OS INCAS
A parte meridional do continente americano divide-se de norte a sul pela formidável cadeia de montanhas que constitui a Cordilheira dos Andes, com mais de 6.400 km de extensão. Entre seus elevados picos destaca-se o Aconcágua, medindo 6.960 metros de altura, a mais alta montanha do continente. Sobre esses montes, eternamente cobertos de neve, vive o condor, a maior de todas as aves voadoras.
A América do Sul, como as demais partes do continente, era habitada por um incontável número de povos. Os dois mais importantes, por ocasião da chegada dos europeus, eram os incas e os tupi-guaranis. Estes, divididos em muitos grupos tribais, dominavam grande parte das terras que acompanham o litoral atlântico. Os incas, no lado oposto do continente, haviam constituído um vasto império que incluía uma grande parte dos povos andinos. Mas, da mesma forma que os povos mesoamericanos, ambos os povos tiveram sua história interrompida em virtude da chegada dos invasores europeus.
I. As
civilizações pré-incaicas
Há cerca de 15 000 anos antes do presente, grupos nômades
já perambulavam o litoral do Peru, deixando algumas marcas de sua passagem, que
os arqueólogos hoje pesquisam incessantemente.
Llama, um dos poucos animais encontrados nos Andes. |
No quarto milênio antes da era cristã, teve início a
agricultura e a domesticação da lhama, o único animal de tração existente na
América antes da chegada dos europeus. No milênio seguinte, apareceu o milho, o
que fez com que a agricultura ganhasse preponderância em relação às demais
atividades de subsistência.
Agricultura de terraços |
Desde então, em meio a guerras constantes, a população
cresceu e os povoados se multiplicaram, gravitando em torno de centros
religiosos, onde foram erguidos templos e pirâmides. A partir deles,
desenvolveu-se, no primeiro milênio a.C., (uma primeira) a cultura denominada Chavin, que se tornou
o centro irradiador da civilização para toda a região andina, constituiu-se na “matriz da civilização andina”. No início
da era cristã(primeiro milênio de nossa era), a unidade alcançada pela cultura
Chavin nos Andes se fragmentou e deu lugar a vários outros
centros culturais. Simultaneamente, ocorreu a ampliação das áreas cultivadas,
mediante o processo de construção de terraços nas encostas da cordilheira e do
prolongamento dos canais de irrigação até as terras áridas do litoral.
A partir do século VIII, destacaram-se dois centros de
difusão cultural. Um deles, o mais importante, foi a cidade de Tiauhanaco, nas margens do lago
Titicaca, cujas ruínas impressionam pelos enormes blocos de pedra, pesando até
100 toneladas, empregados na construção dos palácios e dos templos. O outro
centro foi a cidade de Houari,
localizada mais ao norte. Ambas se tornaram capitais de grandes Estados, que
desapareceram no século XII, por razões ainda desconhecidas. Mas sua cultura
seria herdada pelos impérios Chimu e Inca, que se formaram em seguida.
Os fundadores do Império
Chimu se estabeleceram na costa setentrional, onde implantaram uma
civilização “hidráulica”, característica que decorria do desenvolvimento de uma agricultura
irrigada, por meio de canais e de aquedutos. Iniciaram, no século XIV, um
processo de expansão que os levou ao controle de uma longa extensão do
litoral andino. Mas, em meados do século seguinte, o Estado chimu perdeu
a independência ao ser absorvido pelo Império
Inca.
II. A CIVILIZAÇÃO INCA
Quando os espanhóis iniciaram a conquista do Peru, em
1532, os incas constituíam um império que compreendia a região andina do
Equador, do Peru, da Bolívia, do norte do Chile e do noroeste da Argentina. Seu
centro era a cidade de Cusco. Estendendo-se por quatro mil quilômetros de
extensão, chegou a comportar uma população estimada em 10 milhões de
habitantes.
Império Inca em sua máxima extensão |
Era, porém, um império recente, pois os incas, a exemplo
dos astecas, seus contemporâneos, tinham aparecido há pouco tempo na história
dos povos pré-colombianos. E da mesma forma que o império asteca, o império
inca também foi o herdeiro de longa tradição cultural que se havia desenvolvido
anteriormente nas regiões onde se estabeleceu.
