quinta-feira, 29 de março de 2018

SOLDADOS  E  NEGOCIANTES  NA  GUERRA  DO  PARAGUAI 
   Divalte Garcia Figueira
  

 São bem conhecidas as repercussões da Guerra do Paraguai no arcabouço social e político do Brasil imperial. Igualmente são bastante conhecidas as influências da guerra na organização militar do país, inclusive sua relação com a queda da Monarquia.
O mesmo não se deu quanto aos efeitos da guerra sobre a economia do país. Um dos poucos trabalhos disponíveis é o livro “Guerra do Paraguai e capitalismo no Brasil”, de Rui Guilherme Granziera.
No tempo da Guerra do Paraguai, o transporte terrestre
era feito por meio de tropas de mulas.
Mas seu campo de abordagem privilegia os desdobramentos financeiros que ocorrem no país, particularmente no setor bancário. Por isso, pouco se sabe a respeito dos efeitos da guerra sobre manufatura e agricultura.
A guerra contra o Paraguai pegou o Brasil desprevenido. Não só pela surpresa da atitude de Francisco Solano López, mas também porque o país havia, até então, travado guerras de pequena expressão. Por isso, não possuía nem um Exército suficientemente numeroso, armado e treinado, nem uma administração militar digna desse nome. Daí que, conhecida a notícia do ataque paraguaio, foi preciso rapidamente mobilizar grandes recursos, materiais e humanos.
Afinal, o sucesso das armas brasileiras dependia não apenas de soldados e de oficiais, por mais numerosos e por mais valentes que fossem. Dependia também do abastecimento, que tinha de ser feito nas quantidades necessárias e nos momentos certos. Uma grande parte foi feita a partir de compras realizadas no exterior. Outra parte foi adquirida no próprio país, e algumas províncias foram articuladas para fornecer produtos manufaturados, animais de carga e alimentos. Estou me referindo a um aspecto ainda pouco ou nada conhecido da Guerra do Paraguai, qual seja, o do abastecimento das tropas brasileiras nessa guerra.
Preencher essa lacuna em nossa historiografia, ainda que modestamente, foi a intenção deste trabalho desenvolvido inicialmente como dissertação de Mestrado. Ele procurou revelar as várias faces do problema, e cada uma delas constitui um capítulo do presente livro. O primeiro desenha o quadro geral da economia do país, antes da guerra, particularmente da produção de alimentos e do setor secundário. Os dois capítulos seguintes foram dedicados a uma avaliação das possíveis repercussões da guerra sobre a economia do país, sendo que o segundo enfatiza os aspectos financeiros, e o terceiro capítulo aborda os efeitos dos pedidos para a guerra sobre a indústria do país.
O quarto capítulo foi dedicado às compras, fiscalização e pagamentos, e mostra a extrema urgência com que, no início, as compras tiveram de ser feitas para armar, alimentar e vestir as tropas que em número crescente seguiram para as frentes de guerra; e expõe também as medidas adotadas para promover os pagamentos e sua fiscalização. O quinto capítulo mostra a participação, nos fornecimentos militares, das unidades fabris mantidas pelo Exército e o sexto revela os problemas de transporte e comunicações, aspectos que se tornaram dramáticos durante a guerra em virtude das enormes distâncias que tinham de ser percorridas. E o sétimo capítulo, que ocupa a maior parte do livro, trata dos contratos com os fornecedores de víveres. Quem eram esses senhores em cujas mãos, muitas vezes, estava a sorte de uma batalha? Como se faziam os contratos? Que destino tiveram os lucros do negócio? Essas são algumas das questões contempladas no texto, com base em documentação disponível.
Acrescentei, ao final, como anexos, um glossário, em virtude do aparecimento no texto de um vocabulário muito específico, e uma tabela de conversão para o sistema decimal das medidas usadas naquela época. O leitor vai encontrar também uma ."autobiografia" daquele que foi o principal arrematador dos contratos de fornecimento de víveres para os soldados brasileiros.
O trabalho que o leitor traz nas mãos não tem, nem poderia ter, a pretensão de esgotar o assunto, não só por sua amplitude, mas também pela dificuldade de localização das fontes. Sem embargo, o autor tem a convicção de que contribuiu, ainda que modestamente, para revelar um tema até então esquecido da historiografia, abrindo uma senda por onde poderão avançar outros estudiosos.


PREFÁCIO
Rui Guilherme Granziera

Com este livro, uma antiga dívida começa a ser resgatada. É aquela que decorre da necessidade de estudar uma guerra pelas suas repercussões econômicas. E se a Guerra do Paraguai teve estudiosos pelo seu prisma militar, pelo campo específico das batalhas, e recentemente outros que a estudaram pelas suas projeções sociais, é patente a lacuna até aqui registrada no campo econômico, malgrado a longa duração do conflito.
Todas as guerras contemporâneas à do Paraguai que ocorreram no mundo, mesmo sendo de menor duração, foram exaustivamente consideradas nesse campo. À Guerra Civil americana foram atribuídos resultados de grande expansão econômica no setor industrial, especificamente nos setores ferroviário e siderúrgico, e o profundo desbarato na produção algodoeira, cujos efeitos alcançariam o Brasil, teve consequências marcantes. Das guerras da unificação alemã, outro tanto foi apontado: o gigantismo siderúrgico da Krupp, as grandes ferrovias e, sobretudo, as inovações no setor armamentista.
Destas guerras europeias resultou a consideração estratégica da tecnologia para o abastecimento das tropas, justamente o tema central deste livro.
É certo que a Guerra do Paraguai tenha tido importantes consequências na vida econômica dos povos diretamente envolvidos.
Não seria, pois, intrigante o fato de que a identificação delas para o Brasil tenha sido considerada de menor importância? Ou teria sido o tema aprisionado pelas perspectivas tradicionalmente eleitas pelo conservadorismo ilustrado, a saber, o militarismo, a diplomacia e as letras jurídicas?
A realidade, todavia distante, foi a dos negócios.
A feliz epígrafe apresentada pelo autor, de autoria do baiano Cotegipe, com a sua autoridade de conhecedor das questões platinas e de ter nelas diretamente atuado, não deixa dúvidas: as heranças comerciais, legado lusitano, palpitaram como nunca durante aqueles anos. O herói da guerra do século XIX seria o mesmo da Colônia de ontem, o negociante. O sinal verde foi o inusitado interesse pessoal demonstrado pelo imperador, possivelmente instigado pela honra ferida pelos ingleses, que reavivou, como mostra o livro, antigas questões que remontam ao tratado de Tordesilhas, e que as campanhas cisplatinas se encarregaram de fazer fluir, latentes, até aquele momento.
Territorialismo e comércio, qual binômio pode sintetizar melhor, afinal, a mobilização das dinastias portuguesas?
O Brasil, às vésperas da Guerra do Paraguai, era um país onde um mal-estar, provindo da crise bancária de 1864, ganhava amplitude pela situação provincial. A reativação dos negócios causada pela guerra teve certamente funções exorcizantes. É bem possível que tenha sido justamente essa elevação da temperatura social, proporcionada pelos célebres “fornecimentos”, que tanto impressionaram o jovem Machado de Assis, a origem da entronização, para sempre, da questão do federalismo brasileiro, tema perigoso para a firmeza das estruturas do Império, logo envolvido pelas ideias republicanas.
Não é o caso, entretanto, de cogitar que a guerra tenha tido propósitos outros que os militares de defesa. Essa suspeita tem tido fundamento em vários conflitos latino-americanos, como infelizmente se sabe, mas tal não é o caso, pelo menos do lado brasileiro.
O país vivia estrangulado pelo padrão-ouro e a falta de moeda travava a geração de renda. A atividade econômica fora do eixo cafeeiro vivia a camisa-de-força imposta pela Corte, com a permanente restrição de crédito. Uma guerra que visasse propósitos políticos necessitaria de preparação prévia, exigindo a remoção antecipada daqueles freios impostos pelo sistema internacional. Como Divalte Garcia Figueira mostra, detalhadamente, a defasagem brasileira em relação aos acontecimentos ficou caracterizada em todo o período da guerra.
Era natural, pois, que essa tormentosa defasagem acabasse penetrando as consciências entorpecidas que o Império fabricava e das quais se alimentava para perpetuar o anacronismo.
É bem verdade que a crise de 1864 já preparara o terreno para as intervenções do governo. O curso-forçado, fantasma para os epígonos do padrão-ouro, já havia sido autorizado para o Banco do Brasil, mas para seus bilhetes. Era um banco privado que, como os outros, tinha sido engolfado pela crise. Só no segundo semestre de 1866 é que o Tesouro retomou a faculdade emissora, colocando em ação o papel-moeda oficial, que tinha curso em todas as províncias, quando, portanto, a guerra já ia adiantada.
O arranjo denota, mais que outro qualquer, como os acontecimentos superavam a capacidade institucional do governo, preso às tradições, em que as leis só visavam à aceleração das práticas comerciais.
E foi justamente a peça central desse edifício passadista, o escravismo, que colocou o Brasil em situação constrangedora. Os soldados, ex-escravos ou não, acabaram sendo nivelados pelos padrões de cuidados que eram usualmente praticados, especialmente no campo alimentar. E nem a transformação dos escravos em soldados, mediante a indenização dos proprietários, poderia alterar o secular estado de coisas de uma cultura calcada e recalcada. A guerra, sem invalidar a tese de Gilberto Freire quanto à nutrição brasileira, retificou-a ao mostrar que nem nas regiões pecuaristas, onde a guerra afinal teve lugar, o Brasil alimentado esteve presente: em seu lugar, o escravismo ditava as regras, introduzindo a fome. Nesse cenário, prolongado, não faltaram lances patéticos, que seriam pitorescos não fosse o espectro da inanição que rondava os heróis verdadeiros, finalmente reconhecidos após a guerra.
O autor observa, com ponderação, que sua abordagem de tão crucial questão não a esgota, e que pretende, justificadamente, vê-la também como estímulo a outros pesquisadores para levá-la adiante.
Os interessados realmente nela encontrarão não raras aberturas para isso.
A história econômica do Rio Grande do Sul, possivelmente também a de Mato Grosso, podem ser enriquecidas a partir dos dados e questões aqui apresentados, sob o ângulo regional. No plano mais geral, superado o desencontro das administrações, o livro aponta para um ainda vitorioso liberalismo no trato das questões candentes, mas um liberalismo que, por sua flagrante debilidade, já abre o flanco para o embrião do dirigismo estatal. Internacionalmente, o arranjo da Tríplice Aliança, diretamente conectado a Paris e Londres, movimentou riquezas que fizeram ressurgir os gloriosos tempos do Rio da Prata, com a diferença de que os lutadores de ontem estavam agora na mesma trincheira, a do capital internacional, representado pelas conservas enlatadas levadas à frente de batalha e pelas promissórias assinadas pelos embaixadores.
Isso nos leva a duas certezas. A de que este livro é uma contribuição para o estudo do século XIX no Brasil e de que aponta, em várias direções, um farol frutificante para trabalhos ainda por vir.
No plano ainda mais geral do humanismo, cabe igualmente considerar o trabalho de Divalte Garcia Figueira. Sua leitura dificilmente se encerra sem a trágica indagação, a do porquê desta guerra.
Teria sido uma guerra que, atavicamente, trazia de volta a questão indígena? Afinal, que inimigo era esse o Paraguai, que desde o século XVII tinha relações de reciprocidade com São Paulo, em que a língua falada era quase a mesma, um território o prolongamento do outro, onde as famílias de um e outro se enlaçavam, como mostrou Sérgio Buarque de Holanda?
A verdade é que o inaudito sempre abre o campo para as explicações que evocam personalidades extravagantes, quando não ditas doentias. Solano López, Madame Lynch, quantas evocações até aqui para explicar o inexplicável?
O cenário que Divalte Garcia Figueira traz nestas páginas é o das vidas sem valor, no qual a hesitação é a regra que faz dos governantes a paragem da irresponsabilidade. De lado a lado, da sonhada monarquia guarani à Corte do Rio da Janeiro, além do sorriso dos negociantes, é só o que se vê.



INTRODUÇÃO

O Brasil independente herdou da metrópole portuguesa a política de intervenção nos assuntos do Rio da Prata. Após o término da Guerra da Cisplatina (1825-28), em que se deu a independência do Uruguai, o Brasil voltou a intervir naquele país em 1851, no conflito contra o governo de Manuel Oribe. A partir de então, procurou manter uma posição de neutralidade em relação aos problemas internos do Uruguai. Passados 12 anos, uma trama de intrigas e desacertos levou o governo brasileiro a romper sua política de não-intervenção imiscuir-se novamente nos assuntos internos daquele país. Essa intervenção, como se sabe, constituiu-se no estopim da Guerra do Paraguai, que se prolongou do final de 1864 até primeiro de março de 1870. Uma guerra longa, portanto, que exigiu do Brasil, e dos demais protagonistas, o máximo de seus recursos.
O Uruguai era governado, em 1864, pelo presidente Atanásio Aguirre, do partido Blanco. Contra ele haviam se levantado em armas elementos do partido adversário, o Colorado, chefiados por Venâncio Flores. Nessa luta se envolveram numerosos brasileiros que residiam no país, onde eram proprietários de terras e simpatizavam com a causa dos colorados. Muitos combatiam nas fileiras de Flores e, em consequência, sofriam represálias dos blancos.
No início daquele ano, veio ao Rio de Janeiro o general Antônio de Souza Neto (barão de Jacuí), fazendeiro gaúcho, veterano das lutas farroupilhas e antigo aliado dos colorados uruguaios. Veio com a missão de trazer as reclamações dos brasileiros afetados pela luta no país vizinho, e cobrar providências do governo brasileiro.
Tal foi o apoio que receberam suas queixas na Corte (sede do governo imperial no Rio de Janeiro), que a resposta do governo não se fez esperar. Imediatamente, enviou ao Uruguai, em missão especial, José Antônio Saraiva, experiente político brasileiro, levando aquele que era “o nosso último apelo amigável”, dirigido ao governo uruguaio.(1)
O “último apelo” continha duras exigências, entre elas o pagamento dos prejuízos reclamados pelos brasileiros e a punição dos responsáveis pelas violências. Se as exigências não fossem atendidas, o Brasil iniciaria imediatamente represálias contra o governo daquele país.(2)
O enviado brasileiro chegou a Montevidéu no dia 6 de maio de 1864, apresentando em seguida suas credenciais ao governo de Aguirre. Mas, escreveria ele posteriormente, “depois de estudar a situação política da República Oriental e reconhecer que não podia o seu governo, na permanência da guerra civil, satisfazer as reclamações brasileiras”,(3) preferiu transformar sua missão de guerra em uma missão conciliadora. Em correspondência ao governo brasileiro, datada de 18 de maio, ele escreveu: “[...] a paz é a única saída que ao governo oriental se oferece para dominar suas dificuldades internas e reabilitar-se para resolver as suas questões internacionais”.(4)
Saraiva não era o único a pensar assim. Coincidentemente, com a mesma intenção dele, haviam chegado a Montevidéu o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Rufino Elizalde, e o embaixador inglês na Argentina, Edward Thornton. A intervenção desses diplomatas, aos quais se juntou o uruguaio Andrés Lamas, tornou possível um princípio de acordo entre Aguirre e Flores, o qual, todavia, não se consolidou, e no dia 7 de julho os negociadores deram sua mediação por encerrada.
Saraiva, então, deixou Montevidéu e partiu para Buenos Aires, à espera de novas instruções do governo brasileiro. No Rio de Janeiro, continuava prevalecendo a ideia de exigir do governo do Uruguai a satisfação das reclamações formuladas inicialmente. Segundo Joaquim Nabuco, o governo brasileiro “não acreditava no Plano Saraiva. Sentia necessidade de afirmar-se: queria levantar o prestígio do Império afetado pela questão inglesa”.(5)
Efetivamente, o governo imperial orientou Saraiva a apresentar a Aguirre as exigências brasileiras, e dar-lhe um prazo para o atendimento delas. Finalmente, no dia 4 de agosto, Saraiva entregou ao governo de Montevidéu, com três meses de atraso, o ultimatum que devia ter apresentado em maio.
Atanásio Aguirre, provavelmente confiando no apoio de Francisco Solano López,(6) presidente do Paraguai, negou-se a aceitar a exigência brasileira e devolveu o ultimatum alegando que aquele era um documento indigno de permanecer nos arquivos de sua nação.
Diante disso, Saraiva ordenou o início das represálias contra o Uruguai.
Essa atitude colocava o Brasil e a Argentina no mesmo barco, pois o governo de Buenos Aires, presidido por Bartolomeu Mitre, já vinha apoiando, embora não oficialmente, o líder colorado Venâncio Flores. Essa concordância de interesses permitiu um entendimento entre Saraiva e Mitre para agirem de comum acordo em relação ao governo de Montevidéu. Poucos dias depois, no começo de setembro, Saraiva deixou a missão diplomática de que fora incumbido no Prata e retornou ao Rio de Janeiro.
Com a partida de Saraiva, os interesses brasileiros no Uruguai ficaram a cargo do comandante das forças navais brasileiras no Prata, o vice-almirante Joaquim Marques Lisboa (barão de Tamandaré)(7)
A partir desse momento, foi ele o executor das represálias contra o governo de Aguirre, agindo em conjunto com Flores, com quem assinara um acordo de Acordo de Santa Lúcia (20 de outubro), pelo qual Flores aceitava cooperar com as forças brasileiras. A Armada de Tamandaré tomou o porto de Salto e assediou o porto de Paissandu, ambos no Rio Uruguai. Em dezembro, entraram em território oriental as tropas comandadas pelo general João Propício Mena Barreto (barão e, mais tarde, visconde de São Gabriel) que colaboraram na tomada de Paissandu. Em seguida, forças de terra e mar sitiaram Montevidéu. A partir desse momento, a causa de Aguirre estava perdida.
Nessa ocasião (dezembro de 1864), chegava à capital argentina José Maria da Silva Paranhos (futuro visconde de Rio Branco), o novo encarregado de dirigir os interesses diplomáticos do Brasil no Prata. Simultaneamente, Aguirre deixava o poder em Montevidéu, sendo substituído pelo presidente do Senado. Com este negociou Paranhos um acordo de paz, o Convênio de 20 de Fevereiro, que permitiu uma solução para o conflito: as forças aliadas entraram em Montevidéu sem violência, o poder foi entregue a Venâncio Flores e este concordou em atender às reclamações do Brasil.(8)
Com isso, o Uruguai deixava de ser inimigo do Brasil para se tornar aliado no novo conflito, muito mais grave, que começava justamente nesse momento – a guerra contra Francisco Solano López. Não é fácil entender as causas dessa guerra, já que, em 1864, o Brasil mantinha relações normais com o governo do Paraguai. Não cabe nos propósitos deste livro entrar no mérito desta questão,(9) mas podemos admitir como certo que Solano López apostava numa guerra e para ela vinha se preparando silenciosa e decididamente. E foi a intervenção do Brasil no Uruguai que lhe permitiu vislumbrar que sua hora havia chegado.
De fato, ainda em junho de 1864, o ministro das Relações Exteriores do Paraguai enviara notas tanto para Saraiva, que se achava em missão diplomática junto ao governo de Montevidéu, quanto para o governo brasileiro, oferecendo a mediação de López para a solução dos desentendimentos entre Brasil e Uruguai. Em resposta datada de 24 de junho, Saraiva dispensou a oferta do ministro de paraguaio, alegando que esperava resolver diretamente os problemas com o governo de Aguirre.
No final de agosto, o governo paraguaio manifestou-se novamente. Desta vez para protestar contra o ultimatum de Saraiva, e contra qualquer ocupação do território uruguaio por tropas brasileiras, que seria considerada “como atentatória do equilíbrio dos Estados do Prata, que interessa à República do Paraguai”.(10) Novo protesto foi feito no mês seguinte. Como nenhum deles foi atendido, López decidiu iniciar as hostilidades contra o Brasil: no dia 11 de novembro de 1864, capturou, nas proximidades de Assunção, o navio brasileiro Marquês de Olinda. O coronel Frederico Carneiro de Campos, novo governador da Província de Mato Grosso, que se achava a bordo, foi feito prisioneiro, bem como os demais passageiros e toda a tripulação. Em seguida, o embaixador brasileiro recebeu uma carta em que o governo paraguaio comunicava o rompimento das relações com o Brasil.
No mês de dezembro, López ordenou a invasão do Mato Grosso. Suas tropas não tiveram dificuldade para ocupar uma grande parte do sul da província, até Corumbá. No mês seguinte, López solicitou ao governo argentino autorização para atravessar o território daquele país para atacar o sul do Brasil. Seu objetivo era unir-se aos blancos do Uruguai. O presidente argentino, Bartolomeu Mitre, todavia, negou a autorização, declarando-se neutro. Diante disso, no mês de abril, López determinou a invasão da província argentina de Corrientes por um Exército de 25 mil homens, capturando dois navios e ocupando a cidade do mesmo nome.
Em face dessa agressão, Mitre decidiu abandonar a neutralidade. O Brasil pôde, então, contar com o apoio da Argentina, e também do Uruguai, em cujo governo agora se encontrava Venâncio Flores. No dia 1º de maio de 1865, os três países assinaram o Tratado da Tríplice Aliança para fazer a guerra contra Solano López.(11) Os objetivos textualmente expressos nesse tratado eram: 1) derrubar Solano López; 2) acertar definitivamente as questões de fronteiras com o Paraguai; 3) assegurar a livre navegação dos rios Paraná e Paraguai.
Acreditava-se naquele momento que a guerra seria rápida. Os dois lados tinham essa convicção. López estava otimista: tinha uma confiança ilimitada no soldado paraguaio e não acreditava no potencial militar do Brasil. Por sua vez, o otimismo dos aliados pode ser avaliado pela proclamação de Mitre ao falar a uma multidão em Buenos Aires, no dia 16 de abril de 1865: “Em 24 horas aos quartéis, em três semanas em Corrientes, em três meses em Assunção!” Mas as coisas aconteceram de maneira totalmente diferente. Somente um ano depois, em abril de 1866, os aliados conseguiram pôr os pés no território paraguaio. E levaram outros três anos para avançar até Assunção, e mais um ano para encerrar a guerra, o que se deu no dia 1o de março de 1870, com a liquidação física de Solano López.
Durante a guerra, o Brasil dobrou sua frota naval, passando de 45 para 94 navios de guerra. Além das forças navais, organizou três corpos de Exército. O Primeiro Corpo do Exército foi aquele que realizou a intervenção no Uruguai, e dali passou para o território argentino. Foi durante muito tempo comandando pelo general Manuel Luís Osório (mais tarde, barão do Herval). O Segundo Corpo foi organizado em meados de 1865, e esteve sob o comando do general Manuel Marques de Souza (mais tarde barão de São Gabriel).
No ano seguinte, o mesmo Osório foi incumbido de organizar o Terceiro Corpo.
O número de homens em armas aumentou rapidamente. Ao iniciar a campanha contra o Paraguai, o Exército brasileiro contava com 10.857 soldados. Na travessia do Passo da Pátria (divisa entre Argentina e Paraguai), esse número havia subido para 33.122 homens,(12) atingiu 45.283 em agosto de 1867 (13) e chegou a 48.5 mil, em maio de 1868.(14) No decurso dos cinco anos da guerra, foi preciso mobilizar cerca de duzentos mil homens, dos quais 139 mil foram levados para o campo de combate.(15) Muitos, recrutados à força, preferiam desertar, originando o refrão “Deus é grande, mas o mato é maior”, que o senso de humor característico de nossa gente logo cunhou.
A guerra, que todos imaginavam rápida, consumiu cinco longos anos. Como os demais envolvidos, o Brasil fez um grande esforço para armar, municiar, alimentar, vestir e dar assistência médica aos seus soldados. Teve, enfim, de organizar o abastecimento das tropas em campanha. Revelar a dimensão desse esforço e sua repercussão sobre a economia nacional é o que pretendem as páginas seguintes.

_________________________________
NOTAS:
1) Essa atitude significava uma mudança brusca de posição, afinal “o governo imperial inclinara-se durante algum tempo a favorecer os blanquillos no poder, e semelhante atitude tinha, entre os brasileiros, advogados do porte de Mauá e, segundo parece, de Pimenta Bueno, que por sinal chegara a ser um dos íntimos do primeiro López”. HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Brasil monárquico. In: História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro, São Paulo: Difel, 1977, t. II, v. 5, p. 42. Mauá tinha grandes negócios no Uruguai, e apostava na estabilidade do governo blanco como condição para a prosperidade do país, o que viria favorecer seus próprios interesses. Adversário da política externa do governo brasileiro no Prata, que qualificava de “equivocada, ininteligível e desatinada”, esforçou-se muito para evitar a guerra. Col. Mauá, lata 513, documento 8, IHGB/RJ.
2) Escrevendo muito tempo depois, Joaquim Nabuco reprovou a intervenção brasileira no Uruguai. Para ele, tinha havido precipitação do governo imperial em atender às queixas dos brasileiros residentes do outro lado da fronteira. “Seria impossível investigar hoje se eram fundadas ou não nossas queixas. Os residentes brasileiros no Uruguai deviam, ou correr a sorte dos próprios orientais, ou abster-se de tomar partido entre as facções que sempre assolaram a campanha”. NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, p. 494.
3) Citado por Joaquim Nabuco, op. cit., p. 495.
4) Idem, p. 497.
5) Idem, p. 504-5. Nabuco refere-se, nessa passagem, à Questão Christie, ocorrida em 1862-63, que submeteu o governo imperial a uma grande humilhação. Na ocasião, o embaixador inglês no Brasil, Willian Christie, ordenou ao comandante da esquadra inglesa que bloqueasse o porto do Rio de Janeiro e prendesse os navios brasileiros que ali aportassem.
6) É possível que os blancos contassem também com o general José Justo Urquiza, governador da província de Entre-Rios e adversário do governo de Buenos Aires. Essa possibilidade foi mencionada, muitos anos mais tarde, por Saraiva numa carta a Joaquim Nabuco (dezembro de 1894). Citado em nota por Joaquim Nabuco, op. cit., p. 507.
7) Nas palavras de Joaquim Nabuco, “para a Guerra do Paraguai, enquanto dependeu ela do acidente uruguaio, nada concorreu mais do que a atitude de Tamandaré”. Op. cit., p. 506.
8) Entretanto, o acordo negociado por Paranhos criou um atrito com Tamandaré, e não foi bem recebido no Rio de Janeiro. “Assim que se receberam no Rio as primeiras notícias sobre o Convênio de 20 de Fevereiro, reuniu-se apressadamente o ministério e foi deliberado propor-se à Sua Majestade a exoneração sumária de Paranhos [...]. E no outro dia lia-se no Diário Oficial a seguinte notícia: ‘O governo imperial resolveu dispensar da missão diplomática que lhe estava confiada o Conselheiro Paranhos. O acordo celebrado não atendeu quanto devia às considerações que fizemos anteriormente. Contudo, o governo imperial reputa de sua lealdade manter o que foi ajustado’”. HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Brasil monárquico. In: História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro, São Paulo: Difel, 1977, t. II, v. 5, p. 32.
9) Uma explicação bastante plausível da atitude do governo paraguaio foi formulada pelo barão do Rio Branco, diplomata e historiador: “Estamos persuadidos, e isso se depreende de documentos do arquivo de López, que o ditador não se armava para fazer a guerra contra o Brasil. O projeto que alimentava era estender seus domínios para o Sul, conquistando Corrientes; talvez, nem isso, mas somente ganhar fama militar e influência nas questões do Rio da Prata. A nossa intervenção de 1864, no Estado Oriental, habilmente explorada pelos blancos, fez com que López suspeitasse que pretendêramos fazer uma guerra de conquista. A repulsa da sua mediação irritou-o, e a cordialidade que então existia entre o governo imperial e o argentino aumentou aquelas infundadas suspeitas; consta-nos que o ministro oriental em Assunção, sr. Vasquez Sagastume, conseguiu convencer López de que havia um tratado secreto de aliança entre o Brasil e a República Argentina para a partilha do Paraguai e do Estado Oriental (Uruguai). Foi sobre essas impressões que o vaidoso ditador se lançou à guerra contra o Brasil.” Citado em nota por Joaquim Nabuco, op. cit., p. 515.
10) A nota dizia que “[...] o governo da República do Paraguai considerará qualquer ocupação do território oriental por forças imperiais, [...] como atentatória do equilíbrio dos Estados do Prata, que interessa à República do Paraguai como garantia de sua segurança, paz e prosperidade”. Citado por FRAGOSO, Tasso. História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1960, v. 1, p. 199.
11) O tratado foi assinado por Francisco Otaviano, pelo Brasil, por Rufino Elizalde, pela Argentina, e por Carlos de Castro, pelo Uruguai. Antes da adesão da Argentina, entretanto, já existia, desde o acordo de 20 de fevereiro, uma aliança entre o Brasil e o Uruguai contra o Paraguai.
12) Números fornecidos pelo ministro da Guerra, visconde de Paranaguá. In: Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 14 de junho de 1867.
13) CAXIAS, duque de [Luís Alves de Lima e Silva]. Campanha do Paraguai. Diários do Exército em operações. 28.8.1867, p. 71.
14) Informação de Lustosa Paranaguá, ministro da Guerra. In: Annais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados, sessão de 10 de junho de 1868, p. 197 e s.
15) SOUZA JÚNIOR, Antônio de. Guerra do Paraguai. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 4, p. 314.



Capítulo I

QUADRO GERAL DA ECONOMIA DO PAÍS NA 
ÉPOCA DA GUERRA DO PARAGUAI

Ao iniciar-se a segunda metade do século XIX, encerraram-se por toda parte as lutas políticas, desencadeadas por ocasião da Independência, e que se haviam agravado na época da Regência (1831-1840). A última manifestação desse período de turbulência foi a Revolução Praieira, ocorrida em Pernambuco, em 1848. A partir desse momento, o Estado nacional, sob a forma monárquica, consolidou-se no Brasil. E o país pôde, finalmente, ingressar num clima de paz e prosperidade, apoiado no regime de trabalho escravo e na agricultura de exportação.
Teria a Guerra do Paraguai, em algum grau, alterado esse quadro?
Tendo em vista fornecer algumas respostas para essa questão, considerei oportuno descrever, em traços gerais, o quadro do país na época, levando em conta dados fornecidos por alguns autores bastante conhecidos.

