sexta-feira, 24 de julho de 2015

 IMPÉRIO  DE  CARLOS  MAGNO

      Após  a  queda  do  Império  Romano  no  Ocidente, os germanos fundaram vários reinos. Entre eles, o dos francos merece destaque especial, pois teve grande influência na Europa no início da chamada Idade Média, o período que agora vamos começar a estudar.
O reino franco abrangia a Gália (onde hoje se encontra a França) e parte do território que hoje pertence à Alemanha. O nome França veio do nome desse povo. Até pouco tempo, a moeda francesa era o franco, que acabou sendo substituído pelo euro – a moeda dos países que hoje fazem parte da União Europeia.
     Os francos anteriormente se dividiam em diversos reinos, que foram unificados por um chefe guerreiro que se tornou rei chamado Clóvis. Ele deu início à dinastia merovíngia (palavra derivada de Meroveu, personagem citado por um antigo texto do século VI como antepassado de Clóvis). Clóvis recompensava seus chefes militares com doação de terras, um hábito comum na época. Com isso, ele favoreceu a formação de uma nobreza entre os francos.
     Carlos Magno, outro rei franco, expandiu ao máximo o território sob seu domínio. Sua intenção era criar um grande império, abrangendo diversos povos.

No reino dos francos, a Igreja e o Estado se unem: uma conversão vantajosa para ambas as partes

     Um dos acontecimentos mais importantes do reinado de Clóvis foi a conversão do próprio rei ao cristianismo. Não se sabe a data exata em que esse fato ocorreu; provavelmente entre 496 e 506. Seus guerreiros também se converteram. Ao adotar o cristianismo, o monarca teve seu poder político fortalecido, pois tornava-se “rei pela graça de Deus” e passava a contar com o apoio da Igreja. Também para a Igreja essa conversão era importante. De um lado, isso fornecia um poderoso impulso para que se ampliasse a população cristã. De outro, a Igreja passava a contar com o apoio do rei.
     O resultado foi que, nesse aspecto, as coisas voltaram a ficar como eram nos últimos anos do Império Romano. Isto é, restabeleceu-se a antiga aliança entre o poder religioso da Igreja e o poder político-militar do Estado.

Surge o Império Carolíngio: Um representante de Deus na Terra?

     Em 751, o último rei merovíngio foi destronado, e a coroa do reino dos francos foi parar nas mãos de Pepino, o Breve, que até então administrava o reino exercendo o cargo de “prefeito do palácio”. Com ele, teve  início outra dinastia, chamada de carolíngia. Essa dinastia ganhou esse nome por causa de seu mais importante monarca: Carlos Magno (771-814), filho de Pepino. Vitorioso em inúmeras campanhas militares, Carlos Magno fez com que o reino franco chegasse até sua extensão máxima. (Merovíngio: relativo à dinastia dos reis francos iniciada por Meroveu.)
     No ano 800, Carlos Magno estava na Itália em combate contra os adversários do papa, o líder supremo da Igreja católica. No Natal daquele ano, enquanto o rei franco rezava na igreja de São Pedro, em Roma, o papa colocou sobre a cabeça dele a coroa imperial, aclamando-o “Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador dos romanos”.

Mapa do Império de Carlos Magno


“Imperador dos romanos”? Como, se o Império Romano já tinha acabado havia mais de trezentos anos?

     É que muitos governantes europeus da Idade Média ainda esperavam construir um império mundial. A Igreja era a primeira a alimentar essa ideia. Ela desejava que todos os povos estivessem unidos debaixo de um mesmo governo, fazendo parte da mesma religião — a cristã. 
     Depois que recebeu a coroa imperial das mãos do papa, Carlos Magno passou a ser visto como o representante de Deus na Terra. Seus deveres passaram a ser: manter a paz e a justiça, proteger os fracos, defender a Igreja e contribuir para que a fé católica se espalhasse pelo mundo.

