054.
A
adesão dos nobres ao apelo papal foi imediata. Para eles, as expedições à Terra
Santa seriam uma forma de conquistar terras, prestígio e riquezas no Oriente.
Afinal, muitos estavam empobrecidos por causa do direito de primogenitura.
Assim,
no ano seguinte, as Cruzadas tiveram início. Costurando cruzes vermelhas
sobre as roupas, nobres, camponeses, pobres, mendigos e até mesmo crianças
partiram da Europa em grandes expedições militares com o objetivo de tomar a Terra
Santa dos muçulmanos.
A Primeira
Cruzada (1096-1099) conseguiu conquistar Jerusalém após três anos de lutas. A vitória
permitiu a criação de alguns Estados cristãos na região, cujas terras foram
distribuídas como na Europa feudal. Entretanto, pouco tempo depois, a Terra
Santa foi novamente tomada pelos muçulmanos.
Outras sete
Cruzadas foram realizadas, a última delas em 1270. Todas fracassaram. Apesar disso,
como consequência delas, o Mediterrâneo foi reaberto à navegação europeia e os
contatos culturais e comerciais entre o Ocidente e o Oriente foram
restabelecidos.
As Cruzadas
contribuíram ainda para aumentar a circulação de pessoas e riquezas na Europa. Por
meio delas, o comércio se fortaleceu e acabou estimulando o povoamento das
cidades.
3. O
renascimento comercial e urbano
A
partir das Cruzadas, a mudança mais visível na Europa ocidental ficou conhecida
pelo nome de renascimento comercial e urbano. Ele significou o
desenvolvimento do comércio e das cidades, que tiveram pouca importância nos
séculos anteriores.
O
comércio voltou a ter importância crescente. Nesse processo, destacou-se o
comércio praticado nas feiras realizadas nas vilas ou perto dos castelos e
outros lugares fortificados. Inicialmente periódicas, as feiras tornaram-se
permanentes, propiciando o aparecimento de núcleos urbanos, os chamados burgos.
Novas
cidades desenvolveram-se a partir dos burgos, enquanto cidades antigas, que não
haviam desaparecido completamente, ganharam vida. As cidades atraíam cada vez
mais artesãos, que nelas se fixavam para viver de seu ofício.
Atraíam
também servos camponeses que as buscavam para tentar vender os seus excedentes agrícolas
ou para viver como trabalhadores livres. Atraíam, ainda, comerciantes de sal,
ferro e inúmeras outras mercadorias, provenientes de regiões distantes.
As moedas voltam a
circular
As
atividades comerciais restabeleceram o uso regular da moeda. Logo, diferentes
moedas circulavam nas feiras e nos núcleos urbanos, provenientes de vários
feudos e regiões da Europa, já que os grandes senhores feudais podiam cunhar as
próprias moedas. Essa variedade criou a necessidade do câmbio, isto é, da troca
de moedas. Os que se dedicavam a ele eram chamados cambistas.
Mais
tarde, os cambistas passaram também a realizar empréstimos e a fazer outras
operações financeiras. Assim, surgiram os bancos (do italiano banca,
palavra que designava o assento ocupado pelo cambista). Durante muito tempo, os
banqueiros mais importantes eram os da Península Itálica, onde, inicialmente, o
comércio era mais intenso. Isso porque, desde séculos antes das Cruzadas, algumas
cidades italianas, como Gênova e Veneza, mantinham relações comerciais com o Império
Bizantino e com os árabes.
A burguesia entra em
cena
As
cidades que se formaram ao pé das fortificações estavam estreitamente
vinculadas aos senhores feudais. Esses nobres, proprietários das terras onde ficavam
os burgos, cobravam pesadas taxas dos que neles habitavam.
No
início, toda a população do burgo era denominada burguesia;
posteriormente, esse termo passou a designar apenas comerciantes, banqueiros e
alguns artesãos enriquecidos.
