CATARINA II, A GRANDE, DA RÚSSIA
Um jeito agradável de aprender história é através da leitura de biografias. A biografia personaliza os acontecimentos e permite o conhecimento de detalhes que os livros escolares de História não contam. Devo dizer que gosto de detalhes e para esta pequena biografia escolhi Catarina II, imperatriz da Rússia desde 1762 até sua morte em 1796. Por suas realizações, foi cognominada Catarina, a Grande, e seu período de governo foi considerado a Era Dourada do Império Russo.
Ela nasceu em 21 de abril de 1729 e recebeu
o nome de Sofia Augusta Frederica. O nome Catarina foi adotado depois.
Seu pai, Cristiano Augusto, não
pertencia à alta nobreza, mas ostentava o título de príncipe – príncipe do pequeno
estado Anhalt-Zerbst, pertencente ao reino da Prússia (que veio a ser a
Alemanha um século e meio mais tarde).
Enquanto crescia, Sofia recebeu uma
educação esmerada, como era comum entre príncipes e princesas. Sofia tinha ama,
tutor, governanta, professores de música, dança, equitação, religião, etiqueta
e idiomas. Aprendeu a falar e escrever corretamente em francês, que era o
idioma das pessoas cultas na época. Curiosidade: nas famílias nobres
germânicas, a língua nativa, o alemão, era considerada uma língua vulgar.
Ela era prima em segundo grau de Carlos
Pedro Ulrich, único neto vivo de Pedro, o Grande, que havia sido Czar da
Rússia. Era, portanto, herdeiro do trono russo, ocupado naquele momento por sua
tia, a imperatriz Elizabeth, cujo reinado se estendeu de 1741 a 1761.
Quando tinha 14 anos, Sofia foi para a
Rússia, convidada por sua tia, que pretendia casá-la com o Carlos Pedro Ulrich
(mais tarde, imperador Pedro III). A viagem de trenó, em pleno inverno, demorou
23 dias. Uma vez em Moscou, para habilitar-se à nova posição, Sofia
converteu-se à Igreja Ortodoxa. [Explicação:
Igreja Ortodoxa é como passou a chamar-se um dos ramos em que se dividiu a
Igreja Cristã em 1054. Desde esse fato, passou a existir a Igreja Católica, no
ocidente, e a Igreja Ortodoxa, no oriente.] E após seu noivado com Pedro, Sofia
recebeu o nome de Catarina que lhe foi dado pela imperatriz.
O casamento se realizou em 1745. Os
noivos receberam os títulos de grão-duque e grã-duquesa, e ambos eram tratados
por Sua Alteza Imperial. Ele foi declarado herdeiro do império, sucessor de Elisabeth.
De Catarina esperava-se, apenas, que desse um herdeiro para o trono.
Era grande a pressão para que o jovem
casal gerar um herdeiro, mas a relação entre Catarina e Pedro, entretanto,
nunca foi boa. As diferenças entre eles eram enormes. Pedro não se preocupava
em preparar-se para um dia exercer as altas funções de imperador; era
displicente, pouco inteligente e não levava nada a sério, a não ser brincar de
soldado. E, para piorar, nunca assumiu efetivamente a condição de marido.
Além disso, marido e mulher tinham
preferências muito distintas. Pedro não era dado à leitura, nunca se converteu
verdadeiramente à Igreja Ortodoxa, e nem fez questão de aprender o idioma
nacional. Em vez disso, manteve sua convicção luterana e continuou a cultivar
simpatia pela cultura e pela monarquia da Prússia, sua terra natal.
Catarina agiu de forma bem difetente. Desde o começo de sua vida em seu novo país, ela percebeu que para ser bem sucedida devia aprender a língua e incorporar os valores da cultura russa. Ela encarava suas
responsabilidades com seriedade, interessando-se pela politica e pela diplomacia.
Gostava de dançar e fazia questão de exibir sua beleza nos salões. Também
gostava de ler: entre suas leituras se incluem os autores iluministas. [Foram chamados iluministas os
participantes de movimento denominado Iluminismo, que reuniu boa parte da elite
europeia do século 18.] Dois deles, Diderot e Voltaire, se
tornaram seus grandes amigos, com quem ela manteve intensa correspondência. A convite de Catarina, quando ela já era imperatriz, Diderot esteve na Rússia durante um ano, entre 1773 e 1774.
Havia, portanto, muitas diferenças entre Pedro e Catarina. Em virtude dessas diferenças, aconteceu algo
comum nos casais reais da época: tanto o marido quanto a mulher tiveram amantes. Detalhe: com o consentimento recíproco. E foi de seus amantes (chamados “favoritos”)
que Catarina teve seus três filhos. O primeiro deles nasceu em setembro de
1754. Recebeu o nome de Paulo e se tornou o primeiro na linha de sucessão do
trono.