1. Evolução política do Império Inca
Os incas apareceram tardiamente na história dos povos
andinos. Não há consenso entre os historiadores quanto à sua origens. É
possível que fossem uma das tribos que compunham o povo quíchua, cujo idioma
era falado numa ampla região dos Andes. No século XIII, estavam estabelecidos
na região de Cusco, onde fundaram um pequeno Estado. A tradição conservada
por esse povo atribuía a um seu ancestral mítico, Manco Capac,
descendente do Sol, o papel de fundador do Estado incaico. Ele
e seus sucessores adotaram o título de Inca (nome de uma antiga divindade andina) e a maskapaicha, a franja escarlate que
usavam sobre a fronte, como símbolo do poder supremo.
Inicialmente, os incas fizeram parte de uma confederação
de cidades existentes na região, que acabaram por dominar, iniciando, então o
movimento expansionista. Pouco depois de 1463, impuseram-se à civilização
Chimu, que dominava o litoral. Em seguida, incorporaram os Caras (no atual
Equador), os Aimarás, na região do Titicaca, bem como as regiões setentrionais
da Argentina e do Chile. A sucessão de vitórias e conquistas levou, ao cabo de
algumas décadas, à formação do Império Inca. De maneira semelhante ao papel
desempenhado pelos astecas, no México, os incas promoveram a unificação
política dos diversos povos andinos e, ao mesmo tempo, fizeram a síntese de uma
longa tradição cultural.
O grande monarca foi Tupac Iupanqui (1470-1493), o décimo
Inca. Além de grande conquistador, foi também um brilhante organizador: criou
um serviço de mensageiros, ligando as diversas províncias, e estruturou uma
burocracia e um exército capazes de manter a “paz inca” sobre uma grande parte dos Andes.
Enfim, soube melhor do que qualquer outro, antes ou depois dele, “aliar harmoniosamente o saber
organizador à violência criadora”. (Henri
Favre) Tupac Iupanqui morreu, em 1493 (um ano depois da chegada de
Colombo à América), e foi sucedido pelo filho que ele próprio havia designado
como herdeiro.
Seu sucessor tomou o título de Huaina
Capac e reinou até 1528. Apesar do longo reinado, não conseguiu repetir a mesma
expansão gloriosa de seu pai. Ao contrário, teve de enfrentar demoradas guerras
nas distantes fronteiras do norte. Por isso, é bem possível que seu reinado
assinale, não o apogeu, mas o início da decadência do poder inca.
De fato, ao morrer (talvez assassinado), deixou o império numa terrível crise
de sucessão, disputado por dois pretendentes, Huáscar e Ataualpa. Dessa divisão
se aproveitou o conquistador espanhol, que nesse momento já vinha rondando o
litoral do império.
2. Organização do Império
No Império Inca, a sucessão se dava dentro da família
imperial, mas o herdeiro do trono não era necessariamente um filho do Inca, mas
sim aquele que fosse julgado o mais capaz entre seus parentes. Por isso, ao
final de cada reinado, seguia-se uma disputa entre os herdeiros até que um
deles tomava para si a maskapaicha.
Segundo H. Favre, (Por isso, se pode dizer que) “o império renascia a cada novo
imperador”. Uma vez vitorioso na
disputa, o novo imperador comparecia ao Templo do Sol onde era entronado. Tinha
poderes absolutos, e ninguém podia encará-lo de
frente.
No início os imperadores era vistos como filhos do Sol,
mas o último deles, Huaina Capac, se fez reconhecer como a própria encarnação
do Sol e foi “adorado como deus vivente” (H. Favre). O Estado Inca era, portanto, uma teocracia.