1. O CRESCIMENTO DAS EXPORTAÇÕES
O aspecto mais evidente na evolução econômica do país nesse período foi o crescimento das exportações. Segundo dados fornecidos por Celso Furtado, entre a década de 40 e os anos 90 do século XIX, o volume das exportações cresceu 214%, acompanhado de uma melhoria nos preços dos produtos exportados da ordem de 46%. A combinação desses dois índices significou um aumento “de 396% na renda real gerada pelo setor exportador”.(1) A pauta de exportações era constituída, na quase totalidade, pelos seguintes produtos: café, açúcar, cacau, erva-mate, fumo, algodão, borracha e couros.
Entre todos, o mais importante era sem dúvida o café, cuja lavoura se expandira rapidamente naquele século. Encontrando condições extremamente favoráveis, os cafezais partiram do Rio de Janeiro e se difundiram para as províncias vizinhas de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Paralelamente, a produção de café cresceu constantemente durante todo o século, conforme se pode ver pelos dados seguintes:

Brasil – Produção Anual de Café – 1831-90
(em milhões de sacas)
Anos Produção
1831-40
1,0
1841-50
1,7
1851-60
2,6
1861-70
2,9
1871-80
3,6
1881-90
5,3
           Fonte: SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil.
           São Paulo: Alfa-Ômega, 1976, p. 49.

O crescimento das exportações, tanto no volume físico quanto nos preços, teve várias consequências para o país. Por um lado, tivemos consequências que poderíamos considerar positivas. Dentre estas, a mais importante talvez tenha sido a possibilidade de melhorar as contas externas do país. O normal da balança comercial era o déficit, mas, a partir de 1861, começaram a registrar saldos positivos:

Brasil – Balança Comercial – 1821-80 (£ 1 000 ouro):
Decênios   
Exportação
Importação 
Saldo
1821-30
     39.097      
  42.504    
– 3.407
1831-40
     45.205      
  54.291    
– 9.086
1841-50
     54.680      
  60.999    
– 6.319
1851-60
   102.007    
115.280     
– 9.273
1861-70
   149.433    
131.866      
 17.567
1871-80
   199.685    
164.929      
 34.756
Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 358.

Outros desdobramentos da expansão da lavoura cafeeira foram o desenvolvimento da imigração; o aumento populacional que daí decorreu e a urbanização; a melhoria dos transportes, por meio da ampliação das ferrovias para o interior das regiões cafeeiras. A cafeicultura, ao mesmo tempo que era causa da ampliação das ferrovias, era também favorecida pelo novo sistema de transporte, sem o qual não teria sido possível ir tão longe no interior do território. (2) O quadro a seguir mostra a expansão das ferrovias no Brasil.

A Construção das Estradas de Ferro Brasileiras, 1851-80
Anos
Novas construções (em km)
Total construído (em km)

1851-55
15
15
1856-60
208
223
1861-65
276
499
1866-70
246
745
1871-75
1.056
1.801
1876-80
1.597
3.398
Fonte: GRAHAM, Richard. Grã-Bretanha e o início da modernização do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973, p. 38.

Por outro lado, a lavoura cafeeira expandiu o trabalho escravo, até que este encontrou seu limite quando a Lei Eusébio de Queirós aboliu o tráfico negreiro, em 1850. E teve, ainda, outros efeitos desastrosos para a formação social e econômica do país. Refiro-me à tendência para a concentração da riqueza nas mãos de uma pequena parcela da sociedade e para acentuar, em favor do sudeste, o desequilíbrio entre as regiões do Brasil.

2. INVESTIMENTOS INGLESES
Outro aspecto relevante na evolução econômica do país, nesse período, foram os investimentos ingleses. Caio Prado Júnior lembra que após o encerramento do tráfico negreiro restabeleceu-se a normalidade nas relações entre o Brasil e a Inglaterra, e este país voltou “a concorrer, como nos primeiros tempos da abertura dos portos, com suas atividades e capitais”.(3) Conforme tabela fornecida pelo economista Sérgio Silva, foi a seguinte a evolução dos investimentos ingleses no Brasil e na América Latina:

Brasil – Investimentos Britânicos – 1825-85
(em milhões de libras)
Ano
América Latina      
Brasil
Brasil/Am. Latina (%)
1825
24,6
4,0
16,26
1840
30,8
6,9
22,40
1865
80,9
20,3
25,09
1875
174,6
30,9
17,70
1885
246,6
47,6
19,30
Fonte: SILVA, Sérgio, op. cit., p. 169.

Uma parcela importante dos investimentos britânicos coube aos empréstimos  públicos. Até 1852 eles tinham sido cinco, totalizando um pouco mais de 6,6 milhões de libras. Posteriormente, vieram outros empréstimos, a saber:

Brasil – Empréstimos Britânicos, 1858 – 75 (em libras)
Ano
Valor

1858
1.526.500

1859
508.000

1860
1.373.000

1863
3.855.307

1865
6.963.613

1871
3.459.600

1875
5.301.200

Fonte: BOUÇAS, Valentim F., História da dívida externa, passim.

O capital inglês teve também outras destinações. Ainda segundo Caio Prado Júnior, “Com o capital inglês (bem como de outras nacionalidades, embora em menores proporções) construir-se-ão estradas de ferro, montar-se-ão indústrias, aparelhar-se-ão portos marítimos”.(4) Esses investimentos foram dirigidos sobretudo para o desenvolvimento da infraestrutura facilitadora das exportações, especialmente portos e ferrovias. Mas tiveram um alcance muito maior.
Como escreveu Richard Graham, embora tivessem o controle do “complexo importação-exportação”, os capitais ingleses “ajudaram diretamente e indiretamente, a iniciar a transformação do Brasil de uma economia agrária para uma industrial”.(5)

3. SITUAÇÃO DA INDÚSTRIA NO PAÍS ANTES DE 1864
A inserção da indústria nacional no quadro geral da época exige que recuemos no tempo, para que possamos ver o problema de uma perspectiva mais ampla. É preciso partir do fato de que a economia brasileira, na primeira metade do século XIX, ainda era completamente agrário-exportadora, dominada crescentemente pela lavoura cafeeira, que fazia largo uso do trabalho escravo.
Nesse contexto, apesar de algumas iniciativas que vinham sendo tomadas desde os tempos do príncipe dom João, o setor secundário encontrava dificuldades de todo tipo para se desenvolver e, consequentemente, desempenhava um papel completamente irrelevante na economia do país.(6)
Não obstante tais dificuldades, um primeiro surto de desenvolvimento do setor secundário ocorreu em meados do século, quando ocorreu uma combinação de fatores favoráveis.

O PRIMEIRO deles foi a reforma tarifária do ministro Alves Branco,  de 1844, que pôs fim ao liberalismo que perdurara até então. Embora o objetivo da nova tarifa fosse eminentemente fiscal, ela acabou tendo um efeito protecionista, vindo a facilitar o estabelecimento de algumas manufaturas. Segundo a historiadora brasileira Nícia Vilela Luz,

a tarifa Alves Branco, ao estabelecer uma taxa de 30% para a maior parte das mercadorias importadas e mesmo de 60% para alguns produtos já fabricados entre nós, parecia, realmente, à primeira vista, proporcionar uma proteção adequada que levou ao estabelecimento de várias fábricas em nosso país.(7)

De acordo com outro autor,

já em 1850, o Brasil possuía 72 fábricas para manufaturas de chapéus, velas, sabão, cerveja, cigarros e tecidos de algodão, das quais 50 estavam localizadas na província do Rio de Janeiro [...].(8)


O SEGUNDO fator favorável para o surto empresarial da metade do século XIX foi o fim do tráfico negreiro, decretado em 1850.
Há um entendimento generalizado de que o fim do tráfico teve o mérito de liberar os capitais antes empregados no comércio de escravos, permitindo que esses capitais se dirigissem para as atividades urbanas, inclusive, para investimentos produtivos. Segundo Caio Prado, “O país entra bruscamente num período de franca prosperidade e larga ativação de sua vida econômica.” (9)
A figura que simbolizou essa conjuntura favorável foi Irineu Evangelista de Souza (depois barão e visconde de Mauá), responsável pela fundação de várias empresas. Segundo suas próprias palavras, 


Reunir os capitais, que se viam repentinamente deslocados do ilícito comércio e fazê-los convergir a um centro donde pudessem ir alimentar as forças produtivas do país, foi o pensamento que me surgiu na mente ao ter certeza de que aquele fato era irrevogável.(10)

Essa conjuntura favorável à indústria propiciou uma série de iniciativas modernizadoras, assim descrita por Caio Prado Júnior:

[...] no decênio posterior a 1850 observam-se índices dos mais sintomáticos disto: fundam-se no curso dele 62 empresas industriais, 14 bancos, 3 caixas econômicas, 20 companhias de navegação a vapor, 23 de seguros, 4 de colonização, 8 de mineração, 3 de transporte urbano, 2 de gás e, finalmente, 8 estradas de ferro.(11)

E qual seria a situação da manufatura nacional, ao final desse primeiro surto de desenvolvimento? Teria ele continuidade nos anos seguintes? Diante de indagações como esta, considerei necessário fazer um balanço desse setor da economia brasileira, bem como identificar as dificuldades que se apresentavam ao seu natural desenvolvimento, no momento que antecede o início da guerra contra o Paraguai. Uma das fontes que utilizei para o estudo do tema foi a obra da historiadora brasileira Eulália Maria Lahmeyer Lobo, que fez um exaustivo levantamento da situação em que se encontrava a indústria nacional.(12)
No início da década de 1860, naquele que era o principal centro econômico e político do país, um dos ramos fabris mais desenvolvidos era o das fundições, serralherias e estabelecimentos de trabalhos de metal, compreendendo sete estabelecimentos. Destacavam-se as fundições de Miguel Couto dos Santos e a de Hargreaves e Irmão. Algumas dessas empresas chegavam a ter de cem a duzentos contos de capital inicial.(13) (Nota: o estaleiro e fundição da Ponta da Areia não foi mencionado porque se localizava em Niterói.)
O setor de tecidos era pouco desenvolvido, havendo apenas duas fábricas no Rio de Janeiro. Uma delas fechou em 1861, em virtude da concorrência estrangeira, e a outra teve, pouco depois, o mesmo destino não só por falta de proteção alfandegária, mas também por falta de mão-de-obra especializada.
A indústria no Rio de Janeiro abrangia ainda a produção de chapéus, calçados, fundições e serralherias, cervejas, couros, móveis, velas, papel, materiais de construção e produtos químicos. Mas “somente um pequeno número de fábricas era dotado de motores hidráulicos ou a vapor que tinham em média de 30 a 50 cavalos de potência”.(14)
Eram empresas de caráter familiar e manufatureiro (ou seja, que não empregavam máquinas), produzindo em pequena escala para o mercado local, enfrentando muitas dificuldades, destacando-se, entre elas, a concorrência com os produtos importados, a falta de capital e de energia e a necessidade de importar matéria-prima.
O conhecido Almanack Laemmert, de 1857, enumerou 636 fábricas e 145 indústrias no Rio de Janeiro (sem indicar, contudo, os critérios que distinguem fábricas e indústrias). Mas pode-se supor “que as 636 fábricas do Rio de Janeiro acrescidas das 129 padarias (765 unidades) existentes em 1857 representavam 56% do total de fábricas do Brasil (1.346 unidades), fornecido pelo Censo do Imposto de Renda de 1856-57”.(15)
Em seu estudo sobre a indústria no Rio de Janeiro, Eulália Lobo recorreu também aos Relatórios das Exposições realizadas na Corte, particularmente interessantes por registrarem informações sobre dois momentos diferentes.
O primeiro, de 1861, fornece o número de unidades em cada ramo fabril e algumas informações sobre as empresas representadas. A respeito da indústria têxtil, ficamos sabendo que

[...] as fábricas de tecidos não prosperaram no Rio de Janeiro em virtude da falta de proteção alfandegária contra a concorrência estrangeira, da exigência de pagamento de imposto sobre o algodão bruto importado de Pernambuco e da escassez de operários especializados [...]. Por ocasião da Exposição de 1861 só existiam no Rio de Janeiro duas fábricas de tecidos, localizadas no Andaraí. (16)

O segundo relatório, de 1866, foi elaborado por Agostinho Victor Borja Castro. Analisando os dados levantados por esse autor, Eulália Lobo escreve que a indústria de chapéus era uma das mais importantes no Rio de Janeiro e a que melhor havia resistido à concorrência estrangeira, embora a matéria-prima para a fabricação de chapéus de feltro e seda fosse quase toda importada, especialmente da França.
Depois dos chapéus, conforme mostram os dados de Borja Castro, a indústria mais importante, em 1866, era a de calçados:

A fabricação de calçados no Rio de Janeiro era de boa qualidade, as empresas empregavam o trabalho mecânico, máquinas de costura Singer e máquinas de cortar sola. A oficina de Roesch & Irmãos possuía uma máquina Lamercier para fabricar parafusos e introduzi-los na sola, obtendo uma economia de 40% sobre o trabalho manual de coser solas. O maior industrial de sapatos do Rio de Janeiro em 1866 era Moriamé que produzia por ano 50 mil pares e contratava 100 operários na sua empresa. No entanto, ele já tivera produção maior.

O próprio Borja Castro explica o declínio da indústria de calçados:

Esse declínio da produção de sapatos decorria da concorrência estrangeira, da falta de proteção governamental e da precariedade da produção de matéria-prima no Brasil. A matéria-prima importada do estrangeiro estava sujeita a direitos elevadíssimos de entrada, às vezes maiores do que se pagava pelo calçado estrangeiro importado. O Estado nem sequer comprava os sapatos para os militares nos produtores nacionais. (17)

3.2 A indústria no restante do país
Para o estudo da indústria no restante do país, Eulália Lobo utilizou as estatísticas fiscais feitas pelo Ministério da Fazenda, relativas ao Brasil em 1856-57 e 1858-59 e ao Rio de Janeiro em 1857.
Simplificando as tabelas fornecidas pela referida autora, temos o seguinte quadro das fábricas existentes no Brasil, conforme o capital, o número e o tipo de empresas:

Fábricas no Brasil (1856-59)
Setor de produção
Número de estabelecimentos
Percentual (do total)
Alimentos e bebidas
608
45,18
Fumo
260
19,32
Roupas e armarinhos
179
13,30
Sabão e velas
76
5,64
Couro
54
4,02
Diversos
169
12,54
Total
1.346
100,00
Fonte: Ministério da Fazenda. In: LOBO, Eulália Maria L., op. cit., p. 284. 

Eram, entretanto, quase todos pequenos estabelecimentos. Apenas 31 (2,5 % do total) declaravam três contos ou mais de capital – uma quantia irrisória, correspondente ao valor aproximado de três escravos. Os demais (1.315), com capital inferior a três contos, não passavam de pequenas manufaturas ou oficinas artesanais.
Segundo Eulália Lobo, chama a atenção, na economia da época, o baixo investimento de capital no setor secundário, o que indicava, indiretamente, o predomínio da manufatura.

O artesanato e a manufatura que absorviam menos capital e que se baseavam na força manual eram mais compatíveis com a economia de plantação escravista predominante nessa época que consumia o capital na lavoura, na comercialização dos produtos tropicais e importação de escravos do Nordeste. Outra característica importante era a da preponderância de portugueses. A maioria das fábricas pertencia a portugueses (593 ou 44%), sendo que os brasileiros eram donos de 430 (32%) e os estrangeiros de outras nações, de 323 (24%).(18)

Para completar esta descrição da situação de dificuldades em que se achava a indústria, no início dos anos 1860, é preciso registrar o destino que tomavam duas grandes fábricas nacionais. Uma delas, a Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, localizada nas imediações de Sorocaba, mantida pelo Ministério da Guerra, foi desativada no final da década de 1850, porque vinha dando muito prejuízo. A outra, o estaleiro e fundição da Ponta da Areia. Localizado em Niterói, entrara em declínio no início dos anos 1860, em virtude da introdução das tarifas Silva Ferraz (1860) e a consequente queda do protecionismo, conforme explicação de seu proprietário, o barão de Mauá.(19)
Em 1863, o então ministro da Agricultura, Pedro Bellegarde, lamentava a redução da indústria têxtil que havia em Minas, e que exportava para outras províncias e até para o Prata; lamentava também o declínio da construção naval brasileira, que já fora maior, “quando abundavam os estaleiros”.(20)
Como podemos ver, pelos dados apresentados, o surto industrial iniciado nos meados do século XIX não teve continuidade na década de 1860. Esse quadro pouco animador levou o ministro Domiciano Leite Ribeiro, em 1864, a reconhecer, lamentando:

Sem embargo de possuirmos algumas fábricas de tecer algodão, cujos produtos, embora grosseiros, encontram pronta extração nos nossos mercados; não obstante existirem no país fábricas para a fundição de ferro, fabricação de vidros, de chapéus de diversas qualidades, extração de óleos vegetais, etc., é fora de dúvida que nossa indústria manufatureira é muito limitada. (21)

Transformando em números a vaga constatação ministerial, temos o seguinte número de fábricas Localizadas no Rio de Janeiro: 765, em 1857; 1.146, em 1861; e 1.083, em 1866. Portanto, quando a guerra contra o Paraguai teve início, a “nossa indústria manufatureira” não só era “muito limitada”; pior que isso: estava em retrocesso.

4. A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS
Desde o começo da colonização, a preocupação sempre fora com a produção de alguns artigos destinados à exportação. Por isso, a produção para a subsistência tinha ocupado uma importância secundária. Esse problema se agravou ainda mais com o sucesso da lavoura cafeeira.
De fato, a elevação dos preços do café, a partir de meados do século XIX, foi acompanhada da escassez dos produtos de primeira necessidade,(22) e do aumento do custo de vida.(23) Segundo Emília Viotti da Costa,

O preço dos gêneros aumentou progressivamente entre 1855 e 1875. Um alqueire de arroz passou de 5$100 em 1855 para 11$000 em 1875 (aumento de 137%); o feijão passou de 4$200 para 9$000, tendo aumentado de 123% o alqueire. O açúcar e a farinha de mandioca foram os menos atingidos pela alta. O açúcar, provavelmente, por ser cultivado em muitas fazendas da zona cafeeira, e a farinha de mandioca pelo caráter amplo da sua produção, à qual podia se dedicar qualquer pequeno lavrador. A arroba de açúcar, entre 1855 e 1875, passou de 3$300 para 5$200 (cerca de 57%), enquanto a farinha de mandioca, no mesmo período, teve um aumento de 64%, passando de 2$500 para 4$400 o alqueire. Também o toucinho foi atingido pela alta de preços, passando no curso de vinte anos de 7$500 para 11$000 (aumento de 46%). A alta de preços dos gêneros era acompanhada pela alta do café que, no mesmo período, subiu de 4$200 para 10$200 (aumento de 142%).(24)

O fenômeno, porém, não era apenas brasileiro. Na verdade, os anos 50 do século XIX foram marcados por uma inflação mundial, provocada pela descoberta do ouro na Austrália e na Califórnia.
Mas a inflação brasileira também foi causada por fatores especificamente locais, o que não escapou à percepção dos contemporâneos; ao contrário, preocupou muita gente, e deu origem a muitos estudos já naquela época. Um dos mais conhecidos, e a que recorrem muitos autores em nossos dias, é o trabalho de Sebastião Ferreira Soares, publicado em 1860, Notas estatísticas sobre a produção agrícola e carestia dos gêneros alimentícios no Império do Brasil.(25)

Ele procurou refutar a causa geralmente aceita na época:

Em geral se tem dito, e continua a dizer-se, que a produção decresce por falta de braços que se empreguem na lavoura, e pretende-se [...] achar a origem dessa falta principalmente na
cessação do tráfico de africanos em 1851, e na devastação que fez o cólera na população escrava em 1855.(26)

Para esse estudioso, a carestia tinha outras causas. Uma delas era o problema da mão-de-obra:

Os braços que até certa época se empregavam promiscuamente na cultura dos gêneros exportáveis, e nos de mais comum alimentação, têm sido nos últimos tempos ocupados exclusivamente na grande lavoura, desprezando-se a pequena agricultura por menos lucrativa, como seja a do feijão, milho, mandioca, etc.

E continua:

Como o lucro proveniente das colheitas era animador, os grandes lavradores de café só de cultivá-lo se ocuparam, abandonando em grande parte até a cultura dos gêneros necessários para a alimentação dos seus trabalhadores[...].(27)

Em outra parte de seu livro, Ferreira Soares atribui a falta de braços na lavoura “às vias férreas em construção [que] tem chamado para seus trabalhos não pequeno número de homens livres e escravos, que d’antes somente se ocupavam da agricultura [...].(28)
O governo, sem embargo, não se manteve indiferente. A leitura dos relatórios do Ministério da Agricultura mostra que as autoridades se preocupavam com o problema, sugerindo e adotando soluções, tais como aperfeiçoar a agricultura pela divulgação de processos técnicos mais adiantados, importação e distribuição gratuita de sementes, introdução de máquinas, concessão de prêmios aos agricultores e por outras medidas em favor da pequena lavoura.(29)
O governo imperial, objetivando reduzir o custo de vida, havia decretado, em setembro de 1858, a baixa das tarifas de importação de alguns artigos básicos da alimentação. No caso da farinha de trigo, baixara a tarifa de 30% para 5%. Mas, segundo Ferreira Soares, nem por isso, a farinha “baixou de preço, nem o pão aumentou de tamanho”. E a razão disso era o problema criado pelo aparecimento dos “intermediários”, que hoje chamaríamos de “atravessadores”.
Compulsando as estatísticas das importações de trigo e bacalhau, ele concluía “que a carestia dos gêneros alimentícios não procede de falta de braços no país, porém das causas já apontadas e, principalmente, do escandaloso monopólio que existe nesta corte e nas principais cidades do país”.(30)
Ainda em 1870, o presidente da província do Rio de Janeiro reclamava da escassez dos alimentos e da carestia e apontava sua causa:

A predominância do café tem prejudicado a cultura da cana e dos gêneros alimentícios como o feijão, o arroz, o milho e a mandioca, que vão em decadência; os fazendeiros limitam-se a plantar o indispensável para seu consumo e esta é uma das causas por que o mercado ressente-se dos preços elevados de tais gêneros.(31)

Resumindo os problemas do encarecimento dos víveres que ocorria na época, podemos apontar, como fizeram os contemporâneos, tanto o abandono da cultura de gêneros de primeira necessidade, preteridos pela do café, e que provocava a alta de preços, como também a alta no preço dos escravos quando da cessação do tráfico negreiro.
Também contribuíam para a elevação dos preços dos alimentos as oscilações no volume dos meios monetários em circulação, as emissões desenfreadas em certos momentos, além de problemas externos que favoreceram a alta dos preços dos gêneros alimentícios.
Por sua vez, a escassez na produção de víveres obrigava a que se fizessem importações desses gêneros, onerando evidentemente a balança comercial do país.

__________________________________
NOTAS:
1) FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1970, p. 142.
2) SAES, Flavio Azevedo Marques de. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1890. In: História econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucite, Fapesp, 1996, p. 177-96.
3) PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 169.
4) PRADO JÚNIOR, Caio, op. cit., p. 169.
5) GRAHAM, Richard. A Grã-Bretanha e o início da modernização do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973, p. 131. Richard Graham é professor emérito da Universidade do Texas em Austin e especialista em história do Brasil e da Argentina no século XIX.
6) Sobre os primórdios da indústria no Brasil, ver: LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil. São Paulo: Difel, 1960; SOARES, Luís Carlos. A indústria na sociedade escravista: as origens do crescimento manufatureiro na região fluminense em meados do século XIX (1840-1860). In: SZMRECSÁNYI, Tamás; LAPA, José Roberto do Amaral (Org.). História econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 1996 e OLIVEIRA, Geraldo Mendes de. Raízes da indústria no Brasil: a pré-indústria fluminense, 1808-1860. Rio de Janeiro: Studio F&S, 1992.
7) LUZ, Nícia Vilela. As tentativas de industrialização no Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 4.
8) LIMA, Heitor Ferreira. História político-econômica e industrial do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1970, p. 264.
9) PRADO JÚNIOR, Caio, op. cit., p. 192.
10) MAUÁ, visconde de [Irineu Evangelista de Souza]. Autobiografia (Exposição aos credores e ao público). Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1964, p. 126. 
Irineu Evangelista de Souza nasceu no Rio Grande do Sul, em 1813, e faleceu em Petrópolis, em 21 de outubro de 1889. Graças aos seus esforços e à sua habilidade para os negócios, tornou-se o maior empresário do Império. Foi nobilitado com os títulos de barão, em 1854, e visconde, em 1874.
11) PRADO JÚNIOR, Caio, op. cit., p. 192.
12) LOBO, Eulália Maria L. História do Rio de Janeiro (do capital comercial ao capital industrial e financeiro). Rio de Janeiro: IBMEC, 1978.
13) A unidade monetária era o mil-réis: Rs. 1$000. Um conto valia um milhão de réis: 1:000$000.
14) LOBO, Eulália Maria M., op. cit., p. 173 e s.
15) LOBO, Eulália Maria M., op. cit., p. 187.
16) Idem, ibidem, p. 188.
17) LOBO, Eulália Maria M., op. cit., p. 191. Borja Castro era doutor em matemática e lente do curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Ele calculava a população do Rio de Janeiro, nessa época, em 450 mil pessoas.
18) LOBO, Eulália Maria L., op. cit., p. 179.
19) Irineu Evangelista de Souza nasceu no Rio Grande do Sul em 1813 e faleceu em Petrópolis em 21 de outubro de 1889. Foi nobilitado com os títulos de barão, em 1854, e visconde, em 1874.
20) Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, 1863, p. 21-2.
21) Idem, 1864, p. 8.
22) Segundo Nícia Vilela Luz, os gêneros alimentícios, que representavam 12,9% das importações, em 1850-51, passaram a representar 19,2%, dez anos depois. Op. cit., p. 29-30.
23) A elevação dos preços do café fizera subir também o preço das terras. Um viajante suíço que percorreu as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, nessa época, anotou a variação no preço de uma determinada fazenda entre 1847 e 1860, que passou de 68:450$ para 140:338$, um aumento, portanto, superior a 100%. TSCHUDI, J. J. von. Viagem às províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1980, p. 55-6.
24) COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Difel, 1966, p. 133-34. Ver também BUESCU, Micea. 300 anos de inflação no Brasil. Rio de Janeiro: Apec, 1973.
25) Sebastião Ferreira Soares nasceu no Rio Grande do Sul, em 21 de abril de 1820 e morreu em 1887. Fez todo o curso de Ciências Matemáticas na Academia Militar. Depois de breve carreira militar, foi nomeado terceiro-escriturário do Tesouro, por concurso. Chegou a diretor-geral da Repartição Especial de Estatística do Tesouro Nacional. Fundou o extinto Clube de Guarda-Livros e o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. Escreveu inúmeros trabalhos, sendo o mais importante Notas estatísticas sobre a produção agrícola e carestia dos gêneros alimentícios no Império do Brasil, de 1860, que ganhou nova edição em 1977, feita pelo Ipea/Inpes.
26) SOARES, Sebastião Ferreira, op. cit, p. 18.
27) Idem, p. 19. Esse argumento foi exposto, por exemplo, por Tschudi, o já citado viajante suíço: “O fato, porém, da cultura de café ter tido maior incremento ainda, apesar da falta de novos elementos servis, explica-se pela simples medida adotada, a de terem sido retirados muitos escravos de outros afazeres para empregarem-nos unicamente nos cafezais, e que, seduzidos pelos altos preços que o café obtinha nos mercados, muitos fazendeiros aumentaram suas plantações em detrimento de outras culturas até então florescentes, concentrando as forças na plantação de café”. Op. cit., p. 50.
28) SOARES, Sebastião Ferreira, op. cit., p. 137.
29) Visando a estimular a produção de trigo, o governo concedia um prêmio de dois contos de réis ao lavrador que provasse ter colhido mais de cem alqueires (medida de peso) desse cereal. Essa concessão seria criticada mais tarde, pelas muitas fraudes a que dava margem.
30) SOARES, Sebastião Ferreira, op. cit., p. 363.
31) Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro, 1870, p. 18.



Capítulo II

REPERCUSSÕES DA GUERRA NA ECONOMIA DO PAÍS

A surpresa da guerra obrigou o Brasil a fazer muitas improvisações. O país não estava preparado para enfrentar um conflito daquelas dimensões, contra um inimigo militarmente poderoso, em terreno distante. Despesas grandes e imediatas tornaram-se indispensáveis. Para o abastecimento das tropas era necessário recorrer a fornecedores que muitas vezes estavam localizados em Buenos Aires e Montevidéu. Nessas condições, a tarefa de fiscalizar o cumprimento dos contratos, bem como de comprovar denúncias de fraudes e abusos, tornava-se extremamente difícil.

