segunda-feira, 15 de novembro de 2021

 CAMINHO DO PEABIRU E OUTRAS HISTÓRIAS

Um tema em que a história se mistura com as lendas de torna uma coisa complicada para o historiador. É esse caso do tal do Caminho do Peabiru. É tão cheio de controvérsias que chega ser difícil escrever sobre ele com alguma certeza. Mas é impossível não aceitar o desafio.
Vou começar dizendo que não era apenas um caminho, mas vários. Deu-se o nome de peabiru (na língua tupi, "pe" – caminho; "abiru" - gramado amassado) aos antigos caminhos utilizados pelos indígenas sul-americanos, que, bem antes da chegada dos europeus, ligavam o litoral ao interior do continente.
Caminho dos Incas
O principal destes caminhos, e que é o mais conhecido, também é chamado de "caminho dos incas". Constituía-se em uma via que ligava os Andes ao Oceano Atlântico. Mais precisamente, Cusco (capital do império inca), no Peru, até São Vicente (SP). Estendia-se por cerca de 3 000 quilômetros e atravessava os territórios dos atuais Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil. Ainda havia outros ramos desse caminho que vinham terminar nas regiões das atuais cidades de Cananéia e Florianópolis, e possivelmente ainda outros locais do litoral Brasileiro.
O padre Montoya, fundador das missões do Guairá, no ano de 1639, dizia ter andado por um caminho que tinha oito palmos de largura, ou seja 1,40 metro. Formava um “leito”, coberto por um tipo de gramínea em toda a sua extensão.
Para que servia
"Através do caminho, era realizada uma intensa troca comercial (na base do escambo) entre os índios do litoral e do sertão e os incas: os índios do litoral forneciam sal e conchas ornamentais, os índios do sertão forneciam feijão, milho e penas de aves grandes como ema e tucano para enfeite, e os incas forneciam objetos de cobre, bronze, prata e ouro. Como prova desse comércio, pode ser citada a descoberta de um machado andino pré-colombiano de cobre em Cananéia, no litoral de São Paulo." (Wikipédia)
Aleixo Garcia
O primeiro europeu a percorrê-lo foi Aleixo Garcia. Era um marujo português que, viajando a serviço da Espanha, naufragou na altura do litoral catarinense. Teve sorte. Conseguiu salvar-se e viveu oito anos entre os índios. Ouvindo falar das riquezas do incas pelos próprios nativos, organizou uma expedição integrada por uns poucos europeus e algumas centenas de índios, e partiu em busca de metais preciosos. Um ano e meio depois chegou ao território do Império Inca, no Peru. Sete anos antes da invasão espanhola em 1532!
Uma vez tendo saqueado a região por onde passou, retornou pelo Paraguai, onde a expedição foi atacada por indígenas. Boa parte da expedição foi morta, incluindo Aleixo Garcia. Poucos se salvaram, entre os quais seu próprio filho, que tinha o mesmo nome do pai.
Martim Afonso de Sousa
Em agosto de 1531, chegou a Cananéia a expedição do português Martim Afonso de Souza. De lá, enviou o capitão Pero Lobo e oitenta homens para seguir o caminho desbravado por Aleixo, também com a intenção de chegar aos Andes. Foi um fracasso: nenhum voltou; todos foram mortos pelos indígenas.
Álvar Núñez Cabeza de Vaca
Outro que trilhou esse caminho foi o experiente explorador espanhol Álvar Núñez Cabeza de Vaca. Após ter sido nomeado governador da província do Rio da Prata e do Paraguai, Cabeza de Vaca, em 1540, chegou primeiramente à Ilha de Santa Catarina, onde já viviam alguns espanhóis que haviam fugido de Buenos Aires, tomada e destruída pelos indígenas.
Resolveu então ir a pé até Assunção, cidade que havia sido fundada alguns anos antes. Dispunha de 250 homens e 26 cavalos. Iniciou sua jornada pelo sertão brasileiro, através do Caminho de Peabiru. Nesse caminho, teve a glória de ser o primeiro europeu a avistar as cataratas do Iguaçu.
Outros que andaram por esse caminho foram os jesuítas, que o rebatizaram com o nome de Caminho de São Tomé. Por ele, chegavam aos aldeamentos indígenas, na região do Rio Paraná, ainda em meados do século XVI.
Sem falar nos bandeirantes paulistas que percorreram o Peabiru, em sua andanças em busca de indígenas para escravizar.
O que resta do Peabiru
Restam ainda, em pontos isolados, protegidas pela mata, reminiscências desse caminho, que em alguns trechos era calçado com pedra, como os que há na cidade de Garuva (SC). Outros pontos estão sendo estudados para serem demarcados como parte do Peabiru. Há projetos para transformar o caminho em um trajeto turístico.

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