Os incas concebiam o império dividido em quatro partes, a
partir de duas linhas imaginárias que se cruzavam no centro da capital, Cusco, “umbigo do mundo”. E lhe davam o nome de Tawantinsuyu, ou seja, “as quatro terras”. Cada uma dessas partes se
dividia, para fins administrativos, em frações decimais, formando unidades de
10 mil, mil, cem e finalmente dez famílias. Um funcionário era encarregado de
cada uma das quatro unidades, enquanto outros eram responsáveis pelas
unidades inferiores, constituindo uma pirâmide administrativa em cujo topo
estava o Inca.
Um importante aspecto da organização do império foram as
comunicações. Nesse sentido, o império foi dotado de um gigantesco sistema de
estradas e pontes, cuja extensão foi calculada em 16 mil quilômetros! Eram
basicamente duas vias principais, ambas começando no atual Equador, estendendo-se
paralelamente para o sul. A primeira delas acompanhava a planície costeira e se
prolongava até o Chile. A outra, seguindo através do planalto, alcançava
o norte da Argentina. As duas estradas comunicavam-se entre si por inúmeras estradas secundárias que ligavam o planalto ao litoral.
Em pontos determinados das estradas, existiam os tampu, nome dados aos grandes
estabelecimentos que serviam simultaneamente de postos de correio, de
manufaturas e de armazéns. Graças às estradas e ao correio, o império contava
com um eficiente serviço de comunicações, que permitia não só receber ou enviar
informações com rapidez, como mandar rapidamente tropas para qualquer parte (do
império) onde a ordem estivesse sendo ameaçada.
3. A base econômica
A população andina tirava sua subsistência da agricultura. Esta
dependia, em boa parte, dos incontáveis terraços construídos nas encostas da
cordilheira e de um complexo sistema de canais para trazer a água de fontes que
se localizavam, muitas vezes, a quilômetros de distância. Calcula-se em mais de
quarenta o número de espécies vegetais que, por meio de um paciente trabalho de
seleção, o campesinato andino chegou cultivar: abóbora, vagem, algodão,
pimenta, milho, batata, batata-doce, mandioca, amendoim, abacate, entre outros.
Quase toda a
população era formada de camponeses. Eles estavam agrupados em comunidades,
chamadas ayllu, que constituíam a
célula básica da sociedade andina (semelhante, em muitos aspectos, ao calpulli asteca). O ayllu reunia grupos familiares que tinham em comum laços de
parentesco e a crença de descender de um mesmo antepassado mítico,
simbolizado pelo totem. Cada uma dessas comunidades aldeãs tinha seu chefe,
chamado curaca, responsável pela
distribuição da terra, pela organização dos trabalhos coletivos e pela
resolução dos conflitos.
É interessante
notar que o ayllu era uma unidade
auto-suficiente: possuía terras em diferentes partes do Império, e desse modo
explorava mais de um dos muitos micro-climas existentes nos Andes. Com isso,
era possível obter uma variedade de produtos, fato que contribuiu para inibir o
desenvolvimento do comércio.
A terra era propriedade do Estado e, por meio dos curacas, entregue em usufruto às
famílias, para o cultivo. Cada casal, ao se constituir, recebia um lote, do tamanho
necessário para sua subsistência. Por sua vez, as terras de pastoreio eram
usadas coletivamente. Nelas criavam-se a alpaca,
que fornecia a lã, e a lhama, usada
para transporte.
A criação desses animais fez dos Andes a única região da
América pré-colombiana onde se praticou o pastoreio. Explorando simultaneamente
a agricultura, o pastoreio e o artesanato, essas comunidades aldeãs era
praticamente auto-suficientes. No Império Inca não havia comércio, nem
moedas.
4. O trabalho gratuito e obrigatório
No Império Inca, não havia escravidão. Havia, porém, os “dependentes perpétuos” (yana), ligado aos curacas
e ao Inca. Mas eles não podem ser considerados escravos, pois não eram objeto
de troca ou venda. E sua importância econômica era absolutamente marginal.
O que realmente contava no entanto era a mita, uma antiga obrigação de prestar
trabalho ao curaca e aos deuses
locais, e se revestia de um sentido religioso. Quando se formou o Tawantinsuyu essa obrigação passou a ser
prestada também ao Inca, o Filho do Sol. A mita recaía sobre todos os
habitantes casados, os quais deviam não só cuidar das terras e dos rebanhos,
que o Inca possuía em todas as partes do império, mas também desempenhar as
funções que lhes fossem designadas: no exército, nas manufaturas, na construção
e manutenção de estrada, de pontes, edifícios ou qualquer outro. Os
trabalhadores precisavam revezar-se de forma a prestar um trabalho contínuo.
