terça-feira, 30 de novembro de 2021

 LUIZ GAMA

Poeta, jornalista e o maior de todos os abolicionistas do Brasil


Luís Gama nasceu na cidade mais negra do Brasil, em 21 de junho de 1830. Seu pai era branco, um fidalgo de família portuguesa. Sobre sua mãe, Luísa Mahin, tudo o que sabe é o que foi informado pelo próprio Luiz Gama.

Que era uma ex-escrava africana, que vendia quitutes nas ruas de Salvador; que teria participado da Revolta dos Malês (1835) e da Sabinada (1837-1838); que, perseguida pelas autoridades, fugira para o Rio de Janeiro. Com o desaparecimento da mãe, ele foi criado pelo pai.


1. Escravidão

Em 1840, o pai, endividado, vendeu o próprio filho. Tornando-se escravo, Luiz Gama foi levado para o Rio de Janeiro e de lá para o interior da província de São Paulo. Aos 17 anos, conheceu um estudante de Direito, que o alfabetizou.

Em 1848, com 18 anos, sabendo que sua situação era ilegal, uma vez que sua mãe era livre, fugiu para a cidade de São Paulo e conquistou a alforria na justiça. Ele utilizou como argumento o Artigo 179 do Código Criminal do Império do Brasil, segundo o qual era delito "Reduzir á escravidão a pessoa livre, que se achar em posse da sua liberdade". Além disto, devido ao fato de que as revoltas ocorridas na Bahia tenham levado a proibição da venda dos escravos desta província para outras regiões do Brasil, a venda e transporte de Luís Gama para São Paulo também se constituiu em delito como contrabando.


2. Liberdade

Uma vez livre, fez parte da Guarda Municipal de 1848 até 1854. Nesse ínterim, em 1850, casou-se com Claudina Fortunata Sampaio. Luiz Gama era frequentemente requisitado para trabalhar como copista para autoridades oficiais nas horas vagas, já que possuía boa caligrafia. Em 1856, tornou-se escrivão da Secretaria de Polícia de São Paulo, no gabinete de Francisco Maria de Souza Furtado de Mendonça, professor de Direito. Beneficiando-se do conhecimento de Francisco Mendonça e dispondo de sua biblioteca, Luís Gama começou a estudar Direito como autodidata e adquiriu grande cultura jurídica. Possuía uma "provisão", documento que autorizava a prática da advocacia. No século XIX, só existiam duas Faculdades de Direito: a de Olinda e São Paulo, de forma que era comum a existência de profissionais do Direito provisionados ou rábulas (rábula  era o nome dado ao indivíduo que possuía conhecimento jurídico o suficiente para advogar, mesmo sem possuir o diploma de advogado).

Luiz Gama também era poeta. Entre outra publicações, consta uma coletânea de poemas satíricos, “Primeiras Trovas Burlescas”, de 1859, onde faz uma crítica social e política da sociedade brasileira, denunciando as questões raciais do ponto de vista negro.

Em 1868, foi demitido da Secretaria de Polícia, por pressão dos conservadores que estavam insatisfeitos com as alforrias por ele conquistadas. 


3. Atuação como advogado

Para a defesa dos escravos, ele recorria à Lei Feijó, de 1831. Lembrando que essa lei havia proibido a importação de escravos para o Brasil. Chamada de Lei Feijó, esperava-se, na época, que fosse apenas uma lei para "inglês ver".

De fato, essa foi uma lei aprovada para cumprir uma obrigação assumida com a Inglaterra, no tratado que reconheceu a Independência. Apesar disso, foi o instrumento legal do qual Gama se utilizou para conseguir a libertação de escravos. Ao provar que os escravos que defendia haviam foram trazidos para o Brasil após a promulgação dessa lei, sua condição de escravos era ilegal e, portanto, deviam ser libertados. 

Ou, então, se fosse o caso, Luiz gama recorria à lei Eusébio de Queiroz, de 1850, que proibira a entrada de escravos no território nacional.

Em 1871, uma nova lei, a do Ventre Livre, veio facilitar sua atuação de abolicionista. Nessa lei, ficou estabelecida a exigência de matrícula de cada escravo que um senhor possuísse. Caso o escravo não possuísse a matrícula, isso podia ser usado como argumento para sua alforria, o que fez Luiz Gama. Também o artigo 4º da lei formalizou a compra da carta de alforria do escravo pelo próprio ou por outros, o que deu margem para abolicionistas se passarem por avaliadores de escravos e abaixar seus valores, permitindo a compra de mais alforrias por valores reduzidos.

Embora atuasse principalmente na defesa dos negros, não se negava a atender graciosamente aos pobres em geral, inclusive imigrantes europeus lesados por brasileiros. 


4. Jornalismo e maçonaria   

Ativista da causa republicana e abolicionista, colaborou em diversos jornais: Diabo Coxo, Cabrião, Correio Paulistano, A Província de São Paulo, Radical Paulistano e na A Gazeta da Corte. Neste último, atuou com outros abolicionistas negros como Ferreira de Menezes, André Rebouças e José do Patrocínio. 

Suas ações como jornalista e advogado, já em 1869, haviam-no tornado umas das figuras de maior influência e popularidade da cidade de São Paulo. Apesar disso, Gama não se tornou um homem rico, mesmo porque usava o pouco dinheiro que ganhava fazendo doações aos necessitados que o procuravam.

