COMO ERA A VIDA DO HOMO SAPIENS NO MUNDO PRÉ-AGRÍCOLA
[Anotações, nem sempre literais, feitas ao longo da
leitura do livro SAPIENS, Uma breve
história da humanidade, de Yuval Noal Harari (LP&M, 2015)]
Segunda parte
Para
entender a nossa natureza, nossa história e nossa psicologia, devemos entrar na
cabeça dos nossos ancestrais caçadores-coletores. Durante praticamente toda a
história da nossa espécie, os sapiens viveram como caçadores-coletores. O campo
próspero da psicologia evolutiva afirma que muitas de nossas características
psicológicas e sociais do presente foram moldadas durante essa longa era
pré-agrícola. Ainda hoje, afirmam especialistas da área, nosso cérebro e nossa
mente são adaptados para uma vida de caça e coleta. Nossos hábitos alimentares,
nossos conflitos e nossa sexualidade são todos consequência do modo como nossa
mente de caçadores-coletores interage com o ambiente pós-industrial.
Por
exemplo, alguns psicólogos evolutivos afirmam que bandos antigos de
caçadores-coletores não eram compostos de famílias nucleares centradas em
casais monogâmicos. Em vez disso, eles viviam em comunidades onde não havia
propriedade privada, lações monogâmicas ou mesmo paternidade. Em um bando como
esse, uma mulher podia ter relações sexuais e formar laços íntimos com vários
homens (e mulheres) ao mesmo tempo, e todos os adultos do bando cooperavam para
cuidar das crianças. Os homens mostravam igual preocupação por todas as
crianças, uma vez que nenhum sabia ao certo quais eram definitivamente seus
filhos.
Há
os que discordam dessa teoria e há os que a defendem. Os defensores afirmam que
as infidelidades frequentes que caracterizam os casamentos modernos e o índice
elevado de divórcios, sem falar na profusão de complexos psicológicos que
acometem crianças e adultos, todos resultam de forçar os humanos a viver em
famílias nucleares e relações monogâmicas, que são incompatíveis com nosso
programa biológico.
A
fim de entender nossa sexualidade, nossa sociedade e nossa política, precisamos
saber algumas coisas sobre as condições de vida de nossos ancestrais, a fim de
examinar como viviam os sapiens entre a Revolução Cognitiva de 70 mi anos atrás
e o começo da Revolução Agrícola, há cerca de 12 mil anos.
[Por Revolução Cognitiva entende-se o surgimento de novas formas de pensar e de se comunicar, ocorrido entre 70 mil anos atrás e 30 mil anos atrás. Não sabemos ao certo o que a causou. A teoria mais aceita afirma que mutações genéticas acidentais mudaram as conexões internas do cérebro dos sapiens, possibilitando que pensassem de uma maneira sem precedentes e se comunicassem usando um tipo de linguagem totalmente novo.]
[Por Revolução Cognitiva entende-se o surgimento de novas formas de pensar e de se comunicar, ocorrido entre 70 mil anos atrás e 30 mil anos atrás. Não sabemos ao certo o que a causou. A teoria mais aceita afirma que mutações genéticas acidentais mudaram as conexões internas do cérebro dos sapiens, possibilitando que pensassem de uma maneira sem precedentes e se comunicassem usando um tipo de linguagem totalmente novo.]
Infelizmente,
há poucas certezas a respeito da vida de nossos ancestrais caçadores-coletores.
Toda reconstrução da vida que levavam tem de ser feita com base nos escassos
artefatos remanescentes, um artigo que usavam em pequeníssima quantidade. Eles
se mudavam todo mês, toda semana e, às vezes, todo dia, carregando nas costas o
que quer que possuíssem.