1. DIFICULDADES FINANCEIRAS
A consequência desse estado de coisas foi o completo desarranjo nas contas públicas.

A despesa total do Império não atingia, antes da guerra, a 57 mil contos. Entretanto, logo em 1864 e 1865, despenderam-se 83 mil contos por motivo da questão oriental, quantia essa que duplicou e quase triplicou em cada um dos anos subsequentes.(1)

O desordenamento financeiro tornou difícil ou mesmo impossível fixar o orçamento anual e, por causa disso, muitas vezes ele era prorrogado de um ano para o outro. Daí resultava que os valores fixados no orçamento eram completamente irreais. Os dados que seguem foram extraídos de Liberato de Castro Carreira e servem para mostrar a parcela do orçamento absorvida pelas pastas militares.(2)

Proporção do Orçamento Consumido pelos Ministérios Militares,
entre 1862-63 e 1871-72 (em %)
62-63
63-64
64-65
65-66
66-67
67-68
68-69
69-70
70-71
71-72
35
37
37
66
60
60
54
54
32
30

Como se pode ver, os gastos militares, que representavam aproximadamente um terço das despesas do Império, dobraram durante a guerra, chegando a representar dois terços do total. Na verdade, foram ainda maiores, pois uma parte dos gastos com a guerra correram por conta do Ministério da Fazenda.
Para piorar a situação, o Brasil, além de arcar com seus próprios encargos, que já eram vultosos, ainda teve de ajudar os aliados, cujas dificuldades eram ainda maiores. O orçamento nacional não apresentava sobras que pudessem cobrir as novas despesas. Na verdade, na vida financeira do Império, o déficit havia sido sempre uma constante, que se agravou nos anos da guerra.(3)
Por causa disso, tornou-se inevitável recorrer a emissões de papel-moeda. Em setembro de 1867, foi feita uma emissão de cinquenta mil contos, que logo se tornaram insuficientes. Por isso, em abril do ano seguinte, nova emissão de mais quarenta mil contos iria tornar-se necessária.(4)
As consequências não se fizeram esperar, sobretudo a inflação, o que tornava mais difícil a vida da população. Segundo Oliver Onody, a variação da inflação foi a seguinte:

Inflação no Brasil, 1860-75 (1822 = 100)
1860:  190   
1864:    183
1868:       288   
187          196
1861:  192   
1865:    196   
1869:       260   
1873:     188
1862:  186   
1866:    202   
1870:       222   
1874:     190
1863:  180   
1867:    218   
1871:       204   
1875:     180

A inflação passou de um índice 183, em 1864, para o índice 204, em 1871, registrando uma elevação de 11,1%.(5)
Segundo Sérgio Buarque, um estudioso que analisou minuciosamente a situação das finanças brasileiras no final do Império, pôde escrever, em livro impresso em 1896, que a partir do período de 1865-69, por ele considerado o mais desastroso de toda a história financeira do país, nunca mais o Brasil se restabelecerá por completo nesse particular.(6)
Como se não bastassem as dificuldades financeiras criadas pela guerra, o valor geral das exportações sofreu um pequeno declínio, por causa, em grande parte, da queda dos preços do café no exterior. Aliás, quando a Guerra do Paraguai teve início, já os preços do café declinavam no mercado internacional. Apenas em 1869, começaria uma nova fase de elevação dos preços. As importações, em contrapartida, haviam subido bastante, embora o saldo da balança comercial tivesse se mantido positivo. Um bom indicador da salubridade da economia era a situação cambial, e esta indicava que as coisas não iam bem, já afetadas pela inflação. No início de 1865, o mil-réis estava cotado a 27,5 dinheiros(7), oscilaria nos três ou quatro anos seguintes entre 22 e 14, chegando, em certos momentos, a baixar a 12,5 dinheiros.(8)
Diante dessa situação, em setembro de 1867, o Parlamento aprovou a lei 1.507, que além de aumentar os impostos em vigor, ainda criou novas contribuições. Dessa “reforma tributária” resultaram: 1) o imposto de 3% sobre o valor dos imóveis urbanos, que foi chamado de “imposto pessoal”;9 2) o imposto de 3% sobre os vencimentos dos empregados públicos, exceto aqueles que ganhavam salários inferiores a um conto de réis por ano; 3) o imposto de 1,5% sobre os benefícios distribuídos pelas sociedades anônimas; 4) a elevação, a partir de 1869, das tarifas de importação e de exportação.
Com os novos impostos, a receita do governo, no exercício de 1869-70, somou quase 95 mil contos de réis (ver tabela mais adiante), para os quais os direitos aduaneiros concorreram com 74%. Em contrapartida, o custo de vida não parava de subir, o que fazia do Rio de Janeiro uma das capitais de maior carestia em todo o mundo.
Uma parte – cerca de 10% – das despesas da guerra foi coberta por dois empréstimos externos. O primeiro foi tomado em Londres em 1865, no valor líquido de cinco milhões de libras (o valor bruto era de 6.963.613 libras), com juros de 5% ao ano e 37 anos para pagar. Foi todo consumido nas despesas da guerra e para satisfazer às necessidades dos aliados, que sem essa ajuda poderiam ceder às pressões internas e abandonar a luta. Esse empréstimo foi realizado em condições muito desfavoráveis, comparado com outros feitos antes ou depois. Ele era do tipo 74 (enquanto os empréstimos anteriores, de 1858, 1859 e 1863, eram do tipo 95, 90, 88, respectivamente).(10) O banqueiro barão de Mauá, escrevendo de Londres, considerou-o “um verdadeiro escândalo”.(11)
Um segundo empréstimo foi tomado em Londres, em 1871, para acelerar a liquidação das despesas deixadas pelo conflito. Foi negociado ao tipo 89, no valor de três milhões de libras (o valor bruto era de 3.459.600 libras) e rendeu 44,4 mil contos de réis.
Nesse momento, a dívida externa fundada tinha subido para 12.720.700 libras esterlinas, equivalentes a 113 mil contos de réis, aproximadamente.(12)
Terminada a guerra, o país iria viver um clima de prosperidade que continuaria por alguns anos, criando condições que permitiriam que, em 1873, o câmbio recuperasse a paridade.

2. CUSTO E FINANCIAMENTO DA GUERRA
O próprio governo imperial procurou fazer as contas dos gastos, que foram publicadas nos relatórios ministeriais, a partir de 1871. A totalização dos valores foi feita no Relatório do Ministério da Fazenda, de 1877. As despesas distribuíram-se pelos ministérios da seguinte forma:

Despesas Brasileiras com a Guerra do Paraguai:
Ministérios
Valores
Justiça
            412:328$577
Marinha
       89.014:249$060
Guerra
     306.214:424$519
Fazenda
      216.270:948$503
Total
      611.911:950$659
Fonte: Relatório do Ministério da Fazenda, de 1877, p. 30.

Em 1877, ainda havia valores pendentes, não liquidados, e talvez seja por isso  que o visconde de Ouro Preto acabe mencionando um valor um pouco maior. Diz ele:

a despesa total da guerra, conforme a liquidação feita no Tesouro Nacional, ascendeu a 613.183:262$695,13 quantia que com os respectivos juros deverá pagar a República do Paraguai, e não compreende a indenização a que tem direito os súditos brasileiros, prejudicados pelos atos de depredação e violência de que foram vítimas.(14)

Qual foi a origem dos recursos que custearam as despesas da guerra? Peláez e Suzigan, com base em Victor Viana e Castro Carreira, fornecem o seguinte quadro das origens dos recursos:

Origem dos Recursos Gastos na Guerra do Paraguai
(em milhares de contos de réis)
Fontes dos recursos
Total (em mil contos de réis)
%
Empréstimos estrangeiros
     49(15)
8,0
Empréstimos internos
27
4,4
Emissão de dinheiro
102
16,6
Emissão de títulos
171
27,8
Imposto
265
43,2
Total  
614
100,0
  Fonte: PELÁEZ, C. M.; SUZIGAN, W., op. cit., p. 114.

Excetuados os empréstimos externos, que representaram de 8 a 10% do montante das despesas com a guerra, “tudo o mais forneceu o próprio país”, escreveu o visconde de Ouro Preto, suportando sem a menor relutância a criação de impostos e a agravação dos existentes, aceitando com a maior confiança avultadas emissões de papel moeda, colocando larga parte de suas economias nos títulos de dívida interna, fundada e flutuante,(16) e contribuindo com donativos e subscrições, para as quais coletaram-se todas as classes e funcionários, desde os mais altos até os das mais modestas categorias.
Como bom monarquista, completou “seguindo o exemplo magnânimo do chefe do Estado, sempre o primeiro na abnegação e no culto da causa pública”.(17)
Mas nem tudo foi ruim, na opinião do visconde de Ouro Preto, fazendo uma constatação que o estudo do período não desmente.
De um lado, os sacrifícios foram grandes, mas grato é rememorar que se eles não permitiram que o país tivesse o progresso material com que poderia contar, todavia não influíram para que sequer ficasse estacionário. Diversos serviços públicos importantes, como estradas de ferro, telégrafos elétricos, colonização, navegação, etc., tiveram notável desenvolvimento. O comércio de importação e exportação sempre se realizou em escala ascendente: a média anual da importação e exportação, que no quinquênio anterior à guerra, 1859-64, foi (valor oficial) de 236.000:000$000, subiu durante ela (1864-69) a 314 mil contos.
De outro lado, a receita pública, no período 1864-71, também cresceu, como podemos ver pela tabela abaixo:

Crescimento da Receita Pública
(em contos de réis):
1864-65                      56.905
1865-66                      58.523
1866-67                      64.776
1867-68                      71.200
1868-69                      87.542
1869-70                      94.847
1870-71                      95.885
Fonte: OURO PRETO, visconde de, op. cit., p. 146.

Portanto, a receita teve um crescimento de quase 70%. No mesmo período (1864-71), como vimos, e ainda de acordo com Oliver Onody, a inflação registrou uma elevação de 11,1%. Mesmo o câmbio, tão drasticamente afetado pela guerra, logo se recuperou:

o câmbio, que em 1865 oscilava entre 25 e 27, baixou a 22 e 23 e nesse nível se manteve até 1868, ano em que decaiu rapidamente até 14, momentaneamente, reerguendo-se logo a 17 e 19 até a terminação da luta, época em que readquiriu a taxas de 22 e 23.(18)

1 OURO PRETO, visconde de [Affonso Celso de Assis Figueiredo]. A Marinha de outrora: subsídios para a história. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894, p. 139.
2) CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira e orçamentária do Império no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980, p. 190 e s.
3) “Tomando-se isoladamente o Segundo Império temos que, para uma receita de 766.333:678$, houve uma despesa de 917.057:201$, produzindo um déficit de 150.724:215$, o que representa considerável parcela, mesmo para um período dilatado de cinquenta anos. Decompondo-se, porém, esse déficit, constataremos que ele foi de 64.965:698$, ou de 41,1% do total, no quinquênio 1865-69, ou seja, os anos da guerra”. LIMA, Heitor F., op. cit., p. 255-56.
4) HOLANDA, Sérgio Buarque de, op. cit., p. 91-2.
5) ONODY, Oliver. A inflação brasileira, 1820-1958. Rio de Janeiro, 1960, p. 22.
6)HOLANDA, Sérgio Buarque de, op. cit., p. 92. Ver também PRADO JÚNIOR, Caio, op. cit., p. 193 e s.
7) “O câmbio no Brasil tinha por base a moeda inglesa e o valor era discriminado em pence (1 libra = 240 pences). O câmbio, em relação a Londres, a 27 significava que mil réis compravam 27 pences. Este padrão monetário foi estabelecido em 1846, quando a taxa de câmbio foi fixada a 27 pences e, acima ou abaixo deste número, significava que o câmbio estaria acima ou abaixo da paridade”. KUNIOSHI, Márcia Naomi. A prática financeira do barão de Mauá. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo, 1995, p. 75.
8) HOLANDA, Sérgio Buarque de, op. cit., p. 92-3. OURO PRETO, visconde de, op. cit., p. 257.
9) O ministro da Fazenda da época, Zacarias de Góes e Vasconcelos, justificou o imposto, argumentando que “como não se poderia, com bom êxito, exigir de todos a declaração de seus lucros, o legislador procurou um meio indireto de chegar a esse resultado, e o meio indireto é o valor da casa que ocupa o indivíduo, porque não há dúvida que, em regra geral, tal é a casa que o indivíduo habita, tal é também o seu estado de fortuna”. Citado por DEVESA, Guilherme. Política tributária no período imperial. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.). História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 4, p. 74 e s.
10) Tipo 74 significa que de cada 100 libras emprestadas o país receberia apenas 74. Por isso o empréstimo de 1865, no valor líquido de cinco milhões de libras, custou na realidade 6.936.000 libras.
11) Carta de 22 de setembro de 1865, Coleção Mauá, lata 513, doc. 8, IHGB/RJ.
12) FIBGE – Séries Estatísticas. Edição fac-símile da edição de 1907. t. 1, v. 2, p. 326.
13) Esse valor equivale aproximadamente ao montante das exportações do país nos quatro exercícios de 1864-65 a 1867-68 (639.694:693$000). Dados das exportações fornecidos pelo Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, de 1871, p. 72-4.
14) Relatório do Ministério da Fazenda, 1877, p. 30-1. PELÁEZ, C. M.; SUZIGAN, W. História monetária do Brasil. Brasília: Ed. da Univ. de Brasília, 1981, p. 114. VIANA, Victor. O Banco do Brasil. Sua formação, seu engrandecimento, sua missão nacional. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commércio, 1926, p. 481. OURO PRETO, visconde de [Affonso Celso de Assis Figueiredo]. A Marinha de outrora: subsídios para a história. Rio de Janeiro. Domingos de Magalhães, 1894, p. 139-41. O visconde de Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos), em discurso pronunciado no Senado, em 24 de julho de 1866, calculava a despesa do Exército, no Prata, em 157 contos por dia; a da Marinha em um terço, ou seja, 32 contos, perfazendo o total de 189 contos por dia (= 21 mil libras esterlinas) ou 8 contos (= 900 libras esterlinas) por hora (valendo cada conto de réis cerca de 110 libras esterlinas). Na mesma época, Ângelo Muniz da Silva Ferraz, então ministro da Guerra, fazia uma estimativa parecida. Falando da Câmara dos Deputados, em 8 de junho de 1866, calculava que a manutenção das tropas custava diariamente 186 contos de réis.
15) Nas contas do visconde de Ouro Preto esse valor sobe para 70.787:799$000, sendo 44.444:000$000 referentes ao empréstimo de 1865, e 26.521:000$000 referentes ao de 1871. Op. cit., p. 139-41.
16) Para esta e outras expressões especializadas, consultar glossário no final do livro.
17) OURO PRETO, visconde de [Affonso Celso de Assis Figueiredo]. Op. cit., p. 139-47. O autor cita, em nota de rodapé, que o próprio imperador autorizou o Tesouro Nacional a descontar, a partir de março de 1868, um quarto de sua dotação para ajudar nas despesas da guerra. Posteriormente, quando se criou o imposto de 3% sobre os vencimentos dos empregados públicos, o imperador ordenou que se lhe descontasse o referido imposto, embora a lei o isentasse desse ônus.18) OURO PRETO, visconde de, op. cit., p. 146.


Capítulo III

EVOLUÇÃO INDUSTRIAL DO PAÍS APÓS 1864

Com o início da Guerra do Paraguai, o governo começou a fazer gastos cada vez maiores à medida que o esforço de guerra crescia. Era de esperar que esses gastos tivessem se constituído em um estímulo decisivo no desenvolvimento da economia nacional. Há de fato estudiosos que pensam assim. Para Richard Graham, por exemplo, “a Guerra do Paraguai deu grande impulso à manufatura de bens de consumo e, antes de seu término, os industriais progressistas voltaram sua atenção à potencialidade do mercado interno”.(1)
Esse é também o entendimento de Nícia Vilela Luz. Diz ela:

Uma série de circunstâncias iria, entretanto, reanimar as atividades industriais, no fim da década de sessenta. A Guerra Civil dos Estados Unidos havia produzido um surto notável na cultura algodoeira do Brasil e a expansão do cultivo do algodão, por sua vez, provocou um renascimento da indústria têxtil de algodão. Como fator provavelmente mais decisivo foi a Guerra do Paraguai, já que o impulso não se limitou à indústria de tecidos de algodão, mas atingiu vários outros setores.(2)

Para esses autores, a Guerra do Paraguai, por seus efeitos multiplicadores, teve um papel decisivo no desenvolvimento da economia nacional. É preciso, porém, muita cautela diante dessas conclusões otimistas. Não há dados seguros, suficientes e, portanto, conclusivos. As fontes são escassas e as estatísticas disponíveis são precárias.
Tome-se, por exemplo, os relatórios anuais apresentados pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, sob cuja jurisdição estava o ramo industrial, desde que o Ministério foi criado, em 1861. Os ministros que ocuparam essa pasta expressavam, frequentes vezes, uma mentalidade favorável ao desenvolvimento da indústria nacional. Entretanto, pouco podiam fazer, uma vez que, do ponto de vista administrativo, esse Ministério tinha uma existência quase nominal. No relatório de 1870, o ministro Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque constatava, lamentando: “o que significa um Ministério sem organização regular dos meios de ação, sem agentes especiais, sem estabelecimentos de ensino, sem corporações auxiliares, sem estatística?”.(3)
O problema das estatísticas era, aliás, uma das preocupações centrais do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. O Relatório anual, de 1869, informava que haviam sido criadas duas comissões de estatística, com o objetivo de avaliar com maior precisão o verdadeiro desenvolvimento da indústria no país.
A primeira comissão estava sob a responsabilidade do conhecido Sebastião Ferreira Soares, e pretendia levantar a situação de todo o país. O Ministério solicitou a colaboração dos presidentes de províncias. Foram poucos, porém, os que atenderam ao pedido, o que levou à supressão dessa comissão no ano seguinte, sob a alegação de que não havia conseguido “elementos para um serviço regular”.
A segunda comissão foi nomeada para organizar a estatística da cidade do Rio de Janeiro. Eis o que informa o relatório ministerial, de 1869:

Infelizmente, porém, são tais as dificuldades e embaraços, pela maior parte opostos pelo campo industrial, que não lhe foi possível formar um estudo estatístico completo, não direi do município, mas tão somente de uma só de suas paróquias.(4)

Sem meios para agir e sem ter o que informar, os ministros se limitavam a dar vagas informações e a diagnosticar os problemas que dificultavam o desenvolvimento da indústria. Mas, apesar deles, os relatórios ministeriais acabavam sempre passando uma ideia otimista do desenvolvimento nacional. Dizia, por exemplo, “nossa indústria manufatureira ou fabril nasceu e vai prosperando [...]”.
Nessa linha de argumentação, o ministro Souza Dantas havia informado, em 1868, que um decreto do ano anterior concedera alguns favores à fábrica de tecidos de algodão que Geo N. Davis e M. Pattison pretendiam estabelecer na Fazenda dos Macacos, ao lado da Estação d. Pedro II, nas imediações da cidade do Rio de Janeiro.
A lista dos favores compreendia:

1. passagens gratuitas para os concessionários e gerentes das ditas fábricas nos trens da mesma estrada, enquanto fosse do domínio do Estado;
2. igual favor, por uma só vez, aos imigrantes trazidos para o serviço das fábricas;
3. isenção de direitos de exportação para os respectivos produtos, e máquinas importadas para uso das fábricas, e o seu transporte gratuito, na estrada de ferro;
4. isenção de recrutamento para os nacionais empregados nos respectivos serviços;
5. vantagens de colonos aos imigrantes trazidos pelos concessionários;
6. todos os privilégios e isenções que por lei são concedidos às fábricas nacionais.(5)

Essa indústria, que veio a chamar-se Companhia Brasil Industrial, foi considerada, alguns anos depois, o mais importante estabelecimento manufatureiro do Império. Em 1875, tinha duzentos teares em funcionamento, empregando 239 operários, dos quais 181 eram homens e 58, mulheres. Detalhe interessante: não utilizava trabalhadores escravizados.(6)
Embora expressa em termos vagos, a avaliação otimista do discurso oficial prosseguiria nos anos seguintes. No relatório de 1871, por exemplo, o ministro manifestava a esperança de que, quando as estatísticas fossem divulgadas, talvez o país se surpreendesse com “o grau de desenvolvimento de certos ramos de indústria em um país que pretendem condenar a ser unicamente agrícola”.7
Outro indicador a que se pode recorrer para avaliar o desenvolvimento manufatureiro do país é o da concessão de privilégios industriais. Os dados obtidos indicam um crescimento expressivo, a partir dos anos finais da guerra, como se pode ver no quadro abaixo:

Privilégios Industriais Concedidos entre1860 e 1876,
Totalizados por Períodos de Quatro Anos
1861-64
1865-68
1869-72
1873-76
31
23
43
109
Fonte: ROCHA, Claudia Masset L. (Org.) Decretos executivos do período imperial sobre o tema privilégios industriais: inventário sumário. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, Divisão de Documentação Escrita, 1990.

Deve-se, porém, fazer a ressalva de que a concessão de um privilégio não significava que efetivamente ele tivesse se convertido numa empresa. Por isso, mais significativa é a comparação possibilitada pelo quadro abaixo:

Número de Indústrias Têxteis Existentes no Brasil em 1866 e em 1875:       

Rio de Janeiro
Bahia
Alagoas
  Minas Gerais  
Maranhão
Pernambuco
São Paulo
Total
1866
2
5
1
1
0
0
0
9
1875
5
11
1
5
1
1
6
30
Fontes: Relatório do Ministério da Agricultura, Indústria e Obras Públicas, 1868, p. 52 e s. Jornal             do Comércio, Rio de Janeiro, 7 jan. 1876, p. 4.8

Esses números indicam um significativo crescimento da indústria no Brasil, pelo menos no setor têxtil.
Mas o mais provável é que esse crescimento, que – note-se – foi maior nas províncias de São Paulo, Minas e Bahia que no Rio de Janeiro, tenha ocorrido nos anos que se seguiram à guerra.
Essa constatação está de acordo, também, com dados referentes ao município da Corte e à província do Rio de Janeiro, obtidos por Eulália Lobo. Entre 1866 e 1873, o número de fábricas caiu de 1.083 para 965. Mas, no mesmo período, “o número de oficiais e oficinas se elevou de 933 para 1.046, e o de lojas de 4.671 para 5.506”. Com base nesses dados, ela conclui que o “impacto da Guerra do Paraguai só se fez sentir, portanto, na produção de oficinas e no comércio”.(9)
Mesmo porque, como já foi dito anteriormente, o governo imperial dirigiu os maiores pedidos aos estabelecimentos estatais e ao exterior. Em vista do que foi exposto, é forçoso admitir que a contribuição da Guerra do Paraguai para o desenvolvimento da manufatura no Brasil foi muito modesto.(10) Rui Guilherme Granziera, autor de A Guerra do Paraguai e o capitalismo no Brasil, também manifestou essa opinião. “A nossa conclusão”, escreve, “é, pois, de que a guerra não exerceria nenhum efeito de demanda imediato que pudesse alterar, radicalmente, a situação do setor manufatureiro[...]”.(11)
Diante disso, o máximo que se pode dizer é que a guerra acabou favorecendo apenas indiretamente e em pequena escala o desenvolvimento industrial do país. Ao aumentar os encargos do governo, a guerra exigiu o aumento dos impostos alfandegários, resultando em protecionismo. Além disso, houve a necessidade de aumentar a emissão de moeda: mais moedas em circulação significava aumento de recursos nas mãos dos agentes econômicos, recursos que serviam para comprar insumos e que aumentavam a demanda por bens e serviços.
Tudo isso aconteceu num momento em que atuavam alguns fatores favoráveis, representados pelas inúmeras transformações pelas quais o país passava: expansão da lavoura cafeeira, construção de ferrovias, abertura de estradas, entrada de imigrantes, aumento da urbanização etc. E até, como informa Nícia Vilela, “a disponibilidade de capitais antes empregados na agricultura e então desviados de alguns setores dessa atividade pela queda dos preços de certos gêneros agrícolas, particularmente o açúcar e o algodão”.(12)
Muitos anos depois de terminada a guerra, em 1877, o ministro da Agricultura, Thomaz José Coelho de Almeida, deu um testemunho que permite avaliar esse “novo surto” empresarial que ocorria no país. Segundo suas palavras, havia no Império 18 fábricas particulares de fundição. São 12 de ferro e seis de bronze, latão e cobre. Merece especial atenção a da Ponta da Areia, que além da fábrica de fundição, possui estaleiros e oficinas de obras de madeira. Há notícias de 18 fábricas de cerveja e de 39 de chapéus. Das trinta fábricas mais importantes de tecidos de algodão, etc.
E acrescentava, que, graças à existência dessas indústrias,

[...] os nossos mercados são já hoje supridos de numerosos e variados produtos, há pouco exclusivamente importados do estrangeiro, por fábricas cujos artefatos não cedem em perfeição a alguns dos similares que ainda importamos. São desse número as fábricas de produtos químicos; as de instrumentos óticos e náuticos; as de engenharia e de cirurgia; as de calçado, chapéus, marroquim, oleados e couros envernizados; as de vidro e louça; de vinhos, licores e vinagre; de papel e encadernação; de rapé, tabaco, charutos e cigarros, e outras, [...].(13)

______________________________________
NOTAS:
1) GRAHAM, Richard, op. cit., p. 41.
2) LUZ, Nícia Vilela. A luta ..., p. 40.
3 Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, 1870, p. 4.
4) Idem, 1869, p. 22-3.
5) Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, 1868, p. 54.
6) Essa empresa, tendo sido afetada pela crise que em 1875 atingiu o Brasil, teve negado um empréstimo que fez à Câmara dos Deputados, acusada de imprudência por ter feito uma obra grande demais. Cf. LUZ, Nícia Vilela. A luta..., p. 44. O Jornal do Comércio criticou a recusa dos governos central e provincial em ajudar a referida empresa, e ironizava os argumentos que justificavam a recusa (“O país não está preparado para a indústria”; “O orçamento está onerado de compromissos”. “Foi imprudência cometer capitais nessa empresa”), denominando-os “frases sacramentais da rotina”. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 7 jan. 1876, p. 2.
7) Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, 1871, p. 5.
8) Ao se referir às empresas existentes em 1875, o Jornal do Comércio informava tratarem-se de “fábricas que estavam prontas ou estavam prestes a trabalhar”.
9) LOBO, Eulália M. L., op. cit., p. 195.
10) Os dados fornecidos pelo Almanack Laemmert, para os anos 1865-75, confirmam essa avaliação ao indicar uma estabilidade no número de instalações industriais, na província e no município do Rio de Janeiro. Em todo o caso, convém ressalvar que o Almanack talvez não estivesse captando aquilo que realmente estava acontecendo no país.
11) GRANZIERA, Rui Guilherme, op. cit., p. 100.
12) LUZ, Nícia Vilela. A luta..., p. 41.
13) Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, 1877, p. 48-50.



Capítulo IV

COMPRAS, PAGAMENTOS E FISCALIZAÇÃO

Desde que chegara ao Rio de Janeiro, em dezembro de 1864, a notícia de que o Paraguai havia iniciado as hostilidades contra o Brasil, tornou-se necessário fazer imediatamente uma grande mobilização de recursos humanos e materiais. Além da convocação de soldados, foi necessário fazer muitas compras para a guerra. Tantas que é impossível identificar todas elas. Os órgãos competentes para cumprir essa função eram os arsenais – o da Marinha e o do Exército. Mas dada a urgência com que era preciso providenciar os gêneros de todos os tipos, muitos foram os que compraram, em momentos e lugares diferentes: os ministros, os agentes diplomáticos, agentes especialmente comissionados, presidentes de províncias, comandantes militares e até chefes de brigadas. As compras foram feitas tanto no mercado interno como no externo.

1. COMPRAS NA EUROPA

A maior parte das compras feitas no exterior se realizaram na Europa, e em mais de um país. “Não se podendo achar”, escreveu o ministro da Guerra, em 1865,

em um só mercado os artigos bélicos, de que precisamos com urgência, necessário foi cometer a mais de um indivíduo a sua (62) Compras, pagamentos e fiscalização aquisição, para que possa cada um deles mais facilmente satisfazer as nossas exigências, não tendo de empreender consecutivamente viagem de uns para outros lugares, o que absorveria muito tempo.(1)

Os pedidos eram enviados um atrás do outro. E, pelo menos no início, tinham caráter de urgência. As quantidades solicitadas, evidentemente, eram sempre muito grandes: cinquenta mil pares de sapatos, cinquenta mil camisas, dez mil espingardas, dez mil carabinas, cinco mil barracas etc. Sem contar as enormes quantidades de carvão para os navios.
Por isso, ao se iniciarem os trabalhos do Parlamento, em maio de 1866, após o recesso de quase um ano, os parlamentares tinham muitas críticas para fazer ao governo. Um dos motivos era justamente a preferência dada ao mercado externo em prejuízo do mercado interno.
O senador Souza Franco era um dos que se mostravam indignados com as despesas feitas na Europa. Dizia que “do empréstimo de cinco milhões de libras obtido em Londres pequena soma veio para o Brasil. [...] O fato é que o dinheiro tem sido na maior parte gasto na Europa em encomendas”.(2)
Na Câmara dos Deputados, Joaquim Floriano de Godoy, representante de São Paulo, fez longas críticas ao ministro da Guerra, criticando, sobretudo, o fato de os pedidos de fardamento terem sido feitos ao exterior e não ao mercado interno.(3)
O ministro da Guerra era, desde 12 de maio de 1865, Ângelo Muniz da Silva Ferraz, um homem com grande experiência na administração pública.(4) Para defender-se das críticas dos parlamentares, compareceu à Câmara dos Deputados, no dia 14 de julho de 1866: “Nas circunstâncias atuais”, disse ele em seu discurso,

nos vimos colocados em uma posição triste; era necessária uma grande quantidade de fardamento, e tal que o mercado do Rio de Janeiro não podia comportar; foi preciso mandar fabricá-lo no Pará, na Bahia e em Pernambuco, a preços altíssimos, e ainda assim as necessidades não foram satisfeitas.
Aqui [no Rio de Janeiro], em consequência dessa necessidade e da procura, se deu uma colisão, o conluio entre os importadores, a fim de fazer subir a matéria-prima a altos preços; alguns havia que andavam varrendo todos os armazéns e todas as pequenas lojas de certos artigos para imporem o preço; as costuras mesmo, conquanto facilitasse eu do modo mais positivo essa operação, chegando a ir em pessoa assistir duas vezes à própria distribuição, e até fazendo um funcionário da pagadoria para efetuar o pagamento das mesmas costuras, a fim de evitar a usura dos rebatedores; as costuras mesmo não eram feitas em abundância tal que pudesse suprir as necessidades do momento.

Ficamos sabendo, assim, que comerciantes inescrupulosos aproveitaram-se da situação para ganhar dinheiro. E não só os cofres públicos eram prejudicados. Também o eram os soldados que seguiam para a guerra. “Em consequência disto”, disse o ministro no mesmo discurso,

todos sabem que no princípio de março alguns corpos marcharam com blusas que em dois ou três dias, pelo atrito do correame, ficaram em miserável estado. [...] Todas fabricadas no país, porque até esse momento ainda não tinha havido encomenda alguma para a Europa. [...] A matéria-prima era fornecida pelo Arsenal, e era preciso que os soldados marchassem imediatamente. Para espancar o conluio dos fornecedores [...] foi preciso admitir a medida de fazer importar não só a matéria-prima, mas também a matéria manufaturada no estrangeiro.(5)

Segundo informação do ministro Silva Ferraz, os pedidos foram dirigidos à representação diplomática brasileira em Londres, cujo encarregado era José Marques Lisboa, barão de Penedo. Era ele também que respondia pela representação de Paris.