Poema: A canção de Rolando

     Carlos Magno aparece como herói em muitas histórias que chegaram a nós, verdadeiras ou lendárias. Uma dessas histórias é A canção de Rolando (de autor desconhecido).
     Trata-se de um grande poema épico carolíngio, um dos mais antigos da língua francesa. Os fatos nele citados são fruto da imaginação do autor; porém, têm alguma relação com fatos que realmente aconteceram. Por exemplo, o ponto alto do poema é uma batalha entre os francos, comandados por     Carlos Magno, e os sarracenos (como eram chamados os muçulmanos que viviam na Espanha).
     Segundo o poema, essa batalha foi travada no desfiladeiro de Roncesvalles, localizado nos Pireneus, e dela participou o guerreiro franco Rolando. De acordo com documentos históricos, as tropas de Carlos Magno foram de fato surpreendidas por inimigos nesse lugar, no ano de 778, e tiveram de combater, não os sarracenos, e sim os bascos. É verdade também que, nesse combate, morreu um chefe guerreiro chamado Rolando.
     Ainda de acordo com a história contada no poema, Carlos Magno havia conquistado quase toda a Espanha, que estava sob domínio dos muçulmanos. Faltava apenas a cidade de Saragoça.
No retorno de uma batalha, Rolando, que comandava a retaguarda do exército, caiu em uma armadilha. Cercado pelo inimigo, negou-se a soar a trompa para pedir auxílio a Carlos Magno. Parecia-lhe pouco digno de um valoroso cavaleiro pedir ajuda para o combate. Para ele, era uma honra morrer pela França e pelo imperador.
     Rolando lutou bravamente com seus companheiros, atingindo o limite de suas forças. Quando praticamente todos os guerreiros franceses já haviam morrido na batalha, ele decidiu soar sua trompa, para avisar Carlos Magno de que os inimigos tinham levado a melhor.
     Ferido, o cavaleiro ainda caminhou um pouco, mas acabou caindo, desfalecido. Um valente guerreiro muçulmano que se fingia de morto ali perto admirou-se com a espada de Rolando e tentou pegá-la de sua mão. Rolando acordou e o matou. Ele sentiu a morte aproximar-se e, para que ninguém mais lhe levasse a espada (que tinha um nome: Durendal), tentou quebrá-la, golpeando-a contra uma rocha.
Mas a espada não se partiu. Rolando atirou-a então em um rio envenenado.
     Ao chegar para socorrê-los, Carlos Magno só encontrou os cadáveres de seu exército. Marchou, então, contra o inimigo e tomou Saragoça. Ao voltar para a França, falou da morte de Rolando para Alda, a noiva do bravo cavaleiro. Ela não suportou a dor e morreu.


Delegar para governar

     Como fazer para governar um território tão grande como o Império Carolíngio? A solução encontrada por Carlos Magno foi dividir seu império em partes menores, chamadas de ducados e condados. Quando se localizavam nas fronteiras, essas unidades recebiam o nome de marcas. Por estarem nas fronteiras, essas unidades eram bem fortificadas e tinham a função de proteger o território do império contra invasores. Para o governo dessas unidades, eram nomeados duques, condes e marqueses, escolhidos entre as pessoas de maior confiança do imperador. Eles ficavam encarregados de aplicar leis, arrecadar impostos etc. Rolando, por exemplo, que participou da batalha de 778, era um conde.

Educando o clero e a nobreza: o imperador apoia as escolas

       Ao reorganizar seu Império, Carlos Magno percebeu a necessidade de elevar o nível de instrução do clero e da nobreza, para contar com representantes mais qualificados. Por isso, durante seu reinado, procurou apoiar a educação, oferecendo vantagens para os sábios que fossem ensinar os nobres de sua corte.
     Foi por isso que intelectuais de distantes regiões da Europa (Itália, Espanha e Inglaterra) migraram para o território franco. Carlos Magno deu apoio às poucas escolas que já existiam, as quais eram comandadas pelo clero. Com a ajuda do monge inglês Alcuíno, fundou a Escola Palatina, assim chamada porque funcionava no palácio do imperador. Considerada a primeira universidade medieval, lá estudavam os filhos de nobres que tinham algum interesse pelas letras. Isso também não era nada comum, pois os nobres preferiam dedicar-se a outro tipo de atividades, como caçadas e combates.
     Durante o reinado de Carlos Magno, textos da Antiguidade greco-romana foram traduzidos e copiados pelos monges copistas. Esses religiosos eram chamados assim porque tinham a função de fazer cópias manuscritas. Naquela época, o único meio de reproduzir um texto era copiando-o à mão.
      Naquela época, os livros eram considerados mais objetos de luxo do que obras para serem lidas. O material usado na sua confecção era o pergaminho. Eram ricamente decorados com iluminuras (como aquela que aparece na imagem de abertura do capítulo). Por isso, eram muito valiosos. Chegavam a fazer parte do tesouro real, do tesouro das igrejas e também da riqueza dos nobres. Contudo, não fossem essas cópias, vários textos antigos talvez não fossem conhecidos na atualidade, já que muitos dos manuscritos originais da Antiguidade se perderam ao longo da História. Portanto, o trabalho dos monges copistas foi importantíssimo. (Monge: religioso cristão que vive em mosteiro.)

