quarta-feira, 14 de março de 2018


A  GLOBALIZAÇÃO


 Desde seu aparecimento, no início dos tempos modernos, o capitalismo tendeu para a internacionalização.
Essa tendência já se manifestava nos séculos XV e XVI, com as Grandes Navegações abrindo os caminhos para a expansão do capitalismo comercial em escala mundial.
No século XIX, o processo de internacionalização tomou a forma de imperialismo, caracterizado pela expansão do capital financeiro e pela divisão internacional do trabalho. No fim do século XX, esse processo ganhou novos contornos. Por causa do avanço tecnológico, sobretudo nas áreas de informática e de comunicações, capitais e mercadorias passaram a circular de forma mais intensa por todo o mundo, dando origem à globalização.

Economia globalizada consiste na circulação de
grandes massas de capital pelo planeta.

Esse processo está conduzindo os povos do mundo a uma interdependência cada vez maior. Mas a riqueza gerada pela globalização não chega a ser apropriada de forma igualitária por todas as nações, o que amplia os contrastes entre países ricos e pobres, gerando conflitos ao redor do mundo.

1. Uma nova ordem mundial
Após a Segunda Guerra Mundial, foi inaugurada outra etapa na internacionalização do capitalismo, comandada pelo poder militar e econômico dos Estados Unidos, cuja moeda – o dólar – se converteu na base do sistema monetário mundial. Essa fase, encerrada na década de 1970 em consequência das crises do petróleo (1973 e 1979), já foi chamada de era de ouro do capitalismo, em virtude dos altos índices de crescimento da produção e de geração de empregos, apresentados pelos países capitalistas industrializados.
Durante os “anos dourados”, contudo, a humanidade viveu sob o risco permanente de uma guerra nuclear, que ameaçava destruir todo o planeta. Com a desintegração da União Soviética e o fim da Guerra Fria, caíram as barreiras que impediam a completa internacionalização da economia mundial. Por isso, costuma-se dizer que, desde o início dos anos 1990, surgiu uma nova ordem mundial, construída a partir do processo de globalização.
Uma das características da economia globalizada consiste na circulação de grandes massas de capital pelo planeta, em busca das aplicações mais lucrativas no mercado financeiro. Até a China, onde o socialismo ainda se mantém, flexibilizou sua economia por meio de reformas que a inseriram no mercado internacional.

2. Empresas transnacionais
Nos últimos 250 anos, a humanidade passou por três processos de transformação econômica conhecidos como “revoluções industriais”. O primeiro deles, iniciado por volta de 1750, foi marcado pelo desenvolvimento da máquina a vapor e pelo aparecimento da fábrica. No segundo, a partir de 1850, surgiram a ferrovia, a eletricidade, o telégrafo e o automóvel.
Atualmente, está em curso a terceira revolução industrial, iniciada na década de 1970, quando chegaram ao mercado importantes inovações tecnológicas, como os computadores, os telefones celulares, a fibra óptica etc. Esse avanço tecnológico, impulsionado principalmente pelo setor de informática, permitiu a automação da indústria e, em consequência, o aumento e a diversificação da produção, além do barateamento de numerosos produtos.
Na década de 1980, por exemplo, um computador vendido no Brasil custava tanto quanto um carro de porte médio. Hoje, milhares de computadores são vendidos em todo o país a preços muito acessíveis.
Para chegar ao barateamento nos custos de produção, as grandes empresas investem maciçamente em pesquisa e desenvolvimento de novos métodos produtivos. Como as pequenas não têm como investir no próprio crescimento, elas não conseguem acompanhar o ritmo imposto pelo mercado e são absorvidas pelas empresas de grande porte. Por isso, uma das características do processo de globalização é a formação de gigantescos grupos econômicos pela fusão de várias empresas ou de companhias líderes do mercado.
Outro aspecto dessa política econômica que também concorre para baixar os custos da produção consiste na formação de empresas transnacionais. Uma empresa transnacional é uma espécie de “fábrica mundial” que produz bens montados com peças fabricadas em diversas partes do mundo.
Uma empresa de capital estadunidense, por exemplo, fabrica computadores. Os componentes que ela utiliza, entretanto, podem ter sido produzidos na China, em Taiwan, na Coreia do Sul, no Japão, no Vietnã ou até mesmo nos EUA. O que determina, nesses casos, em que país deve ser fabricada tal ou qual peça é o preço da mão de obra, paga com salários mais baixos nos países do Terceiro Mundo.
Mais um exemplo: a empresa estadunidense Ford fabrica automóveis e colabora com a empresa japonesa Mazda. Juntas, as duas produzem carros de pequeno porte. As duas companhias também trabalham com a empresa coreana Kia Motors. A Kia vende certas peças para a Ford/Mazda.
Outra fábrica japonesa, a Yamaha, fornece os motores. O produto final é um carro da marca Ford, mas ele não tem identidade nacional: não é coreano, nem estadunidense, nem japonês.