Em 1866, ele, Agostini e Américo de Campos fundam o semanário Cabrião. Pertenciam à mesma loja maçônica, Loja Maçônica América, bastante ativa na causa abolicionista. Quando de sua morte,ele era o Venerável Mestre da instituição.

Luiz Gama estimava em mais de 500 o número de escravos que havia libertado, quando se deu o caso judicial conhecido como "Questão Netto". Esse processo foi movido contra familiares e ex-sócios do comendador português Manoel Joaquim Ferreira Netto. Este cidadão estabelecera em seu testamento que, depois de sua morte, todos seus 217 escravos fossem libertados. 

Luiz Gama tomou conhecimento do testamento e, ao descobrir que a vontade do morto não havia sido cumprida, recorreu à justiça

e garantiu a liberdade de todos eles. Essa foi considerada a maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas.


5. Atuação política   

Em sua atuação política, Gama foi filiado ao Partido Liberal e, em 1873, participou da fundação do Partido Republicano Paulista (PRP). Mas se frustrou ao descobrir que, entre os membros do partido, havia os que não tinham interesse na questão abolicionista. Por isso, saiu do partido e passou a criticá-lo na imprensa. Suas críticas se estendiam também a jornais que se diziam a favor da causa abolicionista mas publicavam anúncios oferecendo recompensa para a captura de escravos.


6. Morte e funeral   

Luiz Gama tinha diabetes, e esta foi a causa de morte, na manhã do dia 24 de agosto de 1882. A Wikipédia descreve assim seu funeral: "Morto o grande abolicionista e libertador de escravos, [o escritor] Raul Pompeia manifesta ter ficado incrédulo e, registrando cada momento do ato fúnebre, vai de imediato à casa do amigo, onde verifica que muitos já lá estavam, em vigília: diante da casa os homens choravam 'como uns covardes', e as senhoras soluçavam. Seu corpo fora colocado num esquife, na sala da frente; um escultor molda seu rosto em gesso. O féretro saiu no dia seguinte, às três horas da tarde. Pouco antes de cerrar-se o caixão a viúva protagonizou um pranto dolorido. O cemitério ficava no outro extremo da cidade, e para sua condução um coche funerário estava preparado, mas a multidão que para ali acorrera não deixa que siga ali: o 'amigo de todos' — como era conhecido — teria que ser 'levado por todos'. O comércio havia fechado as portas e flores eram jogadas para Gama.

"O caixão surge, trazido pelos amigos do morto: o jornalista e membro do Centro Abolicionista Gaspar da Silva, Dr. Antônio Carlos, Dr. Pinto Ferraz, o Conselheiro Duarte de Azevedo, entre outros; adiante do féretro seguia uma enorme multidão, como aquela que se apertava ao lado, disputando a honra de carregar o caixão; atrás, uma grande quantidade de carruagens e, entre elas, o coche fúnebre vazio. Às quatro horas e cinco minutos o cortejo chegou ao Brás, onde uma banda o aguardava, e passou a acompanhá-lo tocando acordes tristes; na Ladeira do Carmo a Irmandade de Nossa Senhora dos Remédios se juntou ao enterro; chegando à 'cidade', lojas cerraram suas portas e bandeiras se encontravam hasteadas a meio mastro, enquanto o povo apinhava-se nas ruas por onde o enterro passaria; nas janelas as famílias se espremem para assistir: ao longo de todo o caminho muitos são os que choram a perda.

"Ali estavam pessoas de todas as classes, e todos disputavam a chance de poder carregar o esquife. Em dado momento levavam-no ao mesmo tempo o escravocrata Martinho Prado Júnior, de um lado e, do outro, altivo, um 'pobre negro esfarrapado e descalço', no registro de Pompeia. Já era noite quando o cortejo chega finalmente ao campo santo da Consolação, e a multidão mantivera-se firme. Após uma breve parada para uma preleção por um padre na capela, onde foram depositadas as centenas de coroas de flores, finalmente o caixão foi levado à sepultura, onde a multidão esperava. Antes de descerem-no, contudo, alguém — o médico Clímaco Barbosa ou Antônio Bento, gritou para que todos esperassem; após um breve discurso no qual lembrou a importância de Luís Gama, levando todos às lágrimas, intimou que juntos prestassem um juramento de não deixar 'morrer a ideia pela qual combatera aquele gigante': foi respondido por um brado geral da multidão que, mãos estendidas ao caixão, jurava." (Wikipédia)


7. Homenagens póstumas

Entre os raros intelectuais negros no Brasil escravista do século XIX, foi o único a ter passado pela experiência do cativeiro. Pautou sua vida na luta pela abolição da escravidão e pelo fim da monarquia no Brasil, contudo veio a morrer seis anos antes da concretização dessas causas.

A figura do advogado provisionado, como era o caso de Luiz Gama, existiu até a década de 1960, quando o exercício da advocacia passou a ser reservada apenas a bacharéis de Direito. Mas em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil concedeu-lhe o título de advogado, reconhecendo a sua importância na área do Direito. 

Em 2018, a lei concedeu-lhe o título de Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil. E teve seu nome inscrito no Livro de Aço dos heróis nacionais depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves. A última homenagem veio em 19 de novembro de 2021, quando Luiz Gama recebeu da USP o título de doutor honoris causa.

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