Com
o aumento do comércio e o fortalecimento da burguesia, os burgos começaram a
reivindicar algum grau de liberdade em relação ao senhor feudal. Alguns desses
burgos obtiveram pacificamente autorização para negociar sem pagar aos senhores
nenhuma tributação. Isso era conseguido por meio de um documento conhecido como
Carta de Franquia, que os moradores do burgo compravam ao senhor feudal
ou a um eclesiástico (quando as terras onde ficava a cidade pertenciam à
Igreja). Em muitos casos, porém, os burgos tiveram de lutar, unindo-se aos
reis, a fim de conseguir dos senhores feudais a licença (franquia) para efetuar
suas atividades nas cidades.
Os trabalhadores
urbanos se organizam
Nas
cidades, a produção artesanal e o comércio tornaram-se tão intensos que aqueles
que se dedicavam a essas ocupações passaram a se organizar em associações com o
intuito de regular suas atividades. As chamadas corporações de ofício dos
artesãos controlavam a produção e impediam a concorrência desleal, fixavam
preços, salários e padrões de qualidade. Entre todas essas funções, destacava-se
a de reservar o mercado da cidade aos seus membros, além de torná-los mais
fortes para negociar com os senhores feudais.
Da
mesma forma que as corporações dos artesãos, formaram-se associações de
comerciantes ou guildas, como medida para regular o mercado no interior dos
burgos. Garantir a proteção contra os comerciantes de regiões distantes era uma
das principais funções das guildas.
Essas
associações de artesãos e comerciantes negociavam também os impostos com os
senhores feudais. Quando a organização interna das cidades adquiria completa
autonomia em relação aos feudos, as associações passavam a cuidar da
administração das cidades livres.
Religião e negócios
A
moral católica medieval tinha como verdadeiro que “é difícil não pecar quando
se exerce a profissão de comprar e vender” (Le Goff, Jacques. Mercadores e
banqueiros da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 71.). Por
isso, a Igreja procurou coibir as ambições dos homens de negócios, preocupados
com o lucro, impondo o justo preço e condenando a usura.
A
noção do justo preço excluía qualquer ideia de lucro e devia levar em
conta apenas o custo das matérias-primas e um pequeno ganho pelo trabalho
prestado. Além da tentativa de exploração pelo preço, era considerado usura todo
negócio que implicasse pagamento de juros — por exemplo, o empréstimo.
Esse
ideal foi inicialmente adotado por artesãos e comerciantes, cujas atividades
eram rigorosamente controladas pelas corporações. Na prática, porém, não era
mais possível à Igreja aplicar suas imposições com rigor. A Igreja foi então
obrigada a fazer concessões. Além disso, os homens de negócios sempre
encontravam meios de contornar as interdições religiosas.
4. O
comércio de longa distância
As
Cruzadas deram grande impulso às atividades comerciais no Mediterrâneo. Vejamos
como isso se deu:
•
Cidades da Península Itálica, como Veneza e Gênova, passaram praticamente a
monopolizar o contato com o Oriente. Os produtos orientais trazidos pelos
comerciantes da Península Itálica eram revendidos para outras regiões da
Europa. A Península Itálica tornou-se, dessa forma, o principal centro
comercial europeu.
•
Outro importante polo de atividades comerciais desenvolveu-se simultaneamente
no norte da Europa, na região de Flandres (norte da atual Bélgica). Desse polo,
o comércio se propagou para o mar Báltico, chegando à Rússia. Mais tarde, um
grupo de cidades do norte da Europa formaram uma liga comercial chamada Hansa
Teutônica, que monopolizou o comércio nessa vasta região.
•
Ligando Flandres (norte) à Península Itálica (sul), desenvolveu-se uma rota
terrestre que travessava a região francesa de Champanhe. Nesse percurso
realizavam-se, durante todo o ano, grandes feiras, que serviam de ponto de encontro
aos comerciantes europeus.
