COMO ERA A
VIDA DO HOMO
SAPIENS NO MUNDO
PRÉ-AGRÍCOLA.
[Anotações, nem sempre literais, feitas ao longo da
leitura do livro SAPIENS, Uma breve
história da humanidade, de Yuval Noal Harari (LP&M, 2015)]
Terceira parte
A
maior parte dos bandos de Homo sapiens
vivia se deslocando, vagando de um lado para o outro em busca de alimento. Na
maioria dos habitats, alimentavam-se de maneira versátil e oportunista. Eles
saíam à procura de cupins, coletavam bagas, desenterravam raízes, capturavam
coelhos e caçavam bisões e mamutes. Apesar da imagem difundida de “caçador”, a
coleta era a atividade principal dos sapiens e lhe fornecia a maior parte de
suas calorias, além de matérias-primas como sílex, madeira e bambu.
Os
sapiens não saíam apenas à procura de alimentos e materiais. Também saíam à
procura de conhecimento. Para sobreviver, precisavam de um detalhado mapa
mental de seu território. Para maximizar a eficiência de sua busca cotidiana
por alimento, precisavam de informações sobre padrões de crescimento de cada
planta e os hábitos de cada animal. Precisavam saber quais alimentos eram
nutritivos, quais eram nocivos e quais podiam ser usados como remédios e de que
forma. Precisavam conhecer o progresso das estações do ano e os sinais de
alerta que precediam uma tempestade ou um período de seca. Estudavam cada
corrente, nogueira, caverna de urso e depósito de sílex nas redondezas. Cada
indivíduo precisava entender como fabricar uma faca de pedra, como remendar um
manto rasgado, como preparar uma armadilha para um coelho e como enfrentar avalanches,
picadas de cobra ou leões famintos. O domínio de cada uma dessas habilidades
requeria anos de aprendizado e prática. Em média, um antigo caçador-coletor era
capaz de transformar um pedaço de sílex em uma ponta de lança em minutos.
Quando tentamos imitar essa proeza, em geral fracassamos terrivelmente. A
maioria de nós carece de conhecimentos específicos sobre as propriedades
cortantes do sílex e do basalto e das habilidades motoras refinadas necessárias
para trabalhá-los com precisão. Em outras palavras, o caçador-coletor médio
tinha conhecimentos mais abrangentes, mais profundos e mais variados de seu
meio imediato do que a maioria de seus descendentes modernos.
Há
alguns indícios de que o tamanho médio do cérebro de um sapiens efetivamente diminuiu desde a era dos
caçadores-coletores. A sobrevivência naquela época requeria de cada indivíduo
habilidades mentais mais sofisticadas.
Os
caçadores-coletores dominaram não só o mundo dos animais, plantas e objetos à
sua volta como também o mundo interno de seu próprio corpo e sensações. Eles
ouviam o menor movimento na grama para saber se havia cobra à espreita.
Observavam cuidadosamente a folhagem das árvores para descobrir frutas, colmeias
e ninhos de pássaros. Moviam-se com o mínimo de esforço e ruído e sabiam como
sentar, caminhar e correr da maneira mais ágil e eficiente. O uso constante e
variado do corpo os tornava tão aptos quanto maratonistas.
Os
hábitos dos antigos caçadores-coletores diferiam significativamente de região
para região e de uma estação do ano para outra, mas, em geral, eles pareciam
desfrutar de um estilo de vida mais confortável e compensador do que a maioria
dos camponeses, pastores, operários e funcionários administrativos que seguiram
seus passos. Os caçadores-coletores que hoje vivem nos habitats mais inóspitos –
como o deserto de Kalahari – trabalham em média, apenas 35-45 horas por semana.
Eles caçam apenas um vez a cada três dias, e a coleta leva não mais do que de
três a seis horas diárias. Em épocas normais, isso é suficiente para alimentar
o bando. É bem possível que os antigos caçadores-coletores vivendo em zonas
mais férteis do que o Kalahari gastassem ainda menos tempo obtendo alimento e
matérias-primas. Além disso, eles tinham uma carga mais leve de tarefas
domésticas: não tinham pratos para lavar, tapetes para limpar, pisos para
polir, fraldas para trocar ou contas a pagar.