O comércio em escala mundial

O comércio sempre desempenhou importante papel no intercâmbio entre os povos e na dinamização das atividades econômicas. Desde que os europeus começaram as viagens marítimas interoceânicas, no início da Idade Moderna, o comércio vem se ampliando de modo crescente. A expansão das trocas internacionais, porém, tem sido mais acentuada em épocas recentes, particularmente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial. Isso porque, em 1948, foi criado o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (cuja sigla em inglês é GATT), que pôs em prática uma política de redução das tarifas alfandegárias. Assim, as tarifas, que eram em média de aproximadamente 40% em 1940, baixaram para cerca de 5% na década de 1990. Como resultado dessa política, as exportações mundiais cresceram muito mais rapidamente do que a produção, entre os anos de 1960 e 1990.
Em janeiro de 1995, o GATT foi substituído pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que ainda hoje tem, entre outras, as atribuições de administrar acordos comerciais, atuar como fórum de negociações entre países e resolver disputas comerciais.

O capital especulativo
Nas últimas décadas, as trocas comerciais têm sido acompanhadas de um gigantesco crescimento nos movimentos de capitais, feitos com o objetivo de buscar aplicações lucrativas de diversos tipos, nos mais diferentes mercados. Boa parte desses capitais está voltada a aplicações de curto prazo (capital especulativo), em mercados de ações, moedas e títulos emitidos pelos governos de muitos países.
Esse tipo de capital surgiu de dois processos combinados. Um deles foi resultado da adoção de políticas neoliberais, durante a década de 1980, pelo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e pela primeira-ministra da Inglaterra, Margaret Thatcher. Como se sabe, o neoliberalismo é uma doutrina que defende a não intervenção do Estado nas atividades econômicas, a privatização das empresas estatais e a abertura das economias nacionais. Com essa política, Reagan e Thatcher estimularam a queda de barreiras econômicas entre os países e contribuíram para a intensificação do intercâmbio comercial e financeiro no mercado mundial. O segundo processo foram as inovações introduzidas nas telecomunicações e na informática, que imprimiram incrível rapidez às transações financeiras. Essa nova modalidade de investimento consiste em capitais especulativos, que circulam com grande velocidade pelos mercados financeiros de todo o mundo, explorando as melhores taxas de juros em cada país.
Um exemplo de especulação financeira é o seguinte: o investidor estrangeiro converte seus dólares (ou outra moeda forte) em moeda nacional (o Real, por exemplo) e aplicados no mercado de ações, aproveitando-se de um momento favorável da Bolsa de Valores. A Bolsa sobe e garante ganhos. Porém, ao menor sinal de instabilidade, o investidor vende as ações, faz a conversão da moeda e leva os dólares embora. Se vários investidores fizerem isso ao mesmo tempo, pode haver uma crise na economia local que rapidamente se propaga para outros países em virtude da integração das economias. Crises desse tipo afetaram recentemente o México (1995), a Tailândia (1997), a Rússia (1998), o Brasil (1999) e os EUA (2008), repercutindo em quase todo o mundo.

A era dos computadores
A globalização financeira foi facilitada pelas inovações no campo das telecomunicações. Como vimos, a rápida evolução da tecnologia da informação colocou em uso o computador pessoal, o telefone celular, a videoconferência etc. A introdução dos cabos telefônicos de fibra óptica aumentou em milhares de vezes a capacidade das ligações telefônicas simultâneas. Essas mudanças tiveram um efeito revolucionário na expansão do comércio, nos fluxos de investimentos e na atuação das empresas multinacionais, possibilitando a unificação do mercado mundial.
O salto decisivo da globalização das comunicações ocorreu com a popularização da internet no início dos anos 1990. Essa rede computadorizada de informações surgiu no fim da década de 1960, patrocinada pelos órgãos de defesa dos Estados Unidos, na época da Guerra Fria. Tinha a finalidade de interligar centros de comando e de pesquisa militar. Pouco depois, a rede começou a ser utilizada pelas universidades. À medida que os computadores pessoais se tornaram acessíveis e se desenvolveram dispositivos especiais de localização, mais pessoas puderam “navegar” na rede. A internet constitui, hoje, o principal meio de transmissão de dados, de pesquisa e de comunicação entre pessoas e empresas.