O fim do Império Carolíngio: Os herdeiros disputam o território

     Em 813, Carlos Magno coroou seu único herdeiro, Luís I, o Piedoso, que se tornou coimperador ao lado de seu pai. Em 814, morreu Carlos Magno, e o Império passou totalmente às mãos de seu filho, queconseguiu manter o Império unido.
Divisão do Império de Carlos Magno
Mas, quando Luís I morreu, em 840, o poder foi disputado por seus três filhos. Depois de muitas lutas, em 843 eles assinaram o Tratado de Verdun, que selava a paz e dividia o território carolíngio em três partes. Logo depois, com a morte de um dos herdeiros, essa divisão foi substituída por outra, em que seriam apenas duas as partes do Império. Foram essas duas partes que deram origem aos reinos da França e da Germânia.



quinta-feira, 23 de julho de 2015

O  ESTADO  ISLAMICO


O Estado  Islâmico (EI)  surgiu  em  agosto  de  2014. Antes, chamou-se Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS, na sigla em inglês) e Estado Islâmico no Iraque e no Levante. Em 2014, o grupo concedeu a seu líder, Abu A-Bagdhadi, o titulo de califa.

Estado Islâmico


A bandeira segue a tradição da cor preta associada aos primeiros anos do islã. Suas palavras dizem “Não há um deus a não ser Deus, e Maomé é seu mensageiro”


Califa era como se chamavam os antigos sucessores de Maomé. É um chefe de Estado na forma monárquica de governo islâmica. Originalmente, o califa representava a unidade e a liderança política do mundo islâmico. O título havia deixado de ser usado em 1924, logo após o fim do Império Otomano.

A formação do grupo terrorista Estado Islâmico está relacionada à crise política que teve início no Iraque com a guerra iniciada em 2003. Essa guerra, como todos sabem, se iniciou dois anos após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, conduzidos por membros da organização Al-Qaeda, então liderada por Osama Bin Laden.


O Estado Islâmico é uma derivação da Al-Qaeda. As ações do EI, porém, ficaram gradativamente mais radicais, até mesmo para os padrões da Al-Qaeda. Uma diferença básica entre os dois grupos é que, ao contrário da Al Qaeda, os terroristas do EI se recusam a respeitar as fronteiras existentes.  não se contentam em dominar as áreas sunitas situadas no leste da Síria e no oeste do Iraque, eles querem também conquistar as regiões povoadas majoritariamente por judeus e por cristãos. O EI se fundamenta na corrente sunita e tem como inimigos os xiitas em geral e as minorias (yazidis, cristãos, curdos etc.), os governos do Irã, do Iraque, da Síria, os Estados Unidos, a Europa, entre outros.

A Al-Qaeda possuía grande espaço de atuação no território iraquiano e em parte da Síria. Justamente os territórios que passaram a ser controlados pelo EI no momento de sua fundação. Vale dizer que o EI só existe na cabeça de seus militantes, pois não foi reconhecido por nenhum país do mundo.

O objetivo do Estado Islâmico é expandir o modelo teocrático radical islâmico de governo, primeiramente por todo o Oriente Médio. O EI segue os métodos de outras organizações terroristas islâmicas, como a Al-Qaeda ou o Hamas. A esses métodos, os islamitas dão o nome de Jihad, ou Guerra Santa.

O modelo teocrático de governo implica na adoção da Lei Islâmica, ou Sharia, interpretada a partir do Alcorão. De fato, o Islã estabelece regras, no plano religioso, militar, político, etc., que orientam tanto a vida individual quanto a de toda a coletividade. É por isso que nos países islâmicos não se dissociam Estado e religião. Essas orientações são designadas por meio da palavra árabe Sharia.

O EI expandiu rapidamente a área sob seu controle (veja mapa abaixo). Sua ação é financiada por meios ilícitos (sequestros, por exemplo), mas também e principalmente pelas fontes de petróleo e gás que caíram sob seu controle. Graças a isso, a organização tem recursos para comprar armas e ampliar o quadro de militantes. Desde sua fundação, o EI sido muito eficiente em seus métodos de recrutamento de novos combatentes, que chegam de todas as partes do mundo. E tem conseguido ocupar cada vez mais espaço na imprensa mundial. Isso, não só por seu rápido processo de expansão, mas também por seus métodos cruéis de execução dos adversários capturados.

"Um relatório recente afirma que 30 mil milicianos estrangeiros viajaram à Síria e ao Iraque desde 2011. Alguns deles, descontentes com a exclusão social. Outros, seduzidos pela aventura. Em cidades como Raqqa e Mossul, esses guerreiros vivem a partir de regras restritas que proíbem fumo, mistura entre os sexos e música.

