EINSTEIN, militância política de um
cientista
Todos sabem que Albert Einstein foi um grande
cientista, mas o que pouca gente sabe é que ele também foi um militante
engajado em várias causas de cunho político, como este texto vai procurar
mostrar.
Albert Einstein, nascido na
Alemanha em 1879, tornou-se uma celebridade mundial depois que a observação do
eclipse solar de 1919 comprovou sua teoria da relatividade geral. Até então, e
por quase três séculos, havia prevalecido nos meios científicos a concepção de
Isaac Newton (1642-1727), segundo o qual havia um universo mecânico, baseado em
leis e certezas absolutas. Com Einstein, surgiu uma nova visão do universo, em
que o espaço e o tempo eram grandezas relativas, dependentes de pontos
de referência. A opinião pública interessou-se avidamente pela nova teoria, e imediatamente Einstein foi elevado à condição de gênio.
Einstein era filho de judeus, e
havia se formado em Física pela escola Politécnica de Zurique, em 1900. Queria
ser professor, mas fracassou em suas tentativas para conseguir trabalho nas
universidades. Uma das razões para esse fracasso foi sua condição de judeu,
pois naquele tempo o antissemitismo já era muito forte na Alemanha. O melhor que
Einstein conseguiu foi um emprego no escritório de patentes de Berna, na Suíça.
E foi lá, sentado junto à sua mesa de trabalho, que ele começou a virar de
cabeça para baixo o conhecimento acumulado pelos físicos até aquele momento. Era
o ano de 1905, chamado de “annus mirabilis” de Einstein. Na ocasião, ele
formulou, entre outras teorias, a da relatividade
especial. Dez anos depois, ele conseguiu formular a teoria da relatividade geral, confirmada
experimentalmente pelos astrônomos que observaram o eclipse de 1919.
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Einstein no Escritório de Patentes, Berna, Suíça, 1905 |
Até então, Einstein nunca levara sua condição de judeu muito a sério. Na verdade, ele se considerava um internacionalista. E foi justamente no momento em que se tornava famoso que abraçou o sionismo, ou seja, a luta pela criação de uma pátria para os judeus. Segundo suas próprias palavras: “Sou, como ser humano, um adversário do nacionalismo. Mas, como judeu, apoio a partir de hoje o empenho sionista.” (Isaacson, Walter, Einsten, sua vida, seu universo. São Paulo, Companhia das Letras, s/d, p. 256. Em https://lerlivros.online/livro/einstein-walter-isaacson. Acesso em 02 de março de 2017.)
Einstein não entrou
oficialmente em nenhuma organização sionista, nem pertenceu a nenhuma sinagoga.
Mas assumiu a luta em defesa dos assentamentos judaicos na Palestina e pela
causa da identidade nacional entre os judeus de todas as partes do mundo. Outra
bandeira que assumiu nessa época foi a oposição aos desejos “assimilacionistas”.
Eram chamados assim os judeus que pretendiam “assumir” a identidade nacional do
país onde viviam.
A união de Einstein com a causa
sionista de se deu no primeiro semestre de 1921, bem no momento em que ele e
sua mulher realizaram uma viagem aos Estados Unidos. O objetivo da viagem era
arrecadar fundos, junto aos judeus estadunidenses, para fundar a Universidade
Hebraica de Jerusalém. Em sua chegada, teve uma recepção digna de um pop star, com direito a um desfile
triunfal de carro através das ruas de Nova Iorque, com a multidão gritando e
empunhando bandeiras. Acompanhado de líderes do movimento sionista, Einstein
foi recebido pelo presidente dos Estados Unidos, visitou Harvard e depois
proferiu uma série de palestras na Universidade de Princeton (onde ele iria se
estabelecer mais tarde, quando se mudou definitivamente para os EUA, em 1933).
A viagem aos Estados Unidos
transformou Einstein definitivamente no que ele realmente queria ser - um internacionalista,
um cidadão do mundo. Não por acaso, naquele ano de 1921, ele entrou para o
Comité Internacional de Cooperação Intelectual da Liga das Nações, que tinha
como objetivo promover o espírito pacifista no mundo acadêmico.
