quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

O  ROUBO  DAS  SEMENTES   DA  BORRACHA


Como o inglês Henry Alexander Wickham roubou 70 mil sementes das seringueiras da Amazônia. (*)


O látex das seringueiras (matéria prima da borracha) já era conhecida dos indígenas muito antes da chegada dos europeus. Segundo relatos, Cristóvão Colombo teria visto nativos do Haiti brincando com bolas elásticas. Fernão Cortez encontrou o mesmo jogo entre os astecas.
Em 1743, o geógrafo francês Charles-Marie de La Condamine descobriu a árvore da borracha e estudou, com os índios, o processo de extração da seiva e de fabricação da goma.
Cerca de vinte anos depois, o botânico francês Fusée Aublet, em um estudo sobre a árvore, propôs uma classificação científica. Designou o gênero como Hevea, derivado da palavra hevé, usada pelos índios para indicar a planta e a espécie como brasiliensis, em homenagem ao país no qual a árvore era abundante.

O primeiro emprego industrial da borracha foi como apagador. Em 1772, cubos de borracha começaram a ser vendidos em Londres e recebeu em inglês o nome de "India Rubber", que significa "Raspador da Índia". Em 1820, Thomas Hancock abriu, na Inglaterra, a primeira fábrica de borracha. A Inglaterra logo foi invadida por vários objetos de borracha: rolos, correias de transmissão, instrumentos cirúrgicos, etc.
O vale amazônico era o principal fornecedor mundial de borracha bruta, mas a demanda ainda era bem pequena: em 1827, o total das exportações somava apenas 8 toneladas.
A borracha, que já era usada para várias finalidades, tornou-se ainda mais útil depois de 1839, quando o norte-americano Charles Goodyear descobriu processo de vulcanização (assim chamada em homenagem a Vulcano, o deus romano do fogo). A vulcanização revelou as propriedades mais importantes da borracha: a resistência e a elasticidade.
Na floresta virgem da Amazônia, os que chegavam na frente se apropriavam de áreas enormes de floresta, tornando-se seringalistas – nome do proprietário do seringal. Nos primeiros tempos, a extração do látex era feita com mão-de-obra da população pobre da região, sobretudo indígena – chamados seringueiros.
A partir da década de 1870, os seringueiros passaram a ser principalmente nordestinos, vindos em sua maioria do Ceará, estado que atravessava um longo período de secas. Eram atraídos com muitas promessas de ganhos, mas o que eles realmente encontraram foi uma vida miserável e a exploração imposta pelos seringalistas e seus intermediários.
À medida que o século XIX avançava, a produção de borracha crescia cada vez mais, acompanhando a demanda crescente do mercado mundial. No período de apenas três décadas (1830-1860), a exportação anual de borracha subiu de 156 para 2673 toneladas. E a Amazônia era, então, a única fonte de borracha de alta qualidade. Para se ter uma ideia da importância produção amazônica, basta dizer que ela representava 95% de toda borracha extraída no mundo.
Com isso, a região Norte do Brasil, que antes era uma das mais pobres e desabitadas do país, conheceu um período de grande prosperidade. Interessadas nos lucros da borracha, empresas mercantis e bancos estrangeiros instalaram-se nas cidades de Belém e Manaus. A capital amazonense tornou-se o um grande centro econômico. Recebeu sistemas de abastecimento de água, luz elétrica, telefone, grandes construções, como o Teatro Amazonas, até hoje o principal símbolo da riqueza proporcionada pela borracha.

As aventuras de Henry Alexander Wickham
Na segunda metade do século XIX, os ingleses estavam preocupados com o monopólio brasileiro da borracha. O fornecimento do produto, além de limitado, era incerto e o preço estava subindo, pois a oferta não acompanhava a demanda. Os ingleses viam como solução plantar a seringueira em outras partes dos domínios britânicos.
Na Amazônia, havia diversas espécies de plantas produtoras de borracha. A pessoa que chegou mais perto de identificar a verdadeira árvore da borracha, a Hevea Brasiliensis, foi o explorador inglês Richard Spruce. Ele chegou a enviar sementes da Hevea para a Inglaterra, mas seu esforço fracassou. O problema era que o óleo das cápsulas das sementes se tornava tão rapidamente rançoso que elas não sobreviviam à longa travessia do oceano. O mesmo aconteceu com outras tentativas de enviar as sementes da árvore da borracha da Amazônia para a Inglaterra.