Mas, apesar da ideia corrente de que o Estado Islâmico tenha devolvido a região à Idade Média, seu território é governado por um emaranhado de instituições públicas apropriadas por terroristas a partir das estruturas modernas que existiam ali. Assim, numa imitação perversa, moedas foram cunhadas, passaportes foram impressos, multas de trânsito foram emitidas e currículos escolares foram modificados." (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/11/1706936-estado-islamico-nasceu-em-1999-e-cresceu-com-guerras-no-iraque-e-siria.shtm Acesso em 16/nov/2015.)

Mas seus inimigos não ficaram de braços cruzados. De fato, logo após a fundação do grupo, em 2014, cerca de 30 países estiveram presentes em uma conferência em Paris para discutir formas de fornecer ajuda militar ao Iraque para combater os radicais daquela organização. A ideia da coalizão, encabeçada pelos Estados Unidos, foi aceita pelos principais países ocidentais e também por dez países árabes. Em 2015, a Turquia também se juntou à coalizão. Os ataques praticados em Paris, na noite de 13 de novembro de 2015, que mataram 132 pessoas deverão intensificar o combate aos terroristas do Estado Islâmico.
 

quarta-feira, 22 de julho de 2015

RUMO  AO  TOPO


Anotações, nem sempre literais, feitas ao longo da leitura do livro SAPIENS, Uma breve história da humanidade, de Yuval Noal Harari (LP&M, 2015)

Primeira parte

Os seres humanos surgiram na África Oriental há cerca de 2,5 milhões de anos, a partir de um gênero anterior de primatas chamado Australopithecus, que significa “macaco do Sul”. Por volta de 2 milhões de anos atrás, alguns desses homens e mulheres arcaicos deixaram sua terra natal para se aventurar e se assentar em vastas áreas  da África do Norte, da Europa e da Ásia. Como a sobrevivência nas florestas nevadas do norte da Europa requeria características diferentes das necessárias à sobrevivência nas florestas úmidas da Indonésia, as populações humanas evoluíram em direções diferentes. O resultado foram as várias espécies distintas, a cada uma das quais os cientistas atribuíram um nome latino pomposo. Assim, surgiram nomes como Homo neanderthalensis, Homo erectus, Homo soloensis e outros.

Enquanto isso acontecia na Europa e na Ásia, na própria África Oriental a evolução não parou, e novas espécies continuaram a surgir, como o Homo rudolfensis (“Homem do lago Rudolf”), o Homo ergaster (“Homem trabalhador”) e finalmente, nossa própria espécie, o Homo sapiens (“Homem sábio”). Durante a maior parte do tempo, o mundo foi habitado por várias espécies humanas ao mesmo tempo. Mas desde cerca de 10 mil anos atrás, restou apenas o Homo sapiens. E os estudiosos ainda se perguntam sobre os motivos do sucesso do Homo sapiens.

Homo sapiens,estava mais apaelhado do que
as demais espécies humanas.


Os humanos, desde seu surgimento, se diferenciaram dos demais animais. Uma dessas diferenças é o cérebro maior. Isso teve um custo. No Homo sapiens, o cérebro equivale a 2 a 3% do peso corporal, mas consome 25% da energia do corpo quando está em repouso. Em comparação, o cérebro de outros primatas requer apenas 8% de energia em repouso. Os humanos arcaicos pagaram por seu cérebro grande de duas maneiras. Em primeiro lugar, passaram mais tempo em busca de comida. Em segundo lugar, seus músculos se atrofiaram.

Outra diferença é que andamos eretos sobre duas pernas. De pé, era mais fácil esquadrinhar a savana à procura de animais de caça ou de inimigos, e os braços, desnecessários para a locomoção, ficam liberados para outros propósitos, tais como atirar pedras ou sinalizar. A repetição desses gestos levou a um aperfeiçoamento das mãos, que se tornaram aptas para realizar tarefas cada vez mais complexas.

O Homo sapiens chegou ao topo da cadeia alimentar há cerca de 100 mil anos. Um passo importante rumo ao topo foi a domesticação do fogo. Já há 800 mi anos, algumas espécies humanas faziam uso esporádico do fogo. Por volta de 300 mil anos atrás, os Homo erectus, os neandertais e os antepassados dos Homo sapiens usavam o fogo diariamente. Desde então, os humanos tinham uma fonte confiável de luz e calor e uma arma letal contra predadores, além da possibilidade de cozinhar os alimentos e torná-los mais saborosos e mais fácil de serem digeridos. Este último fato permitiu aos humanos dedicar menos tempo à alimentação e se virar com dentes menores e intestino mais curto, e há quem admita que favoreceu o crescimento do cérebro.