Que
podemos, então, dizer sobre a vida do Homo
sapiens no mundo pré-agrícola? Parece seguro afirmar que a grande maioria
das pessoas vivia em pequenos bandos compostos de várias dezenas ou, no máximo,
várias centenas de indivíduos e que todos esses indivíduos eram humanos. É
importante observar esse último aspecto, porque está longe de ser óbvio. A
maioria dos membros de sociedades agrícolas e industriais são animais
domesticados. Eles não são iguais a seus senhores, é claro, mas ainda assim são
membros. Hoje, a sociedade chamada de Nova Zelândia é composta de 4,5 milhões
de sapiens e 50 milhões de ovelhas.
Havia
apenas uma exceção a essa regra: o cão. O cachorro foi o primeiro animal domesticado
pelo Homo sapiens, e isso ocorreu
antes da Revolução Agrícola. Os especialistas discordam quanto à data exata,
mas temos indícios incontroversos de domesticação de cachorros que datam de 15
mil anos atrás. Eles podem ter se unido aos humanos milhares de anos antes.
Os
cachorros eram usados para caçar e guerrear e também como sistema de alarme
contra animais selvagens e intrusos humanos. Com o passar das gerações, as duas
espécies evoluíram para se comunicar bem uns com os outros. Os cachorros que eram
mais atentos às necessidades e aos sentimentos de seus companheiros humanos
recebiam mais cuidados e tinham mais possibilidades de sobreviver.
Os
membros de um mesmo bando se conheciam intimamente e era cercados de amigos e
parentes a vida inteira. Bandos vizinhos provavelmente competiam por recursos e
até lutavam uns com os outros, mas também tinham contatos amigáveis. Às vezes,
as relações com os bandos vizinhos eram sólidos o suficiente a ponto de eles
constituírem uma única tribo, partilhando a mesma língua, os mesmos mitos, as
mesmas normas e os mesmos valores.
Mas
não devemos superestimar a importância de tais relações externas. Mesmo que em
tempos de crise os bandos vizinhos se aproximassem, e mesmo que se reunissem
ocasionalmente para caçar ou comer juntos, eles ainda passavam a maior parte do
tempo em completo isolamento. Em média, uma pessoa vivia muitos meses sem ver
ou ouvir um indivíduo de fora de seu bando e, ao longo da vida, encontrava não
mais do que algumas centenas de humanos. A população sapiens vivia espalhada
por vastos territórios. Antes da Revolução Agrícola, a população humana do
planeta inteiro era menor do que a de São Paulo hoje.
A
maioria dos bandos sapiens vivia se
deslocando, vagando de um lado para o outro em busca de alimento. Seus
movimentos eram influenciados pela mudança das estações, pela imigração anual
de animais e pelo ciclo de crescimento
de plantas. Eles costumavam viajar de um lado para o outro no mesmo território,
uma área cuja extensão ficava entre várias dezenas e muitas centenas de
quilômetros quadrados.
De
vez em quando, bandos saiam de seu território e exploravam novas terras, fosse
devido a calamidades climáticas, conflitos com vizinhos, pressões demográficas,
fosse por iniciativa de um líder carismático. Essas perambulações foram o motor
da expansão humana pelo mundo. Se um bando de caçadores-coletores se dividisse
uma vez a cada 40 anos e o novo grupo migrasse para um novo território cem
quilômetros para o leste, a distância da África Oriental à China teria sido
coberta em aproximadamente 10 mil anos.
Em
alguns casos excepcionais, quando as fontes de alimento eram particularmente
abundantes, os bandos se assentavam em acampamentos sazonais e até mesmo
permanentes. Técnicas de secar, defumar e (nas áreas árticas) congelar
alimentos também tornavam possível permanecer em um mesmo lugar por períodos
mais longos. Mais importante ainda: em áreas próximas de rios e mares ricos em
frutos do mar e aves aquáticas, os humanos fundaram aldeias permanentes de pescadores
– os primeiros assentamentos permanentes na história, muito antes da Revolução
Agrícola. As aldeias de pescadores podem ter aparecido no litoral das ilhas
indonésias já há 45 mil anos. Essas possivelmente foram a base a partir da qual
o Homo sapiens iniciou seu primeiro
empreendimento transoceânico: a invasão da Austrália.
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