terça-feira, 30 de novembro de 2021

 QUEDA DA MONARQUIA


Tem gente que lamenta o fim da Monarquia e crítica os malvados republicanos por haverem posto fim ao regime imperial brasileiro. Quem assim pensa está bastante enganado, pois, afinal, a Monarquia condenou-se a si mesma. Justifico.


1. O imperador envelheceu

Dom Pedro II (1840-1889) foi longo e benéfico para o país. O Brasil manteve a unidade territorial e gozou de paz e prosperidade. Mas o regime monárquico envelheceu junto com D. Pedro II. De fato, ele envelheceu precocemente. Aos 61 anos já era um ancião, o que fazia as delícias dos chargistas (como mostra essa caricatura de Agostini publicada em fevereiro de 1887, retratando o imperador quando ele ainda tinha apenas 61 anos).

Porém, ao envelhecer, Dom Pedro II adoeceu; ele padecia de diabetes, entre outras enfermidades. Claro que isso contribuiu para a sua fragilidade física e também para o seu declínio político e da Monarquia. Quando Agostini publicou a charge, a saúde do imperador já havia declinado consideravelmente. Os médicos que o atendiam sugeriram-lhe que buscasse tratamento na Europa. Ainda assim, ele esperou até o ano seguinte para embarcar para uma viagem que durou um ano e dois meses, entre Alemanha, Itália e França.

Em Milão, passou duas semanas entre a vida e a morte, chegando até mesmo a receber a extrema unção. Estava se recuperando quando recebeu a notícia de que a escravidão havia sido abolida no Brasil. Consta que ele disse algumas palavras elogiosas ao acontecido e caiu no choro. Chorou copiosamente.

Retornando ao Brasil, desembarcou no Rio de Janeiro em 22 de agosto de 1888, e foi recebido com grande entusiasmo. Parecia estar no ápice de sua popularidade. Mas a verdade é que a Monarquia estava com os dias contados. 


2. Ausência de um sucessor

D. Pedro não tinha um sucessor apropriado. Mais exatamente um sucessor masculino. Aconteceu que os dois filhos homens de d. Pedro II haviam morrido ainda na infância:

Afonso Pedro com dois anos e Pedro Afonso com um ano apenas. E resultou, então, ser a princesa Isabel a herdeira do trono, sem ter o carisma necessário para o exercício do trono. A elite política brasileira da época não aceitava, de bom grado, a ideia de uma mulher como chefe de Estado. 

Com isso chegamos ao problema do "terceiro reinado", pois o marido da princesa também não ajudava a Monarquia; ao contrário. Apesar de sua participação na Guerra do Paraguai, ele não soubera se converter num líder militar. Aconteceu justamente o contrário. Muita gente não via com bons olhos a possibilidade de um "terceiro reinado": uma imperatriz medíocre, carola ainda por cima, e com um marido estrangeiro antipatizado - isso era demais! Nem o imperador botava fé!


3. A Abolição

A isso se somou o descontentamento de uma parcela dos proprietários rurais, prejudicados pela abolição "sem indenização". A bem da verdade é preciso dizer que o governo disponibilizou empréstimos a juros baixos aos proprietários e distribuiu títulos de nobreza a muitos deles. Mas isso não impediu a debandada. A propósito, é preciso lembrar que no Brasil não havia uma nobreza de sangue, nem tampouco um "partido monárquico". Por isso, a Monarquia se apoiava apenas no carisma de d. Pedro II, que havia envelhecido e adoecera. 

E o que fizeram os proprietários descontentes? Muitos deles, incluindo os "nobres" de araque, correram a engrossar a causa republicana, que nesse momento já ganhava as ruas. Eles foram chamados, muito apropriadamente, de "republicanos de 14 de maio".


4. A propaganda republicana

O dia 3 de dezembro de 1870 era um sábado. Nesse dia, muita gente ficou surpresa diante de um novo jornal com um estranho editorial. Tratava do jornal A República, e o título do editorial era Manifesto Republicano.

