quarta-feira, 22 de julho de 2015

COMO  ERA  A  VIDA  DO  HOMO  SAPIENS  NO  MUNDO  PRÉ-AGRÍCOLA



[Anotações, nem sempre literais, feitas ao longo da leitura do livro SAPIENS, Uma breve história da humanidade, de Yuval Noal Harari (LP&M, 2015)]

Segunda parte

Para entender a nossa natureza, nossa história e nossa psicologia, devemos entrar na cabeça dos nossos ancestrais caçadores-coletores. Durante praticamente toda a história da nossa espécie, os sapiens viveram como caçadores-coletores. O campo próspero da psicologia evolutiva afirma que muitas de nossas características psicológicas e sociais do presente foram moldadas durante essa longa era pré-agrícola. Ainda hoje, afirmam especialistas da área, nosso cérebro e nossa mente são adaptados para uma vida de caça e coleta. Nossos hábitos alimentares, nossos conflitos e nossa sexualidade são todos consequência do modo como nossa mente de caçadores-coletores interage com o ambiente pós-industrial.

Por exemplo, alguns psicólogos evolutivos afirmam que bandos antigos de caçadores-coletores não eram compostos de famílias nucleares centradas em casais monogâmicos. Em vez disso, eles viviam em comunidades onde não havia propriedade privada, lações monogâmicas ou mesmo paternidade. Em um bando como esse, uma mulher podia ter relações sexuais e formar laços íntimos com vários homens (e mulheres) ao mesmo tempo, e todos os adultos do bando cooperavam para cuidar das crianças. Os homens mostravam igual preocupação por todas as crianças, uma vez que nenhum sabia ao certo quais eram definitivamente seus filhos.

Há os que discordam dessa teoria e há os que a defendem. Os defensores afirmam que as infidelidades frequentes que caracterizam os casamentos modernos e o índice elevado de divórcios, sem falar na profusão de complexos psicológicos que acometem crianças e adultos, todos resultam de forçar os humanos a viver em famílias nucleares e relações monogâmicas, que são incompatíveis com nosso programa biológico.

A fim de entender nossa sexualidade, nossa sociedade e nossa política, precisamos saber algumas coisas sobre as condições de vida de nossos ancestrais, a fim de examinar como viviam os sapiens entre a Revolução Cognitiva de 70 mi anos atrás e o começo da Revolução Agrícola, há cerca de 12 mil anos.

[Por Revolução Cognitiva entende-se o surgimento de novas formas de pensar e de se comunicar, ocorrido entre 70 mil anos atrás e 30 mil anos atrás. Não sabemos ao certo o que a causou. A teoria mais aceita afirma que mutações genéticas acidentais mudaram as conexões internas do cérebro dos sapiens, possibilitando que pensassem de uma maneira sem precedentes e se comunicassem usando um tipo de linguagem totalmente novo.]

Infelizmente, há poucas certezas a respeito da vida de nossos ancestrais caçadores-coletores. Toda reconstrução da vida que levavam tem de ser feita com base nos escassos artefatos remanescentes, um artigo que usavam em pequeníssima quantidade. Eles se mudavam todo mês, toda semana e, às vezes, todo dia, carregando nas costas o que quer que possuíssem.

Que podemos, então, dizer sobre a vida do Homo sapiens no mundo pré-agrícola? Parece seguro afirmar que a grande maioria das pessoas vivia em pequenos bandos compostos de várias dezenas ou, no máximo, várias centenas de indivíduos e que todos esses indivíduos eram humanos. É importante observar esse último aspecto, porque está longe de ser óbvio. A maioria dos membros de sociedades agrícolas e industriais são animais domesticados. Eles não são iguais a seus senhores, é claro, mas ainda assim são membros. Hoje, a sociedade chamada de Nova Zelândia é composta de 4,5 milhões de sapiens e 50 milhões de ovelhas.

Havia apenas uma exceção a essa regra: o cão. O cachorro foi o primeiro animal domesticado pelo Homo sapiens, e isso ocorreu antes da Revolução Agrícola. Os especialistas discordam quanto à data exata, mas temos indícios incontroversos de domesticação de cachorros que datam de 15 mil anos atrás. Eles podem ter se unido aos humanos milhares de anos antes.
Deerhound, uma das mais antigas raças das Ilhas Britânicas, seus antepassados podem ter sido trazidos pelos fenícios. Este galgo se desenvolveu nos altiplanos da Escócia. Em Perthshire, pinturas nas cavernas datadas de antes de Cristo mostram galgos de pêlo duro caçando lobos e veados.


Os cachorros eram usados para caçar e guerrear e também como sistema de alarme contra animais selvagens e intrusos humanos. Com o passar das gerações, as duas espécies evoluíram para se comunicar bem uns com os outros. Os cachorros que eram mais atentos às necessidades e aos sentimentos de seus companheiros humanos recebiam mais cuidados e tinham mais possibilidades de sobreviver.

Os membros de um mesmo bando se conheciam intimamente e era cercados de amigos e parentes a vida inteira. Bandos vizinhos provavelmente competiam por recursos e até lutavam uns com os outros, mas também tinham contatos amigáveis. Às vezes, as relações com os bandos vizinhos eram sólidos o suficiente a ponto de eles constituírem uma única tribo, partilhando a mesma língua, os mesmos mitos, as mesmas normas e os mesmos valores.

Mas não devemos superestimar a importância de tais relações externas. Mesmo que em tempos de crise os bandos vizinhos se aproximassem, e mesmo que se reunissem ocasionalmente para caçar ou comer juntos, eles ainda passavam a maior parte do tempo em completo isolamento. Em média, uma pessoa vivia muitos meses sem ver ou ouvir um indivíduo de fora de seu bando e, ao longo da vida, encontrava não mais do que algumas centenas de humanos. A população sapiens vivia espalhada por vastos territórios. Antes da Revolução Agrícola, a população humana do planeta inteiro era menor do que a de São Paulo hoje.

A maioria dos  bandos sapiens vivia se deslocando, vagando de um lado para o outro em busca de alimento. Seus movimentos eram influenciados pela mudança das estações, pela imigração anual de animais e pelo ciclo de  crescimento de plantas. Eles costumavam viajar de um lado para o outro no mesmo território, uma área cuja extensão ficava entre várias dezenas e muitas centenas de quilômetros quadrados.

De vez em quando, bandos saiam de seu território e exploravam novas terras, fosse devido a calamidades climáticas, conflitos com vizinhos, pressões demográficas, fosse por iniciativa de um líder carismático. Essas perambulações foram o motor da expansão humana pelo mundo. Se um bando de caçadores-coletores se dividisse uma vez a cada 40 anos e o novo grupo migrasse para um novo território cem quilômetros para o leste, a distância da África Oriental à China teria sido coberta em aproximadamente 10 mil anos.

Em alguns casos excepcionais, quando as fontes de alimento eram particularmente abundantes, os bandos se assentavam em acampamentos sazonais e até mesmo permanentes. Técnicas de secar, defumar e (nas áreas árticas) congelar alimentos também tornavam possível permanecer em um mesmo lugar por períodos mais longos. Mais importante ainda: em áreas próximas de rios e mares ricos em frutos do mar e aves aquáticas, os humanos fundaram aldeias permanentes de pescadores – os primeiros assentamentos permanentes na história, muito antes da Revolução Agrícola. As aldeias de pescadores podem ter aparecido no litoral das ilhas indonésias já há 45 mil anos. Essas possivelmente foram a base a partir da qual o Homo sapiens iniciou seu primeiro empreendimento transoceânico: a invasão da Austrália. 

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