A
economia dos caçadores-coletores proporcionava à maioria dos indivíduos vidas
mais interessantes do que a agricultura ou a indústria. Atualmente, um operário
chinês sai de casa por volta das sete da manhã e atravessa ruas poluídas rumo a
uma fábrica com condições precárias de trabalho, onde opera a mesma máquina, da
mesma maneira, dia após dia, durante dez longas horas, voltando para casa por
volta da sete da noite para lavar a louça e a roupa.
Vejamos
como vivia um caçador-coletor há 30 mil anos. Ele possivelmente saía de seu
acampamento com os seus companheiros às oito da manhã. Perambulavam pelas
florestas e savanas das redondezas, colhendo cogumelos, desenterrando raízes
comestíveis, capturando rãs e às vezes fugindo de tigres. No começo da tarde,
estavam de volta ao acampamento para almoçar. Isso lhes deixava tempo
suficiente para fofocar, contar histórias, brincar com os filhos ou
simplesmente descansar na companhia uns dos outros. É claro que às vezes alguém
era pego por um tigre, ou picado por uma cobra, mas por outro lado eles não
precisavam lidar com acidentes de automóvel ou poluição industrial.
Em
quase todos os lugares e em quase todas as épocas, a atividade caçadora-coletora
fornecia a nutrição ideal. Isso dificilmente surpreende – essa foi a dieta
humana durante centenas de milhares de anos, e o corpo humano estava bem
adaptado a ela. Evidências de esqueletos fossilizados indicam que os antigos caçadores-coletores
tinham menos tendência a passar fome ou sofrer desnutrição e em geral eram mais
altos e mais saudáveis do que seus descendentes camponeses.
O
segredo do sucesso dos caçadores-coletores, que os protegia da fome e da
desnutrição, era sua dieta variada. Os agricultores tendem a ingerir uma dieta
muito limitada e desequilibrada. Especialmente nos tempos pré-modernos. A maior
parte das calorias que alimentam uma população agrícola vinha de uma única
colheita – como trigo, batata ou arroz – que carece de algumas vitaminas, sais
minerais e outros nutrientes de que os humanos necessitam. Já os antigos caçadores-coletores
comiam regularmente dezenas de alimentos distintos. O camponês chinês típico
comia arroz no café da manhã, arroz no almoço e arroz no jantar. Se tivesse
sorte, podia esperar comer o mesmo no dia seguinte. Diferentemente, os antigos caçadores-coletores
comiam dúzias de tipos diferentes de comida. Ancestral do camponês, o
caçador-coletor talvez comesse bagas e cogumelos no café da manhã; algumas
frutas e tartarugas no almoço; e carne de coelho com cebola selvagem no jantar.
É bem possível que o menu do dia seguinte fosse completamente diferente. Essa
variedade garantia que os antigos caçadores-coletores recebessem todos os
nutrientes necessários.
Além
disso, ao não depender de um único tipo de comida, eles eram menos propensos a
sofrer na ausência de uma fonte específica de alimento. As sociedades agrícolas
são arruinadas pela fome quando uma seca, um incêndio ou um terremoto devastam
a colheita anual de arroz ou de batata. As sociedades caçadoras-coletoras não
estavam imunes a desastres e sofriam períodos de fome e privação, mas em geral
eram capazes de lidar com tais calamidades mais facilmente. Se perdiam alguns
de seus alimentos essenciais, podiam coletar ou caçar outras espécies, ou
migrar para uma área menos afetada.
Os
antigos caçadores-coletores também eram menos afetados por doenças infecciosas,
diferentemente da maioria das pessoas nas sociedades agrícolas e industriais que
vivia em assentamentos permanentes que eram populosos e pouco higiênicos – uma incubadora
ideal de doenças.
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