3. O Estado em face da globalização
O papel do Estado passou por diversas mudanças nos últimos anos, particularmente a partir do fim da década de 1980. Para isso, contribuíram:
• a onda neoliberal que, a partir dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, se propagou pelo planeta defendendo a redução do papel do Estado tanto na economia como nas funções de previdência social;
• o fim da Guerra Fria, que reduziu ainda mais a possibilidade de conflitos armados entre as grandes potências.
Além disso, as novas tecnologias digitalizadas de comunicação (satélites, fax, redes de computadores) tiraram do Estado o controle exclusivo da informação no próprio território. A mídia internacional ignora as distâncias tanto quanto as fronteiras e possibilita, de forma crescente, que pessoas de países diferentes se interliguem. Como consequência, há hoje forte tendência para a globalização dos padrões culturais e de consumo, enquanto a língua inglesa se impõe como idioma universal.
Para alguns estudiosos, a aceleração desse processo poderia provocar o enfraquecimento do Estado e a perda da soberania nacional. Essa posição, no entanto, é polêmica, visto que o Estado continua sendo responsável pela integração dos mais diversos setores da sociedade.

Os blocos econômicos regionais

O processo de globalização tende a transformar o mundo em um grande e único mercado e uniformizar as economias de todos os países segundo o modelo imposto pelo neoliberalismo.
Para se fortalecer nesse mercado, várias nações têm procurado estabelecer acordos comerciais regionais, com o objetivo de formar blocos econômicos para facilitar o comércio entre os países membros e com outros blocos ou países do mundo. Entre outras vantagens, os blocos apresentam políticas alfandegárias unificadas e maior mercado consumidor.
O mais antigo desses blocos surgiu na Europa Ocidental em 1957 com o nome de Mercado Comum Europeu (MCE) ou Comunidade Econômica Europeia (CEE). Tratava-se no início apenas de uma zona de livre-comércio entre os países-membros (isto é, sem taxas alfandegárias sobre as importações).
Em 1993, a CEE passou a se chamar União Europeia (UE) por decisão do Tratado de Maastricht, que ampliou os termos do acordo de 1957. A mudança, portanto, não foi só de nome. A União Europeia é hoje uma organização supranacional que permite a livre circulação de pessoas e mercadorias entre os países membros e conta com um Parlamento Europeu eleito por voto direto. Dela são membros 28 países, entre os quais França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Itália, Holanda. Em 2000, foi criado o euro, moeda única adotada em 2016 por 19 dos 28 países da União Europeia.
Um segundo bloco é o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta), que integra as economias dos EUA, Canadá e México desde 1993. Em contraste com a União Europeia, o Nafta não se propõe a unificar politicamente a região, nem mesmo a criar uma moeda única. Sua finalidade específica consiste em eliminar as barreiras alfandegárias entre os três países signatários do acordo.
Em 1991, foi instituído, pelo Tratado de Assunção, o Mercado Comum do Sul (Mercosul), que deu início à eliminação a longo prazo das tarifas aduaneiras na região. Os membros do Mercosul são Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Chile, Peru, Colômbia, Equador, Guiana e Suriname são países associados, e a Bolívia está em processo de adesão ao bloco. O objetivo do Mercosul é estreitar as relações comerciais entre os países membros e, no futuro, estabelecer tarifas únicas para o comércio do bloco com países de outras regiões e continentes.
Outro bloco foi firmado na América Latina: trata-se da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), proposto por Hugo Chaves, que era presidente da Venezuela. Sua fundação foi formalizada em dezembro de 2004, em Havana, e entre seus membros estão Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua. O bloco pretende eliminar as tarifas alfandegárias como incentivo ao comércio e também promover o desenvolvimento econômico.
Entretanto, alguns fatos prejudicaram do andamento da Alba. Entre eles: a morte de Hugo Chaves, em 2013; a queda no preço do petróleo (a principal riqueza da Venezuela); e o afastamento de Fidel Castro da política cubana.