A proeza de realizar o roubo bem-sucedido das sementes da Hevea Brasiliensis coube ao inglês Henry Alexander WickhamEle nascera em 29 de maio de 1846, no seio de uma família de classe média. Tinha apenas quatro anos, quando a morte do pai, que era advogado, rebaixou drasticamente o padrão social da família. Sua mãe, Harriette, teve de voltar para o negócio de chapelaria, sua antiga profissão.
Henry cresceu em meio a dificuldades. Ele não ia bem na escola. Não era um garoto estudioso. Além do desenho, disciplina para a qual revelava natural talento, só lhe interessavam as narrativas feitas por exploradores, algo muito comum na Inglaterra naquela época. Para uma pessoa como ele, não havia nenhuma possibilidade de ascensão social em seu país.
A seringueira, cujo nome científico é Hevea brasiliensis
é uma árvore de grande porte, podendo atingir
 30m de altura total, iniciando aos 6 -7 anos 
a produção de látex (borracha). A casca é o  principal
 componente do tronco, responsável pela produção de látex.
Animado pelas narrativas dos exploradores, começou a pensar numa viagem ao Novo Mundo. Aos 20 anos, partiu para a América, munido de um caderno de desenhos. E assim ele entrou para a lista dos exploradores-aventureiros, uma figura muito comum na Europa do século XIX.
Ele foi parar na costa leste da Nicarágua, onde os ingleses já tinham alguma presença e eram amigos dos índios da região, os misquitos. Seu primeiro objetivo era matar aves para enviar as penas para sua mãe em Londres, pois os chapéus que ela vendia ficariam mais valorizados se tivessem uma pena bonita como enfeite. Ele ficou na região quase um ano, quando então retornou à Inglaterra.
Em 1868, viajou novamente para a América, desembarcando, desta vez, na Venezuela. Adentrou o país subindo o curso do rio Orinoco. Nas cabeceiras do rio, foi atraído pela extração de borracha. Reuniu um grupo de trabalhadores e começou a coletar látex e preparar a borracha. Os resultados, porém, não foram animadores.
Cansado das doenças e das terríveis condições de vida na floresta, ele abandonou o lado venezuelano e passou-se para o lado brasileiro. Ele fez essa passagem utilizando o rio Casiquiare. Esse rio (às vezes, chamado de canal) é uma singularidade geográfica, pois faz uma ligação natural entre o rio Orinoco e o rio Negro.
Por esse “caminho”, Henry foi para Manaus, e em seguida para Belém. Nessas cidades, muitas pessoas estavam se enriquecendo com a borracha. Henry também ganhou um bom dinheiro com a borracha que havia coletado.
Nessa época, já se sabia que a melhor borracha era proveniente da Hevea brasiliensis. Mas não se sabia o local exato onde ela era encontrada, pois na verdade as seringueiras se encontravam espalhadas na extensa floresta amazônica.
Em Belém, foi convencido pelo cônsul inglês a iniciar uma plantação de serigueiras. Ele topou a proposta e resolveu ir à Inglaterra em busca de parceiros para tocar o empreendimento.
Henry viajou para a Inglaterra em 1870 e permaneceu em Londres por nove meses. Durante esse tempo, ele casou-se com uma moça chamada Violet, filha de um editor que aceitou publicar seus diários. E mais: Henry convenceu alguns parentes próximos e um certo número de trabalhadores a virem com ele para o Brasil.
O grupo chegou a Belém no final de 1871, e poucos dias depois rumou para o Oeste, desembarcando em Santarém, uma cidade localizada nas proximidades do ponto onde o rio Tapajós deságua no rio Amazonas.
O objetivo era iniciar uma plantação de seringueiras, e para isso eles seguiram por terra, selva a dentro, para um local distante cerca de um dia de viagem de Santarém.
Nesse ponto já havia um pequeno assentamento de sulistas norte-americanos, que haviam deixado os EUA após a derrota da Confederação na Guerra Civil (1861-65).
Nesses lugares remotos e desabitados da Amazônia, a terra podia ser ocupada por qualquer um que quisesse nela se estabelecer.
E foi o que Henry fez. Ergueu uma pequena casa e iniciou o plantio de mandioca, cana-de-açúcar e tabaco. Mas a terra não era apropriada e a lavoura fracassou. Também iniciou uma plantação de café, e chegou a fazer experiências com o plantio de seringueiras, que não tiveram melhor sorte. Diante desses fracassos e das dificuldades da vida na floresta, muitos de seus trabalhadores, incluindo seus parentes, o abandonaram. Três anos depois de iniciado,os depois de iniciado, o projeto de fazendeiro de Henry estava arruinado.