Exemplos de avisos de encomenda (6)

1. Havendo necessidade de quatro mil capotes de pano de alvadio de boa qualidade para suprimento do Exército, fica V.M. autorizado a comprá-los e remetê-los com a máxima brevidade (31 de dezembro de 1864).
2. Fica V. Excia. autorizado a fazer a aquisição do modo mais vantajoso para o Estado, e mais expedito para o fornecimento do nosso Exército, de vinte mil capotes sem cabeção, sendo dez mil do pano alvadio e igual número de pano azul; certo da conveniência de que tal suprimento chegue a esta corte no mais curto espaço de tempo possível (28 de janeiro de 1865).
3. Tendo o Laboratório do Campinho urgente necessidade de cobre para cápsulas de guerra e dísticos cumpre que V. Excia. contrate a pronta remessa de duzentos quintais(7) do que é próprio para aquelas e trinta para estes. [...] (4 de fevereiro de 1865).

Às vezes, eram enviados agentes especiais, como se pode ver por este aviso:

4. [...] o capitão de engenheiros Antônio Rangel de Auta que se apresentará a V. Excia. O fim de sua ida é a pronta aquisição de artigos de armamentos, equipamentos e fardamentos, [...].

Esse mesmo aviso permite avaliar o grau de desespero em que se achava o governo brasileiro, em relação à necessidade das armas:

Semelhantes compras nada têm com as que se acha encarregado o capitão Aires Antônio de Morais Âncora, cujos contratos com vários fabricantes de armamento, conquanto em geral favoráveis, foram todavia celebrados com tão longos prazos que contrariam a urgente necessidade do Exército, e como uma vez celebrados devem ser mantidos, resolve o governo, independente deles, mandar comprar o que houver feito, não só de armamento, como também de equipamento e fardamento, segundo a relação que apresentará a V. Excia, o capitão Rangel, mandando-se manufaturar o que se não achar pronto e remetendo-se qualquer porção à medida que se forem realizando as compras do que se achar feito e recebendo das fábricas o que se mandar fazer. Todas e quaisquer remessas deverão ser feitas pelos vapores transatlânticos, nunca por navios de vela.

Por esse aviso, percebe-se ainda que o governo brasileiro estava preocupado com os preços:

Convindo ao governo imperial a pronta aquisição dos artigos de equipamento e fardamento [...], cumpre que V. Excia [...], que fica autorizado a contratar em Paris, ou onde melhor lhe parecer [...]. Na dita nota, vão mencionados os preços aqui correntes de cada espécie a fim de que por ele V. Excia. regule o respectivo ajuste, [...].

Ao enviar os preços vigentes no Rio de Janeiro, o ministro se garantia contra preços maiores na Europa e também limitava possíveis falcatruas que poderiam resultar da compra por preços majorados.
Afinal, tinha que confiar inteiramente na honestidade do ministro brasileiro em Londres, como se pode ver pelo aviso de encomenda de 7 de junho de 1865:

5. Outrossim, tenho a declarar a V. Excia que não há designação de pessoa ou comissão para este mister, ficando sempre livre a V. Excia escolher o que mais vantagem oferecer.8

Evidentemente, esse tipo de autorização poderia dar margem a desvios de dinheiro e acarretar prejuízos aos cofres públicos, como muitas vezes foi denunciado.(9)
Observe-se de passagem que o representante brasileiro não comprava diretamente os suprimentos solicitados. Utilizava-se dos serviços de particulares – agentes ou comissários – tanto em Londres quanto em Paris. Outra observação interessante é a de que as remessas para o Brasil exigiam certos cuidados diplomáticos, como se pode ver por esta instrução dada pelo ministro, em aviso datado de 7 de junho de 1866:

Como nos portos franceses se impedem a saída dos gêneros que se destinam às tropas brasileiras por escrúpulos de neutralidade, convém que os objetos venham por via segura ou por Southampton, nunca em direção ao governo brasileiro.(10)

As compras feitas na Europa vinham para o arsenal do Exército da Corte, de onde eram remetidas ou para o arsenal de Porto Alegre ou diretamente para os exércitos em operações no Prata, por meio do Rio Grande do Sul, de Montevidéu ou de Buenos Aires.
Alguns pedidos também foram feitos aos Estados Unidos. Em 1867, o Ministério da Guerra encomendou naquele país alguns milhares de armas portáteis de carregar pela culatra, “com o intuito de fazer um ensaio em grande escala”, conforme expressão do próprio ministro. Eram cinco mil armas Roberts e dois mil clavinas Spencer.

2. COMPRAS NO RIO DA PRATA

Por causa da localização do teatro da guerra, e por imposição da urgência das necessidades, muitas compras eram feitas no próprio Rio da Prata, destacadamente nas cidades de Buenos Aires e Montevidéu. Dionísio Cerqueira conta que

Os nossos arsenais não podiam, pelo que se via, satisfazer as nossas necessidades, e o ministro da guerra, visconde de Camamu (José Egídio), ordenou ao general Osório que mandasse comprar no Rio da Prata o que fosse necessário. Daí originou-se a falta de uniformidade do nosso fardamento.(11)

Em outro discurso, pronunciado no Senado, em junho de 1865, Silva Ferraz afirmou ter mandado que em “Montevidéu fabricassem blusas e outros misteres (ponches, por exemplo)”.(12) No ano seguinte, defendendo-se de críticas dos deputados, o mesmo ministro fez uma afirmação que lançava dúvidas sobre a idoneidade dos “generais e outros delegados do governo”, ao dizer:

O nobre deputado não sabe ainda quais os inconvenientes que resultaram de reclamações ao princípio, e por necessidade ou por outra razão, para mandar-se fazer fardamento para o Exército no Rio da Prata; os generais e outros delegados do governo exigiam isso mesmo; daí os preços exagerados, e ainda hoje, não obstante toda a minha prevenção, por três vezes tem-se exigido que se forneça dali o fardamento, e eu contra tudo resisti, com o apoio do ministro que se acha em missão especial no Rio da Prata, e tenho feito com que essas ameaças contra o Tesouro Nacional sejam prevenidas. O preço no Rio da Prata é maior do que no Rio de Janeiro.(13)


3. COMPRAS NO MERCADO NACIONAL
As compras feitas no mercado interno, na sua maior parte, ficaram a cargo dos arsenais, especialmente os arsenais do Exército e da Marinha, no Rio de Janeiro. Eles eram os responsáveis pelo fornecimento geral e abasteciam os arsenais provinciais e, diretamente, as tropas. Este tópico vai referir-se apenas às compras feitas pelo arsenal do Exército, que aparece nos documentos com o nome de Arsenal de Guerra da Corte.
Anexo ao Arsenal funcionavam, desde 1852, conselhos administrativos de compras, cuja função inicial era a aquisição das matérias-primas para os fardamentos do Exército, mas que de fato procediam às compras de quaisquer objetos para consumo do Arsenal. Esses conselhos, contudo, não funcionavam bem, e eram constantes as reclamações quanto às perdas, desvios e outros problemas.
Com a guerra, aumentaram repentinamente as encomendas, e seguiu-se por algum tempo a falta de muitos artigos. Os que puderam ser obtidos na Corte, foram-no por “preços não comuns”. Aliás, alguns fornecedores se utilizavam de ardis para exercer o monopólio da venda no Arsenal de Guerra, para assim ter ganhos maiores.
Um desses ardis consistia em comprar antecipadamente uma grande quantidade de fazendas próprias para o consumo do Exército, nada deixando para os concorrentes. Com isso, esse comerciante podia impor os preços. Outro manejo dos fornecedores era fazer acertos entre si para a apresentação das propostas, resultando daí que, mesmo quando o Arsenal escolhia o preço menor, os comerciantes tiravam lucros bastantes para repartir entre si.
Um dos principais fornecimentos do Arsenal para o Exército eram os fardamentos. O procedimento era o seguinte: o Arsenal comprava as matérias-primas, fabricava uma parte em suas oficinas e terceirizava a confecção do restante. Um aviso de 18 de dezembro de 1866 determinava que na distribuição das costuras que tivessem de ser manufaturadas fora do Arsenal, fosse dada preferência às viúvas e aos órfãos dos que tivessem falecido em consequência da guerra, e também às famílias dos que se achavam a serviço da guerra. Muitas pessoas tiravam disso seu sustento.
Mas o processo dava margem a muitas irregularidades. Não eram apenas desvios de tecidos; as autoridades também se queixavam da qualidade da matéria-prima empregada ou da confecção.
Em 1865, os conselhos administrativos de compras foram extintos. E as compras ficaram a cargo do próprio Arsenal, com a assistência de um empregado da Fazenda. Posteriormente, em junho de 1868, foi instituída uma Comissão de Compras. Entretanto, o Relatório do Ministério da Guerra, de 1867, faz alguma confusão ao referir-se a uma “comissão de compras”, lamentando que seu “regulamento, elaborado para épocas ordinárias, muito atrapalha em épocas extraordinárias, e por isso foi preciso preterir algumas de suas disposições”. Dessa forma, continua o Relatório, “diretamente foram ajustadas compras de fardamento, armamento e munições com grandes vantagens quer a respeito de qualidade, quer em relação à economia para os cofres públicos”.(14)
Não fica claro o que se quis dizer com a palavra diretamente. Mas a dúvida se esclarece quando lemos o discurso do ministro da Marinha, na Câmara dos Deputados, em agosto de 1867. Rebatendo críticas dos parlamentares de que vinha prescindindo da concorrência perante o conselho de compras para a aquisição de material, e de que esse seria um procedimento ilegal, o ministro informava que essa era uma prática já antiga e não era ilegal. Dizia mais:

Comprar sem intervenção do respectivo conselho é expediente sempre usado nos ministérios da Marinha e da Guerra. [...] A concorrência que em tese é o meio mais seguro de obter gêneros melhores e mais baratos, nesta corte, perante a repartição da Marinha pelo menos, por causas que eu não quero indagar, quase sempre produz o contrário”.(15)

Sobre essa questão, também se pronunciou o deputado Dias da Cruz (do Município Neutro). Em discurso proferido em maio de 1868, o deputado perguntava a razão pela qual, havendo um conselho de compras (no Arsenal), encarregado de receber as propostas e celebrar contratos, o ministro da Guerra tomava para si essa incumbência, independente do parecer do conselho, quando este devia estar muito mais habilitado que o Ministério e seus funcionários para decidir sobre as compras. No mesmo dia, o ministro da Guerra (João Lustosa da Cunha Paranaguá, visconde de Paranaguá),(16) foi à tribuna para rebater as críticas do deputado e mostrar a lisura seus atos. A certa altura de seu discurso, ele disse:

Em regra, as compras são feitas através do Arsenal, mas isso não impede o ministro de fazer algumas encomendas à Europa. [...] é preciso abrir a concorrência, não aqui; são os fabricantes que eu quero, não os intermediários, cujos lucros ficam para o Tesouro.(17)

Os esforços dos ministros militares, porém, eram insuficientes para combater a corrupção que se verificava nos arsenais, e em consequência, onerava as compras. Era uma luta perdida. Mesmo admitindo exageros por parte dos que estavam na oposição, alguma dose de verdade devia haver nas denúncias. O deputado Souza Andrade, do Ceará, chegou a dizer: “O que é certo é que pelos arsenais lavra a desordem, a desmoralização, a delapidação”.(18)
Em 1869, o ministro da Guerra era Manoel Vieira Tosta, barão de Muritiba. No relatório desse ano, ele informava que, por decreto de 23 de junho de 1868, havia sido criada uma Comissão de Compras.(19) Mas ele já se mostrava decepcionado com essa comissão, dizendo que ela não havia correspondido aos objetivos iniciais.
O que mais se esperava era uma maior concorrência de fornecedores, e isso não estava acontecendo. Os fornecedores eram os mesmos, e continuava-se a depender do parecer dos peritos do Arsenal, os mesmos que eram ouvidos anteriormente.
Segundo o barão de Muritiba, o Arsenal vinha se esforçando para suprir o Exército de todo armamento, equipamento e fardamento necessários. Mas ressalvava que a maior parte dos fardamentos remetidos para o teatro da guerra no ano anterior havia sido manufaturada fora das oficinas do Arsenal, por meio de contratos firmados com indivíduos que ou mandavam fazer os artigos no país ou os encomendavam à Europa.
Essa prática, porém, não estava apresentando resultados positivos. Por isso, ultimamente o Arsenal vinha recorrendo diretamente aos fabricantes da Europa, dos quais podia obter melhores fazendas por preços mais favoráveis. Uma observação interessante é a de que as casas importadoras da capital não se apresentavam à concorrência do Arsenal. Segundo o ministro, as razões prováveis seriam a morosidade nos exames e a demora nos pagamentos. As casas importadoras preferiam vender a intermediários, e estes vendiam ao governo, sujeitando-se aos processos das repartições do governo.(20)
O Arsenal da Corte aumentou rapidamente sua capacidade de produção. E, graças a isso, o ministro da Guerra podia informar que quase todos os artigos remetidos para o teatro da guerra, no ano anterior, haviam sido fabricados no Arsenal, com exceção do fardamento de inverno, feito por contrato fora do Arsenal, e de algumas peças do equipamento.(21)
No transcurso da guerra, o Arsenal da Corte cresceu muito, chegando a contar com 14 oficinas funcionando regularmente. No início de 1872, empregava 745 operários.
Apesar disso, durante todo o tempo, o governo continuou recorrendo, por meio da Legação de Londres, diretamente a fábricas estrangeiras para adquirir artigos para a confecção do fardamento. Com resultados vantajosos.

A matéria-prima chegada da Europa em virtude da encomenda que o governo fez à nossa Legação de Londres é toda de boa qualidade, e seu preço, adicionadas as despesas de fretes, seguros, comissões etc., é inferior ao do mercado. Julgo pois que se deve continuar a prover os nossos armazéns por este meio, tanto mais quando ele traz ainda a vantagem, não pequena, de fazer desaparecer da repartição certas questões odiosas.(22)

A conclusão do ministro, no final da guerra, da mesma forma que no início dela, o grosso das compras continuava sendo dirigido para o mercado externo. Mostra também que a corrupção, que o ministro esconde sob o eufemismo “certas questões odiosas”, concorria – quem poderia supor! – para prejudicar a produção nacional, pois induzia o ministro a fazer as compras no exterior.

4. UMA EXPERIÊNCIA DO COMISSARIADO

Durante a guerra contra o Paraguai, houve pelo menos uma experiência de comissariado, conforme documentos anexos ao Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, de 1866. Comissariado era o nome que se dava a um particular que se encarregava de fazer as compras. O ministro interino da Guerra, José Antônio Saraiva, escreveu ao enviado especial do Brasil no Prata, Francisco Otaviano de Almeida Rosa, em 6 de novembro de 1865, sugerindo que “as compras de todos os objetos adquiridos nos mercados de Buenos Aires e Montevidéu fossem confiadas a um negociante”, desde que nisto houvesse “economia para os cofres públicos”, e propôs o nome do negociante brasileiro Manuel Antônio da Rocha Faria.
O enviado especial do Brasil acatou a sugestão e, poucos dias depois, enviou a Saraiva cópias da proposta apresentada por Rocha Faria e aceita por Otaviano. Por essa proposta, Rocha Faria ficava incumbido do

fornecimento de medicamentos e outros artigos necessários ao hospital já estabelecido em Montevidéu, e a outros que, por conta do Ministério da Guerra, se tenham de estabelecer em outras localidades; compreendendo, finalmente, esta proposta também todo o serviço relativo a fretamentos de navios e vapores para o transporte dos objetos e tropas com direção ao mesmo Exército imperial ou a esses hospitais.

Rocha Faria apresentava a proposta em seu nome e no de outras duas casas comerciais de que era sócio. Como “justa retribuição”, pedia que lhe fosse paga uma “módica comissão” de 5 % sobre os valores dos artigos que viesse a comprar. E se comprometia a fazer as compras pelos “preços correntes do mercado”, conforme os “boletos ou notas dos corretores” que ele deveria apresentar.
Em março do ano seguinte (1866), Otaviano enviou correspondência ao general Osório e a outros funcionários brasileiros em Corrientes, pedindo uma avaliação dos serviços prestados por Rocha Faria e da qualidade dos produtos que ele fornecia. Todos responderam favoravelmente. Um deles, Cristiano Pereira de Almeida Coutinho, fez um comentário que vale a pena registrar. Disse ele:

Pelo que toca à exatidão nas quantidades remetidas, não posso atribuir ao Sr. Rocha Faria algumas faltas encontradas; explico-as pela moralidade do pessoal ordinariamente empregado no serviço de transporte, embarque e desembarque de cargas semelhantes. Por uma pequena abertura que se produza em consequência de maior queda, muitas vezes intencionalmente feita, cada qual vai arrancando o seu pedaço, ou a sua peça, de sorte que, quando o objeto chega ao seu destino final, é com grande desfalque. É este fato comezinho no serviço de transporte do material do nosso Exército.(23)

Não foi possível saber até quando vigorou o contrato com Rocha Faria. O ministro da Guerra, em discurso no Senado, em junho de 1867, disse que o contrato com a Casa Rocha Faria já havia caducado, sem informar a data.

5. COMPRAS DE CARVÃO
No serviço da guerra, era grande o consumo de carvão pelos navios, o que também deu margem a muitas denúncias de abusos. No dia 6 de julho de 1866, Afonso Celso de Assis Figueiredo, ministro da Marinha, discursou no Senado, e procurou refutar as denúncias de desvio de carvão, feitas pelos senadores, destacadamente por Souza Franco e Teófilo Otoni. Os senadores criticavam o excesso de consumo do produto, os desperdícios e os desvios. Estaria havendo falta de fiscalização e, por isso, entrava nos depósitos menos carvão que a quantidade declarada nos documentos. (24)
Explicou o ministro como se realizou o contrato de fornecimento de carvão, como se fazia o transporte e a distribuição do produto. O carvão era fornecido mediante um contrato firmado, em princípios de julho de 1865, com a firma Huet Wilson & Comp. pelo preço de 25,5 mil réis a tonelada. Esse contrato havia sido precedido de concorrência e de cuidadosas negociações com a firma fornecedora, o que teria, na opinião do ministro, garantido o melhor preço.
Ficou-se sabendo, ainda, que o carvão, proveniente da Inglaterra, ia direto para o depósito de Montevidéu, de onde saía para o pequeno depósito de Buenos Aires ou para os navios que o consumiam. A Marinha era quem fornecia o carvão ao Ministério da Guerra.
Como já foi mencionado anteriormente, muitos foram os parlamentares que criticaram a preferência dada pelo governo ao mercado externo. Veja-se por exemplo esta crítica feita no Senado pelo barão de Cotegipe,(25) lamentando que tantas despesas não tenham redundado em benefício do país.

O consumo para a guerra é em pura perda; nada fica no país, tudo sai. Se aplicássemos mais algum cuidado, ao menos parte desses capitais ficariam alimentando a indústria do país; mas é o inverso. Ou vem tudo preparado da França, da Inglaterra etc., ou há de ser comprado do Rio da Prata. Nós damos guardas-nacionais e recrutas; e o dinheiro é para os estranhos.(26)

6. PAGAMENTOS E FISCALIZAÇÃO
Em meio às improvisações iniciais, inevitáveis em virtude do inesperado da guerra, o governo procurou criar, desde o começo, uma estrutura burocrática, no Exército e na Marinha, objetivando realizar, controlar e fiscalizar os gastos. Não era uma tarefa fácil; muito ao contrário.

6.1 Pelo Exército
Como não poderia deixar de ser, a burocracia acompanhou o avanço das tropas. Quando o Primeiro Corpo do Exército, em fins de 1864, marchou do Rio Grande do Sul para o Uruguai, foram nomeados um fiscal de Fazenda e uma Caixa Militar, “com dinheiro e autorização de saques sobre o Banco Mauá em Montevidéu e Rosário”.(27)
De fato, era por intermédio do Banco Mauá que o governo fazia o fornecimento de dinheiro para a Marinha e para o Exército, mediante a comissão de 1,5%.28 O contrato com o Banco Mauá desapareceu com a criação da Repartição Fiscal em Montevidéu, e o dinheiro passou a ser enviado pelo Tesouro diretamente àquela repartição.
Resolvido o problema no Uruguai, as tropas brasileiras passaram para o território argentino, pela província de Corrientes, e chegaram, no final de 1865, à fronteira com o Paraguai. O contato do Rio de Janeiro com as forças militares se fazia pelos rios Uruguai e, especialmente, Paraná, privilegiando as cidades de Montevidéu e de Buenos Aires. Em função disso, uma infinidade de interesses brasileiros (despesa dos hospitais, fretamentos, fornecimentos, compras, pagamentos, entrepostos), que corriam por essas cidades, eram, inicialmente, da responsabilidade do cônsul geral de Montevidéu. Quando, porém, as despesas se avultaram, tornando-se indispensável regularizar e fiscalizar os gastos em Montevidéu, estabeleceram-se nessa cidade a Repartição Fiscal e a Pagadoria, conforme instruções de maio de 1865. No ano seguinte, criou-se uma Pagadoria Militar e outras repartições administrativas também em Buenos Aires.(29)
Portanto, desde maio de 1865, estavam reorganizadas as instituições que acompanhavam os Corpos do Exército. Criaram-se uma
Pagadoria Militar e uma Repartição Fiscal para o Primeiro Corpo do Exército. (Na mesma época, iguais instituições foram criadas para acompanhar a expedição que seguiu para o Mato Grosso.)
As mesmas repartições foram instituídas para o Segundo Corpo do Exército, quando este foi criado, em julho de 1865. Mais tarde, quando sobreveio a fusão dos comandos em chefe dos dois corpos de Exército em um só, procedeu-se à extinção das repartições de fazenda existentes no teatro da guerra, substituídas por outras mais regulares, sob a direção de um intendente, subordinado ao comandante-em-chefe das tropas brasileiras na guerra. Baixaram-se, então, as instruções de 20 de outubro de 1866, e foram criadas uma Intendência e, subordinadas a esta, uma Repartição Fiscal e uma Pagadoria Militar.
Prolongando-se a guerra, tendo essas repartições de funcionar junto ao quartel-general, e havendo em Corrientes quatro hospitais e um depósito, tornou-se necessário criar nesta localidade instituições semelhantes às que existiam em Montevidéu. “E, por este modo”, informa o ministro, “como a experiência já o tem demonstrado, fiscaliza-se a despesa da guerra no próprio ato de ser ela efetuada”.(30)
Em fevereiro de 1867, o governo instituiu fiscais para acompanhar e fiscalizar todo embarque da Corte para o Prata, e vice-versa. A função desses funcionários era assistir ao encaixotamento, enfardamento, marcação, numeração, embarque, desembarque e abertura de todos os volumes que fizessem parte da remessa.
Apesar dos cuidados tomados, era impossível evitar desvios e desperdícios de dinheiro e de material. As denúncias sempre foram muitas, tanto nos jornais como no Parlamento. Os ministros se defendiam, anunciavam medidas, promoviam inquéritos, mas a verdade é que pouco podiam fazer, tendo em vista o tamanho do problema. Richard Burton, o célebre aventureiro, escritor e diplomata inglês, visitou o front brasileiro e deixou um testemunho pouco lisonjeiro para as autoridades brasileiras.

Aqui, entretanto, acredita-se que, com algumas brilhantes exceções, nenhum posto da hierarquia está isento de corrupção. E até se afirma à boca pequena que, enquanto tivesse algum dinheiro, o marechal-presidente López poderia comprar o que quisesse de seus inimigos.(31)

Um caso de desvio de dinheiro, para citar um exemplo, foi mencionado no próprio Relatório do Ministério da Guerra, de 1869:

Os trabalhos desta repartição (Pagadoria das tropas) prosseguem regularmente. Um coadjuvante mandado admitir, em consequência de considerável acréscimo de trabalho motivado pela guerra atual, forjou vários documentos, com os quais pôde haver dinheiros dos cofres da pagadoria. Suspeitando-se a existência de alguma prevaricação por ter esse empregado embarcado sem licença para a província de Pernambuco, foi examinada a escrituração, que lhe era confiada, e descoberto o seu criminoso procedimento. O delinquente acha-se preso, e está sendo processado pelo juízo competente.(32)

Em virtude da invasão do Mato Grosso, foram enviadas para aquela província forças reunidas em São Paulo, Minas Gerais e Goiás. Também do Paraná vieram alguns reforços. Para acompanhar essas tropas, o então ministro da Guerra, visconde de Camamu, criou, em abril de 1865, uma Caixa Militar e uma Repartição Fiscal. A primeira tinha como função o “pagamento e o processo da despesa militar”. E a função da segunda era “exercer severa fiscalização sobre o fornecimento ao Exército”.

6.2 Pela Marinha
À semelhança do Exército, também a Marinha tomou providências quanto aos seus pagamentos. O visconde de Ouro Preto, escrevendo muitos anos mais tarde (mas apoiando-se nos relatórios que ele próprio escrevera quando ministro da Marinha, em 1867-68), fez uma boa descrição dos problemas que acarretavam os pagamentos efetuados no Rio da Prata e das providências tomadas por seu Ministério.
De acordo com as disposições então em vigor, as despesas da esquadra em operações no Paraguai eram feitas por ordem do comandante-em-chefe da Marinha e sua escrituração estava a cargo do escrivão geral, auxiliado pelo escrivão do navio capitânia. Porém, a experiência veio mostrar os defeitos desta organização.
De fato, incumbido tanto do serviço militar, como da administração da Fazenda, via-se o comandante-em-chefe obrigado a tratar de questões de natureza inteiramente diversa. Para piorar, essas questões se complicavam à medida que a esquadra se afastava do centro dos contratos, das encomendas e dos suprimentos. Para dar conta de tantos negócios, ele se via obrigado, necessariamente, a delegar atribuições a subordinados e agentes, muitas vezes sem competência e sem responsabilidade legal, o cumprimento de deveres que ele não podia cumprir.
Vale a pena transcrever algumas passagens do livro do visconde de Ouro Preto, para se ter uma ideia da confusão reinante na administração da Marinha, no Rio de Prata:

Na urgência do momento os fundos necessários à satisfação das despesas do pessoal e do material, quer para conseguir os fornecimentos indispensáveis aos navios da força naval sob seu comando, recorria o comandante-em-chefe da esquadra, indistintamente, já ao oficial seu delegado em Buenos Aires, já às autoridades consulares e residentes diplomáticos do Império naquela capital e na de Montevidéu.

Dessa desorganização resultava que

não era impossível que avultadas somas se despendessem, sem que ao seu emprego presidissem a economia e fiscalização que fora para desejar, não porque faltassem zelo e probidade aos funcionários por cujas mãos corriam, mas porque a multiplicidade dos agentes destruía a unidade da ação, e fracionava a responsabilidade, únicas bases de um bom sistema fiscal.

Os problemas, porém, não acabavam aí. Segundo ainda Ouro Preto,

A consequência necessária de semelhante sistema foi atrasar a escrituração de modo que, em outubro do ano passado (1867), apenas se tinha conhecimento no Ministério a meu cargo da despesa da esquadra realizada no Rio da Prata até junho de 1865. Ainda mais: na completa ignorância da situação econômica das forças em operações, das suas necessidades, dos recursos criados para abastecê-las do combustível, munições de guerra, sobressalentes e virtualhas de que, por ventura, carecessem, mal podia o Ministério da Marinha tomar providências no sentido de acautelar as faltas presumíveis, vendo-se assim obrigado a proceder por tentativas nas remessas de material que efetuava.

A fim de solucionar esses problemas, o ministro adotou medidas para:

1. reunir num centro único todo o serviço de fiscalização da despesa, aquisição e fornecimento do material e pagamentos à esquadra em operações contra o Paraguai;

2. aliviar o comandante-em-chefe dos cuidados relativos a tais assuntos, pois este pareceu ao governo o alvitre mais capaz de produzir maior regularidade e método no serviço de que se trata e, consequentemente, melhores garantias à economia dos dinheiros públicos.

A atitude subsequente, a exemplo do Exército, foi criar em Buenos Aires (depois transferidas para Montevidéu) a Repartição Fiscal e a Pagadoria da Marinha, por decretos de outubro de 1866 e de janeiro de 1867. A essas entidades ficaram subordinados repartições de fazenda, depósitos de material, agências e pagadorias, existentes ou que no futuro se criassem para o serviço da esquadra, “incumbindo-lhe o pagamento e fiscalização das despesas, suprimentos de fundos, aquisição e remessa de provisões e abastecimentos para os navios, hospitais e quaisquer outros estabelecimentos da Marinha, nos rios da Prata e Paraguai”.
Como resultado dessas providências,

o serviço imediatamente melhorou, a escrituração, em grande atraso, logo ficou em dia e o governo pôde receber no princípio de cada mês o balancete da despesa do anterior. Habilitado assim a calcular de antemão os gastos mensais, fácil se tornou remeter os fundos necessários, abandonando-se o sistema anteriormente seguido de suprir de numerário a pagadoria da esquadra, por meio de contratos com casas bancárias, ou de saques sobre o Tesouro Nacional, negociados nas praças do Rio da Prata, as mais das vezes em condições onerosíssimas, impostos pelos capitalistas, a quem se recorria no apuro da necessidade e que, aproveitando-se dessa circunstância, elevavam suas pretensões de lucro.