A precarização do trabalho
Com a revolução tecnológica das três últimas décadas, o trabalho humano passou a ser substituído por máquinas e processos produtivos cada vez mais complexos e sofisticados. Esse processo, conhecido como automação, provocou a extinção de milhões de postos de trabalho em todo o mundo, levando à demissão em massa de trabalhadores na indústria e no setor de serviços.
A década de 2000 mostrou esses danos. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelaram que, em janeiro de 2003, havia no mundo cerca de 180 milhões de pessoas desempregadas. Além delas, cerca de 550 milhões de trabalhadores viviam de subempregos, isto é, de atividades sem remuneração fixa que não contam com os benefícios da legislação trabalhista, como as de camelô, catadores de papel, engraxates etc.
Para alguns economistas, a automação extingue funções e, portanto, o aumento do desemprego seria inevitável. Para outros, trata-se de uma situação passageira, semelhante à que ocorreu durante a primeira Revolução Industrial, quando as máquinas começaram a substituir o trabalho humano. Nesse caso, a atual onda de desemprego seria seguida da criação em grande escala de novos postos de trabalho, ligados à tecnologia de ponta. Seja qual for a causa do desemprego, é certo que, na maioria dos países, a globalização se associou à precarização do trabalho. A competição entre empresas e a necessidade de reduzir custos levaram os patrões a exigir mais de seus empregados, nem sempre aumentando os salários.
Embora em condições precárias, muitos empregos haviam sido criados por conta do crescimento econômico registrado em muitos países, sobretudo na zona do euro e nos Estados Unidos. Esses países, para suprir a falta de braços, vinham atraindo trabalhadores estrangeiros, principalmente para o setor de construção civil.
A crise econômica iniciada em 2008 mudou esse quadro. A recessão que se espalhou pelo mundo fez desaparecer muitos postos de trabalho e os países ricos tomaram medidas mais rígidas contra a imigração.

4. Globalização e desigualdade
O processo de globalização é considerado irreversível pelos especialistas, mas seus rumos são criticados por diversos grupos políticos em todo o mundo. Uma das principais críticas é que a globalização não favorece a distribuição da riqueza entre os países, agravando a exclusão social.
Enquanto países desenvolvidos detêm mais de 70% do comércio internacional, as nações em desenvolvimento não conseguem usufruir dos lucros gerados pela globalização.
Com as desigualdades denunciadas por diversos países em desenvolvimento e ONGs (organizações não governamentais) internacionais, as instituições financeiras supranacionais, como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (Bird) e Organização Mundial do Comércio (OMC), começam a se preocupar com o aumento do “abismo” que separa os países ricos dos países pobres.

As duas faces da globalização

O economista estadunidense Joseph Stiglitz foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos no mandato de Bill Clinton no governo dos Estados Unidos (1995-1997) e integrou o setor para Políticas de Desenvolvimento do Banco Mundial. No texto a seguir, ele apresenta suas percepções sobre a globalização.
“No começo da década de 1990, a globalização foi saudada com euforia. Os fluxos de capital para os países em desenvolvimento aumentaram seis vezes em seis anos, de 1990 a 1996. A criação da Organização Mundial do Comércio em 1995 – um objetivo buscado durante meio século – daria aparência de império da lei ao comércio internacional. Todos supostamente sairiam ganhadores, tanto no mundo em desenvolvimento como no desenvolvido. A globalização traria uma prosperidade sem precedentes para todos.
Não admira então que o primeiro grande protesto moderno contra a globalização, ocorrido em Seattle, em dezembro de 1999, no que deveria ser o começo de uma nova rodada de negociações sobre o comércio que levaria a uma maior liberalização, tenha sido uma surpresa para os defensores dos mercados abertos. A globalização havia conseguido unir gente de todo o mundo – contra a globalização.
Os operários fabris dos Estados Unidos viam seus empregos ameaçados pela concorrência da China. Os agricultores de países em desenvolvimento viam seus empregos ameaçados pelos altos subsídios agrícolas americanos. Os trabalhadores da Europa viam a proteção do emprego, conquistada a duras penas, sendo atacada em nome da globalização. Os militantes contra a Aids viam os novos acordos comerciais aumentando o preço dos remédios a níveis fora do alcance para boa parte do mundo. Os ambientalistas sentiam que a globalização punha em perigo sua luta de uma década para estabelecer regulamentações a fim de preservar nossa herança natural. Aqueles que queriam proteger e desenvolver suas heranças culturais também percebiam a intrusão da globalização. Esses manifestantes não aceitavam o argumento de que, pelo menos economicamente, a globalização acabaria por beneficiar todo mundo.
Muitos relatórios e comissões têm sido dedicados ao tópico da globalização. Participei da Comissão Mundial sobre as Dimensões Sociais da Globalização, criada em 2001 pela Organização Internacional do Trabalho [...] Algumas linhas revelam nossa compreensão de como boa parte do mundo se sente em relação à globalização.
O atual processo de globalização está gerando resultados desequilibrados, tanto entre países como dentro deles. Cria-se riqueza, mas um número muito grande de países e de pessoas não está se beneficiando dela. Eles também têm pouca ou nenhuma voz na moldagem do processo. Vista através dos olhos da vasta maioria das mulheres e dos homens, a globalização não atendeu a suas aspirações simples e legítimas de empregos decentes e um futuro melhor para seus filhos. Muitos deles vivem no limbo da economia informal, sem direitos formais e numa faixa de países pobres que substituem precariamente às margens da economia global. Até mesmo nos países economicamente bem-sucedidos, alguns trabalhadores e algumas comunidades foram afetados de forma negativa pela globalização. Enquanto a revolução nas comunicações globais aumenta a consciência dessas disparidades [...] esses desequilíbrios globais são moralmente inaceitáveis e politicamente insustentáveis.” STIGLITZ, Joseph E. Globalização: como dar certo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 66-68.