Por causa disso, era preciso manter um controle preciso da
população, de modo que sempre fosse possível saber a quantidade de mão-de-obra
disponível. Em função dessa necessidade, procediam-se a recenseamentos
minuciosos. Eram realizados periodicamente por funcionários especializados, que
se serviam de um sistema numérico decimal, e registravam os resultados
utilizando um sistema formado de cordinhas com diferentes cores e tipos de nós,
denominados quipu.
5. O sistema redistributivo
O Estado mantinha armazéns onde era guardado o produto
obtido através da mita que a
população prestava ao Inca.[1] De
fato, como foi dito, este reservava para si uma parte das terras do império.
Toda a produção nelas obtida era enviada aos referidos armazéns. Os estoques
acumulados destinavam-se ao abastecimento do exército e para socorrer a
população, em caso de desastres naturais (inundações, estiagens). Na repartição
de comida e roupas, dava-se prioridade aos anciãos, às viúvas e aos órfãos.
6. O aparelhamento intelectual e
tecnológico dos incas
Diferentemente dos povos da Mesoamérica, as civilizações
dos Andes não conheceram a escrita. Apesar de os quipu informarem “acontecimentos, dados estatísticos, batalhas, colheitas e expedições”, eles não eram mais do que um sistema de contabilidade. Na verdade,
toda a literatura produzida era transmitida oralmente, tarefa para a qual havia
os especialistas, chamados amawta,
cujos relatos constituíram a matéria-prima para as crônicas registradas depois
que os espanhóis introduziram a escrita. (Cf. H. Favre e J. Murra)
Quanto aos conhecimentos científicos, a civilização inca
conheceu um calendário, dividido em doze meses. Entretanto, enquanto o ano era
solar, os meses eram lunares, o que ocasionava uma diferença de alguns dias
entre os dois cômputos, e não se sabe exatamente como os sábios incas procediam
para harmonizar os dois sistemas. Os cálculos necessários eram feitos com base
num sistema de numeração decimal, utilizando-se uma espécie de ábaco primitivo.
Os resultados eram anotados segundo o sistema quipu.
Contavam com uma metalurgia relativamente adiantada para o padrão
pré-colombiano. Sabiam trabalhar o cobre e o bronze (uma liga de cobre e
estanho), e até mesmo a platina. Desconheciam, porém, o ferro, a roda e o
torno, e como meio de transporte tinham apenas um animal muito limitado, a
lhama. E ainda utilizavam a pedra para a confecção de suas armas e ferramentas.
Com esse escasso arsenal técnico, foram, todavia, capazes de
constituir um império dotado de cidades, palácios, templos, estradas,
contabilidade e organização, diante do qual os espanhóis ficaram vivamente
impressionados.
7. A invasão espanhola e o fim do Império Inca
Essa brilhante civilização, cujas realizações deixaram
impressionados os espanhóis, mostrou-se, no entanto, muito frágil na hora
decisiva. Havia descontentes entre os povos dominados, e alguns deles se
aliaram aos invasores. A sucessão imperial não se fazia segundo um critério
tranqüilo; ao contrário, abria uma luta entre os pretendentes. E foi justamente
num desses momentos que chegou o espanhol, em 1532.
Apesar da bravura com que lutaram, os incas foram incapazes de
resistir diante de Francisco Pizarro e sua gente, possuídos por uma fúria
conquistadora que não vacilava diante de nenhum obstáculo. A resistência durou
quarenta anos e se encerrou, em 1572, quando foi morto, Tupac Amaru, o
último imperador. Era o fim do Tawantinsuyu,
o Império Inca.
Antes mesmo dessa data, porém, o Peru já fazia parte, desde 1543, da
administração colonial espanhola, constituindo o Vice-Reino do Peru.
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