Posteriormente, nomeou-se para esta repartição um adjunto militar, que ficava

incumbido de prover sobre a pronta carga e descarga dos transportes, fornecimentos de carvão, sobressalentes e víveres, fabrico dos navios que deles carecessem, imediata expedição dos oficiais e praças, que voltassem ao Brasil ou se dirigissem à esquadra, tratamento de enfermos ou feridos etc.(33)

7. CRÍTICAS AO PROCESSO DE COMPRAS, PAGAMENTOS E FISCALIZAÇÃO
Apesar do muito que fez ou tentou fazer, o governo foi alvo de muitas críticas. Um dos críticos foi ninguém menos que o visconde de Rio Branco. Aproveitando a presença dos ministros militares no Senado, os quais vinham pedir verbas suplementares, em julho de 1866, ele fez longas e fundadas críticas à condução da guerra.(34) Primeiramente, ele lamentava a insuficiência do sistema administrativo. Era sua opinião que os fornecimentos não deviam ficar a cargo do comandante-em-chefe, mas sim de pessoas que se ocupassem exclusivamente disso. Ponderava também que não devia ficar na incumbência de legações e consulados a fiscalização das despesas da armada e do Exército, pois não podia ser função destes fazer despesas nem fiscalizar fornecimentos.(35)
“Gostaria”, disse Rio Branco, “que os serviços que exigem conhecimentos profissionais, tais como organização de hospitais, compra de material de guerra, fornecimentos e sua remessa, estivessem a cargo de pessoas competentes, constituídas para esse fim especialmente[...]”, sob a superintendência dos generais, e prestando imediatamente contas do que fizessem aos respectivos ministérios.
Mas não era isso o que acontecia. E o governo, com efeito, não estava informado a respeito das despesas do Exército. Segundo Rio Branco, ainda não estavam classificadas despesas referentes a 1864-1865, que somavam mais de 12 mil contos. Ele criticava não apenas os funcionários que estavam no Rio da Prata. Criticava também a Legação de Londres, atrasada na remessa dos documentos de despesas.
O ministro da Fazenda, que se achava no plenário, em aparte ao discurso de Rio Branco, disse: “Está atrasada de mais de nove anos”.(36) Nove anos!
No dia seguinte, o ministro da Guerra, Ângelo Muniz da Silva Ferraz, foi à tribuna do Senado para defender o governo das críticas de Rio Branco. E alegou que uma das razões que dificultavam a fiscalização das despesas era que

Os documentos vêm unicamente dirigidos ao Ministério da Fazenda; e quando muito vêm algumas pequenas tabelas ou balancetes dirigidos ao Ministério da Guerra. O Ministério não pode instituir um exame sobre a moralidade das despesas e dos documentos, porque estes lhes não são remetidos.(37)

Naquela mesma sessão, na discussão com os senadores, Silva Ferraz, para justificar as deficiências da fiscalização por parte de seu Ministério, toma como referência as administrações inglesa e francesa, e seu desempenho na recente Guerra da Criméia.(38) O ministro critica a administração inglesa que, por falta de competência, “fez uma figura muito somenos”. Ao contrário, “a administração francesa sempre foi superior à inglesa, pela experiência e pessoal que reunia”.(39)
Entre nós, ao contrário, havia falta de pessoal inteiramente experiente e por isso lançava-se mão de qualquer oficial que parecesse mais ou menos inteligente, mas que não tinha experiência.
O ministro também se refere ao Quartel-Mestre-General, que seria no Brasil o correspondente à Intendência na administração francesa:

Senhores, o que na França se diz intendência, que tem no estado-maior geral de um corpo de Exército, seu chefe principal e diferentes subchefes de 1a e 2a classe, e ajudante, e em cada uma divisão um ou dois delegados, além de um pessoal numeroso, corresponde entre nós ao que se chama repartição do Quartel-Mestre-General. No nosso Exército existe também isto, tem agentes e tem delegados; na França tem um superior em cada divisão, em cada lugar; tem também um ajudante ou 2o ou subintendente etc. A França neste ponto prima porque tem a lição da experiência de longos anos e por consequência tem pessoal idôneo; é a este pessoal idôneo que se deve toda a perfeição do serviço respectivo, e também a seus regulamentos, que não se improvisarão, são obra de grande estudo.(40)

Faltava ao Brasil, porém, segundo o ministro, o que a França tinha suficientemente: pessoal idôneo, isto é, com experiência administrativa. Defensor do liberalismo, condenava a intervenção estatal: “A administração do estado é sempre a pior”.(41)
O trabalho dos funcionários da Repartição Fiscal, presente na expedição ao Mato Grosso, também recebeu duras críticas dos parlamentares.
Especialmente interessantes foram as que formulou o deputado Olegário Herculano de Aquino e Castro, da província de São Paulo. Disse ele que as instruções previam o fornecimento por arrematação ou administração, mas elas logo viraram letra morta, “e [...] o arbítrio, o abuso e o pouco zelo vinham substituir as regras preestabelecidas pelo avisado ministro”.(42)
O deputado estava se referindo ao contrato para fornecimento de víveres para as forças que partiram de Minas com destino ao Mato Grosso, assinado, em 11 de abril de 1865, por Antônio Alcântara Fonseca Guimarães. Os problemas começaram quando o fornecedor, contando que a expedição seguisse por Santana do Paranaíba,(43) como era normal, contratou para esse ponto numerosos camaradas, carreiros e empregados de que necessitava, e fez os demais preparativos. Mas foi tudo em vão. A expedição seguiu por outro rumo, sem que ele tivesse sido informado a tempo de remover os depósitos que havia feito no caminho desprezado. Teve com isso muitas perdas.
Não obstante, o fornecedor cumpriu suas obrigações durante todo o trajeto, e ao chegar ao Coxim cedeu à Repartição Fiscal uma grande quantidade que ainda lhe restava.
 “A Repartição Fiscal”, segundo o deputado,

praticou clamorosas injustiças e incalculáveis prejuízos ao fornecedor. As exigências descabidas e as dificuldades que colocou durante todo o trajeto. Esses abusos foram detalhadamente expostos ao ministro em fevereiro. O fornecedor tinha em seu poder
todos os recibos dos fornecimentos. Um dia, foram esses recibos pedidos em confiança, e em nome da Repartição Fiscal, por oficial empregado da mesma Repartição Fiscal, para conferência. Nome do funcionário: alferes Zeferino José de Oliveira.

Porém, os documentos entregues nunca mais voltaram ao fornecedor:

Foram substituídos por um papel em que se declarava que o contratante ficava quite para com a Fazenda pública. O contratante ficava lesado, sem mais formalidades. Este, é claro, recorreu ao governo e espera justiça. Além de lesado, o contratante ainda foi preso, sob o pretexto de questões de fornecimento havidas com a Repartição Fiscal. Não se compreende como o chefe da Repartição Fiscal, sem atribuição alguma militar ou judiciária, pôde arrogar-se o direito de fazer recolher à prisão um indivíduo que não lhe era subordinado, e ainda por cima paisano.

No mesmo discurso, o deputado informava ainda que a Repartição Fiscal, ou algum de seus funcionários,

fez passar e guardou por mais de uma vez recibos assinados em branco pelos fornecedores ou vendedores de gêneros, e concedidos, segundo informam os depoimentos, nos seguintes termos: ‘Recebi a quantia supra, proveniente dos gêneros acima mencionados, que vendi para as forças expedicionárias. Baús etc. Joaquim Lemos da Silva, capitão’. Porém, no alto do recibo não se declarava quantia alguma, nem a relação de gêneros se achava feita ao tempo de ser assinado o recibo. Uma testemunha, João Teodoro de Oliveira, depõe que, estando sempre junto com a Repartição Fiscal, na qualidade de arreeiro da tropa reúna, por vezes, e a mando de um dos oficiais, cujo nome declina, passou recibos em nome de pessoas que lhe eram inteiramente desconhecidas, e que não se achavam presentes.(44)

O deputado Olegário Herculano denunciava, ainda, outro abuso cometido pelos funcionários da Repartição Fiscal. Tratava-se das tabelas de preços, desvantajosa para os vendedores. Estes, em consequência, afastavam-se dos acampamentos, o que provocava a escassez de víveres. Menciona o caso do coletor da vila de Santana, a quem se pediu que fizesse compras para as tropas e depois negaram-lhe o direito de receber o dinheiro que gastara sob o argumento de que ele não se achava competentemente autorizado para o exercício dessas funções. Diante dessas denúncias, o ministro presente à sessão da Câmara dos Deputados fez o que era óbvio naquelas circunstâncias: declarou que o governo tomaria as providências.

1) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1865, p. 15.
2) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 16 de maio de 1866, p. 56 e s.
3) Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados, sessão de 15 de maio de 1866, p. 104 e s.
4) Ângelo Muniz da Silva Ferraz nasceu na Bahia, em 1812, e faleceu em Petrópolis, no dia 18 de janeiro de 1867. Formado em Direito, pela Faculdade de Olinda, em 1834, exerceu cargos de promotor, juiz, deputado provincial e geral e senador. Foi inspetor da Alfândega do Rio de Janeiro e presidiu a província do Rio Grande do Sul, em 1857. Foi conselheiro de Estado e presidiu o Conselho de Ministros. (1859), cargo que acumulou com o de ministro da Fazenda, quando promulgou as tarifas que levaram seu nome (1860). Foi também ministro da Guerra, de maio de 1865 a outubro de 1866. Seu afastamento foi motivado pela necessidade de nomear o marquês de Caxias para o comando dos exércitos brasileiros no Prata, e eles eram irreconciliáveis inimigos políticos. Por seus serviços foi nobilitado, recebendo o título de barão de Uruguaiana.
5) Idem, sessão de 17 de maio de 1866, p. 146 e s.
6) Os avisos numerados de um a cinco foram citados por Ângelo Muniz da Silva Ferraz, em discurso na Câmara dos Deputados, em 14 de julho de 1866, rebatendo críticas dos parlamentares. Annais do Parlamento do Brasil, Câmara dos Deputados, p. 146 e s.
7) Ver tabela de conversão de medidas antigas para o sistema decimal entre os anexos no final do livro.
8) Annais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados, sessão de 17 de maio de 1866, p. 146 e s.
9) Comparando os preços, o ministro informava que o preço de uma camisa produzida pelo Arsenal “era de 1$500 a 1$800 e tantos réis”, enquanto as camisas encomendadas, com a dedução dos direitos da alfândega, custaram 946 réis. Preços dos capotes: da Inglaterra, 8$503; da França, 9$524; e fabricado no arsenal do exército: 16$220.
10) Annais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados, sessão de 17 de junho de 1866, p. 146 e s.
11) CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai, 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980, p. 75.
12) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 14 de junho de 1865, p. 80.
13) Annais do Parlamento do Brasil. Câmara dos Deputados, sessão de 17 de maio de 1866, p. 146 e s.
14) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1867, p. 47.
15) Annais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados, 19 de agosto de 1867, p. 171 e s.
16) João Lustosa da Cunha Paranaguá (visconde e marquês de Paranaguá) nasceu no Piauí, em 1821, e morreu no Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1912. Foi deputado, senador e várias vezes ministro do Império.
17) Annais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados, sessão de 20 de maio 1868, p. 68 e s. O ministro também reclamava do fato de que informações sigilosas chegavam ao conhecimento dos fornecedores e iam parar na imprensa. De fato, documentação existente no Arquivo Nacional confirma a reclamação do ministro. Conforme essa documentação, a Repartição Fiscal do Ministério da Guerra preparava um relatório em que fazia os cálculos do custo das mercadorias na Corte e remetia para a Legação do Brasil em Londres para que esta tivesse valores comparativos nas suas compras. Essa atitude do Ministério da Guerra gerava protestos dos comerciantes da Corte, que, sentindo-se prejudicados, publicavam artigos nos jornais procurando mostrar falhas nas contas do Ministério. Arquivo Nacional, sistema GIFI, 5B 241 Diretoria Fiscal.
18) Annais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados, sessão de 20 de maio de 1868, p. 71.
19) O decreto de 23 de junho de 1868 dizia o seguinte: “Manda sua Majestade o Imperador que a comissão de compras da repartição da guerra observe o seguinte regulamento: A Comissão de Compras da repartição da guerra se comporá dos três chefes das repartições anexas à Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, do ajudante-general, do quartel-mestre-general e do diretor da Repartição Fiscal. Incumbe à Comissão de Compras efetuar, por anúncios de convocação de concorrentes e recebimento de propostas em sessão pública, os contratos de fornecimento da guerra, e especialmente os que se referirem à aquisição do fardamento, equipamento, correame, arreiamento e mais artigos de suprimento ao exército, cujo fornecimento corre pelo Arsenal de Guerra da Corte e tenha sido ordenado ou autorizado pelo ministro da Guerra”. E continuava fixando as regras para a convocação dos concorrentes, as habilitações exigidas dos concorrentes, das propostas, das amostras e modelos etc. Indicador da legislação militar em vigor no Exército do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1871, v. III, p. 491. É curioso que essa repartição tenha sido criada em junho de 1868, pois encontramos referências a ela nos Relatórios de 1866 e 1867.
20) Um crítico do governo, o deputado Tavares Bastos, censurava a maneira pela qual se faziam os contratos. “Geralmente, os bons comerciantes evitam contratar com o governo, que, assim, se vê restrito a aceitar as propostas de pessoas pouco idôneas. A que se deve imputar isso? Por um lado, sem dúvida, à circunstância de não haver todo o escrúpulo nas preferências depois da concorrência; por outro, sobretudo, às delongas nos pagamentos estipulados. O pagamento é um verdadeiro suplício para o contratante. Desde o processo de entrado do objeto na estação respectiva até o recebimento do dinheiro no tesouro, há tantas evoluções, tanta formalidade, tanta demora, que o negociante sofre, queixa-se e arrepende-se do seu contrato, que protesta ser o último”. TAVARES BASTOS, A. C. Cartas do solitário. São Paulo: Ed. Nacional, 1938, p. 35.
21) “As oficinas trabalharam ainda com atividade, e nelas se prepararam 42 peças raiadas do sistema La-Hitte, sendo 12 de calibre 12, 24 de montanha, calibre 4, e 6 peças de sítio, de calibre 12. Fundiram-se 4 morteiros de bronze de 15 centímetros e alguns projéteis de artilharia, em geral, somente para peças de campanha e de montanha. Entre estes projéteis figuram as granadas a Whytworth, calibre 2, cujas peças apresentaram excelentes resultados por sua extrema mobilidade”. Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1870, p. 31.
22) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1870, p. 30.
23) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1866, apêndice.
24) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 6 de julho de 1866, p. 76 e s.
25) O barão de Cotegipe (João Maurício de Wanderley) nasceu na Bahia, em 1815, e faleceu no Rio de Janeiro, em 13 de fevereiro de 1889. Formou-se em Direito pela Faculdade de Olinda. Exerceu muitos cargos: juiz, chefe de polícia, presidente da província da Bahia, deputado, senador e foi oito vezes ministro de Estado, além de membro do Conselho de Sua Majestade.
26) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 14 de junho de 1867, p. 62 e s.
27) Essas ordens eram tudo o que Mauá queria. Em carta de 22 de janeiro de 1865, ele escrevia ao seu gerente da cidade de Rio Grande: “Convém usar de toda a sua influência com os chefes do Exército Imperial na República vizinha para que paguem a tropa em bilhetes do Banco Mauá de Montevidéu que naquela campanha corre como ouro em toda parte”. Col. Mauá, lata 513, doc. 8, IHGB/RJ.
28) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 14 de junho de 1867. p. 58 e s.
29) Segundo o ministro da Guerra, Ângelo Muniz Silva Ferraz, “Repartições Fiscais e Pagadorias Militares foram provisoriamente criadas em 4 de outubro de 1864, 5 de  janeiro, 28 de março, 3 e 19 de abril, 3 de maio e 8 de julho de 1865; e ultimamente, por determinação de 9 do corrente (abril de 1866) atento ao movimento das despesas que se faziam em Montevidéu, criou-se ali uma Repartição Fiscal”. Relatório do Ministério da Guerra, 1866, p. 42.
30) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1866, p. 63-4.
31) BURTON, Richard. Cartas dos campos de batalha do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1997, p. 332.
32) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1869, p. 24.
33) OURO PRETO, visconde de [Affonso Celso de Assis Figueiredo], op. cit., p. 77 e s.
34) Visconde de Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos) foi um dos mais destacados políticos do Segundo Reinado. Figura de proa do Partido Conservador, foi senador e, por diversas vezes, ministro de Estado. Presidiu o gabinete entre 1871 e 1875: foi o mandato o mais longo do reinado de d. Pedro II. Em 1866, o conservador Paranhos estava na oposição ao governo, dirigido naquele momento por Zacarias de Góis e Vasconcelos, do Partido Liberal.
35) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 3 de julho de 1866, p. 14 e s.
36) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 24 de julho de 1866, p. 178. (Nota: o responsável pela Legação de Londres era José Marques Lisboa (barão de Penedo).
37) Idem, sessão de 25 de julho de 1866, p. 183.
38) A Guerra da Criméia (1853-56) foi travada entre a Rússia e uma coalizão formada pela Inglaterra, França, Sardenha (Itália), Áustria e Turquia. O objetivo destas potências era impedir o expansionismo russo nos Bálcãs e no Mar Negro.
39) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 24 de julho de 1866, p. 184.
40) Idem, sessão de 24 de julho de 1866, p. 184.
41) Idem, sessão de 25 de julho de 1866, p. 184-5.
42) Annais do Parlamento. Câmara dos Deputados, sessão de 17 de setembro de 1867, p. 158 e s.
43) Vila fundada em 1838, nas margens do Rio Paranaíba, no atual estado do Mato Grosso do Sul. Durante a Guerra do Paraguai, em virtude de sua localização, serviu de ponto de apoio na ligação entre o litoral e as tropas que partiram para o Mato Grosso. Hoje se chama Paranaíba.
44) Idem, p. 162.





Capítulo V

O FORNECIMENTO FEITO PELAS FÁBRICAS DO
EXÉRCITO E DA MARINHA

Sabemos que a guerra contra Francisco Solano López obrigou o Brasil a mobilizar uma grande quantidade de homens e a providenciar armamentos, munições, fardamentos, remédios e muitos outros gêneros. Sabemos também que, dada a quase inexistência de uma indústria manufatureira de propriedade particular no Brasil, os pedidos, em sua maioria, ou foram endereçados ao exterior ou foram atendidos pelos estabelecimentos do Estado, mantidos pelo Exército e pela Marinha.
Neste capítulo, veremos quais eram os estabelecimentos industriais mantidos pelos ministérios militares e como eles tiveram de crescer para cumprir seu papel. Utilizei como fonte principal de consulta os relatórios que os ministérios militares apresentavam anualmente à Assembleia Geral.

1. ARSENAL DE GUERRA
As mais importantes unidades de produção mantidas pelo Exército eram os arsenais, estabelecimentos regidos por uma lei de 1832. Além do Arsenal da Corte, o mais importante de todos, o Exército mantinha outros arsenais nas províncias de Pernambuco, Bahia, Pará e Mato Grosso, e também no Rio Grande do Sul, que, no decorrer da guerra, tornou-se o segundo em importância.
O Arsenal da Corte começou a existir ainda no século XVIII. Em 1762, o conde de Bobadela (Gomes Freire de Andrade) ordenou a construção, no Rio de Janeiro, de um prédio que servisse de depósito do “trem de artilharia”, ou seja, do material bélico usado na defesa da cidade. Assim nasceu a Casa do Trem, ao lado da qual, pouco depois, foi erguido o prédio para abrigar o Arsenal de Guerra.
Tinha a função de fornecer para o Exército armamento, todas as munições de guerra, fardamentos e equipamentos ali fabricados ou vindos do exterior. Era, portanto, fábrica e depósito. Desde o começo da década de 1860, os ministros da Guerra reiteravam em seus relatórios reclamações quanto à localização do Arsenal de Guerra, e quanto à necessidade transferi-lo para local mais amplo e mais seguro. Desde 1856, havia uma lei autorizando o governo a proceder à reforma do Arsenal, tanto das instalações quanto do regimento. Ano após ano, os ministros iriam reclamar essa reforma que, todavia, não se fazia e o motivo alegado era sempre a falta de dinheiro.
Anexos ao Arsenal funcionavam, desde 1852, conselhos administrativos de compras, cuja função inicial era a compra das matérias-primas para os fardamentos do Exército, mas que de fato procediam às compras de quaisquer objetos para consumo dos arsenais. Esses conselhos, porém, não funcionavam bem, e eram constantes as reclamações quanto às perdas, desvios e outros problemas.
No relatório de 1858, o ministro narra um caso exemplar desse tipo de problema.

Ainda há pouco acabo de mandar investigar, na província de Pernambuco, quem são os responsáveis pela compra de uma considerável porção de sapatos de qualidade a mais ordinária; pois tendo sido feitos os ajustes à vista de uma amostra sofrível, fez-se a entrada de um calçado inservível e péssimo, que com ela não conferia; abuso que somente, passados tempos, foi conhecido quando se fez a distribuição a praças de outras províncias.(1)

O Arsenal de Guerra da Corte era um estabelecimento grande. Compunha-se de várias oficinas e empregava, no começo de 1861, 505 operários, inclusive escravos. Em 1865, quase dez anos depois da autorização, as reformas no Arsenal ainda não haviam sido feitas. Mas com as novas e muito maiores necessidades criadas pela guerra contra o Paraguai, tornou-se indispensável rever completamente os planos iniciais.
O início do conflito provocou um aumento repentino nas encomendas, e foi necessário aumentar a capacidade de produção do Arsenal. Isso levou, em 1866, a encomendas de mais máquinas e equipamentos e à reforma de suas instalações. Velhos edifícios foram demolidos para dar lugar a novas construções. Os relatórios do Ministério da Guerra de 1867 e de 1868 descrevem detalhadamente as obras feitas. Este último lembra que, embora ainda faltasse chegar algumas poucas máquinas das que haviam sido encomendadas à Europa em 1866, o Arsenal estava capacitado a fabricar peças de artilharia de qualquer calibre.
Ainda em 1868, o ministro revelava uma preocupação com as despesas que os arsenais provinciais representavam. Sugere a supressão dos arsenais da Bahia e de Pernambuco e propõe que se mantenham limitadas as instalações dos arsenais do Pará, Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. Aliás, este último vinha tendo suas instalações ampliadas e já contava com várias oficinas em funcionamento.
No ano seguinte, o então ministro da Guerra, barão de Muritiba, informava que o Arsenal vinha tirando um grande proveito da oficina de fundição, instalada no princípio de 1868, sobretudo depois que ela começou a fundir diariamente. Com isso, tornara-se desnecessário contratar a fundição de projéteis de artilharia com oficinas particulares, a que sempre se recorria anteriormente. Esta oficina, antes do início da guerra, nunca havia merecido a devida atenção. Mas após a chegada das últimas máquinas que o governo encomendara, à Europa, em 1866, ela já era a primeira oficina do Arsenal, e com mais alguns investimentos rivalizaria com a do Arsenal da Marinha.
Para o ministro, fazer a fundição no próprio Arsenal apresentava duas vantagens: mais rapidez, já que era possível aumentar a carga horária de trabalho, e maior perfeição dos artefatos, em virtude da maior habilidade no uso da tecnologia militar que só podia ser encontrada nos trabalhadores dos arsenais do Estado. Como exemplo dessa capacidade do Arsenal, o ministro informava que os últimos canhões de bronze remetidos para o teatro da guerra haviam sido fundidos nesse estabelecimento.
Entretanto, apesar de todos esses investimentos, o Arsenal ainda se ressentia de alguns problemas.
O primeiro era o velho problema da falta de espaço, causa de muitas dificuldades, inclusive para a boa fiscalização dos contratos. Dada a forma como os objetos adquiridos entravam no Arsenal, eles não podiam ser logo verificados, durando a conferência por vezes muitos dias. Por causa disso, “é possível darem-se abusos, que a melhor fiscalização muitas vezes não pode evitar”, como escreveu o ministro em seu relatório de 1870.
Soa irônica a constatação, feita nesta última data, de que o Arsenal, que sempre precisara de mais espaço para produzir para a guerra, necessitasse, agora, de um espaço ainda maior para guardar o material que começava a voltar da guerra!
O segundo problema era a falta de um regulamento atualizado com as novas necessidades. O que estava em vigor datava de 1832, ligeiramente modificado por decretos posteriores. A esta circunstância se podia atribuir o desânimo nos servidores do Estado e também a falta de concorrência de indivíduos habilitados para tais empregos. O ministro considerava por isso necessário uniformizarem-se as tabelas de vencimentos, além de fazer desaparecer a desproporção entre os vencimentos das diferentes classes de operários.
A solução desses problemas, porém, somente iria ocorrer tempos depois de terminada a guerra.

1.1 Laboratório Pirotécnico do Campinho
Era uma dependência do Arsenal de Guerra da Corte, que produzia munições e artifícios de guerra. Existia em caráter experimental desde 1852, mas sua criação oficial datava de 1860.(2)
No começo da década de 1860, o então ministro Caxias (Luís Alves de Lima e Silva) insistia em seus relatórios na conveniência de que esse estabelecimento passasse a ser uma dependência da Fábrica de Pólvora, pois era desta que recebia sua principal matéria-prima, mas isso não aconteceu.
Em 1865, com o início da guerra contra o Paraguai, os trabalhos do laboratório cresceram. Produzia cartuchame e cápsulas fulminantes, inclusive para a Marinha. Suas instalações foram ampliadas com a compra de novas máquinas.
Em 1868, as obras de ampliação continuavam e o laboratório havia recebido, entre outras melhorias, um ramal ferroviário e uma estação telegráfica. Nele trabalhavam diariamente de quatrocentos a quinhentos empregados, fazendo munição para o armamento portátil e outros artifícios de guerra. Fabricava inclusive o cartuchame para as novas armas da marca Spencer e Roberts, recentemente compradas nos Estados Unidos. E o ministro manifestava esperança de que viesse a fabricar os artifícios de guerra que ainda tinham de ser comprados no exterior.
Com o fim da guerra, esse laboratório teve reduzido seu pessoal técnico e, em 1872, com a reforma, separou-se do Arsenal.

1.2 Fábrica de Armas da Conceição
Era outra dependência do Arsenal de Guerra da Corte. No relatório de 1867, o ministro diz que essa repartição, apesar do nome, nada fabricava, pois não estava aparelhada para isso; apenas dedicava-se aos trabalhos de conserto e reparação do material portátil.
Porém, o ministro expressava a intenção de aperfeiçoar as instalações para que o estabelecimento pudesse produzir certas peças de armamentos mais sujeitas a extravios, cuja falta muitas vezes inutilizava uma arma em bom estado, tais como baionetas ou pistões de ouvidos. Com essa finalidade, algumas máquinas já estavam funcionando e outras haviam sido encomendadas.(3)
Esses investimentos chegaram efetivamente a ser feitos, pois o relatório de 1869 já dizia que a fábrica estava preparada para efetuar o conserto de toda e qualquer espécie de armamento portátil, em uso no Exército. O conserto de uma arma custava, em média, de seis a sete mil réis, o equivalente a um terço de seu valor primitivo.
Em 1869, consertavam-se duas mil armas por mês, além de outros trabalhos, destacando-se a produção de armas brancas. No ano seguinte, a produção aumentou: consertaram-se 16 mil armas, a um custo médio de sete mil réis. E também foram preparadas armas brancas, incluindo 3,5 mil lanças para o Exército. Mesmo com o final da guerra, continuaram a ocorrer melhorias em obras e equipamentos.

2. FÁBRICA DE PÓLVORA DA ESTRELA
Essa era outra das fábricas importantes pertencentes ao Exército. Originava-se da antiga oficina instalada junto à Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, pelo príncipe dom João, por um decreto de 13 de maio de 1808. Em 1832, ela foi transferida para a raiz da Serra da Estrela. Na década de 1860, nos relatórios anuais, os ministros mostravam-se satisfeitos com essa fábrica, pois ela produzia a pólvora de que o país precisava, fornecendo-a para o Laboratório Pirotécnico do Campinho e vendendo o excedente para o mercado. No começo da década de 1860, sua produção anual era de 4,5 mil arrobas (67,5 mil quilos). Uma arroba valia então 25,9 mil réis.
Mas ao iniciar-se a guerra com o Paraguai, a produção teve que aumentar muito.(4) Todavia, apesar dos investimentos feitos, restavam problemas que impediam a fábrica de atingir seu melhor desempenho, e o então ministro da Guerra, visconde de Paranaguá, informava, em 1867, a nomeação de uma comissão para estudar esses problemas. O ministro esperava o resultado desse estudo para tomar providências. Também fazia referência a “oficinas particulares”, a que a fábrica de pólvora podia recorrer para adquirir peças e aparelhos em falta.
A necessidade de mão-de-obra fez que, a partir de janeiro de 1866, o Governo mandasse transferir para a fábrica de pólvora todos os escravos da nação que ainda restavam no Arsenal.(5)
Em 1867, a produção de pólvora chegava a 13.555 arrobas. Atribuindo um custo de 11$357 à arroba (preço inferior ao informado no relatório do ano anterior), o ministro concluía que a oficina dava lucro. Essa foi a maior quantidade produzida pela oficina da Estrela, pois no ano seguinte a produção baixou para 13.101 arrobas. A diminuição se deveu a problemas no maquinismo que por vezes paralisou a produção. Em 1869, ela foi ainda mais limitada, reduzindo-se a pouco mais da metade dos dois anos anteriores.

Produção de Pólvora (1864 – 69)
Ano
1º. semestre
2º. semestre
Total (em arrobas)
1864
3.098,0
3.629,0
  6.727,0
1865
3.316,0
4.484,0
  7.800,0
1866
5.222,0
6.213,0
11.435,0
1867
6.763,5
6.791,5
13.555,0
1868
6.225,5
6.879,0
13.101,5
1869
5.385,0
2.764,0
  8.149,0

Cálculo do Custo de Uma Arroba de Pólvora de Guerra Fabricada em 1869
Salitre com quebra de 5,5% 25,5 libra a 192 com o frete
 4$896 réis
Enxofre 4 libras a 113 com o frete (120 por arroba)
   $452 réis
Mão-de-obra e carvão                                                                  
  3$607 réis
Despesas de administração e custeio das oficinas
  5$410 réis
Custo de uma arroba de pólvora
14$365 réis
Recinto da 10a Divisão, 10 de janeiro de 1870. Philadelpho A. Ferreira Lima, encarregado do fabrico. Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1870.




