quinta-feira, 8 de março de 2018


SOCIALISMO  NA  EUROPA  NO  PÓS-GUERRA



A revolução bolchevique de 1917, na Rússia, significou para muitos a esperança de um novo mundo, livre das injustiças sociais.
Bandeira da União Soviética exibida sobre o Reichstag, em Berlim, 
em 2 de maio 1945, 6 dias antes da rendição alemã.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, esse desejo parecia cada vez mais próximo de se realizar.
Em diversos países da Europa, os movimentos socialistas cresciam e ameaçavam os governos estabelecidos. No Leste Europeu, a União Soviética ajudava grupos de orientação comunista a tomar o poder. O mesmo movimento podia ser observado na Ásia, em especial na China, país com a maior população do mundo.
No fim da década de 1950, o comunismo chegaria à América Latina, na pequena ilha de Cuba, provocando nos estadunidenses o temor de perder aliados territorialmente próximos. O avanço do comunismo – não por acaso – amedrontava os Estados Unidos e todos os defensores do capitalismo.

1. A recuperação da União Soviética
Apesar dos terríveis danos causados pela ocupação nazista, a URSS encontrava-se, em 1945, em melhor situação do que a verificada no fim da Primeira Guerra Mundial. Contava, por exemplo, com grande número de profissionais qualificados, com uma política econômica baseada na planificação e tinha direito às indenizações pagas pelos países vencidos. Isso favoreceu a reconstrução do país em apenas quatro anos e sem ajuda externa, ao contrário da Europa Ocidental, que recebeu auxílio estadunidense.
A rivalidade com as nações capitalistas levou a URSS a manter um exército numeroso – com um efetivo de 5,5 milhões de homens em 1950 –, a desenvolver a indústria bélica e a investir na produção de novas armas (os soviéticos detonaram sua primeira bomba atômica em agosto de 1949). Na área econômica, o governo priorizou as indústrias pesadas, isto é, aquelas que incluem principalmente os ramos siderúrgico, metalúrgico, petroquímico e de cimento, setores em que investiu grandes recursos. Mas, com essa concentração de recursos nas indústrias pesadas, o governo sacrificou a agricultura e a produção de bens de consumo.
Essa política mudaria em 1953, com a morte de Stalin, quando então foram feitas algumas reformas na política agrária e adotaram-se medidas que rompiam com a centralização administrativa, imposta pela planificação central.
Entre 1953 e 1958, a agricultura chegou a bons resultados. As medidas surtiriam efeito até 1959, ano em que a situação da agricultura começou a se deteriorar rapidamente: em 1961, a produção de cereais, por exemplo, ficou 11% abaixo do planejado. O governo atribuiu o mau desempenho à descentralização introduzida em 1953, o que levou à restauração dos métodos de controle administrativo.
Nos sete anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, a indústria soviética apresentou elevados índices de crescimento. Em média, 17,5%, enquanto a indústria estadunidense crescia 4,5% e a francesa, apenas 2%. É preciso observar, porém, que a URSS partia de baixos níveis de produção. Por isso, o volume total de produção no país era bem inferior aos números obtidos nos Estados Unidos.
O sucesso alcançado pela URSS acabou levando vários países que se tornaram independentes no pós-guerra a optar por regimes inspirados no modelo soviético, na esperança de acelerar seu desenvolvimento econômico.

2. Mudanças na URSS pós-Stalin
As instituições soviéticas sofreram profundas mudanças principalmente após a realização do XX Congresso do Partido Comunista da URSS, em fevereiro de 1956. Na ocasião, Nikita Kruchev, o novo líder do governo, denunciou os crimes de Stalin. Iniciava-se, então, o processo que ficou conhecido como desestalinização. Kruchev adotou medidas de liberalização do regime, e algumas vítimas das perseguições políticas de Stalin foram reabilitadas.
Na política externa soviética também houve várias mudanças. Kruchev pretendia diminuir os gastos militares e aumentar os investimentos na agricultura e na produção de bens de consumo.
Para que essa redução fosse possível, procurou melhorar as relações com o mundo capitalista, defendendo a teoria da coexistência pacífica e abandonando a ideia de que seria inevitável uma guerra com o capitalismo.