O espírito de Seattle
O primeiro grande protesto contra a globalização ocorreu em dezembro de 1999, em Seattle (EUA), durante uma reunião da OMC que pretendia lançar a Rodada do Milênio – um novo cronograma para a redução de tarifas comerciais. Do lado de dentro, países ricos e pobres divergiam quanto a metas e prioridades. Nas ruas de Seattle, cerca de 100 mil representantes de sindicatos e ONGs realizavam protestos contra a OMC e a globalização, entrando em choque com a polícia. Os confrontos duraram três dias e deixaram um saldo de mais de 500 pessoas presas e centenas de feridos.
Estabelecimentos comerciais considerados símbolos da globalização, como as lanchonetes da rede McDonald’s e lojas de artigos da Nike, foram depredados.
A partir de Seattle, as manifestações antiglobalização cresceram. Nascia o chamado espírito de Seattle, que envolve grupos políticos de todo o mundo.
Em abril de 2000, durante a reunião semestral do FMI e do Banco Mundial, em Washington, mais de 10 mil manifestantes tomaram as ruas da capital dos Estados Unidos com bandeiras e cartazes com slogans antiglobalização. Cinco meses depois, novamente em um encontro entre o FMI e o Banco Mundial, em Praga (República Tcheca), os protestos terminaram num conflito violento entre os manifestantes e a polícia.
Em janeiro de 2001, a reunião anual do Fórum Econômico Mundial – entidade que reúne representantes dos países mais ricos, banqueiros, economistas e empresários –, realizada em Davos (Suíça), contou com um esquema de segurança rigoroso: a polícia suíça isolou a cidade e fechou temporariamente as fronteiras do país. Os pouco mais de mil ativistas que conseguiram romper o bloqueio seguiram para Zurique, onde queimaram carros e enfrentaram os policiais.
Enquanto isso, em Porto Alegre (Brasil), aproximadamente 10 mil pessoas representando ONGs, sindicatos, movimentos de esquerda, entidades estudantis etc. se reuniram no Fórum Social Mundial.
Devido à grande quantidade de críticas à globalização e discursos exigindo dos países ricos o cancelamento das dívidas dos países pobres, o encontro foi logo chamado de anti-Davos. Em julho de 2001, em Gênova (Itália), pela primeira vez um confronto entre os ativistas antiglobalização e a polícia terminou em tragédia. O italiano Carlo Giuliani, de 23 anos, morreu quando protestava, ao lado de mais de 150 mil manifestantes, contra uma reunião do então G8 (grupo das sete maiores economias mundiais mais a Rússia). Cerca de 200 ativistas foram presos e 560 pessoas ficaram feridas.
O espírito de Seattle não morreu. A cada vez que o G7, FMI ou Banco Mundial se reúnem os manifestantes antiglobalização comparecem e protestam contra aqueles que são responsáveis pela condução da economia mundial.

