quarta-feira, 22 de julho de 2015

COMO  ERA  A  VIDA  DO  HOMO  SAPIENS  NO  MUNDO  PRÉ-AGRÍCOLA.


[Anotações, nem sempre literais, feitas ao longo da leitura do livro SAPIENS, Uma breve história da humanidade, de Yuval Noal Harari (LP&M, 2015)]

Terceira parte

A maior parte dos bandos de Homo sapiens vivia se deslocando, vagando de um lado para o outro em busca de alimento. Na maioria dos habitats, alimentavam-se de maneira versátil e oportunista. Eles saíam à procura de cupins, coletavam bagas, desenterravam raízes, capturavam coelhos e caçavam bisões e mamutes. Apesar da imagem difundida de “caçador”, a coleta era a atividade principal dos sapiens e lhe fornecia a maior parte de suas calorias, além de matérias-primas como sílex, madeira e bambu.
Os sapiens não saíam apenas à procura de alimentos e materiais. Também saíam à procura de conhecimento. Para sobreviver, precisavam de um detalhado mapa mental de seu território. Para maximizar a eficiência de sua busca cotidiana por alimento, precisavam de informações sobre padrões de crescimento de cada planta e os hábitos de cada animal. Precisavam saber quais alimentos eram nutritivos, quais eram nocivos e quais podiam ser usados como remédios e de que forma. Precisavam conhecer o progresso das estações do ano e os sinais de alerta que precediam uma tempestade ou um período de seca. Estudavam cada corrente, nogueira, caverna de urso e depósito de sílex nas redondezas. Cada indivíduo precisava entender como fabricar uma faca de pedra, como remendar um manto rasgado, como preparar uma armadilha para um coelho e como enfrentar avalanches, picadas de cobra ou leões famintos. O domínio de cada uma dessas habilidades requeria anos de aprendizado e prática. Em média, um antigo caçador-coletor era capaz de transformar um pedaço de sílex em uma ponta de lança em minutos. Quando tentamos imitar essa proeza, em geral fracassamos terrivelmente. A maioria de nós carece de conhecimentos específicos sobre as propriedades cortantes do sílex e do basalto e das habilidades motoras refinadas necessárias para trabalhá-los com precisão. Em outras palavras, o caçador-coletor médio tinha conhecimentos mais abrangentes, mais profundos e mais variados de seu meio imediato do que a maioria de seus descendentes modernos.
Há alguns indícios de que o tamanho médio do cérebro de um sapiens efetivamente diminuiu desde a era dos caçadores-coletores. A sobrevivência naquela época requeria de cada indivíduo habilidades mentais mais sofisticadas.
Os caçadores-coletores dominaram não só o mundo dos animais, plantas e objetos à sua volta como também o mundo interno de seu próprio corpo e sensações. Eles ouviam o menor movimento na grama para saber se havia cobra à espreita. Observavam cuidadosamente a folhagem das árvores para descobrir frutas, colmeias e ninhos de pássaros. Moviam-se com o mínimo de esforço e ruído e sabiam como sentar, caminhar e correr da maneira mais ágil e eficiente. O uso constante e variado do corpo os tornava tão aptos quanto maratonistas.
Os hábitos dos antigos caçadores-coletores diferiam significativamente de região para região e de uma estação do ano para outra, mas, em geral, eles pareciam desfrutar de um estilo de vida mais confortável e compensador do que a maioria dos camponeses, pastores, operários e funcionários administrativos que seguiram seus passos. Os caçadores-coletores que hoje vivem nos habitats mais inóspitos – como o deserto de Kalahari – trabalham em média, apenas 35-45 horas por semana. Eles caçam apenas um vez a cada três dias, e a coleta leva não mais do que de três a seis horas diárias. Em épocas normais, isso é suficiente para alimentar o bando. É bem possível que os antigos caçadores-coletores vivendo em zonas mais férteis do que o Kalahari gastassem ainda menos tempo obtendo alimento e matérias-primas. Além disso, eles tinham uma carga mais leve de tarefas domésticas: não tinham pratos para lavar, tapetes para limpar, pisos para polir, fraldas para trocar ou contas a pagar.