As dificuldades da coexistência pacífica

O esforço de Kruchev para reduzir as tensões esbarrou em grandes dificuldades. Uma delas foi a revolta ocorrida na Hungria, em junho de 1956, contra o domínio soviético. Nas ruas, os manifestantes pediam liberdade de expressão, a retirada das tropas soviéticas do país e eleições diretas. A revolta acabou sendo esmagada por tanques soviéticos.
Logo surgiriam outros impasses, como os conflitos decorrentes da construção do Muro de Berlim (1961) e a Crise dos Mísseis, em Cuba (1962) . Kruchev foi afastado do poder em 1964 e Leonid Brejnev assumiu o governo até 1982. Durante quase duas décadas o governo de Brejnev se caracterizou pelo conservadorismo e pela progressiva paralisação das inovações tecnológicas.

3. O Leste Europeu
Em 1945, sete países do Leste Europeu – Bulgária, Romênia, Polônia, Iugoslávia, Tchecoslováquia, Hungria e Albânia – mais a parte oriental da Alemanha encontravam-se na zona de influência da URSS.
Toda essa região havia sofrido duramente com a ocupação nazista e, por isso, precisava ser recuperada. Logo depois da guerra, em vários desses países foram constituídos governos de coalizão, reunindo setores da sociedade que haviam participado dos movimentos de resistência à ocupação nazista. Os governos conseguiram superar as divergências internas e elaborar um programa mínimo para a reconstrução de seus países. Em geral, os programas previam a nacionalização de setores da economia e a redistribuição das terras ocupadas pelos nazistas e seus colaboradores, além daquelas pertencentes aos proprietários que haviam abandonado o país.
Os governos de coalizão, no entanto, não duraram muito tempo, pois alguns setores discordavam das reformas e se opuseram às propostas de inspiração comunista. As diferenças se acentuariam ainda mais com o advento da Guerra Fria, a partir de 1947. Os comunistas, sob influência da URSS, promoveram então a depuração dos governos de coalizão, afastando as pessoas contrárias às mudanças que estavam sendo implementadas.

4. A formação do Comecon
O Plano Marshall, formulado pelos EUA para socorrer economicamente os países europeus, não tardou a mostrar resultados. Logo nos primeiros anos do pós-guerra eram visíveis o crescimento da economia e a melhoria das condições de vida nesses países. Já os governos do Leste Europeu, sob influência soviética e sem contar com a ajuda estadunidense, apresentavam grandes dificuldades Diante desse quadro, a URSS percebeu a necessidade de dar maior assistência a seus aliados e propôs acordos comerciais, concessão de créditos e envio de apoio técnico para contornar os problemas. A ajuda se intensificou, sobretudo a partir de 1949, com a criação do Conselho de Assistência Econômica Mútua (Comecon), organismo responsável por coordenar as políticas econômicas dos países-membros.

5. O caso da Iugoslávia
A Iugoslávia constituiu um caso à parte no Leste Europeu. A expulsão dos nazistas foi obra dos próprios iugoslavos, comandados por seu maior líder, Josip Broz Tito, o marechal Tito. Apoiado principalmente pelo pequeno campesinato, o movimento de libertação, à medida que avançava, promovia o confisco de propriedades e a reforma agrária. Assim, o estabelecimento do Estado socialista na Iugoslávia ocorreu paralelamente à luta contra a ocupação nazista e seus colaboradores.
Em janeiro de 1946, uma Assembleia Constituinte proclamou a nova forma de organização da Iugoslávia. A monarquia, abolida durante a Segunda Guerra, deu lugar a um país composto de seis repúblicas:
Sérvia, Croácia, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia e Montenegro. A Sérvia reunia em suas fronteiras duas províncias autônomas, sendo uma delas Kosovo, onde a maioria da população era de origem albanesa.
Apoiando-se em sua enorme popularidade, Tito procurou seguir uma orientação independente de Moscou. Ao contrário dos soviéticos, os iugoslavos promoveram a descentralização política e administrativa, dando prioridade à gestão local e reduzindo a intervenção do governo central. Com isso, Tito atraiu para si o ódio de Stalin, que não admitia dissidências nem manifestações de autonomia. Assim, em 1948 a União Soviética rompeu relações diplomáticas com a Iugoslávia.
Apesar do rompimento, Tito conseguiu governar durante várias décadas, neutralizando as tensões entre as diversas etnias que compunham a população iugoslava.
Depois de sua morte, as diferenças étnicas e religiosas se acirraram, desencadeando sérios confrontos. Em poucos anos, dilacerada por guerras étnicas, a Iugoslávia desapareceu. Cada povo que a formava se tornou um país independente.