Em dezembro de 1761, a imperatriz
Elizabeth morreu. Ela tinha 53 anos de idade e tinha governado por 20 anos.
Imediatamente, o grão-duque foi proclamado Pedro III, imperador da Rússia.
Porém, o reinado de Pedro durou pouco. Estabanado,
ele fez tudo o que podia para perder o apoio dos pilares do Estado russo: a
Igreja Ortodoxa e o Exército. Como se isso não bastasse, abandonou os aliados
da Rússia, ao celebrar a paz em separado com a Prússia, com quem os russos
travavam uma guerra havia vários anos. E, para piorar, provocou uma guerra
contra a Dinamarca.
Ao mesmo tempo em que Pedro perdia a
simpatia dos russos, sua mulher, Catarina, se tornava cada dia mais popular.
Tinha aliados fiéis no governo e no Exército. Esses amigos começaram a
trabalhar para tirar Pedro do poder e colocar Catarina. A oportunidade apareceu
no final de junho de 1762, quando Pedro se afastou da capital para treinar os
soldados que iriam para a guerra contra a Dinamarca.
Quando seus amigos deram o sinal, Catarina
se pôs à frente das tropas sublevadas e marchou na direção do local onde estava
Pedro. Ele foi preso antes mesmo da chegada dela. Foi enviado para uma prisão
domiciliar e, sete dias depois, acabou sendo morto por alguns dos mais leais
amigos da nova imperatriz.
Catarina sabia que não tinha nenhum
direito à coroa. E, por maior que fosse a aceitação de seu nome, ela era, em
resumo, uma usurpadora. Por isso, tratou de consolidar apoios por meio da
distribuição de condecorações, promoções, dinheiro e propriedades. Presenteou
até mesmo os poucos adversários. Em setembro, ela foi coroada numa cerimônia
grandiosa realizada em Moscou. Durante a cerimônia, Catarina ouviu o sacerdote
descrever sua ascensão como obra de Deus e dizer a ela que “o Senhor colocou a
coroa em sua cabeça”. Isso legitimava seu reinado.
Catarina, aos 31 anos, com seu marido Pedro e o filho Paulo. 1760. |
Nos anos seguintes, ela iria governar o
império russo de forma exemplar e conduzi-lo à posição de maior potência da
Europa. Catarina exerceu o poder de forma absolutista. Sua assinatura num
decreto era lei e, se essa fosse sua vontade, poderia significar vida ou morte
para qualquer um de seus súditos. Uma demonstração de seu poder ocorreu logo
após sua ascensão ao trono. Até então, sua pensão como imperatriz equivalia a
1/13 da receita da nação. Ela decretou que daí em diante não haveria mais
distinção entre suas finanças pessoais e as da nação. Ou seja, ela poderia
gastar quanto quisesse!
Apesar da imensa concentração de poder
em suas mãos, porém, Catarina não podia tudo. Um exemplo dessa limitação foi
sua incapacidade para acabar com a servidão. [Existe servidão quando existem servos, assim como existe escravidão quando
existem escravos.]
Os servos eram camponeses, e na época constituíam
a metade dos 20 milhões de habitantes da Rússia. A maior parte dos servos não eram
livres. Também não eram escravos, mas eram tratados como se o fossem; até para
viver, dependiam da vontade de seus senhores. Catarina era pessoalmente contra
a servidão, mas nada pôde fazer diante da resistência dos senhores de terra e proprietários
dos servos – a nobreza. (A servidão somente seria extinta na Rússia em 1861, apenas
dezessete anos antes de a escravidão ser abolida no Brasil.)
Uma das medidas mais importantes de
Catarina só foi possível por causa do seu poder absoluto. Foi um decreto que
transferia todas as terras e propriedades da Igreja Ortodoxa para as mãos do
Estado. A partir de então todos os membros do clero se tornaram assalariados
pagos pelo Estado. Essa medida diminuía o poder da Igreja Ortodoxa e aumentava
a riqueza do Estado governado por Catarina. O clero, obviamente, protestou, mas
teve de aceitar.
Outra iniciativa importante da
imperatriz foi convocar uma comissão legislativa, que reuniu 564 delegados, para
discutir queixas e sugestões, e revelar as necessidades de todas as classes e
regiões do império. No final de seu trabalho, a comissão devia elaborar um
código de leis para o império russo. Mas isso não aconteceu. Após haver se
reunido durante 18 meses, sem ter chegado a resultados práticos, a comissão foi
dissolvida pela imperatriz. E, em 1773, fiel ao ideário iluminista, ela publicou um decreto que garantia a liberdade religiosa na Rússia.