5. Em busca de soluções globais
Um aspecto interessante da globalização é que ela está levando povos do mundo a pensar em soluções globais para seus problemas.
Em Kyoto (Japão), em dezembro de 1997, foi firmado um tratado internacional (Protocolo de Kyoto) que buscava a redução pelas nações industrializadas das emissões de gases estufa (causadores do efeito estufa, que é o aquecimento anormal da atmosfera). Os EUA, país que mais poluía o planeta (responsável por 25% de todo o dióxido de carbono emitido no mundo no período), foram a única nação que não ratificou o protocolo. Apenas em 2015, na COP21 (vigésima primeira Conferência das Partes), foi firmado um acordo de dimensões globais visando diminuir a emissão de gases do efeito estufa. Os 196 países signatários (entre eles, os Estados Unidos e o atualmente maior poluidor do mundo, a China) devem trabalhar para que o aquecimento global não passe de 1,5 °C.
Em junho de 2001, foi realizada em Nova York (EUA) a Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Aids, cujo objetivo era discutir a prevenção e o combate à doença. Além de reafirmar que o acesso aos medicamentos é um direito do ser humano, os países participantes decidiram ampliar o tratamento dos portadores do HIV e criar um fundo internacional para a realização desse trabalho.
A comunidade internacional se reuniu novamente em 2011 para estabelecer outra meta: dar acesso aos medicamentos que impedem a multiplicação do vírus para 15 milhões de pessoas. Em 2015, cerca de 16 milhões de pessoas estavam recebendo o tratamento. Outra solução global foi buscada na Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância, que reuniu 173 países em Durban (África do Sul), entre agosto e setembro de 2001.
O documento final do encontro reconheceu a escravidão como crime contra a humanidade.
Também reivindicou medidas efetivas dos países ricos para reverter as injustiças históricas cometidas contra os povos africanos.
Foram exigidos o Alívio das dívidas, a erradicação da pobreza e investimentos em saúde e no combate à Aids. Essa conferência ganhou um encontro de revisão em 2009.
O desenvolvimento sustentável é outra preocupação das nações do mundo. Em 2012, ocorreu no Rio de Janeiro o evento Rio+20, que contou com a participação de chefes de Estado de cento e noventa nações.
O evento buscou a renovação do compromisso das nações presentes com a sustentabilidade, repensando a utilização dos recursos naturais do planeta.

A globalização e os trabalhadores

Como se dão as relações de trabalho no mundo transformado pela mundialização dos capitais?
No texto a seguir, o cientista social francês Pierre Bourdieu (1930-2002) analisa os problemas que a globalização traz para os trabalhadores.
“A instituição prática de um mundo darwiniano que encontra as molas da adesão na insegurança em relação à tarefa e à empresa, no sofrimento e no estresse, não poderia certamente ter sucesso completo, caso não contasse com a cumplicidade de trabalhadores a braços com condições precárias de vida produzidas pela insegurança, bem como pela existência – em todos os níveis de hierarquia, e até nos mais elevado, sobretudo entre os executivos – de um exército de reserva de mão de obra docilizada pela precarização e pela ameaça permanente do desemprego. O fundamento último de toda essa ordem econômica sob a chancela invocada da liberdade dos indivíduos é efetivamente a violência estrutural do desemprego, da precariedade e do medo inspirado pela ameaça da demissão. [...]
A profunda sensação de insegurança e de incerteza sobre o futuro e sobre si próprio que atinge todos os trabalhadores deve sua coloração particular ao fato de que o princípio da divisão entre os desempregados e os que têm emprego parece estar na competência escolarmente garantida, que também explica o princípio das divisões, no seio das empresas, entre os executivos e os ‘técnicos’ e os simples operários ou os operários especializados. A generalização da eletrônica, da informática e das exigências de qualidade, que obriga todos os assalariados a novas aprendizagens e perpetua na empresa o equivalente das provas escolares, tende a redobrar a sensação de insegurança habilmente mantida pela hierarquia de indignidade.
A ordem profissional e, sucessivamente, toda a ordem social, parecem fundadas numa ordem das ‘competências’, ou, pior, das ‘inteligências’.
Sempre obrigados a provar que são bons, os trabalhadores condenados à precariedade e à insegurança de um emprego instável e ameaçados de serem relegados à indignidade do desemprego só podem conceber uma imagem desencantada tanto de si mesmos, como indivíduos, quanto de seu grupo. Outrora objeto de orgulho, enraizado em tradições e em toda uma herança técnica e política, o grupo operário [...] está fadado à desmoralização, à desvalorização e à desilusão política, que se exprime na crise da militância ou, pior ainda, na adesão desesperada às teses do extremismo fascistoide.” BOURDIEU, Pierre. Contrafogos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 140-142.

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