O nacionalismo foi mais forte do que a consciência de classe

Karl Marx (1818-1883) esperava que o socialismo se afirmasse nos países capitalistas mais desenvolvidos. Na prática, porém, o socialismo se desenvolveu em países atrasados da periferia do capitalismo, como a Rússia e a China. No texto a seguir, o cientista político brasileiro Emir Sader (1943-) analisa essa contradição.
“Um balanço do socialismo no século XX não pode se restringir à União Soviética e aos países que reivindicaram para si esse tipo de sociedade. Para Marx, o socialismo era a negação e, ao mesmo tempo, a superação do capitalismo. Era, antes de tudo, um movimento histórico e social de geração global de um novo tipo de sociedade; o que supõe um processo revolucionário muito mais amplo do que a ‘tomada do poder’ num ou noutro país e a construção de um novo tipo de Estado e de sociedade. Supõe a mais radical transformação que a humanidade já viveu, o que inclui a economia, as relações sociais, a política, a cultura – enfim, o conjunto das relações que o homem foi construindo ao longo do tempo [...].
Essa sociedade teria que se gestar, portanto, a partir dos polos mais desenvolvidos do capitalismo, para ser sua negação superadora. Avaliar o socialismo do século XX, portanto, é avaliar, antes de tudo, que as condições desse tipo devem ser gestadas nos polos mais avançados do capitalismo – sobretudo nos EUA, no Japão, na Europa Ocidental. Pode-se dizer que foi ali que se decidiu o destino do socialismo no primeiro século em que ele existiu como possibilidade histórica e não nos países atrasados que se lançavam a uma aventura com o handicap desfavorável, impossível de superar [...].
Nesse sentido, a principal questão sobre o socialismo do século XX tem de ser deslocada da periferia – onde surgiu – para o centro – onde não conseguiu se desenvolver. Em outras palavras, porque o socialismo não surgiu, não se desenvolveu, não se consolidou, não rompeu com o capitalismo no centro, ali onde – segundo a teoria marxista – as contradições seriam mais desenvolvidas, o proletariado mais forte, as condições mais favoráveis ao socialismo? [...]
Nos países desenvolvidos do capitalismo, a questão nacional revelou ser [...] a justificativa para a solidariedade entre burguesia e classe trabalhadora dos países imperialistas. E, nessa qualidade, ela revelou ser mais forte, marcar mais profundamente a consciência dos próprios trabalhadores desses países, do que a questão de classe. [...]
Quando se deflagrou a guerra interimperialista, colocou-se para os partidos socialistas o tema da concessão dos créditos de guerra, que subordinam tudo aos esforços de guerra. A maioria optou pelo apoio às suas burguesias, passando então a ser conhecidos como partidos da social-democracia, a qual nasce assim diferenciada como apoio ao maior massacre conhecido até então na história da humanidade, realizado pelas burguesias, usando trabalhadores para matar trabalhadores. [...]
O episódio anunciava já como o socialismo teria que acertar contas com a questão nacional para poder conquistar a consciência dos trabalhadores do centro do capitalismo, majoritariamente sensibilizados pela questão nacional.” (SADER, Emir. Século XX: uma biografia não autorizada. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. p. 68-70.)

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