Foi como um raio em céu azul, pois o regime monárquico estava então no auge, vitorioso na Guerra contra o Paraguai. 

O Manifesto era assinado por 58 apoiadores, dissidentes do Partido Liberal, desiludidos com o governo imperial. O Manifesto responsabilizava a Monarquia pelos males do país e propunha a República como solução. Três anos depois surgiu o Partido Republicano Paulista (PRP), seguido depois por outros em outras províncias. No entanto, por muitos anos o ideal republicano pouco se difundiu. Foi somente a partir de 1886, que o movimento começou a ganhar impulso. Vários clubes e jornais foram fundados. O Partido participou de diversas eleições, embora sempre sem êxito, pois não conseguia romper a hegemonia dos partidos Conservador e Liberal. Mesmo em 1889, na última eleição do Império, os republicanos elegeram apenas dois deputados para o Parlamento. 

O imperador d. Pedro II não dava a menor bola para a campanha republicana. Se fosse menos autoconfiante, poderia ter acelerado a abolição da escravidão e a expansão da educação popular (como faziam outros países). Também poderia ter feito reformas políticas, tais como a descentralização política, o fim do Senado vitalício e a expansão do voto. 


5. A "questão militar"

A campanha republicana, por si só, não oferecia perigo para a Monarquia. O problema foi a aliança entre civis republicanos e militares do Exército.

O estopim da aliança civil-militar foi a conhecida "questão militar": uma sucessão de conflitos entre oficiais do Exército Brasileiro e a Monarquia, na década de 1980. 

Por vários motivos, oficiais do Exército entraram em conflito com o governo imperial. Eles reclamavam dos baixos salários e falta de prestígio.

D. Pedro II devia ter percebido que esses conflitos revelavam a politização do Exército e minavam a obediência, princípio básico da hierarquia militar. 

A "questão militar" envolvia até mesmo um problema de ciúme, pois o imperador demonstrava mais simpatia pelos impecáveis uniformes brancos dos oficiais da Marinha. O Conde D'Eu, marido da princesa Isabel, poderia ter usado sua condição de militar para amenizar esse conflito, mas nada fez. 


6. Aliança civil-militar

Porém, a questão militar, por si só, também não teria precipitado o fim da monarquia. Mas então entrou um outro ingrediente no caldeirão, fazendo o caldo ferver. Me refiro à união entre republicanos e os militares descontentes, influenciados pela doutrina positivista, que defendia uma República ditatorial. 

Um grupo de oficiais do Exército, liderado pelo tenente-coronel Benjamin Constant, foi profundamente influenciado pelo positivismo. Essa filosofia, de origem francesa, no campo politico recomendava como ideal uma "ditadura republicana". E quando se trata de ditadura ninguém está melhor aparelhado do que os militares. Isso levou à aproximação dos militares positivistas com os republicanos civis. E quando isso aconteceu, a sorte do regime de d. Pedro II estava selada.

Foi nesse ambiente de politização do Exército que, no dia 11 de novembro de 1889, ocorreu a reunião que mudou para sempre o destino do país. Ali estavam Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva, Rui Barbosa e outros líderes tentando convencer o marechal Deodoro da Fonseca a aderir à conspiração contra a Monarquia. Com o prestígio que tinha nos meios militares, acreditava-se que Deodoro seria a garantia de que o Exército marcharia unido pela causa republicana. Alguns historiadores concordam que, sem Deodoro, não haveria golpe.

Mas Deodoro hesitava. Afinal, como é sabido, Deodoro, além de velho amigo de Dom Pedro II, era monarquista e já havia dito que considerava a República inadequada para o Brasil. 

