O ATENTADO DA RUA TONELERO
O tiro foi contra Lacerda, mas quem
morreu foi Getúlio
O Studebaker estacionou
discretamente na rua Paula Freitas, no bairro de Copacabana, na elegante zona
sul do Rio de Janeiro. Climério consultou o relógio: quase meia-noite. Não
havia tempo a perder. Falou para o motorista: “Espere aqui e mantenha o motor
ligado”. Em seguida, virou-se para o companheiro que estava no banco traseiro e
disse: “Vamos, Alcino.”
Os dois homens desceram do automóvel e
seguiram a pé. Pararam na esquina da Hilário Gomes com a tonelero. Dali dava
para ver o edifício Albervania onde Lacerda morava. Agora, era só ficar
esperando até que ele chegasse. Climério Euribes de
Almeida apalpou o revólver que estava no bolso do paletó e pensou: “Hoje,
Lacerda não pode escapar”. E um misto de alívio e preocupação percorreu sua
alma.
Até que enfim ia fazer o serviço que há
mais de três meses Gregório vinha cobrando todos os dias. Não podia chegar mais
uma vez e simplesmente dizer: “Chefe, ainda não deu para fazer o serviço”. Já
havia usado todas as justificativas, e Gregório estava perdendo a paciência.
Climério viera para o Rio de Janeiro trazido pelo próprio Gregório. Já fazia
muitos anos que trabalhava no Catete. “Hoje, tem de dar certo”, pensou.
Puxou a gola do paletó para cima para
se proteger da brisa fresca, quase fria, que soprava do mar. Embora trouxesse
um revólver calibre 38 no bolso, seu papel era o de dar cobertura. Quem deveria
atirar em Lacerda era Alcino João do Nascimento, o pistoleiro
especialmente contratado para esse fim e que lhe fora indicado por seu amigo
Soares. O serviço ia custar cem mil cruzeiros. Era muito dinheiro, e por isso
havia consultado Gregório, que aceitou sem vacilar: “Tudo bem”, disse ele.
"Temos de matar logo esse canalha”.
Gregório Fortunato, apelidado de o "Anjo Negro", havia vindo do Rio Grande do Sul para integrar a Guarda Pessoal de Getúlio Vargas, também conhecida por Guarda Negra. Gregório logo se tornara o chefe da Guarda e devotava a Getúlio uma fidelidade canina e deixou-se convencer
da necessidade de eliminar o homem que vinha atacando impiedosamente
presidente.
Incumbido dessa tarefa, Climério
começou a preparar o atentado. Lia o “Tribuna da Imprensa”, o jornal de
Lacerda, apenas para descobrir os lugares onde o jornalista ia se apresentar na
sua incansável campanha contra Getúlio. E chegou a levar Alcino a diversos
endereços para que se acostumasse com a fisionomia do homem que ia matar. O
atentado já havia sido marcado mais de uma vez, mas algum imprevisto acabava
sempre atrapalhando os planos.
O bairro de Copacabana estava silencioso
àquela hora da noite. Dava para ouvir o estrondo das ondas quebrando na praia
ali perto. Climério e Alcino ficaram parados na esquina, atentos, aguardando o
carro que devia trazer o homem que eles esperavam. De repente, viram o carro
estacionar no meio-fio, bem na frente do edifício Albevânia. Desceram três
pessoas. Pronto: a hora do destino havia chegado. Climério, então, puxou seu
companheiro pelo braço e lhe disse baixinho: “Vai em frente”. Alcino baixou o
chapéu e atravessou a rua. Passava um pouco da meia-noite, do dia 5 de agosto.
Nesse momento, Lacerda se despedia do
guarda-costa, o major da Aeronáutica Rubens Vaz e caminhava para a porta do
prédio em companhia do filho Sérgio. Ao perceber que havia esquecido a chave da
porta do prédio, tomou a direção da garagem. Alcino, o matador de aluguei,
chegando à calçada, sacou a arma e disparou. Lacerda foi atingido... no pé! Mas
mesmo assim correu para dentro da garagem, levando o filho consigo. Nesse
momento, o major pulou sobre o pistoleiro, tentando tomar-lhe o revólver e, na
luta que se seguiu, recebeu dois tiros disparados à queima roupa.
![]() |
Lacerda sendo carregado por policiais, após o atentatado. |
Lacerda ultimamente passara a andar
armado, pois já havia sofrido agressões anteriormente e levava consigo um
revólver calibre 38, de cano curto. Saiu pela porta da frente, atirando. Mas
não conseguiu acertar o fugitivo, que já ia a uma certa distância, na esquina
da Paula Freitas com a Tonelero.
Nesse momento, Climério, que havia
ficado na calçada oposta, fugiu pela rua Hilário de Gouveia. Quando passava em
frente ao 2o. Distrito Policial, que ficava próximo dali, os
policiais perguntaram “O que está havendo?” Ele respondeu: “Não sei, não sei!”.
E desapareceu na escuridão.
Alcino, por sua vez, correu na direção
do táxi, que ficara aguardando. Quando entrava no carro, trocou tiros com um
guarda noturno que fora atraído pelo tiroteio. Mesmo atingido, o guarda
conseguiu anotar a chapa: 5-60-21.
Climério foi até o local onde o motorista
Nelson Raimundo de Souza fazia ponto e ficou à sua espera.
Quando ele chegou, informou Climério que Alcino havia
escapado ileso. Climério, então, foi para casa, esperando que Alcino iria para lá. De fato, Alcino já o esperava. Foram se
refugiar numa chácara que Climério possuía em Belford Roxo e lá
ficaram esperando o desenrolar dos acontecimentos.
O atentado teve a maior repercussão
possível, e abalou os fundamentos mais profundos da política nacional. O fato é
que menos de 20 dias depois do atentado, Getúlio se matou com um tiro no
coração. (DGF)