Ao domesticar o fogo, os humanos ganharam controle de uma força obediente e potencialmente ilimitada. Uma única mulher podia produzir fogo para queimar uma floresta inteira em uma questão de horas. A domesticação do fogo era um sinal do que estava por vir.

COMO  ERA  A  VIDA  DO  HOMO  SAPIENS  NO  MUNDO  PRÉ-AGRÍCOLA



[Anotações, nem sempre literais, feitas ao longo da leitura do livro SAPIENS, Uma breve história da humanidade, de Yuval Noal Harari (LP&M, 2015)]

Segunda parte

Para entender a nossa natureza, nossa história e nossa psicologia, devemos entrar na cabeça dos nossos ancestrais caçadores-coletores. Durante praticamente toda a história da nossa espécie, os sapiens viveram como caçadores-coletores. O campo próspero da psicologia evolutiva afirma que muitas de nossas características psicológicas e sociais do presente foram moldadas durante essa longa era pré-agrícola. Ainda hoje, afirmam especialistas da área, nosso cérebro e nossa mente são adaptados para uma vida de caça e coleta. Nossos hábitos alimentares, nossos conflitos e nossa sexualidade são todos consequência do modo como nossa mente de caçadores-coletores interage com o ambiente pós-industrial.

Por exemplo, alguns psicólogos evolutivos afirmam que bandos antigos de caçadores-coletores não eram compostos de famílias nucleares centradas em casais monogâmicos. Em vez disso, eles viviam em comunidades onde não havia propriedade privada, lações monogâmicas ou mesmo paternidade. Em um bando como esse, uma mulher podia ter relações sexuais e formar laços íntimos com vários homens (e mulheres) ao mesmo tempo, e todos os adultos do bando cooperavam para cuidar das crianças. Os homens mostravam igual preocupação por todas as crianças, uma vez que nenhum sabia ao certo quais eram definitivamente seus filhos.

Há os que discordam dessa teoria e há os que a defendem. Os defensores afirmam que as infidelidades frequentes que caracterizam os casamentos modernos e o índice elevado de divórcios, sem falar na profusão de complexos psicológicos que acometem crianças e adultos, todos resultam de forçar os humanos a viver em famílias nucleares e relações monogâmicas, que são incompatíveis com nosso programa biológico.

A fim de entender nossa sexualidade, nossa sociedade e nossa política, precisamos saber algumas coisas sobre as condições de vida de nossos ancestrais, a fim de examinar como viviam os sapiens entre a Revolução Cognitiva de 70 mi anos atrás e o começo da Revolução Agrícola, há cerca de 12 mil anos.

[Por Revolução Cognitiva entende-se o surgimento de novas formas de pensar e de se comunicar, ocorrido entre 70 mil anos atrás e 30 mil anos atrás. Não sabemos ao certo o que a causou. A teoria mais aceita afirma que mutações genéticas acidentais mudaram as conexões internas do cérebro dos sapiens, possibilitando que pensassem de uma maneira sem precedentes e se comunicassem usando um tipo de linguagem totalmente novo.]

Infelizmente, há poucas certezas a respeito da vida de nossos ancestrais caçadores-coletores. Toda reconstrução da vida que levavam tem de ser feita com base nos escassos artefatos remanescentes, um artigo que usavam em pequeníssima quantidade. Eles se mudavam todo mês, toda semana e, às vezes, todo dia, carregando nas costas o que quer que possuíssem.

Que podemos, então, dizer sobre a vida do Homo sapiens no mundo pré-agrícola? Parece seguro afirmar que a grande maioria das pessoas vivia em pequenos bandos compostos de várias dezenas ou, no máximo, várias centenas de indivíduos e que todos esses indivíduos eram humanos. É importante observar esse último aspecto, porque está longe de ser óbvio. A maioria dos membros de sociedades agrícolas e industriais são animais domesticados. Eles não são iguais a seus senhores, é claro, mas ainda assim são membros. Hoje, a sociedade chamada de Nova Zelândia é composta de 4,5 milhões de sapiens e 50 milhões de ovelhas.