No relatório de 1870, o ministro informou que a pólvora produzida ultimamente havia subido, como se pode ver pelos dados abaixo:

Custo Médio da Arroba da Pólvora
1º semestre/1868
11$998
2º semestre/1868
12$176
3º semestre/1869
14$365

O aumento ocorria por causa do elevado custo do salitre e do aumento da mão-de-obra.
Com o fim da guerra, não havia mais consumo para tanta pólvora, e foi preciso reduzir a produção, como foi mostrado no quadro acima. Nos anos seguintes, a fábrica iria reduzir mais ainda sua produção, a qual passaria a ser de duzentas arrobas mensais, e posteriormente ainda seria reduzida para apenas cinquenta arrobas.

3. FÁBRICA DE FERRO SÃO JOÃO DE IPANEMA (6)
Essa fábrica também vinha do tempo do príncipe dom João, que a mandara instalar, em 1810, e, salvo por um breve período, estivera sempre sob o controle do Ministério da Guerra. Sua existência foi marcada pela má administração e pelo prejuízo. Nos anos 1850, ela entrou em decadência e no final dessa década acabou sendo desativada. O relatório ministerial explica a decadência de Ipanema nos seguintes termos:

Os principais consumidores da fábrica eram os fazendeiros da província de São Paulo, e de parte da de Minas, que a ela concorriam para o fabrico de peças do maquinismo de ferro de seus engenhos, [mas] desde que estes foram montados, e também desde que os fazendeiros reconheceram que lhes era de maior interesse a cultura do café, abandonando a cana, deixara de fazer novas encomendas, e por conseguinte faltou à fábrica este não pequeno recurso, e daí também proveio o decrescimento na sua receita.(7)

Seus equipamentos e pessoal, incluindo a quase totalidade dos escravos, foram levados para a província de Mato Grosso, onde se pretendia construir uma fábrica de ferro e também uma de pólvora.
Para sua construção, o governo contratou, em 1859, o engenheiro Rodolpho Wachweldt (que havia sido, antes, diretor do Laboratório Pirotécnico do Campinho). Mas essa obra, apesar dos recursos que consumiu, nunca chegou a ser concluída, provocando um grande prejuízo para os cofres públicos.
No início de 1863, porém, uma mudança radical aconteceu nos planos do governo, e este começou a admitir a possibilidade de reativar a fábrica de Ipanema. Para isso, foi enviada para aquele local uma comissão de estudo, cujo relatório era otimista quanto à viabilidade daquela fábrica, por causa da existência de quase tudo o que era necessário para que ela viesse a funcionar: lenha, água, cal e minério.
Não era por outra razão que o ministro da Guerra desse ano, general Polidoro Fonseca Quintanilha Jordão, em seu relatório, mostrava-se indignado com o estado de abandono e deterioração em que se achavam as instalações e os equipamentos daquela oficina. Restavam poucos dos 162 escravos que a fábrica tivera em 1859.
Por sua vez, no relatório de 1865, o ministro da Guerra, visconde de Camamu (José Egídio), fazia duras críticas ao projeto de construção de fábricas de ferro e de pólvora na província de Mato Grosso, pois, apesar dos gastos já realizados, até aquele momento, nada ainda se fizera. E decidiu restaurar a fábrica de Ipanema, nomeando para os trabalhos o coronel Joaquim de Souza Mursa.
A primeira tarefa do novo administrador seria promover a demarcação do terreno pertencente à fábrica, o qual em parte havia sido ocupado por proprietários vizinhos. A fim de resolver o problema da mão-de-obra, mandaram-se ordens para a Europa para engajar operários que pudessem servir de mestres em Ipanema.
Outra tarefa do coronel Mursa era resolver o problema do combustível, que teria de ser carvão vegetal. Para isso, o ministro Paranaguá sugeria, em 1867, fazer o plantio de árvores apropriadas, a conservação das matas existentes, a compra de madeira dos vizinhos e a construção de fornos de fazer carvão. O ministro manifestava a convicção de que as despesas necessárias para deixar a fábrica em condições de funcionamento seriam recompensadas pelos benefícios que ela traria ao governo e à indústria nacional.
Mas esse era um objetivo difícil de alcançar, pois, conforme lemos no relatório de 1871, a fábrica de Ipanema continuava sendo um peso para os cofres públicos. Apesar de tudo o que já fora gasto, ainda lhe faltavam, para funcionar, três elementos fundamentais: lenha, mão-de-obra e equipamentos. As matas eram necessárias para garantir o fornecimento de carvão vegetal; aquelas que pertenciam à fábrica eram de pequena extensão. Era preciso, portanto, comprar mais terras, com o agravante de que os preços das terras estavam se elevando. Esse problema seria resolvido no ano seguinte.
Em 1870, houve uma proposta assinada por Francisco Taques Alvim e pelo engenheiro André Rebouças, pretendendo arrendar a fábrica por cinquenta anos.(8) Mas o governo não se interessou pela proposta, preferindo conservar a fábrica sob administração do Ministério da Guerra, animado pela perspectiva da estrada de ferro que, em breve, ligaria Ipanema a Santos e à Corte.
O problema de mão-de-obra era extremamente grave. Os salários oferecidos eram baixos e não atraiam trabalhadores. O ministro lamentava, em 1872, que nem os escravos libertos, oriundos de outros estabelecimentos do Estado, queriam ir para Ipanema. Operários contratados, por sua vez, deixavam a fábrica tão logo terminavam seus contratos, e às vezes antes mesmo de os terminar.
O Ministério chegou a aventar a possibilidade de lançar mão de praças do Exército, mas ele mesmo via inconvenientes nessa ideia. A solução, mais uma vez, seria recorrer aos trabalhadores europeus. Com esse objetivo, o próprio diretor, Joaquim de Souza Mursa, pouco depois, viajaria para Europa, tendo visitado Bélgica, Suécia, Saxônia, Prússia e Áustria. Pretendia comprar novas máquinas e também engajar operários. De fato, ao retornar, trouxe 13 operários, que vieram acompanhados de suas famílias.(9)

4. UNIDADES DE PRODUÇÃO DA MARINHA: ARSENAL DO RIO DE JANEIRO

Quando o conflito começou, o Brasil contava com 45 navios de guerra; ao terminar, esse número havia subido para 94, sem contar os que se perderam. Por aí se pode avaliar a grande quantidade de navios que a Marinha teve de comprar, dentro e fora do país, ou de produzir em seus arsenais.
Assim como o Exército, a Marinha também possuía seus arsenais. O mais importante deles era o Arsenal do Rio de Janeiro, que havia sido fundado em 1763, ano em que o Rio de Janeiro se tornara capital do Brasil.
O Arsenal da Marinha da Corte era ainda maior que o Arsenal de Guerra, e era o principal estaleiro existente no Brasil. O que é compreensível se considerarmos que a força naval havia sido sempre mais importante que as forças de terra, em virtude da natureza dos conflitos militares que o país tivera de enfrentar. Lembremo-nos das guerras de Independência e da Guerra da Cisplatina.
Além do Rio de Janeiro, a Marinha possuía arsenais nas províncias de Pernambuco, Bahia, Pará e Mato Grosso. Mas estes, que nunca tiveram grande capacidade, estavam em decadência, e, como iremos ver, assim iriam continuar ao longo do período que estamos estudando. Os parcos investimentos, numa época em que se operavam importantes inovações na construção naval – a construção de navios de ferro, por exemplo –, condenavam-nos a uma irremediável desatualização tecnológica.
Em virtude da escassez de recursos, o Ministério da Marinha havia decidido, desde 1864, concentrar os investimentos no Arsenal da Corte. E mesmo assim este tropeçava em muitos problemas. Um deles, que também afetava o Arsenal de Guerra, era o da localização. Desde o início da década de 1860, nos relatórios ministeriais, encontramos com frequência reclamações quanto à má localização do Arsenal, porquanto ficava exposto a ataques, e quanto à insuficiência de terrenos, já que era preciso construir novos edifícios.
Os ministros da Marinha, algumas vezes, colocavam em dúvida a conveniência de manter os arsenais. No relatório de 1864, o ministro manifestava a opinião de que se devia mantê-los, como fábricas do governo, porque a iniciativa privada não estava em condições de oferecer os recursos necessários. Mas reafirmava a intenção de reduzir os arsenais das províncias, concentrando os recursos no Arsenal do Rio, opção que seria criticada por outros ministros posteriormente.(10)
Máquinas e equipamentos vieram do estrangeiro para aparelhar o Arsenal, o que permitiu ao novo ministro da Marinha, Affonso Celso de Assis Figueiredo (futuro visconde de Ouro Preto), escrever, em 1868, com algum exagero: “Mais vasta área, poucas máquinas mais, e uma posição mais estratégica fariam deste estabelecimento um digno rival dos melhores da Europa, aos quais excede já na segurança e perfeição de alguns produtos”.(11)
Mas as necessidades criadas pela guerra eram grandes e urgentes, e por isso o Arsenal da Marinha não conseguia dar conta sozinho de todas as tarefas. Era preciso recorrer a indústrias particulares nacionais. Por exemplo, a construção das embarcações Amazonas, Araguary e Marcílio Dias, segundo Ouro Preto, foi realizada em oficinas particulares, sob a direção e inspeção dos diretores das oficinas do Arsenal. Por sua vez, Juvenal Greenhalgh, autor de uma importante história do Arsenal da Marinha, enumera os estaleiros particulares de que este se utilizou na produção para a guerra:

·      o da Ponta da Areia, que forneceu duas canhoneiras;
·      o de José Ferreira Campos, que forneceu o vapor Chuí, armado em canhoneira;
·         o estaleiro Laurent & Dominique Level Co., que executou reparos em alguns navios e em 1868 recebeu a encomenda de uma baleeira.

Contudo, segundo esse autor, “a não ser o estaleiro da Ponta da Areia, nenhuma firma prestou mais serviços à Marinha do que a de John Maylor & Co.”, com quem o Governo fez um “interminável número de transações”.(12)
Em 1869, o governo havia mudado, e o ministro da Marinha era o barão de Cotegipe (João Maurício de Wanderley). Era opinião do novo ministro que, agora que os navios de guerra eram encouraçados,(13) a iniciativa particular abandonaria aos estabelecimentos do Estado a tarefa de construir os navios desta classe.
Segundo ainda esse ministro, o Brasil precisava desenvolver a indústria de ferro para não ficar na dependência de países fornecedores.(14) Lembramos, a propósito, que os encouraçados fabricados no Brasil utilizavam ferro importado da Inglaterra, o que colocava o Brasil na dependência daquela nação.(15)
Cotegipe formulava um julgamento extremamente crítico em relação aos arsenais da Marinha. Discordando de Ouro Preto, considerava que nenhum arsenal brasileiro estava completamente aparelhado. Nem mesmo o da Corte. E opinava, criticando decisões de ministros anteriores, que havia sido um erro concentrar os recursos no Arsenal do Rio de Janeiro, relegando os demais a segundo ou terceiro plano. A situação de quase abandono em que se encontravam agora os arsenais poderia fazer que se perdesse a mão-de-obra especializada que neles se formara com dificuldades. E acrescentava que um país com uma costa litorânea tão longa, como o Brasil, precisava de arsenais bem aparelhados em vários pontos dela. Mas a política de Cotegipe, para o Ministério da Marinha, não teria continuidade, pois no ano seguinte já havia mudado o governo.
O novo ministro era agora Manoel Antônio Duarte de Azevedo, com opiniões diferentes daquelas de Cotegipe. Ele volta ao ponto de vista de que se deve concentrar os recursos no Arsenal da Corte, embora não se pudesse abandonar os demais. Segundo ele, o decreto que havia reorganizado os arsenais, datado de 24 de abril de 1860, precisava ser revisto para que fossem resolvidos problemas que afetavam o funcionamento desses estabelecimentos.
Em função das necessidades da guerra, o Arsenal da Corte cresceu muito. Para ter uma ideia da importância desse estabelecimento basta dizer que, em 1873, ele empregava 2.394 operários.
Uma reflexão que vale a pena registrar, tendo em vista o tema deste trabalho, foi manifestada no relatório de 1873:

Não aceito em absoluto a opinião dos que entendem conveniente reduzir o número das oficinas dos arsenais, sem excetuar o da Corte. Semelhante alvitre, quando a indústria particular se acha ainda na infância, não seria acertado e apresentaria mesmo graves embaraços. Bem fracos suprimentos encontramos nas fábricas e estaleiros particulares, tanto que recorremos ao estrangeiro para obter o material de guerra que as oficinas do Estado não podem produzir. Julgo porém que algumas oficinas secundárias podem ser suprimidas recorrendo à indústria particular para se obterem os objetos que elas produzem.(16)

Por que as fábricas e estaleiros particulares nacionais “eram fracos”, como afirmou o ministro? Até onde esse atrofiamento se devia ao decreto de 1866, que abrira a navegação de cabotagem também aos navios estrangeiros?
Uma resposta para essa questão seria dada em 1872 pelo visconde de Rio Branco (presidente do Conselho e ministro da Fazenda). Ele também concordava que os estaleiros particulares tendiam a desaparecer ou pelo menos a ter seu número diminuído, mas essa decadência já era anterior à promulgação desse decreto.

É sem dúvida para lamentar que a indústria de construção naval no Império, e muitas outras, não tomem incremento tal que possam concorrer com os produtos e serviços das indústrias estrangeiras; mas as causas que produzem esse atraso são tantas e de tão provável duração, que fora impor um imenso obstáculo ao nosso progresso, se quiséssemos adotar uma política essencialmente protetora. Basta a carestia dos salários para determinar a desvantagem que se nota, e que por muito tempo torná-la-á irremediável.(17)

Como já foi dito antes, a Marinha possuía arsenais em outros pontos do litoral brasileiro, além do Rio de Janeiro. O arsenal mais importante, fora o da Corte, sempre havia sido o da Bahia. A respeito desse Arsenal, o barão de Cotegipe também manifestara opiniões críticas. Ele censurava, por exemplo, o fato de ter, por espaço de alguns anos, procurado melhorar o estado desse estabelecimento, gastando para isso avultadas quantias, e relegá-lo depois a fazer insignificantes reparos, ao mesmo tempo em que se recorria aos estaleiros da Europa.(18)
Na avaliação de Cotegipe, o Arsenal da Bahia achava-se em ruínas, e precisava receber investimentos para se recuperar e tornar-se útil. O Arsenal do Pernambuco, por sua vez, encontrava-se também em estado de abandono. Para ilustrar seu estado de penúria, basta dizer que ainda estava no estaleiro, incompleta, uma corveta que fora mandada construir sete anos antes, em 1862!
Essa situação de penúria era a mesma de outros dois arsenais, o do Pará e o do Mato Grosso. O primeiro praticamente não existia. Ainda estava por ser construído para que pudesse fazer alguma coisa; e o segundo fora quase inteiramente arruinado pela enchente de 1865, e ainda nada havia sido feito para recuperá-lo.
Um último arsenal foi construído no próprio palco da guerra. No curso das operações militares, muitos navios eram atingidos e precisavam receber reparos. Seria muito complicado, obviamente, trazê-los até o Arsenal do Rio de Janeiro. Para atender a essa necessidade, o governo brasileiro determinou a construção de um importante arsenal na ilha de Cerrito, localizada nas imediações da confluência dos rios Paraná e Paraguai. Mais tarde, acrescentou-se-lhe um laboratório pirotécnico, para a fabricação de munição. Nesse arsenal, além de pessoal para os reparos de navios, havia oficinas de construção, de fundição, de máquinas etc. Foi nele, por exemplo, que se construiu a locomotiva que operou na ferrovia do Chaco.
O motivo da existência dessa ferrovia é o seguinte.
Quando a esquadra, a duras penas, conseguira ultrapassar a fortaleza de Curupaiti, ela ficou estacionada entre essa fortaleza e a de Humaitá. Mas o Exército não conseguiu tomar Curupaiti, de modo que os navios brasileiros ficaram bloqueados e isolados da base. Como fazer para abastecê-los? Informado da situação, o Ministério da Marinha determinou que, por dentro do Chaco, fosse construída uma via, longe dos canhões de Curupaiti, que fizesse a ligação entre os navios e a base.

Sobre essa ferrovia, assim se expressa Ouro Preto:

A superfície plana do Chaco prestava-se a receber uma linha férrea, cuja maior dificuldade consistiria na consolidação do terreno, por meio de estivamentos, o que se alcançaria em maior ou menor prazo, na proporção do material acumulado e dos operários reunidos. Do pensamento passou-se imediatamente à execução e em pouco tempo começou a funcionar o tramway e a serem abastecidos os navios regularmente.(19)

No início, essa ferrovia era operada por meio de tração de animais, posteriormente substituída por uma locomotiva a vapor construída no Arsenal de Cerrito, aproveitando-se para isso de maquinismos retirados de outro navio. Por essa ferrovia – batizada de Afonso Celso, nome do ministro – eram levados o armamento, a munição, os víveres e tudo o mais de que precisavam os navios bloqueados. Graças a esse recurso, os navios brasileiros puderam manter a posição conquistada e, ao mesmo tempo, colocar Curupaiti entre dois fogos e dar início ao bombardeio da inexpugnável fortaleza de Humaitá.
A importância do Arsenal de Cerrito pode ser medida por essa declaração do ministro da Marinha: “Sem ele, não teríamos esquadra no Paraguai”.(20)
A Marinha também mantinha seu laboratório pirotécnico, o qual, desde que havia sido transferido em 1868 para novas instalações, ficara bem instalado. Foi capaz de produzir quase tudo o que a Marinha precisou durante a Guerra do Paraguai.

_______________________________
NOTAS:
1) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1858, p. 36.
2) Até 1861, ainda funcionava um segundo laboratório no Castelo, mas nessa data ele foi desativado, restando apenas o do Campinho.
3) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1867, p. 47.
4) Idem, p. 49.
5) Interessante registrar que, por aviso de 13 de junho de 1865, estabeleceram-se no Arsenal de Guerra “aulas de primeiras letras, aos escravos menores, a fim de que pudessem receber alguma instrução, abonando-se uma pequena gratificação ao empregado que dela quisesse incumbir-se; e aos adultos arbitrou-se uma diária, conforme seus serviços; deduzindo-se dela mensalmente a terça parte para ser depositado na Caixa Econômica, e auxiliar a aquisição de sua liberdade”. Por esse meio, sete escravos já haviam obtido a liberdade. Relatório do Ministério da Guerra, de 1866, p. 60-1.
6) A fábrica de Ipanema está sendo mencionada apenas porque era uma das unidades mantidas pelo exército, pois ela não chegou a fornecer produtos para a Guerra do Paraguai, ao contrário do que se lê em muitas publicações. Sobre isso, ver o apêndice ao Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, de 1871, com o título Notícias sobre a criação da Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, sua posição geográfica, suas riquezas naturais etc., de autoria do diretor da fábrica, Coronel Joaquim de Souza Mursa.
7) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1858, p. 9.
8) Notícias sobre a criação da Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, sua posição geográfica, suas riquezas naturais etc., de autoria do diretor da fábrica, coronel Joaquim de Souza Mursa, anexo ao RMNG, de 1871, p. 24.
9) A fábrica de Ipanema sobreviveu até 1895, quando foi definitivamente fechada, depois de haver dado prejuízos sucessivos ao longo dos quase noventa anos em que funcionou.
10) Relatório do Ministério da Marinha, 1864, p. 8.
11) Idem, 1868, p. 29 e s.
12) Greenhalgh, Juvenal. O Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro na história. Rio de Janeiro: s. ed., 1951, p. 216 e 217. Segundo informações desse autor, o inglês John Maylor viera como maquinista de um navio que o Brasil comprara, em 1849. Depois, trabalhara como engenheiro do Arsenal da Marinha, chegando a ganhar um salário mensal de 300$000. Finalmente estabelecera-se como proprietário da indústria referida no texto. Recebia serviços para sua própria indústria e para estaleiros ingleses, de que era representante.
13) Os navios tinham que ser encouraçados – revestidos de uma couraça de ferro – porque eram utilizados numa guerra que se travava em um rio estreito – Rio Paraguai –, em cujas margens se achavam os canhões das fortalezas paraguaias.
14) Nessa época, o governo brasileiro já havia decidido reativar a Fábrica de Ferro de Ipanema, inclusive com essa mesma preocupação.
15) No Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, de 1871, há um estudo sobre a Fábrica de Ferro de Ipanema, em que o autor, Mariano Carlos de S. Corrêa, escreve o seguinte: “O Arsenal da Marinha tem importantes oficinas de máquinas, e o Arsenal da Guerra procura seguir-lhe o exemplo; porém o que é certo é que nem um, nem outro desses arsenais, nenhuma das oficinas particulares em todo o Império emprega como matéria-prima o mais insignificante pedaço de ferro ou aço fabricado no país” (p. 29).
16) Relatório do Ministério da Marinha, 1873, p. 22.
17) Relatório do Ministério da Fazenda, 1872, p. 78.
18) É interessante registrar uma informação fornecida pelo visconde de Ouro Preto de que duzentos operários do Arsenal da Bahia haviam sido transferidos para o da Corte. Op. cit., p. 47.


SOLDADOS  E  NEGOCIANTES  NA  GUERRA  DO  PARAGUAI (II)
   Divalte Garcia Figueira
  

Capítulo VI 
TRANSPORTE E COMUNICAÇÕES


Os exércitos brasileiros combateram em dois lugares diferentes, ambos muito distantes do centro de decisões, que era o Rio de Janeiro. O de mais difícil acesso era o Mato Grosso, onde, a partir do início da guerra, somente se podia chegar por terra, pois que Solano Lopez havia mandado fechar o rio Paraguai para os navios brasileiros. De acordo com a narrativa de Taunay, as forças enviadas para expulsar os paraguaios do sul do Mato Grosso, que saíram de São Paulo em abril de 1865, somente atingiram o cenário da guerra no final de 1866, quase dois anos depois.(1)
As distâncias se constituíam verdadeiramente num grande problema para o Brasil. Sérgio Buarque, citando Alberdi, escreve:

[...] o Brasil ia defrontando obstáculos gigantescos. Obstáculos que não estavam tanto nas fortalezas ou nos canhões do inimigo, nem nas florestas e montanhas que formavam a defesa maior dos paraguaios. O baluarte mais poderoso que se erigia agora contra o Império ficava naquele espaço de duas mil milhas que separa Assunção do Rio de Janeiro e reclama cerca de quatorze dias de percurso.(2)

E essa distância era suficientemente grande para consumir muitos milhares de contos de réis!

1. O TRANSPORTE PARA O MATO GROSSO
O pior era o caso do Mato Grosso.(3) Após o início das hostilidades com o Paraguai, as comunicações com aquela província somente podiam fazer-se por terra, o que era muito difícil. Para ter uma ideia desse problema, vale a pena registrar que, desde o início de abril de 1865, o ministro dos Negócios da Guerra havia determinado que toda a correspondência com o Mato Grosso seguiria por intermédio do presidente da província de São Paulo. Poucos dias depois, este escreveu ao ministro, informando que, conforme suas ordens, havia remetido a correspondência para aquela província, pelo caminho da vila de Santana de Paranaíba.

Porém, o administrador do correio me informa que deste ponto não tem seguido a correspondência para Cuiabá porque dali não tem vindo estafetas para conduzi-la, sendo esta razão porque em Cuiabá se não recebe correspondência da Corte desde 23 de julho do ano passado.(4)

Se o caminho pelo norte do Mato Grosso era difícil, pelo sul da província ele se tornara impossível.5 De fato, em junho de 1865 o presidente da província de São Paulo informava ao ministro dos Negócios da Guerra que, desde abril, quando os paraguaios haviam tomado o povoado de Coxim, estava cortada a linha postal que chegava a Cuiabá. Essa notícia havia sido dada por João Antunes da Silva, com quem fora contratado o transporte das malas da referida linha postal.
Aliás, o mau estado das comunicações rendeu muitas críticas ao governo nos depoimentos da época. Um desses críticos foi Jorge Maia de O. Guimarães, que tomara parte na guerra e depois escreveu um livro sobre ela. A certa altura de seu livro, examinando a parada das comunicações em Santana de Paranaíba, ele escreveu:

Estas irregularidades, estas faltas, no correio terrestre, causadoras das delongas na transmissão de correspondências, das notícias, tinham como causa principal, não só o perpétuo desmazelo da administração do Correio no Brasil, como o mau e demorado pagamento do minguado honorário dos estafetas, que nem sempre recebiam seus magros pagamentos, tão sujeitos à interminável burocracia!(6)

Outro que criticou o governo por causa das más comunicações foi o visconde de Taunay. Referindo-se ao período em que se encontrava no sul do Mato Grosso, no final de 1866, ele escreveu nas suas Memórias:

As comunicações se haviam tornado cada vez mais difíceis, e o governo [...] tinha tido a miséria de suprimir o correio que ali então viera seguindo as forças. Sabíamos que muitas e muitas malas de cartas das nossas famílias estavam-se acumulando na vila de Santana do Paranaíba, umas cento e sessenta e cento e oitenta léguas distante do Coxim! Que indigna economia, quando o ouro brasileiro rolava, em ondas sucessivas, no Rio da Prata!(7)

Coincidentemente, da mesma época, há uma correspondência, com data de setembro de 1866, dirigida ao Ministério dos Negócios da Guerra, na qual o presidente da província de São Paulo informava que, por falta de dinheiro para pagamento dos estafetas, houvera uma interrupção na marcha regular do correio para o Mato Grosso. Mas contava também que já havia enviado o dinheiro, entre outras providências.
Se tudo isso acontecia com as comunicações para o Mato Grosso, não é difícil imaginar os problemas que envolviam o transporte para aquela província.
As mercadorias eram levadas em carroças ou em tropas de mulas, que chegavam a ter seiscentos animais, e até mais que isso.(8) Era preciso seguir por terra, numa distância de cerca de quatrocentas léguas (aproximadamente 2,4 mil quilômetros), e sequer os caminhos eram bem conhecidos. Atravessavam-se sertões inóspitos, onde nem sempre havia recursos para a alimentação dos animais e das pessoas ocupadas em guiá-los e tratá-los. Os caminhos eram inseguros, ameaçados por salteadores ou pelo avanço dos paraguaios. Os preparativos eram muito demorados, e a jornada demorava seis meses ou mais. Houve casos em que a remessa chegou depois de um ano. Não é de estranhar que poucas pessoas se dispusessem a conduzir as cargas que o governo precisava mandar para Mato Grosso.
A dificuldade em conseguir condutores e os altos preços cobrados foram as razões que levaram o ministro da Guerra a sugerir, em maio de 1865, ao presidente da província de São Paulo a criação de uma companhia de cargas. Esta deveria ser organizada em moldes militares, e seus integrantes teriam patentes e vencimentos equivalentes aos do Exército, de capitão para baixo. O ministro chegou a elaborar instruções provisórias, minuciosamente detalhadas em 23 artigos. Entretanto, as informações relativas a essa companhia desapareceram da documentação, o que leva a supor que a ideia não prosperou.
O jeito era recorrer aos condutores particulares, apesar de tudo. O órgão encarregado de contratar os condutores de mercadorias era o Arsenal de Guerra da Corte, embora os presidentes de províncias e mesmo os comandantes militares também o fizessem. Normalmente, o Arsenal promovia uma licitação, e escolhia, entre os poucos interessados, o que apresentasse as melhores condições.
Os contratos variavam de um caso para outro. Mas o mais comum era o seguinte: tão logo o contrato era assinado, o Arsenal expedia a mercadoria, a qual seguia por conta do governo até o porto de Santos, onde era entregue ao condutor contratado. Este recebia, então, um adiantamento do frete, geralmente a metade; o restante ser-lhe-ia pago em duas parcelas, a primeira normalmente era paga em Jundiaí ou Campinas, a última tanto podia ser paga no Mato Grosso como no Rio de Janeiro, no retorno. Como garantia, o interessado tinha de apresentar um fiador e fazer um depósito em dinheiro.
O ministro da Guerra, em 1866, reclamava dos problemas porque, mesmo fazendo as remessas com a devida prontidão, nem sempre os artigos chegavam ao destino, “e isso devido à falta de estradas e conduções, e algumas vezes às especulações criminosas de empreiteiros de cargas, que os abandonam ou procuram transferir a quem lhes faça interesse”.(9)
Em correspondência datada de 17 de junho desse ano, o ministro da Guerra pedia ao presidente da província de São Paulo que verificasse a informação de que um certo Antônio José do Couto havia contratado a condução de carga para o Mato Grosso e a deixara em Santana de Paranaíba, para levar sal cujo preço era muito alto em Cuiabá.
Apresento, a seguir, alguns contratos com condutores de mercadorias para o Mato Grosso, e seus problemas, desde o começo de 1865, quando o governo tomou conhecimento da invasão daquela província.
Joaquim Alves Ferreira foi um dos que primeiro assinaram contrato para conduzir mercadorias para o Mato Grosso. Já no início de março de 1865 ele surgiu na documentação como condutor, “a preços elevados”, de artigos bélicos para aquela província. Preenchidas as formalidades no Rio de Janeiro, ele foi retirar as cargas em Santos. Segundo informou o jornal Correio Paulistano, a saída do trem bélico da cidade de Santos tomou quase o caráter de uma festa.
E ao entrar em São Paulo, o comboio foi “precedido de música, estando embandeirados os carros em que vinham as peças”.(10) Em Campinas, começaram os problemas do condutor. Nessa cidade, as autoridades acharam que ele não merecia tanta confiança, por não reunir todos os meios necessários para encaminhar a mercadoria em segurança. Por isso, retiraram-lhe uma parte da carga, que foi repassada a outro condutor, Firmiano Firmino Cândido.
Com alguns volumes a menos, ele seguiu em frente. Mas ao chegar a Uberaba, retiraram-lhe o restante da carga, pelos mesmos motivos. Ao retornar à Corte, Joaquim Alves Ferreira entrou com um pedido de indenização pelos prejuízos. O pedido rolou durante muitos anos, até que recebeu, em outubro de 1870, um parecer favorável do Conselho de Estado.(11)
Às vezes, o condutor era contratado não para o transporte de mercadorias, mas de pessoas. Esse foi o caso de Felício Antônio Fagundes, incumbido do transporte de operários que deveriam seguir para Mato Grosso. Outras vezes, tratava-se de levar animais (bestas e cavalos). Um exemplo foi o de José Daniel de Mello, contratado para conduzir cavalhada de São Paulo para a Corte.
O transporte para o Mato Grosso era, portanto, problemático. Dependia de condutores particulares para transportar cargas valiosas, das quais dependiam as tropas que marcharam para aquela província. Preocupado com isso, o ministro da Guerra enviou, em agosto de 1865, uma correspondência contendo a relação dos condutores que até aquela data haviam contratado, com o Arsenal de Guerra, o transporte de cargas. Pedia ao presidente da província de São Paulo que fiscalizasse o trabalho desses condutores e mantivesse o Ministério informado.
Os nomes constantes da lista do ministro eram os seguintes:

• João Teixeira de Magalhães Leite e José Joaquim de Carvalho, encarregados do transporte de fardamentos e material bélico com destino a Goiás.
• João Pacheco Amora, que se encarregou do transporte de pólvora.
• Joaquim Alves Ferreira, já citado, transporte de fardamento material bélico e equipamentos.
• Bernardo José dos Passos, artigos diversos.(12)

Um caso especialmente revelador dos problemas de transporte para o Mato Grosso foi o do tenente reformado João Manoel da Costa. Este condutor venceu uma licitação do Arsenal da Corte, do dia 19 de maio de 1866, e assinou contrato no dia 8 de junho para levar cargas para Mato Grosso. O contrato especificava que os volumes teriam três arrobas e meia, aproximadamente, e seriam retirados em Santos. A distância prevista era de 377 léguas, por um prazo não superior a quatro meses. O valor do frete seria de 16 mil réis por arroba, que o condutor receberia em duas parcelas: a primeira em Santos e a segunda quando todos os volumes fossem entregues.
Mas, em janeiro de 1867, esse condutor ainda se achava na cidade de Constituição (atual Piracicaba), de onde consultou o presidente da província de São Paulo sobre o melhor caminho a seguir.
Este repassou a consulta ao Ministério dos Negócios da Guerra, que por sua vez levou-a ao Arsenal de Guerra. O diretor deste estabelecimento escreveu um documento, sugerindo o que ele julgava ser o melhor caminho.