No início da década de 1920, o antissemitismo
estava crescendo na Alemanha e, para Einstein, os convites para palestras não
paravam de chegar, e com eles a necessidade de viagens, algo de que ele
realmente gostava. Um desses convites foi para visitar a Ásia, numa viagem que
iria durar seis meses. Ele partiu em outubro de 1922, e estava a caminho do
Japão quando soube que havia ganhado o Prêmio Nobel de Física relativo a 1921. Na
viagem de volta para a Europa, fez sua única visita à Palestina.
O pacifismo radical de Einstein
se desenvolveu ao longo da década de 20. Mas essa não foi a única causa pela
qual se batia sua alma generosa. Ele foi também um defensor permanente da
justiça social e racial. Por isso, seu apoio à causa sionista não impediu que
sua solidariedade se estendesse também aos árabes que estavam sendo desalojados
pelos judeus que chegavam à Palestina. Numa declaração feita em 1929, quando já
tinha cinquenta anos, ele chegou a propor que se constituísse um “conselho
especial” com a presença de representantes independentes tanto de judeus quanto
de árabes, para solucionar as discordâncias entre os dois grandes povos
semitas.
A idade de Einstein avançava, e
cada dia mais sua atuação migrava do campo da ciência para o campo político. Os
convites continuavam a chegar. Um deles era um convite para visitar a União
Soviética, que foi recusado em virtude da oposição de Einstein ao regime totalitário
vigente naquele país. Para ele, já era bem clara a opção por um regime político
que respeitasse as liberdades do individuo. Por isso mesmo, ele se alegrou com
um novo convite vindo dos EUA, um país do qual ele aprendera a gostar. Foi
assim, que mais uma vez ele fez suas malas, e embarcou par a América em
dezembro de 1930. Na sua chegada, foi recepcionado por membros da Liga de
Resistentes à Guerra. Nesse encontro, ele foi abordado pelo líder socialista Norman
Thomas, que tentou convencer Einstein de que o pacifismo não pode existir sem o
socialismo. Einstein discordou, dizendo que o pacifismo não requeria o socialismo.
Embora fosse, em tese, simpático ao socialismo, não lhe agradava o fato de as
revoluções socialistas muitas vezes levarem à supressão da liberdade.
No seu discurso mais
importante, proferido na New History
Society, em Nova Iorque, ele fez seu mais veemente apelo pacifista até
aquele momento. Defendeu a resistência incondicional à guerra e a recusa em
prestar serviço militar. Segundo Einstein, se apenas 2% das pessoas obrigadas a
cumprir o serviço militar anunciassem sua recusa em lutar, os governos ficariam
impotentes. Eles não se atreveriam a mandar para a prisão um número tão grande
de pessoas. Proferido pelo cientista mais famoso do mundo, o discurso obviamente
teve grande repercussão.
As convicções políticas de
Einstein sofreram um duro golpe quando da ascensão de Hitler e dos nazistas ao
poder na Alemanha. Einstein havia sido sempre um pacifista. Mas foi capaz de mudar
seu discurso conforme mudavam as circunstâncias. Ele não abandonou seu discurso
pacifista, como disse não ao
desarmamento sem segurança. Mais do que isso, reforçou seu compromisso
com a ideia de uma organização federalista mundial. Para ele, a nova
organização seria como uma Liga das Nações, porém dotada de poder efetivo, com
seu próprio exército profissional para fazer cumprir suas decisões.
A ascensão de Hitler, no início
de 1933, ocorreu no exato momento em que Einstein partia para uma nova viagem
aos EUA. O cientista havia sido contratado para trabalhar na Universidade de
Princeton. Ele e sua mulher se encontravam naquele momento na Bélgica, onde ele
aproveitou para entregar seu passaporte ao consulado alemão em Bruxelas,
declarando que renunciava à cidadania alemã. Da Bélgica, acompanhado da mulher,
seguiu para a Inglaterra, e ali tomaram um navio para a terceira visita aos
EUA, país em que viveriam o restante de suas vidas.