A economia dos caçadores-coletores proporcionava à maioria dos indivíduos vidas mais interessantes do que a agricultura ou a indústria. Atualmente, um operário chinês sai de casa por volta das sete da manhã e atravessa ruas poluídas rumo a uma fábrica com condições precárias de trabalho, onde opera a mesma máquina, da mesma maneira, dia após dia, durante dez longas horas, voltando para casa por volta da sete da noite para lavar a louça e a roupa.
Vejamos como vivia um caçador-coletor há 30 mil anos. Ele possivelmente saía de seu acampamento com os seus companheiros às oito da manhã. Perambulavam pelas florestas e savanas das redondezas, colhendo cogumelos, desenterrando raízes comestíveis, capturando rãs e às vezes fugindo de tigres. No começo da tarde, estavam de volta ao acampamento para almoçar. Isso lhes deixava tempo suficiente para fofocar, contar histórias, brincar com os filhos ou simplesmente descansar na companhia uns dos outros. É claro que às vezes alguém era pego por um tigre, ou picado por uma cobra, mas por outro lado eles não precisavam lidar com acidentes de automóvel ou poluição industrial.
Em quase todos os lugares e em quase todas as épocas, a atividade caçadora-coletora fornecia a nutrição ideal. Isso dificilmente surpreende – essa foi a dieta humana durante centenas de milhares de anos, e o corpo humano estava bem adaptado a ela. Evidências de esqueletos fossilizados indicam que os antigos caçadores-coletores tinham menos tendência a passar fome ou sofrer desnutrição e em geral eram mais altos e mais saudáveis do que seus descendentes camponeses.
O segredo do sucesso dos caçadores-coletores, que os protegia da fome e da desnutrição, era sua dieta variada. Os agricultores tendem a ingerir uma dieta muito limitada e desequilibrada. Especialmente nos tempos pré-modernos. A maior parte das calorias que alimentam uma população agrícola vinha de uma única colheita – como trigo, batata ou arroz – que carece de algumas vitaminas, sais minerais e outros nutrientes de que os humanos necessitam. Já os antigos caçadores-coletores comiam regularmente dezenas de alimentos distintos. O camponês chinês típico comia arroz no café da manhã, arroz no almoço e arroz no jantar. Se tivesse sorte, podia esperar comer o mesmo no dia seguinte. Diferentemente, os antigos caçadores-coletores comiam dúzias de tipos diferentes de comida. Ancestral do camponês, o caçador-coletor talvez comesse bagas e cogumelos no café da manhã; algumas frutas e tartarugas no almoço; e carne de coelho com cebola selvagem no jantar. É bem possível que o menu do dia seguinte fosse completamente diferente. Essa variedade garantia que os antigos caçadores-coletores recebessem todos os nutrientes necessários.
Além disso, ao não depender de um único tipo de comida, eles eram menos propensos a sofrer na ausência de uma fonte específica de alimento. As sociedades agrícolas são arruinadas pela fome quando uma seca, um incêndio ou um terremoto devastam a colheita anual de arroz ou de batata. As sociedades caçadoras-coletoras não estavam imunes a desastres e sofriam períodos de fome e privação, mas em geral eram capazes de lidar com tais calamidades mais facilmente. Se perdiam alguns de seus alimentos essenciais, podiam coletar ou caçar outras espécies, ou migrar para uma área menos afetada.

Os antigos caçadores-coletores também eram menos afetados por doenças infecciosas, diferentemente da maioria das pessoas nas sociedades agrícolas e industriais que vivia em assentamentos permanentes que eram populosos e pouco higiênicos – uma incubadora ideal de doenças.

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