Deve aquele condutor de Avanhandava dirigir-se ao estabelecimento naval de Itapura, caso já lá não esteja, e aí à vista dos recursos de que se dispõe e dos auxílios que no referido estabelecimento de Itapura lhe forem prestados, de conformidade com as recomendações que da presidência da província de São Paulo receber, resolverá seguir ou pela via fluvial que lhe oferecem os rios Paraná-Invinhema-Brilhante, até o porto de Santa Rosa, poucas léguas distante de Nioac; ou pela via terrestre, marchando de Itapura até a fazenda denominada do Vau ou Indaiazinho e desta a Nioac, passando por Camapuan. Esta última direção, hoje muito frequentada e abundante de recursos nas primeiras quarenta e cinco léguas, entre Itapura e a referida fazenda, saudável e fértil de pastagens em toda sua extensão, me parece preferível à fluvial que, sobre ser muito trabalhosa, máxime durante a estação que corre atualmente, doentia e escassa em recursos, não está, na subida do Rio Brilhante, inteiramente livre da possibilidade de ser acometida por alguma sortida inimiga.(13)

Contudo, as coisas se passaram de forma completamente diferente. Em julho de 1867, o presidente da província de São Paulo escrevia ao ministro da Guerra comunicando uma notícia dada pelo jornal Diário de São Paulo, do dia 19 daquele mês, segundo a qual no dia 23 do mês anterior havia chegado a Itapura “o indivíduo encarregado pelo governo de levar o fardamento e munições às nossas forças expedicionárias em Mato Grosso”. Esse indivíduo era o próprio tenente João Manoel da Costa. Ele havia regressado “do porto de Santa Rosa, no Rio Brilhante, por ter tido a desagradável notícia de que a nossa gente estava sitiada pelos paraguaios no forte Bela Vista”. O jornal informava ainda que o condutor pretendia voltar para a capital da província, “deixando no Itapura o resto das cargas, pois grande parte delas perdeu-se por terem submergido várias barcas que as conduziam”.(14)
Em correspondência datada do início de 1867, o ministro da Guerra havia manifestado a dificuldade de conseguir na Corte quem quisesse conduzir cargas para Mato Grosso, e pedia ao presidente da província de São Paulo que contratasse um condutor, “pelo preço que puder”, para tomar uma determinada carga em Santos.(15)
Outro caso emblemático dos problemas que o transporte para a província de Mato Grosso acarretava, de acordo com a documentação, foi o que aconteceu a Vespasiano Rodrigues da Costa. Ele havia assinado, em 5 de dezembro de 1866, um contrato com o Arsenal de Guerra para levar diversos objetos para Cuiabá. O valor do frete iria variar conforme o peso dos volumes. Assim, se o volume pesasse menos de cinco arrobas, ele receberia 15 mil réis por arroba; para volumes com mais de cinco arrobas, receberia 22,5 mil réis.(16) O pagamento seria feito em três parcelas: uma, na retirada das mercadorias, a segunda em Campinas e a terceira em Cuiabá. O prazo máximo era de seis meses, contados a partir do momento em que o contratante fosse avisado da presença da mercadoria em Santos.
De fato, uma semana depois da assinatura do contrato, ele pôde retirar a carga no porto santista. Eram 970 volumes, pesando 3.520 arrobas e nove libras, correspondendo à importância de 53:126$568, de frete.
Desses 970 volumes, apenas quatrocentos chegaram a Cuiabá, e foram entregues ao Arsenal da Marinha, em 13 de janeiro de 1868, ou seja, 13 meses após o recebimento da mercadoria em Santos, e sete meses além do prazo máximo previsto no contrato! Quanto aos demais volumes, o que aconteceu foi o seguinte: 276 volumes ficaram em Campinas em poder de um indivíduo de nome Jerônimo Gomes Coelho, e os demais 294 ficaram em Mogi-Mirim depositados também em mãos de particulares.
Chegando a Cuiabá, mesmo estando em atraso e tendo deixado parte da carga no caminho, o condutor requereu o pagamento da terceira parcela, o que lhe foi negado. Não desistiu e, de volta à Corte, recorreu diretamente ao governo. No pedido que formulou, datado de 24 de novembro de 1868, ele propôs as seguintes possibilidades: do contrato relativamente às cargas que ficaram em Campinas e em Mogi-Mirim, pagando-se-lhe para a condução delas vinte mil réis por arroba; ou 2) a rescisão do contrato, com plena quitação; ou ainda 3) o adiantamento da importância da terceira parcela para poder conduzir as cargas até o destino final.
Em sua defesa o condutor alegava que, ao retirar a carga, em Santos, teve de aceitar 156 volumes extras, que se achavam no hospital militar, sendo portanto uma mercadoria de mais difícil transporte. Além disso, teve de esperar quatro meses em São Paulo para receber a primeira prestação.
O caso foi parar na seção da Guerra e da Marinha do Conselho de Estado. Foi ouvido o conselheiro diretor da Repartição Fiscal do Ministério dos Negócios da Guerra, que, em parecer de 10 de dezembro de 1868, manifestava simpatia pelas reivindicações do reclamante. Concordou que, de fato, o preço do frete era muito barato, e que as dificuldades alegadas eram reais. E ponderava que o não atendimento da reclamação levaria o condutor à ruína.
O Conselho também ouviu o conselheiro procurador da Coroa, Soberania e Fazenda Nacional. Este, em parecer datado de 22 de dezembro de 1868, também viu com simpatia o pedido do reclamante, mesmo considerando que o condutor Vespasiano Rodrigues da Costa fizera, em São Paulo, contrato com José Leite Penteado, transferindo para este o transporte de uma parte dos volumes. A sua sugestão era que fosse elevado o preço do frete para vinte mil réis por arroba. Ponderava que a ruína do peticionário traria prejuízos maiores ao governo. Levava em conta que realmente o reclamante tivera dificuldades e que os caminhos por onde passou ofereciam riscos, inclusive por parte dos paraguaios.
A opinião do Conselho de Estado era pela aceitação da terceira sugestão ou da segunda. A decisão final, evidentemente, ficava para o governo, e este optou pela rescisão do contrato, mas sob certas condições, que não foram aceitas pelo reclamante. Em face disso, o governo, em 10 de abril de 1869, orientou o presidente da província de São Paulo a que oficiasse o fiador do contratante. Este entrou com novo recurso e a questão continuou rolando pelos muitos órgãos da burocracia do Estado imperial.
Mais um caso para ilustrar a variedade de contratos. Desta vez, foi Joaquim Ribeiro do Carmo, que assinou, em maio de 1865, um contrato para conduzir mercadorias para Mato Grosso. Ele se obrigava a dispor de pelo menos cinquenta animais, para carregar no mínimo seis arrobas cada um, recebendo quinhentos réis por légua. Quanto ao pagamento, ele recebia na partida um adiantamento e o restante quando chegasse ao destino.
Apesar de todos esses carregamentos, as autoridades de Mato Grosso viviam insistindo para que o governo enviasse alimentos e animais para aquela província. O comandante da expedição militar também fazia frequentes pedidos. O ministro da Guerra enviava ordens ao presidente da província de São Paulo para que comprasse e remetesse os gêneros solicitados pelas autoridades mato-grossenses.
Em correspondência de 24 de outubro de 1866, o presidente da província paulista, em um balanço de suas remessas para o Mato Grosso, informava ao ministro que já havia enviado: a primeira vez, 65 bestas carregadas com gêneros alimentícios; a segunda vez, oitenta bestas carregadas com sal e alimentos; posteriormente, cinquenta cavalos; e naquele momento estava enviando mais 271 bestas arreadas. E acrescentava que a compra das bestas não havia sido difícil, mas conseguir camaradas próprios para esse serviço, tornou-se quase impossível por não achar quem quisesse ir apesar de oferecer avultados salários, pelo que tive de mandar na segunda remessa soldados do Corpo Policial servindo de camaradas [...].(17)

2. O TRANSPORTE PARA O RIO DA PRATA
Para o Sul, o transporte era mais fácil, porque podia ser feito por meio de navios. E logo numerosos navios, a vapor e a vela, sendo uns fretados e outros pertencentes ao Estado, estavam ligando o Rio de Janeiro às cidades de Montevidéu e Buenos Aires. A partir dessas cidades, navios de menor calado subiam os rios Uruguai e Paraná em direção ao teatro das operações militares.
Grande foi o número de navios fretados pelo governo para o serviço da guerra, o que deu margem a abusos, denunciados no Parlamento e na imprensa. O Ministério dos Negócios da Guerra, em 5 de julho de 1866, justificava o aluguel de vapores, pois era necessário enviar munições e material de guerra, e a Marinha não podia fornecer todos os transportes porque seus navios se achavam ocupados na esquadra.
No começo de julho de 1866, o ministro da Marinha, Francisco de Paula da Silveira Lobo, compareceu ao Senado para pleitear créditos suplementares para sua pasta. Interpelado pelos senadores, admitiu que não sabia – não sabia! – o número de navios fretados pelo governo, nem os preços, nem o uso que se lhes dava.
Na ocasião, os senadores questionaram o excesso de despesas e apresentaram ao ministro uma série de denúncias. O senador Teófilo Otoni, por exemplo, denunciou os abusos nos fretamentos de navios. Segundo ele, navios comprados dez anos antes, por menos de 35 contos, estavam sendo alugados ao governo por dez contos ao mês!(18)
Já o senador Souza Franco calculou o custo do fretamento dos vapores em mais de três mil contos de réis, somente no exercício 1865-66.(19)
Outro que formulou denúncias foi o barão de Cotegipe. Em discurso no Senado, denunciava o grande número de abusos que vinham ocorrendo no fretamento de navios.

O número de vapores afretados pelos ministério da Guerra e da Marinha para o serviço de transportes é tamanho, tão fora de proporção com as necessidades, que os navios do Estado saem às vezes do porto do Rio de Janeiro com os porões vazios. [...] só vão quase sempre carregados os navios de transporte afretados pelo governo; os transportes de guerra servem apenas para a condução de tropas [...].(20)

E formulava outras denúncias nessa linha.
Também havia críticas aos consertos dos navios do Estado. “Consta que hoje isto é exclusivo de uma associação particular; os consertos que não são feitos no Arsenal da Marinha são como que privilégio de uma única casa”, dizia Cotegipe, no mesmo discurso.
Ele criticava ainda a centralização dos trabalhos no Arsenal da Corte. Até operários mandaram vir das províncias, existindo no Arsenal da Marinha cerca de dois mil trabalhadores. Muitos trabalhos podiam ser feitos nas províncias, mais baratos e mais bem feitos. O mesmo se dava com o Arsenal da Guerra, na opinião de Cotegipe.
Outro problema era que, nos primeiros tempos, a partida dos barcos se fazia a qualquer tempo sempre que houvesse necessidade. As coisas mudaram a partir da gestão de Affonso Celso de Assis Figueiredo (mais tarde, visconde de Ouro Preto) no Ministério da Marinha.
Escrevendo muitos anos mais tarde, Ouro Preto explicou que, no tempo em que ocupou o Ministério (de agosto de 1866 a julho de 1868, no Gabinete Zacarias), tomou providências para regularizar os transportes por conta da armada.
Estabeleceu uma linha de transportes quinzenal, zarpando os barcos simultaneamente nos dois sentidos. As partidas aconteciam nos dias 15 e 30 de cada mês, demorando-se os barcos nos pontos terminais apenas o tempo suficiente para receber possíveis reparos, as cargas e os passageiros que tivesse de conduzir. Os vapores faziam apenas duas escalas, uma em Corrientes, apenas para a entrega da correspondência, e outra em Montevidéu, para se reabastecerem de carvão. Quando houvesse paradas extraordinárias, elas tinham que ser justificadas pelos comandantes dos navios logo que chegassem ao destino.
Com essas providências, concluiu Ouro Preto, foi possível reduzir uma grande parte das despesas com os fretes, a Esquadra passou a ser perfeitamente abastecida e, ainda, era possível receber notícias com frequência e segurança.

3. DIFICULDADES DE TRANSPORTES TERRESTRES NO SUL
No sul, também havia necessidade, embora em menor proporção, de fazer o transporte por terra. Isso acontecia sobretudo por causa da necessidade de abastecer o Segundo Corpo do Exército.
Organizado em meados de 1865, sob o comando do general barão de Porto Alegre, ele devia marchar da província do Rio Grande do Sul em direção ao Paraguai.
E aqui também apareciam problemas. Um caso ilustrativo é citado pelo presidente da província do Rio Grande do Sul, que passo a reproduzir:
Tendo expirado o prazo do contrato celebrado com Leonardo da Costa Carvalho Macedônia para a condução de todo o trem bélico e munições de guerra da cidade do Rio Pardo para os depósitos da fronteira, abriu-se nova praça. Das duas únicas propostas que foram apresentadas à tesouraria de Fazenda, nenhuma foi aceita por serem onerosas à fazenda pública, visto que foram aumentados tanto os preços como os prazos para a entrega dos artigos que receberem. Em consequência disto mandei que por aquela repartição se anunciasse nova praça, que não realizou-se por não se apresentarem concorrentes. De novo ordenei à tesouraria por ofício de 12 do corrente, que se abriu nova praça.(21)
Outro testemunho que fornece interessantes informações sobre os problemas no sul, quando o transporte se fazia por terra, foi dado por José Luís Cardoso de Salles, no texto de sua proposta de fornecimento de víveres ao Segundo Corpo do Exército. As dificuldades de transporte eram justamente a causa dos elevados preços das etapas. Escreve ele:

Tem este Exército de receber os víveres para o seu fornecimento sempre por via terrestre, transportado por carretas, quer partam do Rio Pardo e Pelotas, quer da vila de Salto, cuja navegação, para as vilas de Uruguaiana e S. Borja, é impraticável de janeiro em diante [sic], dificultando muito a colocação na vila de S. Borja, o grande depósito de gêneros necessários para o fornecimento do Exército, e donde transpondo o Rio Uruguai, terá de ser novamente conduzido por carretas para o Exército onde quer que esteja, atravessando o território deserto ao norte de Corrientes, para ir à Tranqueira do Loreto, Itapua, ou outro qualquer ponto das repúblicas da Argentina e do Paraguai.(22)

Dessa forma, utilizando navios fretados, tropas de mulas, carretas, ou qualquer outro meio, os transportes, para vencer as longas distâncias e dificuldades de todo tipo, eram um sangradouro por onde se esvaiam os recursos do Tesouro.

_____________________________________
NOTAS:
1) TAUNAY, visconde de [Alfredo D’Escragnolle]. A retirada da Laguna. São Paulo: Melhoramentos, 1963, p. 32.
2) HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) Brasil monárquico: declínio e queda do Império. In: História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 5, p. 51.
3) A notícia da invasão do Mato Grosso chegou ao Rio de Janeiro no dia 22 de fevereiro de 1865, trazida pelo barão de Vila Maria (Joaquim José Gomes da Silva), que havia saído de sua propriedade no Mato Grosso no dia 4 de janeiro.
4) Documentação existente no Arquivo Nacional (Arranjo Bouliez, Série Guerra, Gabinete do Ministro, IG1 159 – 1865-69).
5) O caminho pelo norte se fazia por Uberaba-Santana de Paranaíba, e o caminho pelo sul se fazia seguindo os rios Tietê, Paraná e Ivinhema.
6) GUIMARÃES, Jorge Maia de O. A invasão de Mato Grosso. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1964, p. 208.
7) TAUNAY, visconde de [Alfredo D’Escragnolle]. Memórias. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1948, p. 199.
8) O jornal Correio Paulistano, do dia 7 de março de 1865, informava que estava para chegar de Santos o trem bélico que deveria seguir para o Mato Grosso, em cujo transporte “devem ocupar-se mais de 1.000 bestas e 50 carros”.
9) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1866, p. 17.
10) CORREIO PAULISTANO. São Paulo, 30 de abril de 1865.
11) Consultas ao Conselho de Estado sobre negócios relativos ao Ministério dos Negócios da Guerra (1867-72). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1885, p. 334.
12) Arquivo Público do Estado de São Paulo, número de ordem 7.751, caixa 47.
13) Idem, número de ordem 7.752, caixa 48.
14) Arquivo Nacional, Arranjo Bouliez, Gabinete do Ministro, IG1 159 (1865-69).
15) Arquivo Público do Estado de São Paulo, número de ordem 7.752, caixa 48.
16) Segundo Emília Viotti da Costa, “Em 1855, chegava-se a dizer que certos lavradores ofereciam pela condução metade de seus gêneros”, e “Em 1863, o frete de Campinas a Santos chegava 2$500 por arroba”. Op. cit., p. 172.
17) Arquivo Nacional, Arranjo Bouliez, Gabinete do Ministro, IG1 159 (1865-69).
18) Annais do Senado do Império do Brasil, 6 de julho de 1866, p. 81.
19) Idem, 25 de julho de 1866, p. 192.
20) Idem, 14 de junho de 1867, p. 62 e s. 21) Relatório do presidente da província do Rio Grande do Sul, abril de 1866, p. 7.
22) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1866, Apêndice.



Capítulo VII

OS CONTRATOS COM OS FORNECEDORES DE VÍVERES

No abastecimento do Exército brasileiro que lutou na Guerra do Paraguai, um dos aspectos mais problemáticos era o fornecimento de víveres para as tropas. As alternativas que se apresentavam, na verdade, não eram muitas.
Uma possibilidade era fazer o fornecimento por meio da administração direta, isto é, por um comissariado do Exército. Fora esse o modo adotado, por exemplo, na Guerra da Cisplatina (1825-28). Mas após o término dessa guerra, o governo imperial baixou um decreto, em 14 de janeiro de 1829, que extinguiu o comissariado e instituiu em seu lugar o sistema de arrematação. Entretanto, voltou a ser utilizado na campanha de 1851-52, quando a repartição do comissariado foi criada pelo marquês de Caxias, então comandante das armas e presidente da província do Rio Grande do Sul. Mas deve ter apresentado problemas, pois o ministro da Guerra, em discurso pronunciado muitos anos depois, disse que o governo imperial vira-se na “necessidade de demitir alguns de seus empregados, porque se dizia, com verdade ou não, que tinham ilicitamente, e com grande abuso, obtido vastos lucros”.(1)
Outra alternativa era recorrer aos comissários particulares, isto é, a indivíduos ou empresas que, escolhidas pelo governo, assumiam o encargo dos fornecimentos para o Exército. Conforme informações dadas pelo ministro da Guerra, em discurso pronunciado no Parlamento, esse sistema teria sido utilizado nas “guerras civis” (provavelmente, a Guerra dos Farrapos), mas também não dera bons resultados, “pelos desgostos, pelas perdas, pela imoralidade mesmo, conhecidas de outros tempos”.(2) Esse sistema foi novamente utilizado num certo momento da Guerra do Paraguai, e foi tratado neste trabalho, sob o título “Uma experiência de comissariado”.
Mas o sistema que prevaleceu não foi nenhum desses, e sim o de contratar com particulares o fornecimento de víveres.
Esse era, na verdade, o sistema tradicionalmente utilizado, pois há indicações de que já era praticado desde os tempos coloniais. Por isso, quando a guerra começou, em 1864, foi ele que prevaleceu, embora em certos momentos tenha sido preciso recorrer a mais de um sistema simultaneamente. Para a contratação dos fornecedores, havia uma lei de 29 de dezembro de 1829 que regulava o processo de licitação, bem como definia as tabelas dos víveres – chamadas etapas –, que diariamente deviam ser fornecidos aos soldados. Os valores das etapas eram fixados periodicamente e variavam de uma província para outra.
Uma lei de 24 de setembro de 1828 determinava a seguinte tabela para fornecimentos das tropas:

Gêneros
Quantidades (medidas antigas)
Quantidades (sistema decimal)
Farinha
1/40 alqueire
0,34 litro
Carne fresca
1 libra (que podia ser substituída por 1/2 libra de carne-seca
230 gramas
Arroz
4 onças (que podia ser substituído por 1/160 alqueire de feijão)
114 gramas (arroz)
 0,086 litro (feijão)
Toucinho
2 onças
57,4 gramas
Sal
1 onça
28,69 gramas
Lenha
24 onças
688,56 gramas
Fonte: Colleção das Leis do Império do Brasil de 1828, p. 53.
Essa tabela, modificada posteriormente, servia para fixar o quantum de cada ração, que ordinariamente era entregue aos corpos, a fim de que os respectivos comandantes juntamente com os conselhos econômicos pudessem regular a distribuição das rações aos soldados, de maneira que estes pudessem ter três refeições diárias.
Tudo indica que, antes da guerra contra o Paraguai, esse sistema não apresentasse maiores problemas, porque tudo se fazia com tempo e em pequena escala. Mas, com o início da guerra, não foram poucas as dificuldades e os problemas que esse sistema acarretou, sobretudo no sul, onde a situação era mais grave. À medida que as tropas se reuniam e tinham que se deslocar, muitos contratos foram celebrados, quase sempre em caráter de emergência, por diferentes autoridades, até por comandantes de divisões provisórias.
Este estudo abrange os contratos celebrados a partir do final de 1864, tanto aqueles que foram firmados no sul, a partir do momento em que o Exército teve de passar ao Uruguai, quanto aqueles firmados para abastecer as tropas que partiram para o Mato Grosso.

1. OS FORNECIMENTOS NO SUL
Desde agosto de 1864, como já vimos, o Brasil decidira adotar represálias militares contra o governo blanco de Atanásio Aguirre, do Uruguai, que havia se negado a atender ao ultimatum apresentado pelo enviado especial do Brasil, Antônio Saraiva. As tropas brasileiras deviam, portanto, atravessar a fronteira a qualquer momento. No entanto, tiveram de esperar até 1o de dezembro de 1864, em virtude da demora em garantir o fornecimento de víveres.
Segundo críticas feitas, tempos depois, no Parlamento, por um deputado gaúcho, a culpa por essa demora cabia a João Marcelino Gonzaga, então presidente da província do Rio Grande do Sul, a autoridade competente para promover a licitação na forma da lei.(3)
Apenas em 25 de outubro, o edital foi publicado, marcando a licitação para o dia 10 de novembro, devendo o fornecimento ter início no dia 1o de dezembro seguinte. Segundo o deputado, o presidente da província havia demorado muito em promover a licitação, deixando um prazo muito curto para o início do fornecimento ao Primeiro Corpo do Exército, uma força de cerca de dez mil homens.
De acordo com o mesmo deputado, havia pelo menos quatro companhias que poderiam estar interessadas.

Mas o resultado da maneira por que se havia iniciado o negócio foi a retirada de quase todos esses concorrentes; foi a desistência de todas essas companhias, por não ser possível a nenhuma delas tomar a si os encargos que as condições do contrato impunham; foi assim que, desistindo de concorrerem individualmente, na véspera, se me não engano, de findar o prazo, chegaram a um acordo parte deles, apresentando-se na praça o Sr. Salles a fazer a proposta por conta de todos, mas em seu nome individualmente, por não achar-se a companhia constituída ainda.

Nessas condições, foi celebrado o contrato com José Luiz Cardoso de Salles, no dia 10 de novembro de 1864, e resultou ser muito oneroso para o governo. Fixou o valor das etapas em 740 réis para a tropa em marcha e em 680 réis quando a tropa estivesse acampada.
Previa tabelas diferentes, conforme se tratasse da infantaria ou cavalaria, bem como se a tropa estivesse acampada ou em marcha. Seu prazo era de seis meses, e obrigava o contratador a abastecer o Exército na província do Rio Grande do Sul e no Uruguai.
Justificando os preços, o presidente disse que:

Contratar em 8 de novembro aqui na capital a tão grande distância do ponto do acampamento do Exército o fornecimento para 1o de dezembro foi uma circunstância desvantajosa para a fazenda pública porque limitou o número de concorrentes a aqueles que podiam de pronto dispor do grosso capital que é necessário para empatar em grandes compras de gêneros.(4)

Disse ainda que o interessado que apresentou a melhor proposta não oferecia garantias de cumprimento do contrato, tais como bens, fiança etc. Em vista disso, optou, então, pelo segundo colocado, que oferecia todas as garantias, por ser homem de bens e fortuna.(5)
Os preços fixados eram tão abusivos que o governo imperial, tão logo teve conhecimento do contrato, por aviso de 7 de janeiro de 1865, reduziu seu prazo para três meses. O governo baseou sua atitude numa memória elaborada pela repartição de contabilidade da secretaria de Estado que calculou os lucros do arrematante, e os considerou exorbitantes, e orientou o general em chefe para que procedesse a nova licitação, no quartel general do Exército, onde quer que se encontrasse.
Foi o que fez o general João Propício Mena Barreto (mais tarde, barão e visconde de São Gabriel), que era o comandante do Primeiro Corpo do Exército em operações no Uruguai. Mas em vez de fazer nova licitação, o general preferiu fazer o que lhe pareceu mais sensato naquelas circunstâncias, negociando diretamente “com quem podia e queria fazer o serviço, trazendo o valor da etapa a preços mais equitativos”, segundo o referido deputado gaúcho, no mesmo discurso.
Foi assim que, na Vila da União (imediações de Montevidéu), onde tinha seu quartel general, Mena Barreto renovou, em fevereiro de 1865, provisoriamente, por mais três meses, o contrato anterior com o próprio José Luiz Cardoso de Salles. Como justificativa por não ter feito a licitação, o general alegou premência de tempo e as condições excepcionais em que se encontrava. No entanto, mesmo renovado nessas circunstâncias, o contrato apresentou melhores condições, pois as tabelas eram mais diversificadas e os preços baixaram: 660 réis, quando a tropa estivesse em marcha, e 600 réis, quando acampada.
As melhores condições do novo contrato foram explicadas de diferentes formas. A explicação do presidente da província do Rio Grande do Sul foi a seguinte:

As condições eram melhores porque agora não havia o perigo das operações militares nem a necessidade de fazer o Exército marchas violentas, estando este acampado perto de uma cidade como Montevidéu, onde há todos os recursos.

Autoridades do Ministério dos Negócios da Guerra deram, entretanto, outra explicação. Como ficou dito acima, o contrato anterior havia sido considerado lesivo aos interesses da Fazenda Nacional.
Por isso, o governo imperial, por aviso de 2 de janeiro do corrente ano (1865), mandou reduzir o tempo de duração do referido contrato, recomendando à Presidência da dita província que se esforçasse para reformar as tabelas de fornecimentos [...].(6)
Este contrato, bem como o anterior, previa o fornecimento às tropas em território nacional e no estrangeiro. Mas em um artigo aditivo ao contrato, essa obrigação ficou restrita à província do Rio Grande Sul e ao Uruguai. Por isso, poucos meses depois, quando esse corpo do Exército teve de entrar no território da Argentina, o seu comandante, que já era o general Manuel Luís Osório (mais tarde, visconde e marquês do Herval), viu-se obrigado a fazer um contrato de emergência com um grupo de três fornecedores argentinos, porque o contrato com Salles não previa o abastecimento fora do Brasil e do Uruguai.
Neste novo contrato, foram mantidas as condições do contrato anterior, mas os preços das etapas passavam a ser um pouco maiores: oitocentos réis na Argentina, novecentos réis, se o Exército entrasse no Paraguai, e mil réis, se o Exército se afastasse cinco léguas além dos rios Paraguai e Paraná. Esses fornecedores estrangeiros chamavam-se Apolinário Benites, Mariano Cabal e Francisco Xavier Brabo.
Mas o governo imperial achou que o contrato da Vila da União, assinado em fevereiro de 1865, havia sido um bom contrato. E, por meio de um aviso do Ministério dos Negócios da Guerra, datado de 7 de abril daquele ano, estendeu sua validade para o Segundo Corpo do Exército, que estava sendo organizado naquele momento, sob o comando do general Manuel Marques de Souza (barão de Porto Alegre).
Simultaneamente ampliou seu prazo de validade até o final de setembro daquele ano.(7) É preciso prestar atenção a esse contrato porque ele iria acarretar inúmeros problemas nos meses seguintes, como veremos.