A relativa tranquilidade do reinado de Catarina foi perturbada por uma
revolta popular de grandes proporções, iniciada em 1773. Seu líder era um
soldado desertor, analfabeto, chamado Iemelian Pugachev. Dizendo-se o imperador
Pedro III, ele prometia prender a imperatriz Catarina, acabar com a servidão e
exterminar os nobres. Atraiu uma grande massa de descontentes de regiões
remotas da Rússia e chegou a ameaçar a capital, Moscou. Em 1775, Pugachev foi
preso, torturado e morto.
Durante o reinado de Catarina, a Rússia enfrentou e venceu,
duas vezes, o Império Otomano (Turquia). As vitórias lhe permitiram anexar a
Crimeia e outros territórios no Mar Negro. Essas conquistas possibilitaram aos russos
realizar um velho sonho: a livre passagem de seus navios para o mar
Mediterrâneo.
A oeste da Rússia, estava o reino da Polônia, que possuía
territórios que interessavam à Rússia. Catarina, aos poucos, foi tomando esses
territórios, e em 1795 acabou por abocanhar cerca da metade do país. O restante
foi dividido entre a Prússia e Áustria. A Polônia foi riscada do mapa. (A Polônia
somente voltaria a existir 123 anos depois, em 1918, no final da Primeira
Guerra Mundial.)
Mapa mostra as três partilhas sofridas pela Polônia, sendo a última em 1795. |
Catarina era uma fervorosa defensora das artes e da cultura.
Uma de suas iniciativas mais duradouras foi a criação do Museu Hermitage,
apenas um ano após sua subida ao trono. Nos séculos seguintes, o Hermitage não
parou de crescer, e hoje se tornou um dos maiores museus de arte do mundo: possui mais de três
milhões de peças. Se um visitante dedicar 8 horas diariamente para visitar o
museu e gastar um segundo para ver cada peça, ele vai precisar de nada menos do
que 104 dias para ver todo acervo!
A
simpatia de Catarina pelo iluminismo sofreu uma reviravolta total a partir do
início da Revolução Francesa, em 1789. Os revolucionários franceses se
inspiravam nas ideias dos escritores iluministas que Catarina admirava. Mas,
temerosa de que as mesmas ideias se voltassem contra ela, Catarina não hesitou
em introduzir a censura na Rússia. Primeiramente, proibiu a importação de
jornais e livros franceses. Posteriormente, em 1796, pouco antes de sua morte,
a imperatriz decretou o fechamento de todas as gráficas privadas e a obrigação
de que todos os livros fossem apresentados a um censor do Estado antes de sua
publicação.
Como seus súditos viam o poder absoluto que Catarina exercia, e como ela própria se via? A resposta a essa pergunta foi dada por um cortesão que contou uma conversa que tivera, certa vez, com a imperatriz. Durante a conversa, ele revelou sua surpresa “diante da obediência cega a todos os desejos dela, da ânsia e entusiasmo de todos para tentar contentá-la".
Como seus súditos viam o poder absoluto que Catarina exercia, e como ela própria se via? A resposta a essa pergunta foi dada por um cortesão que contou uma conversa que tivera, certa vez, com a imperatriz. Durante a conversa, ele revelou sua surpresa “diante da obediência cega a todos os desejos dela, da ânsia e entusiasmo de todos para tentar contentá-la".
- Não é tão fácil quanto você imagina, ela respondeu. Em
primeiro lugar, minhas ordens não seriam cumpridas se fossem ordens que não
pudessem ser cumpridas. Você sabe com que prudência e circunspeção eu ajo na
promulgação das leis. Examino as circunstâncias, peço conselhos, consulto a
parte esclarecida do povo, e assim descubro o efeito que a lei terá. Quando
estou certa de que terei boa aprovação, só então dou as ordens e tenho o prazer
de observar o que você chama de obediência cega. Esta é a base do poder
ilimitado. Mas creia-me, não obedeceriam cegamente se as ordens não fossem
adaptadas à opinião geral.” (Massie, Robert. Catarina, a Grande. Disponível em https://lelivros.pro/?x=15&y=16&s=catarina+II
Acesso em 31/jan/2017.)
Catarina foi cognominada “a Grande”. Ela governou por 34 anos. Faleceu em setembro de 1796,
vítima de um derrame cerebral (AVC) e foi sucedida por seu filho Paulo I.
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