O roubo das sementes
Justamente nessa época - final de 1875 -, ele recebeu de Londres uma proposta para coletar sementes de seringueiras e enviá-las para a Inglaterra. E esse passou a ser seu próximo projeto, o qual, se fosse bem-sucedido, podia tirá-lo da Amazônia e da pobreza.
Em fevereiro de 1876, ele, a mulher e um ajudante subiram o rio Tapajós, até a vila de Boim, numa viagem que durou três dias. Lá chegando, instalou-se na casa de um norte-americano confederado que vivia na região há muitos anos.
Heny já sabia, então, que as melhores sementes eram encontradas nos terrenos mais altos, e não nas margens dos rios. E se lançou ao trabalho: no período que vai do começo de março a meados de maio, ele se dedicou em tempo integral à coleta das sementes. Trabalhava com um ajudante e, além das sementes que colhia, ele comprava de outros as sementes traziam para ele. Por sorte ou por cálculo, a verdade é que Henry coletou as melhores sementes que existiam.

Para embalar as sementes coletadas, Henry usou folhas de bananeira e contou com a ajuda das mulheres de uma aldeia indígena, que teceram para ele grandes cestos.
A mercadoria devidamente embalada, com peso superior a uma tonelada, foi embarcada clandestinamente no porão do navio inglês Amazonas, que havia subido o Tapajós e estacionado próximo à vila de Boim.
Em Belém, ele convenceu as autoridades brasileiras a liberar a carga com o argumento de que estava transportando “amostras botânicas extremamente delicadas [...] e especialmente selecionadas para entrega no Jardim Botânico Real em Kew, de propriedade de sua majestade Britânica”, escreveu Joe Jackson. (P. 215)
Naquela época, a legislação brasileira era bastante liberal e não proibia a saída de produtos destinados a fins científicos. As sementes, obviamente, não se destinavam a “fins científicos”, mas como nenhuma autoridade se deu ao trabalho de conferir, o contrabando passou.
Amazonas fez escalas em Lisboa, Le Havre e finalmente aportou em Liverpool em junho de 1876. Daí, as sementes foram levadas em um trem especial para Kew e cinco dias depois todas as 70 mil sementes já estavam plantadas em uma grande estufa. Começaram a germinar quadro dias depois. Ao todo, germinaram 2.700 sementes, que em poucos dias atingiram 45 cm de altura.

O cultivo das seringueiras no Oriente e suas consequências para o Brasil
Elas foram enviadas às ilhas de Colombo, Ceilão (atual Sri Lanka), Cincapura, entre outras regiões controladas pelos ingleses no Oriente. Heny se ofereceu para acompanhar as mudas e orientar o plantio, mas seus serviços foram recusados, sob o argumento de que ele era apenas um amador. Foi uma decisão errada.
De fato, nas duas décadas seguintes, o cultivo das seringueiras se deu lentamente devido em parte a erros nas formas de plantio. Havia também outra razão: os fazendeiros orientais estavam mais interessados em outros cultivos que ofereciam resultados mais rápidos.
Esses problemas atrasaram em vinte anos a produção em grande escala de borracha no Oriente. Em 1900, as plantações orientais contribuíram com apenas 4 toneladas de borracha, e isso era quase nada, quando comparadas às 26.750 toneladas exportadas pela Amazônia.
Mas as coisas estavam prestes a mudar. A entrada em cena da eletricidade, da bicicleta e do automóvel aumentou rapidamente a demanda de borracha. E os produtores orientais responderam, intensificando o cultivo de seringueiras, plantando-as umas próximas das outras. Lá isso era possível porque não havia a praga que atacava as seringueiras da Amazônia, e que podiam passar de uma árvore para a outra se fossem plantadas umas perto das outras.  
O efeito foi rápido. Em 1913, as exportações do Oriente superaram as da Amazônia em mais de 8 mil toneladas. Plantadas de forma racional no Extremo Oriente, as seringueiras proporcionaram significativo aumento da produtividade e puderam ser vendidas a preços mais baixos. Em 1915, a borracha era vendida por um quinto do valor registrado dois anos antes.
Para a economia da Amazônia, isso significou a ruína total.
A façanha de Henry Wickham deu à Grã-Bretanha o monopólio de um recurso estratégico, mas ele mesmo não participou da riqueza que trouxe para seu país.
Pela venda das sementes aos Reais Jardins Botânicos de Kew, ele foi recompensado com 700 libras. Muitos anos depois, ele foi presenteado por um grupo de milionários com um cheque no valor de mil libras. Em 1920, por seus serviços, foi nomeado Cavaleiro, e tornou-se então sir Henry Wickham. Apesar de tudo isso, ele não ficou rico; pelo contrário: viveu sempre lutando com dificuldades financeiras até sua morte, em 1928.

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(*) Este texto foi escrito tendo por base, principalmente, o livro de Joe Jackson O ladrão do fim do mundo. (Rio de Janeiro: Objetiva, 2011).

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