Havia apenas uma exceção a essa regra: o cão. O cachorro foi o primeiro animal domesticado pelo Homo sapiens, e isso ocorreu antes da Revolução Agrícola. Os especialistas discordam quanto à data exata, mas temos indícios incontroversos de domesticação de cachorros que datam de 15 mil anos atrás. Eles podem ter se unido aos humanos milhares de anos antes.
Deerhound, uma das mais antigas raças das Ilhas Britânicas, seus antepassados podem ter sido trazidos pelos fenícios. Este galgo se desenvolveu nos altiplanos da Escócia. Em Perthshire, pinturas nas cavernas datadas de antes de Cristo mostram galgos de pêlo duro caçando lobos e veados.


Os cachorros eram usados para caçar e guerrear e também como sistema de alarme contra animais selvagens e intrusos humanos. Com o passar das gerações, as duas espécies evoluíram para se comunicar bem uns com os outros. Os cachorros que eram mais atentos às necessidades e aos sentimentos de seus companheiros humanos recebiam mais cuidados e tinham mais possibilidades de sobreviver.

Os membros de um mesmo bando se conheciam intimamente e era cercados de amigos e parentes a vida inteira. Bandos vizinhos provavelmente competiam por recursos e até lutavam uns com os outros, mas também tinham contatos amigáveis. Às vezes, as relações com os bandos vizinhos eram sólidos o suficiente a ponto de eles constituírem uma única tribo, partilhando a mesma língua, os mesmos mitos, as mesmas normas e os mesmos valores.

Mas não devemos superestimar a importância de tais relações externas. Mesmo que em tempos de crise os bandos vizinhos se aproximassem, e mesmo que se reunissem ocasionalmente para caçar ou comer juntos, eles ainda passavam a maior parte do tempo em completo isolamento. Em média, uma pessoa vivia muitos meses sem ver ou ouvir um indivíduo de fora de seu bando e, ao longo da vida, encontrava não mais do que algumas centenas de humanos. A população sapiens vivia espalhada por vastos territórios. Antes da Revolução Agrícola, a população humana do planeta inteiro era menor do que a de São Paulo hoje.

A maioria dos  bandos sapiens vivia se deslocando, vagando de um lado para o outro em busca de alimento. Seus movimentos eram influenciados pela mudança das estações, pela imigração anual de animais e pelo ciclo de  crescimento de plantas. Eles costumavam viajar de um lado para o outro no mesmo território, uma área cuja extensão ficava entre várias dezenas e muitas centenas de quilômetros quadrados.

De vez em quando, bandos saiam de seu território e exploravam novas terras, fosse devido a calamidades climáticas, conflitos com vizinhos, pressões demográficas, fosse por iniciativa de um líder carismático. Essas perambulações foram o motor da expansão humana pelo mundo. Se um bando de caçadores-coletores se dividisse uma vez a cada 40 anos e o novo grupo migrasse para um novo território cem quilômetros para o leste, a distância da África Oriental à China teria sido coberta em aproximadamente 10 mil anos.

Em alguns casos excepcionais, quando as fontes de alimento eram particularmente abundantes, os bandos se assentavam em acampamentos sazonais e até mesmo permanentes. Técnicas de secar, defumar e (nas áreas árticas) congelar alimentos também tornavam possível permanecer em um mesmo lugar por períodos mais longos. Mais importante ainda: em áreas próximas de rios e mares ricos em frutos do mar e aves aquáticas, os humanos fundaram aldeias permanentes de pescadores – os primeiros assentamentos permanentes na história, muito antes da Revolução Agrícola. As aldeias de pescadores podem ter aparecido no litoral das ilhas indonésias já há 45 mil anos. Essas possivelmente foram a base a partir da qual o Homo sapiens iniciou seu primeiro empreendimento transoceânico: a invasão da Austrália. 
COMO  ERA  A  VIDA  DO  HOMO  SAPIENS  NO  MUNDO  PRÉ-AGRÍCOLA.


[Anotações, nem sempre literais, feitas ao longo da leitura do livro SAPIENS, Uma breve história da humanidade, de Yuval Noal Harari (LP&M, 2015)]