Os republicanos, porém, tinham pressa em realizar o golpe contra a Monarquia, pois era preciso antecipar-se à abertura do novo parlamento, recém-eleito, que estava marcada para o dia 20 de novembro. Vamos nos deter um pouco nesse ponto


7. Reformas liberais de Ouro Preto

Desde junho de 1889, estava no poder um ministério do Partido Liberal. Era chefiado pelo Visconde de Ouro Preto. Monarquista convicto, Ouro Preto havia preparado um amplo programa, que previa entre outra reformas:

  • ampliar o direito de voto, abolindo a exigência de renda;

  • instituir a liberdade de culto, acabando com a exclusividade do catolicismo;

  • acabar com o Senado vitalício, tornando-se temporário;

  • fomentar a imigração.

Mas, dominado pelos conservadores, o Parlamento não aprovou as reformas. Então, Ouro Preto dissolveu-o e convocou novas eleições. O novo Parlamento, com maioria liberal, deveria reunir-se no próximo dia 20. Se isso acontecesse e o programa de reformas fosse aprovado, como era esperado, as exigências dos republicanos seriam atendidas e esvaziaria a campanha republicana. 


8. O golpe republicano

O golpe republicano estava marcado para acontecer no dia 20, dia da reunião do Parlamento. Mas no dia 14, circularam boatos (boatos, apenas, como mais tarde ficou provado) que o governo havia expedido ordem de prisão contra o marechal e de que o Exército seria extinto, substituído pela Guarda Nacional. 

Tomando os boatos como verdadeiros,

Deodoro decidiu liderar o movimento. Mas, segundo os relatos históricos, para ele tratava-se apenas de depor o Gabinete de Ouro Preto, e não exatamente a Monarquia. Na manhã de 15 de novembro de 1889, o velho marechal, mesmo adoentado, levantou-se da cama e pôs-se no comando das tropas rebeladas por agitadores republicanos. Eram cerca de mil soldados. Os revoltosos se dirigiram para o quartel-general, no Campo de Santana (atual Praça da República). Lá havia se refugiado o chefe do Gabinete, Visconde de Ouro Preto. Ele confiava na proteção do General Floriano Peixoto, ajudante-general-de-campo, segundo posto depois de ministro da Guerra.

Quando as tropas rebeladas se reuniram na frente do quartel, Ouro Preto ordenou que Floriano Peixoto mandasse metralhar os rebeldes. Mas em vez disso, Floriano aderiu à rebelião e prendeu o próprio Ministro. Ao contrário do que reza a lenda, Deodoro não proclamou a República. Ele apenas liderou o golpe contra o gabinete do Visconde de Ouro. Isso feito, ele conduziu as tropas pelo centro da cidade e recolheu-se à sua casa, metendo-se na cama, que nem tinha tido tempo de esfriar.

Foi somente na tarde daquele dia que a República foi formalmente proclamada no prédio da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. À noite, as lideranças republicanas reuniram-se para formar o Governo Provisório.

O Governo Imperial não reagiu. D. Pedro II se negou a debelar a rebelião, conforme sugestões feitas por políticos e militares do seu entorno. Ao receber a notícia de sua deposição, simplesmente comentou: "Se assim é, será minha aposentadoria. Trabalhei demais e estou cansado. Agora vou descansar". Ele havia governado durante 49 anos, 3 meses e 22 dias. 


9. Considerações pós-golpe.

É muito fácil falar depois que tudo aconteceu. Portanto, peço licença para dar uma opinião pessoal sobre os eventos do dia 15. 

Deodoro teria feito melhor para sua biografia (e para o Brasil) se, em vez de trair seu amigo d. Pedro II, tivesse tomado a iniciativa de estabelecer uma ponte entre o Imperador e os republicanos. É sabido que d. Pedro não acreditava na continuidade da monarquia após sua morte, e até tinha uma simpatia intelectual pela República.

Sendo assim, não é leviandade supor que ele tivesse aceitado o fim da Monarquia e concordado em estabelecer uma transição entre a Monarquia e a República. A própria princesa Isabel poderia ter presidido um governo de transição. Não teria sido necessário cometer a infâmia de expulsar a família imperial e muito sofrimento teria sido evitado.


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