Em setembro de 1939, começou a
Segunda Guerra Mundial. Diante do avanço nazista na Europa, Einstein deu um dos
passos mais decisivos de sua vida, ao recomendar ao presidente Franklin
Roosevelt a fabricação, sem demora, de uma bomba atômica. A recomendação foi
feita por meio de uma carta, elaborada por ele e mais alguns físicos seus
amigos. Parecia ser uma incoerência por parte de um pacifista, mas é que lhe
haviam chegado informações de que físicos alemães trabalhavam na fissão atômica
com urânio, e achava necessário que os países democráticos chegassem antes à
bomba.
Apenas uma semana depois, o
presidente Roosevelt enviou a Einstein uma carta de agradecimento. Nela, dizia que
já havia nomeado uma comissão para estudar a sugestão da bomba atômica. O
comité se reuniu pela primeira vez em Washington, no dia 21 de outubro.
Einstein não estava presente. Contudo, seus amigos físicos participavam da
comissão encarregada da tarefa. Como é sabido, a primeira bomba atômica seria
usada contra o Japão em agosto de 1945. Quando soube, Einstein lamentou o fato,
dizendo que jamais teria levantado um dedo em favor da bomba se soubesse que os
alemães não iriam conseguir produzi-la.
Em 1940, Einstein recebeu a
cidadania norte-americana. Na ocasião, concordou em dar uma entrevista no rádio
para a série "Eu Sou Americano",
realizada pelo serviço de imigração. Ele aproveitou a ocasião para reforçar a
defesa de uma organização mundial. Disse que, para evitar futuras guerras, as
nações teriam de ceder parte de sua soberania em favor de uma federação
internacional armada.
Também foi um crítico do
capitalismo. Afirmava que o capitalismo sem regras produzia grandes
desigualdades de riqueza, depressão e desemprego. Tais problemas poderiam ser
evitados, afirmava Einstein em um artigo publicado nessa época, mediante uma
economia socialista, desde que se resguardasse da tirania e da centralização do
poder. Einstein também apoiou, por atos e palavras, o combate à descriminação
racial nos Estados Unidos. Nos anos 40, os cinemas continuavam segregando os
negros, que eram proibidos também de experimentar sapatos e roupas nas lojas.
Mas foi duro com seus compatriotas alemães, responsabilizando-os como povo
pelos assassinatos em massa cometidos pelos nazistas. E até proibiu que seus livros
voltassem a ser vendidos na Alemanha.
Apesar de seu compromisso com a
causa sionista, inicialmente, Einstein havia combatido o projeto de criação de
um Estado judeu na Palestina; mas depois que ele foi criado passou a defendê-lo.
Segundo suas palavras: “Nunca considerei que a criação de um Estado fosse uma
boa ideia. Mas agora não há como voltar atrás; é preciso lutar até o fim”.
(Isaacson, op. cit, p. 458.) Seu nome
até chegou a ser recomendado para a presidência de Israel. De fato, em 1952,
com a morte do presidente de Israel, o cargo foi-lhe oferecido, mas Einstein
declinou do convite, alegando não possuir as qualidades necessárias para a
função.
Após o final da Segunda Guerra
Mundial, teve início a Guerra Fria, que opôs estadunidenses e soviéticos numa disputa encarniçada. Nesse
novo cenário, surgiu uma forte campanha anticomunista nos EUA. No clima de
extrema tensão política que se seguiu, estourou o escândalo do casal Rosenberg.
Em 1951, Julius e Ethel Rosenberg, judeus norte-americanos,
foram condenados à pena capital, acusados de espionagem e traição. No
entendimento do tribunal, eles teriam repassados aos soviéticos segredos da
bomba atômica.
Mais uma vez, Einstein
tomou posição, ao escrever uma carta ao então presidente dos EUA, Harry Truman,
pedindo-lhe que poupasse os Rosenberg da morte. Truman, que estava prestes a
deixar o cargo, preferiu deixar a decisão ao novo presidente. Coube a
Eisenhower autorizar as execuções.
O último ato político Einstein,
ocorreu em abril de 1955. Nessa ocasião, ele e seu amigo Bertrand Russel, filósofo
e matemático, assinaram um manifesto em que diziam que armas nucleares ameaçam
a existência da humanidade. E exortavam os governos a se posicionarem contra
uma nova guerra mundial.
Na manhã de 18 de abril de
1955, uma segunda-feira, Einstein faleceu, aos 76 anos de idade, na casa em que
vivia em Princeton.