Terceira parte

A maior parte dos bandos de Homo sapiens vivia se deslocando, vagando de um lado para o outro em busca de alimento. Na maioria dos habitats, alimentavam-se de maneira versátil e oportunista. Eles saíam à procura de cupins, coletavam bagas, desenterravam raízes, capturavam coelhos e caçavam bisões e mamutes. Apesar da imagem difundida de “caçador”, a coleta era a atividade principal dos sapiens e lhe fornecia a maior parte de suas calorias, além de matérias-primas como sílex, madeira e bambu.
Os sapiens não saíam apenas à procura de alimentos e materiais. Também saíam à procura de conhecimento. Para sobreviver, precisavam de um detalhado mapa mental de seu território. Para maximizar a eficiência de sua busca cotidiana por alimento, precisavam de informações sobre padrões de crescimento de cada planta e os hábitos de cada animal. Precisavam saber quais alimentos eram nutritivos, quais eram nocivos e quais podiam ser usados como remédios e de que forma. Precisavam conhecer o progresso das estações do ano e os sinais de alerta que precediam uma tempestade ou um período de seca. Estudavam cada corrente, nogueira, caverna de urso e depósito de sílex nas redondezas. Cada indivíduo precisava entender como fabricar uma faca de pedra, como remendar um manto rasgado, como preparar uma armadilha para um coelho e como enfrentar avalanches, picadas de cobra ou leões famintos. O domínio de cada uma dessas habilidades requeria anos de aprendizado e prática. Em média, um antigo caçador-coletor era capaz de transformar um pedaço de sílex em uma ponta de lança em minutos. Quando tentamos imitar essa proeza, em geral fracassamos terrivelmente. A maioria de nós carece de conhecimentos específicos sobre as propriedades cortantes do sílex e do basalto e das habilidades motoras refinadas necessárias para trabalhá-los com precisão. Em outras palavras, o caçador-coletor médio tinha conhecimentos mais abrangentes, mais profundos e mais variados de seu meio imediato do que a maioria de seus descendentes modernos.
Há alguns indícios de que o tamanho médio do cérebro de um sapiens efetivamente diminuiu desde a era dos caçadores-coletores. A sobrevivência naquela época requeria de cada indivíduo habilidades mentais mais sofisticadas.
Os caçadores-coletores dominaram não só o mundo dos animais, plantas e objetos à sua volta como também o mundo interno de seu próprio corpo e sensações. Eles ouviam o menor movimento na grama para saber se havia cobra à espreita. Observavam cuidadosamente a folhagem das árvores para descobrir frutas, colmeias e ninhos de pássaros. Moviam-se com o mínimo de esforço e ruído e sabiam como sentar, caminhar e correr da maneira mais ágil e eficiente. O uso constante e variado do corpo os tornava tão aptos quanto maratonistas.
Os hábitos dos antigos caçadores-coletores diferiam significativamente de região para região e de uma estação do ano para outra, mas, em geral, eles pareciam desfrutar de um estilo de vida mais confortável e compensador do que a maioria dos camponeses, pastores, operários e funcionários administrativos que seguiram seus passos. Os caçadores-coletores que hoje vivem nos habitats mais inóspitos – como o deserto de Kalahari – trabalham em média, apenas 35-45 horas por semana. Eles caçam apenas um vez a cada três dias, e a coleta leva não mais do que de três a seis horas diárias. Em épocas normais, isso é suficiente para alimentar o bando. É bem possível que os antigos caçadores-coletores vivendo em zonas mais férteis do que o Kalahari gastassem ainda menos tempo obtendo alimento e matérias-primas. Além disso, eles tinham uma carga mais leve de tarefas domésticas: não tinham pratos para lavar, tapetes para limpar, pisos para polir, fraldas para trocar ou contas a pagar.
A economia dos caçadores-coletores proporcionava à maioria dos indivíduos vidas mais interessantes do que a agricultura ou a indústria. Atualmente, um operário chinês sai de casa por volta das sete da manhã e atravessa ruas poluídas rumo a uma fábrica com condições precárias de trabalho, onde opera a mesma máquina, da mesma maneira, dia após dia, durante dez longas horas, voltando para casa por volta da sete da noite para lavar a louça e a roupa.
Vejamos como vivia um caçador-coletor há 30 mil anos. Ele possivelmente saía de seu acampamento com os seus companheiros às oito da manhã. Perambulavam pelas florestas e savanas das redondezas, colhendo cogumelos, desenterrando raízes comestíveis, capturando rãs e às vezes fugindo de tigres. No começo da tarde, estavam de volta ao acampamento para almoçar. Isso lhes deixava tempo suficiente para fofocar, contar histórias, brincar com os filhos ou simplesmente descansar na companhia uns dos outros. É claro que às vezes alguém era pego por um tigre, ou picado por uma cobra, mas por outro lado eles não precisavam lidar com acidentes de automóvel ou poluição industrial.
Em quase todos os lugares e em quase todas as épocas, a atividade caçadora-coletora fornecia a nutrição ideal. Isso dificilmente surpreende – essa foi a dieta humana durante centenas de milhares de anos, e o corpo humano estava bem adaptado a ela. Evidências de esqueletos fossilizados indicam que os antigos caçadores-coletores tinham menos tendência a passar fome ou sofrer desnutrição e em geral eram mais altos e mais saudáveis do que seus descendentes camponeses.
O segredo do sucesso dos caçadores-coletores, que os protegia da fome e da desnutrição, era sua dieta variada. Os agricultores tendem a ingerir uma dieta muito limitada e desequilibrada. Especialmente nos tempos pré-modernos. A maior parte das calorias que alimentam uma população agrícola vinha de uma única colheita – como trigo, batata ou arroz – que carece de algumas vitaminas, sais minerais e outros nutrientes de que os humanos necessitam. Já os antigos caçadores-coletores comiam regularmente dezenas de alimentos distintos. O camponês chinês típico comia arroz no café da manhã, arroz no almoço e arroz no jantar. Se tivesse sorte, podia esperar comer o mesmo no dia seguinte. Diferentemente, os antigos caçadores-coletores comiam dúzias de tipos diferentes de comida. Ancestral do camponês, o caçador-coletor talvez comesse bagas e cogumelos no café da manhã; algumas frutas e tartarugas no almoço; e carne de coelho com cebola selvagem no jantar. É bem possível que o menu do dia seguinte fosse completamente diferente. Essa variedade garantia que os antigos caçadores-coletores recebessem todos os nutrientes necessários.
Além disso, ao não depender de um único tipo de comida, eles eram menos propensos a sofrer na ausência de uma fonte específica de alimento. As sociedades agrícolas são arruinadas pela fome quando uma seca, um incêndio ou um terremoto devastam a colheita anual de arroz ou de batata. As sociedades caçadoras-coletoras não estavam imunes a desastres e sofriam períodos de fome e privação, mas em geral eram capazes de lidar com tais calamidades mais facilmente. Se perdiam alguns de seus alimentos essenciais, podiam coletar ou caçar outras espécies, ou migrar para uma área menos afetada.