Desse
modo, entre os séculos XIII e XIV, formou-se na Europa uma verdadeira teia de
rotas por onde começou a fluir um intenso e próspero comércio.
5. Primeiros
passos do capitalismo mercantil
O
renascimento comercial e urbano, que ocorreu a partir do século XI, introduziu
muitas novidades na organização da sociedade feudal. Surgiram diferentes grupos
sociais, como a burguesia e os trabalhadores assalariados.
Criaram-se
novas formas de enriquecimento por meio do crescimento das atividades bancárias
e do comércio de mercadorias. Ganharam importância o comércio em grande escala
e a produção para o mercado.
Essas
novidades indicavam o lento aparecimento de um novo sistema econômico: o
pré-capitalismo.
Uma
das características do novo sistema era o fato de sua economia estar baseada na
moeda e não na troca de produtos, como ocorria antes. Aos poucos, ele ganhou
espaços cada vez maiores na ordem feudal e começou a entrar em choque com ela.
A antiga nobreza, rica em terras, adaptava-se com dificuldade à nova economia.
Enquanto isso, comerciantes e banqueiros enriqueciam e começavam a disputar
poder com os senhores feudais.
A
partir do século XV, com o início das Grandes Navegações, o pré-capitalismo se
transformaria lentamente em capitalismo mercantil. Com este, o capital
investido no comércio passou a dominar a produção, e o trabalho assalariado se
expandiu. No lugar das corporações de ofício, surgiram as manufaturas. Pouco a
pouco, a ordem feudal entrou em crise e o capitalismo mercantil se tornou
dominante em toda a Europa ocidental.
6. A
fome, a peste e a guerra
A
dissolução do feudalismo foi apressada no fim da Idade Média por uma sucessão
de acontecimentos que gerou a chamada “crise do século XIV”. Vejamos quais
foram esses acontecimentos:
•
A produção de alimentos sempre foi deficiente no sistema feudal, de modo que a
fome era uma ameaça constante. Entre 1315 e 1317, a situação se agravou e
provocou surtos de fome em vários lugares da Europa.
•
A falta de estrutura das cidades para suportar o aumento populacional,
associada ao problema da fome, acabou facilitando a propagação de uma série de
epidemias. A pior de todas foi a chamada peste negra, que assolou a
Europa entre 1348 e 1350 e matou cerca de um terço da população.
•
Inúmeras guerras também contribuíram para aumentar a mortandade e tornar a
situação na Europa ainda mais difícil. A maior delas foi, sem dúvida, a Guerra
dos Cem Anos (1337--1453), travada entre as monarquias da Inglaterra e da
França.
Sob
a ação dos três flagelos do século XIV – a fome, a peste e a guerra – a
população diminuía e a mão de obra se tornava cada vez mais escassa. Isso levou
os senhores feudais a aumentar a exploração dos camponeses. Em consequência, houve
inúmeras revoltas, nas quais os camponeses rebelados queimavam propriedades e assassinavam
senhores feudais. Em algumas cidades, ocorreram desordens e motins.
A
crise abalou também a estrutura de poder descentralizada característica do
feudalismo, que não conseguia gerar respostas para os problemas que surgiam. Os
governos centralizados começaram então a ganhar força, pois conseguiam arbitrar
os conflitos inevitáveis em uma sociedade cada vez mais complexa.
Foi
nesse contexto que se deu o fortalecimento do poder dos reis e a consequente
formação do Estado moderno. Desse modo, pode-se dizer que as transformações da
Baixa Idade Média – desenvolvimento do comércio e das cidades, uso da moeda,
aparecimento da burguesia, fortalecimento do poder do rei – condenaram o
feudalismo à dissolução. A essas mudanças pode-se acrescentar o Renascimento, no
século XIV, e as Grandes Navegações, no século XV, todas apontando para o
advento dos chamados tempos modernos.
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