Os antigos caçadores-coletores também eram menos afetados por doenças infecciosas, diferentemente da maioria das pessoas nas sociedades agrícolas e industriais que vivia em assentamentos permanentes que eram populosos e pouco higiênicos – uma incubadora ideal de doenças.

domingo, 19 de julho de 2015

O  FIM  DA  REPÚBLICA  NA  ROMA  ANTIGA


      Durante certo tempo depois da morte de Júlio César, em 44 a.C., três chefes ligados a ele passaram a repartir o poder no mundo romano. Lépido, Marco Antônio e Otávio. Alguns anos depois, Lépido foi afastado, e o poder foi disputado pelos outros dois.
Marco Antônio foi combater no Oriente e, lá, se casou com Cleópatra, rainha do Egito. Isso era um problema, pois ele já era casado em Roma, justamente com a irmã de Otávio. Além disso, presenteou Cleópatra com diversas províncias romanas do Oriente. Esse fato causou muito descontentamento em Roma. Otávio denunciou Marco Antônio como traidor e conseguiu do Senado uma declaração de guerra contra ele e contra Cleópatra. Essa guerra favorecia os interesses de Roma, pois daria oportunidade para a conquista do Egito, na época um grande fornecedor de trigo para os romanos. O confronto se deu em 31 a.C. e resultou na vitória dos exércitos de Otávio. Derrotados, Cleópatra e Marco Antônio se suicidaram. Otávio retornou vitorioso a Roma, e o Senado lhe concedeu todos os poderes: civil, religioso e militar. O triunfo de Otávio se completou em 27 a.C, quando ele recebeu o título de Augusto, que significa “divino”, passando a ser chamado por esse nome. A concentração do poder nas mãos de Otávio deu origem a um novo regime político — o Império.
O governo de Augusto durou 41 anos e inaugurou um período de relativa paz e prosperidade, que durou mais de dois séculos. Esse longo período costuma ser chamado de Alto Império, para se diferenciar do período seguinte, o Baixo Império, que corresponde aos anos de instabilidade e enfraquecimento do poderio romano. Ao todo, o período imperial estendeu-se de 27 a.C a 476 d.C.
Augusto reorganizou a administração e as forças armadas, ampliou os territórios dominados por Roma e reforçou as fronteiras. Colocou em ordem as finanças e procurou revigorar antigos valores da família e da religião, que a elite romana estava deixando de observar. Também apoiou artistas e escritores que viveram em sua época, entre eles o historiador Tito Lívio e os poetas Horácio, Ovídio e Virgílio.
Ao morrer, Otávio Augusto passou a ser considerado divino, e um culto religioso foi organizado para ele. O mesmo ocorreria com seus sucessores.