1.1 História dos contratos no sul
A renovação dos contratos no sul converteu-se numa incrível crônica de encontros e desencontros. Ela é particularmente sugestiva dos problemas acarretados pela dificuldade de comunicação e pelo excessivo centralismo da administração imperial.
No dia 30 de junho de 1865, o ministro da Guerra, Ângelo Muniz da Silva Ferraz, avisou o presidente da província do Rio Grande do Sul, que ainda era Marcelino Gonzaga, da necessidade de proceder a uma licitação para a escolha de um fornecedor para o Segundo Corpo do Exército, que se achava em formação naquela província.
O contrato devia prever a possibilidade de fornecer no estrangeiro (Argentina e Paraguai) e até no Mato Grosso. Na mesma data, igual aviso foi enviado ao general Osório, orientando-o a renovar o fornecimento para as tropas do Primeiro Corpo do Exército, sob seu comando.
Poucos dias depois, efetivamente, o presidente da província, agora o barão da Boa Vista (8), autorizou o inspetor da Fazenda da província a publicar o edital, marcando a data de 17 de agosto para a licitação.
Entretanto, a pedido de Salles, que era o então fornecedor, a licitação foi adiada para o dia 30 seguinte. Em troca, para que houvesse tempo suficiente, Salles concordou em prorrogar seu contrato para o final de outubro (mas nem o ministro, nem o barão de Porto Alegre ficaram sabendo dessa prorrogação, e isso iria ter muitas consequências, como veremos).
Nesta última data, 30 de agosto, a licitação ocorreu, porém com muitas irregularidades. O que aconteceu foi que, após o fim do prazo para a apresentação das propostas, pelo menos dois dos concorrentes substituíram suas propostas originais por outras com preços mais baixos. E houve um deles, Wenceslau Alves Leite, que chegou a apresentar uma terceira proposta. Sem contar que, conforme se soube mais tarde, duas propostas, com melhores preços, foram apresentadas no Rio de Janeiro, e acabaram ficando fora da concorrência.
O inspetor da Fazenda enviou as propostas ao presidente da província, juntamente com um breve histórico do processo, mencionando as irregularidades, mas deixando para o presidente da província uma decisão a respeito. Este, por sua vez, no dia 3 de setembro, remeteu tudo ao ministro da Guerra. Na correspondência enviada, comentava as irregularidades, que, na sua opinião, comprometiam a lisura da licitação, mas deixava para o ministro a decisão final. E ainda tomava a liberdade de criticar essa forma – a licitação – de garantir o abastecimento das tropas.
O ministro respondeu de Uruguaiana, para onde havia ido em companhia do imperador, que fora receber a rendição de um destacamento avançado do Exército paraguaio. Era o dia 28 de setembro, e faltavam apenas dois dias para terminar o contrato com o fornecedor Salles. Naquele momento, o ministro ainda não sabia que o fornecedor havia concordado em prorrogar esse contrato por mais um mês, até o final de outubro. Diante disso, o ministro autorizou o barão de Porto Alegre a fazer um contrato – provisório, como o ministro insistia em dizer – com o próprio Salles, por mais quatro meses, uma vez que seu Exército se achava, quanto ao abastecimento, em “péssimas condições”.
Esse iria ser o “contrato de Uruguaiana”, assinado em 30 de setembro de 1865, tantas vezes criticado pelos oposicionistas, conforme veremos mais adiante. Nesse ínterim, o general Osório também havia renovado o contrato com fornecedores do seu Exército, Brabo, Cabal e Benites, em Lagoa Brava, nas imediações de Corrientes, em 27 de dezembro de 1865.
A correspondência mostra que o ministro não poupou críticas ao presidente da província, por não ter agido com mais presteza e por não ter ele mesmo resolvido o problema. E finalmente sugeriu que fosse aceita a proposta de Wenceslau Alves Leite, que havia oferecido as melhores condições.
O presidente da província, então, orientou o inspetor da Fazenda a que chamasse o escolhido para assinar o contrato. Wenceslau Alves Leite, segundo se soube depois, era sócio de Salles. E sabendo que este renovara, por preços melhores, o fornecimento com o barão de Porto Alegre (referia-se ao “contrato de Uruguaiana”), fez o que era mais óbvio: recusou-se a assinar o contrato. Com isso, nada de definitivo ficou resolvido.
Em 29 de novembro, de volta ao Rio de Janeiro, o ministro da Guerra escrevia ao presidente da província cobrando informações sobre o contrato. Dizia ter recebido uma carta do marechal visconde de Camamu, que se encontrava na frente de guerra, em que informava que “estava tudo por fazer”.
Essa informação havia deixado o ministro furioso. “Ignorava tudo sobre esse assunto a repartição que dirijo”, admitiu, mostrando-se desinformado sobre um assunto de vital importância para o Ministério que dirigia. E acrescentava, na mesma correspondência que dirigiu ao presidente da província do Rio Grande do Sul, que a demora de um novo contrato estava prejudicando as operações da guerra, pois o Segundo Corpo do Exército preparava-se para atravessar a fronteira do Brasil e entrar em território argentino, e não poderia fazê-lo sem ter a garantia do abastecimento.
Diante dessa cobrança incisiva, o presidente da província saiu do imobilismo e tomou providências. No dia 7 de dezembro oficiou à Tesouraria da Fazenda, autorizando o anúncio de uma nova arrematação. O anúncio foi publicado no dia 14 de dezembro e a arrematação foi marcada para o dia 2 de janeiro. O ganhador da concorrência deveria iniciar o fornecimento no dia 1º. de fevereiro. Como se vê, novamente o processo iria ser feito com prazos muito curtos e, consequentemente, não haveria tempo suficiente para que a notícia chegasse a todos os interessados.
No dia 6 de janeiro, ainda sem ter informações da licitação, o ministro Silva Ferraz voltava à carga, escrevendo a Boa Vista uma longa correspondência. Desta vez, ele fazia um detalhado histórico do processo e fazia críticas muito duras àquele presidente,(9) e lembrava as consequências para o Exército da não celebração do contrato definitivo.
A licitação, porém, se fizera, na data prevista. Apresentaram-se três interessados. O vencedor, mais uma vez, foi o próprio José Luiz Cardoso de Salles.
Mas essa licitação havia sido, na verdade, uma farsa completa, pois, segundo se soube mais tarde, dois “concorrentes” eram sócios e o terceiro havia desistido “mediante a soma de 300 ou 600 onças” (sic).(10)
O inspetor da Tesouraria, em ofício do dia 4 de janeiro, comunicou ao presidente da província que a proposta de Salles, embora fosse melhor que a do segundo colocado, não era vantajosa, se comparada aos preços do fornecimento do Exército do general Osório. Salles pedia 1.200 réis por aquilo que no Exército de Osório se pagava oitocentos réis.  Receoso de que o contrato pudesse vir a ser recusado pelo ministro da Guerra, Salles, comerciante esperto, procurou precaver-se.
Antes de assinar o contrato, fez uma exigência que o governo provincial atendeu. Essa exigência consistiu de uma cláusula, a qual determinava que se o contrato não fosse aprovado pelo governo central, ele, contratador, seria indenizado por todos os gêneros estocados, pelos preços estabelecidos no próprio contrato! Munido dessa garantia, finalmente assinou o contrato no dia 16 de janeiro. Portanto, mais de seis meses depois da primeira ordem do ministro!
Como explicar essa demora, num assunto de tal importância? Creio que essa demora se devia a três motivos, pelos menos: primeiro, a negligência ou incompetência demonstrada pelo presidente da província, pois ele tinha autorização para celebrar contratos; segundo, as dificuldades de comunicação típicas da época; terceiro, a excessiva centralização administrativa do Império, que levava os presidentes de província a se acharem incompetentes para resolver problemas que eram de sua alçada.

1.2 O contrato de 16 de janeiro
O novo contrato, assinado na capital gaúcha, previa que o arrematante receberia:

·         pelo fornecimento de cada etapa ao Segundo Corpo do Exército, quer este estivesse em marcha ou acampado, na província do Rio Grande ou no Estado Oriental, 670 réis; na fronteira com a Argentina, 750 réis; na República Argentina, 1.200 réis; e na do Paraguai, 1.600 réis;
·         para as forças que guarneciam as praças aquarteladas, de observação ou em marcha, quer na província do Rio Grande, quer no Estado Oriental, o preço da etapa seria de 580 réis;
·         e pelo fornecimento de dietas (para os hospitais), foram mantidos os preços do contrato de 10 de novembro de 1864, celebrado com a Tesouraria da Fazenda do Rio Grande do Sul.

O contratador, para justificar seu preço, fez, na introdução de do Exército, para mostrar as dificuldades adicionais que teria. Vale a pena glosar alguns trechos, pelas informações que fornece.
Salles diz que o fornecimento ao Exército sob mando do general Osório podia ser efetuado sem necessidade de grande número de carretas, visto que tinha pouco transporte terrestre, pois os depósitos de víveres achavam-se em cidades e vilas com livre navegação a vapor. Por isso, não exigiam grandes depósitos de víveres, nem se tornou necessário, portanto, grande emprego de capital etc.
Diferentemente, o Exército do barão de Porto Alegre tinha de receber os fornecimentos de longas distâncias, desde Rio Pardo, Pelotas e Salto, sempre por via terrestre, pois “a navegação no Rio Uruguai fica impraticável de janeiro em diante” (sic); portanto, tudo precisava ser transportado por carretas, atravessando regiões que já haviam sido devastadas, primeiramente pelos paraguaios, depois pelos próprios aliados.
Segundo sua expressão, em Corrientes e no Paraguai “não se encontrará nenhuma espiga de milho para comprar”. Inclusive o gado teria de ser levado do Rio Grande do Sul. Na sua avaliação, os 15 mil homens previstos para o Exército do barão de Porto Alegre consumiriam diariamente 250 reses, 214 alqueires de farinha e 13 de  sal, 88 arrobas de erva-mate e 15 de fumo etc. Isso iria exigir 180 carretas, e, mensalmente, a compra de 7.500 reses. Além da mobilização de capital, havia o mau estado das estradas e a falta de segurança. Portanto, concluía, o abastecimento por terra custava mais caro, o que justificava o preço mais alto que estava cobrando.
Apesar das justificativas, aparentemente razoáveis, expostas pelo fornecedor, o contrato foi considerado extremamente oneroso. É por isso que, mais tarde, quando se deu conta dos preços absurdos que estavam sendo pagos, o ministro da Guerra, Silva Ferraz, tratou de escrever ao barão de Porto Alegre para que este rescindisse, tão logo fosse possível, aquele contrato, e celebrasse outro que oferecesse mais vantagens para os cofres públicos (mas isso não chegou a acontecer).
Para piorar, no final de janeiro daquele ano (1866), o barão de Porto Alegre, não sabendo ainda do novo contrato assinado no dia 16, havia autorizado a compra de quatrocentas mil rações para seu Exército, ao preço de 420 réis, com os fornecedores do Exército de Osório. Essa compra, entretanto, não se efetivou porque naquele momento se apresentou Francisco Antônio Borges, um dos novos fornecedores desse Exército, pois que era sócio de José Luiz Cardoso de Salles.
Essa informação confirmava a acusação de que a licitação realizada no dia 6 de janeiro, em Porto Alegre, não havia passado de uma farsa, pois Antônio Borges tinha sido concorrente, tendo sua proposta ficado em segundo lugar!
E servia, também, para mostrar que era possível obter preços menores mesmo na fronteira, onde se achava o Exército do barão de Porto Alegre, conforme denúncia feita mais tarde pela oposição no Parlamento.

1.3 Críticas aos contratos celebrados no sul
Os contratos celebrados com José Luiz Cardoso de Salles, à medida que foram sendo conhecidos, tornaram-se objeto de acesas discussões no Parlamento, tendo recebido muitas críticas. Dada a importância que elas têm para o tema deste livro, vale a pena mencionar pelo menos algumas delas.
Primeiramente, as críticas do senador Teófilo Otoni, feitas no Parlamento, das quais foram extraídos os trechos abaixo.(11)

1) Segundo Otoni, o fornecedor José Luiz Cardoso de Salles fazia parte de uma comandita, “conhecida no Rio Grande e estabelecida para explorar o tesouro público, em proveito dos sócios ostensivos e ocultos”.
2) Criticava, no contrato celebrado em 24 de fevereiro de 1865, na Vila da União, a cláusula que limitava a validade daquele contrato aos territórios da província do Rio Grande do Sul e do Uruguai. Afinal, argumentava o senador com razão, naquele momento, o conflito no Uruguai já se encerrara e a guerra contra o Paraguai já havia começado, sendo portanto inevitável que o Exército atuasse em território argentino.
3) O contrato firmado em Uruguaiana, em caráter de emergência, com a autorização do ministro da Guerra (que então se encontrava naquela cidade), mereceu as maiores críticas do senador.

Registro, a seguir, algumas delas:
Primeira: o contrato foi firmado com o mesmo José Luiz Cardoso de Salles, o tal da “comandita”.
Segunda: esse novo contrato era desnecessário, pois ainda estava em vigor o contrato de 24 de fevereiro, que estabelecia menores preços, e cujas cláusulas davam ao governo o poder de prorrogá-lo.
Terceira: novamente se aceitava a cláusula restritiva de valer o contrato apenas para o território do Rio Grande do Sul, “quando o Exército já estava na beira do rio Uruguai e devia em poucos dias operar na Confederação Argentina”.
Quarta: havia no contrato uma cláusula segundo a qual, quando o Exército passasse a um país estrangeiro, o fornecedor teria o direito de fazer sua proposta. O senador perguntava: “dada uma tal condição havia porventura concorrência possível? Esta condição, por si só, não entregava os fornecimentos à discrição do feliz fornecedor?”.
Quinta: o contrato era considerado provisório e duraria até que o serviço fosse definitivamente contratado, mas não deveria durar menos de quatro meses. No caso de o governo cancelar o contrato antes desse prazo, então “o governo receberá todos os gêneros em depósito, que os contratadores tiverem, pelo preço do presente contrato, ou conforme o preço das tabelas”. Diante dessa condição, Otoni comentava: “Assim armados, os felizes fornecedores para fazer fortuna não tinham mais trabalho do que o de aglomerar grande porção de gêneros para o fornecimento, com a certeza de vendê-los (mesmo que o contrato se rescindisse) por preços fabulosos”.
Sexta: a cópia desse contrato não chegou ao presidente da província do Rio Grande do Sul, sendo, portanto, suas cláusulas desconhecidas dessa autoridade, que estava encarregada de promover as concorrências.

4. Nessa ocasião, o senador Teófilo Otoni fez a conta do lucro da tal “comandita”. Tomando por base o contrato firmado na Vila União, escreve,

dava-se um boi para 60 praças, e a etapa de 60 praças vinha a custar 60 x 660 réis = 39.600 réis. Ora, pelo preço das tabelas do mesmo contrato, custa o sal 9 réis, mate 45, farinha 75, fumo 64 (no contrato não menciona preço de fumo e farinha, e o algarismo que eu tomo é tirado do contrato de Montevidéu). Portanto, neste contrato, a etapa, menos a carne, é igual a 184 réis; ficam pois 476 réis para o preço da carne; 476 multiplicados por 60 produz 28.360 réis. É este o preço da carne de uma rez. (Mas) deve-se adicionar ainda o couro, a graxa, o sebo etc., que elevam o preço de cada rez a mais de 40 mil réis. (Nota: o senador se enganou na conta: em vez de 184, o certo é 193 réis, o que altera, para menos, os demais valores.)

Segundo o senador, um boi, que custava de 14 a 16 mil réis, era vendido por quarenta mil réis. E mais: “além disto o fornecedor tinha o lucro que lhe provinha de todos os outros fornecimentos”.
Fazendo as contas para o sal, ele concluía que o fornecedor vendia por 12.960 réis o alqueire do produto, que “em São Borja decerto não custa 2.000 réis, e assim outros gêneros”.

5) Para mostrar que o contrato de Uruguaiana favorecia a “comandita” dos fornecedores, o senador comparou o preço da etapa desse contrato com o preço da etapa de outros contratos que vigoravam para algumas unidades menores do Exército (divisões e brigadas):
a) do general Portinho: 560 réis,
b) do general barão de Jacuí: 550 réis (acampada) e 600 réis (em marcha),
c) do general Canabarro: 460 réis,
d) do coronel Fontes: 560 réis.

No dia 17 de julho de 1866, o ministro Silva Ferraz discursou no Senado e rebateu as críticas de Teófilo Otoni, defendendo a lisura de seus atos. Seja dito de passagem que seus argumentos conferem com a documentação.
Insistia em que o contrato de Uruguaiana era provisório e negou as insinuações de Otoni de que teria favorecido a “comandita”: ao assumir o ministério, em maio de 1865, já existiam no Rio Grande do Sul contratos com aqueles fornecedores. Ele próprio criticou o contrato de 16 de janeiro, e procurou mostrar que não teve responsabilidade por esse documento.
Em outro discurso, desta vez na Câmara dos Deputados, diz que:

as ordens para sua celebração foram dadas com muita antecedência; que ele celebrou-se, e até hoje não pude aprová-lo. E nem pude também reprová-lo, porque havia uma condição de que, se acaso não fosse ele aprovado, o governo tomaria pelos próprios preços taxados todos os gêneros em depósito que tivessem os contratadores. Por demais, o mesmo contrato foi desde logo posto em execução, e era quase impossível de repente substituí-lo por outro, estando o Exército em vésperas de sua marcha, e por este motivo os contratadores tinham feito depósito de grande quantidade de gêneros, para prevenir qualquer medida.(12)

Por sua vez, o barão da Boa Vista, discursando no Senado, também tratou de defender-se.13 Começou dizendo que assumiu a presidência da província do Rio Grande do Sul em julho de 1865, quando já estava em andamento o processo de licitação do fornecimento do Segundo Corpo do Exército. A demora em tomar as providências se deveu, segundo ele, ao fato de que desconhecia a província14 e de que se achava sem autoridade sobre os assuntos militares, sobretudo porque o ministro da Guerra encontrava-se na província.
Rebatendo as críticas de que assinara um contrato lesivo aos cofres públicos, aquele de 16 de janeiro, dizia: “Nunca me persuadi de que em dias de minha vida houvesse de me justificar por ter feito um contrato”. E mais: que “sempre reprovou o fornecimento por contratos e que se julgava sem habilitações para fazer contratos”.
Acrescentava ainda que tinha informações de que os preços na fronteira eram muito altos, conforme ofícios que havia recebido de “juízes municipais que mandavam pedir gratificações, porque não podiam viver com os vencimentos que lhes eram marcados”. Para ele, “a tarefa de fazer contratos não pode ser de generais, nem de presidentes de províncias, que não estão a par de preços de gêneros e tudo o mais. Isso devia ser tarefa de um comissário”.
Eram, na verdade, argumentos muito frágeis. Afinal, existiam os funcionários da Fazenda (inspetores e fiscais), que podiam dar a necessária assessoria, e Boa Vista era um político com grande experiência administrativa, pois era senador e fora já presidente de Pernambuco, sua província natal.
Outro que criticou o contrato de 16 de janeiro de 1866 foi o deputado Joaquim Floriano de Godoy, de São Paulo. Segundo seus cálculos, o referido contrato teria causado um prejuízo de mais 1.300 contos de réis para o governo.(15)

1.4 Os argentinos Lanús e Lezica tornam-se os fornecedores de víveres das tropas brasileiras

Depois de tantas críticas, os contratos com os fornecedores de víveres sofreram mudanças importantes em meados de 1866.(16) O contrato com José Luiz Cardoso de Salles, fornecedor do Segundo Corpo do Exército, foi renovado com uma pequena baixa de preço. Mas a mudança mais importante se deu no Primeiro Corpo do Exército. Neste, houve a troca de fornecedores: saíram Cabal & Benites e entraram Ambrosio Placido Lezica e Anacarsis Lanús, “ricos negociantes de Buenos Aires”, que já eram fornecedores das tropas argentinas.(17)
Esses senhores, Lezica e Lanús, permaneceriam como fornecedores do Exército brasileiro até o final da guerra.
Com a troca de fornecedores, obteve-se uma melhoria de qualidade e menores preços: a etapa dos soldados, em território paraguaio, baixou de mil réis para oitocentos réis. Esses fatos – a mudança de fornecedor e a baixa do preço – foram atribuídos à intervenção do enviado especial do Brasil ao Rio da Prata, Francisco Otaviano, e do general Polidoro, que substituíra Osório no comando do Primeiro Corpo do Exército.
O jornal Correio Mercantil, ao dar essa notícia, comentou:

Era na verdade um escândalo que o Exército brasileiro estivesse comendo carne magra, e alguns dias só carne seca, por não terem gado os fornecedores, quando à meia légua de distância o Exército argentino recebia excelente carne, e sempre abundante. Fez-se, pois, um novo contrato, e com grande vantagem para a tropa e para o estado. Agora, além da mesma porção de carne e farinha, os soldados de infantaria recebem café, açúcar etc. O estado poupa como 100:000$ ou 600:000$, nos três meses de fornecimento... De 800 réis para 1$200, que exigiam Cabal & Benites, e 1$600, que Salles, Pereira e Comp. tinham alcançado, há uma diferença considerável; há milhões poupados, e este serviço deve-o o Império aos Srs. Otaviano e Polidoro, além do zelo com que procederam o Quartel-Mestre-General (Dr. Carvalho), e o fiscal da Fazenda João Batista de Figueiredo.(18)

A alteração ocorrida em meados de 1866 fez aumentar a disparidade de preços que se pagavam aos fornecedores dos dois corpos do Exército, o que continuava dando margem a duras críticas dos parlamentares. Um destes foi o senador Pompeu, que, indignado, perguntava: “Ora, por que essa diferença de preço, quando os exércitos estão no mesmo território e quase reunidos? Não poderia o governo ou o seu general alcançar o mesmo preço para o fornecimento deste corpo?”.(19)
A indignação desse parlamentar, e de muita gente, chegou ao fim no início de 1867, com a mudança de fornecedores do Segundo Corpo do Exército. Saía de cena, depois de dois anos, José Luiz Cardoso de Salles. O novo fornecedor passou a ser Antônio Gomes Pereira, qualificado apenas como “negociante proprietário”, da cidade de Cachoeira (RS). As novas condições seriam iguais àquelas definidas no contrato que, na mesma data, 10 de janeiro de 1867, foi renovado com Lanús e Lezica, para o Primeiro Corpo do Exército. (Nota: não foi possível saber até quando Antônio Gomes Pereira permaneceu como fornecedor de víveres para as tropas do Segundo Corpo do Exército).
Os novos contratos iriam vigorar a partir de 20 de fevereiro de 1867, por um prazo de seis meses, ou menos se a guerra acabasse, ou mais se necessário. O conhecimento das novas condições é possível porque os contratos foram publicados nas Ordens do dia, pelo marquês de Caxias.(20)
O preço da ração para os praças seria de 750 réis e para os oficiais seria de 1.400 réis, estando os efetivos numa área não distante cinco léguas dos rios Paraná e Paraguai; fora dessa área, acréscimo de 10%. Se a tropa estacionasse próxima de Buenos Aires ou Montevidéu, far-se-ia um ajuste nos preços. Se as tropas entrassem no Mato Grosso, o contrato continuaria valendo, sujeito a alterações em função da distância ou da escassez de recursos. Ficava prevista a junção dos dois corpos do Exército, permanecendo as mesmas condições.
Acrescente-se ainda que o novo fornecedor do Segundo Corpo do Exército, Antônio Gomes Pereira, ficava, ademais, obrigado a abastecer também a divisão sob o mando do brigadeiro José Gomes Portinho, acampada em Aguapehy, na província de Corrientes, ao preço de novecentos réis a ração, um pouco mais alto por causa da distância.
Portanto, Lanús e seu sócio Lezica, os “ricos negociantes de Buenos Aires”, tornaram-se, a partir de meados de 1866, os fornecedores de víveres das tropas do Primeiro Corpo do Exército e posteriormente, em data ignorada, de todas as tropas brasileiras no Paraguai. Porém, ao assumir o comando das tropas brasileiras, no início de 1870, o conde d’Eu, genro de dom Pedro II (21) tentou tirá-los do negócio e anunciou que tão logo o contrato se encerrasse haveria uma licitação.(22) Os dois comerciantes tentaram dissuadir o príncipe dessa ideia, mostrando-lhe os problemas que poderiam advir da interrupção do abastecimento. Até concordaram em baixar os preços.
Mas ele insistiu e marcou a licitação, esperando que os lucros do negócio atraíssem muitos candidatos; consequentemente os preços iriam cair, com ganhos para o Tesouro Nacional.
O príncipe tomou essa decisão confiando no interesse que o fornecimento despertava nos concorrentes. Porém, na data marcada, nenhum candidato apareceu. E foi preciso insistir com Lezica e Lanús para que retomassem o fornecimento. Mas aí aconteceu o que Lezica e Lanús haviam previsto. A possibilidade de perder o negócio fizera que interrompessem o movimento de gado e dos navios com os gêneros. E, então, sobrevieram “as terríveis faltas e consequentemente fome nos acampamentos”.
Nessa situação desesperadora, o conde d’Eu escreveu para Assunção, onde se achava o visconde de Rio Branco, para que este tomasse providências urgentes.

Aquele ilustre diplomata ordenou então à Casa Mauá que, de Montevidéu remetesse, logo e logo, um milhão e duzentas mil rações para a infantaria e cavalaria, mas a encomenda só pôde ser satisfeita e chegar a Assunção, quando recomeçara já, com o primitivo método, o movimento de víveres enviado regularmente por Lezica e Lanús. Ficaram, pois, aqueles víveres [...] empilhados à margem do rio, defronte de Assunção! E nem foram um só milhão e duzentas mil rações, porém, o dobro, isto é, dois milhões e quatrocentas mil, porquanto, em Montevidéu, os agentes de Mauá interpretaram a ordem “para infantaria e cavalaria” não englobadamente, mas conforme mais lhes convinha. E assim é tudo neste mundo! (23)

Vale a pena registrar, por fim, o caso ocorrido com os comerciantes Travassos & Cia., fornecedores da divisão brasileira que permaneceu estacionada no Paraguai, após o término da guerra. Haviam assinado, em 24 de dezembro de 1870, um contrato que começou a vigorar em 1º de fevereiro de 1871. Dois meses depois, alegando uma série de problemas para cumprir o contrato, eles entraram com um pedido, solicitando a prorrogação do contrato e o aumento no valor das etapas, de 620 para 750 réis. Tanto o chefe da Repartição Fiscal como o general comandante da divisão concordaram com a reivindicação. De fato, o preço da etapa devia ser mesmo baixo, e a prova disso é que Lanús e Lezica não quiseram aceitar esse fornecimento.

1.5. Informações adicionais sobre o funcionamento do fornecimentos de víveres

A partir do contrato de 10 de janeiro de 1867, celebrado com os fornecedores Lanús e Lezica, é possível registrar algumas informações interessantes sobre os fornecimentos de víveres para as tropas, nos acampamentos do Exército.

Procedimentos - A carneação e a distribuição de víveres eram feitas em lugar central do acampamento em dias e horas determinados pelo comandante. Sempre que possível, os arrematantes eram prevenidos com antecedência para abastecer o Exército para onde ele devesse marchar. Os gêneros de consumo diário eram servidos em porções para um, dois, três dias e até mais.

Tabelas - A tabela para a infantaria previa o fornecimento dos seguintes víveres: carne verde, farinha, café, açúcar, sal e fumo. Para a cavalaria: carne verde, farinha, sal, erva e fumo. (Observação: a cavalaria era composta de gaúchos, o que explica a presença do mate.) Mensalmente, eram distribuídos dois pães (sic) de sabão e papel almaço. A tabela dos oficiais se constituía de maior variedade e de maiores quantidades, e previa: carne verde, farinha, sal, açúcar, café, arroz, feijão, pão ou bolacha, erva-mate e fumo.
A carne verde podia dar lugar ao charque e na falta de qualquer gênero ela seria compensada por uma ração maior de carne ou de farinha; o café podia ser substituído por mate ou aguardente. Se a falta de gêneros ocorresse por culpa dos fornecedores, haveria multa, da mesma forma que a entrega de gêneros estragados. Das multas, o arrematante podia recorrer ao comandante-em-chefe.

Pagamentos - O fornecimento gerava vales, que deveriam ser resgatados por livranças (cédulas ou ordens escritas de pagamento), que os fornecedores deveriam passar até o dia 5 do mês seguinte, em duas vias, uma das quais era remetida à Repartição Fiscal para ser processada, liquidada e entregue à Pagadoria Militar. Esta, dentro dos primeiros 15 dias do mês, faria o pagamento do fornecimento do mês anterior, em letras do Tesouro Nacional para o prazo de 15 dias.

Estoques - O fornecedor tinha a obrigação de manter um rebanho de dez mil cabeças, próximo aos rios Paraná e Paraguai, e um estoque de oitocentas mil rações. Deveria ter navios, carretas e animais para transporte dos gêneros, e mais peões e prepostos em quantidade suficiente. O Exército só excepcionalmente forneceria homens e meios materiais. Em caso de emergência, os arrematantes auxiliariam no transporte de trem bélico e de agasalhos para doentes e feridos.
O contrato obrigava os arrematantes ao fornecimento de dietas aos hospitais e enfermarias. E trazia uma tabela de gêneros e respectivos preços.

2. OS FORNECIMENTOS PARA AS TROPAS QUE MARCHAVAM PARA O MATO GROSSO
Também há o que ser escrito com relação ao abastecimento das tropas que marcharam para o Mato Grosso, tanto na parte dos víveres para os soldados quanto às forragens para os animais. Aqui, a situação era mais difícil do que no sul, porque, além das dificuldades de comunicações e de transporte, foi preciso começar tudo praticamente do zero.
A primeira atitude do governo foi orientar as autoridades provinciais (São Paulo e Minas) para que tomassem as providências quanto ao fardamento e víveres, “fazendo-se pela tesouraria da Fazenda as despesas precisas”, e autorizando aumentar o valor das etapas para “o preço que for necessário”.
E logo começaram a ser celebrados os contratos com os fornecedores de víveres. Contratos com diferentes condições. Um primeiro foi firmado, pela Presidência da província de Minas Gerais, em 6 de abril de 1865, na cidade de Ouro Preto, com Antônio de Alcântara Guimarães. Esse contrato previa o abastecimento e, ao mesmo tempo, o transporte. O contratador receberia 1.300 réis por besta carregada com oito arrobas, até o limite de 660 animais. A respeito desse contrato, Taunay informa o seguinte:
Aí em Uberaba começou a vigorar o contrato celebrado com o Alcântara que viera fornecendo à gente de Ouro Preto e comprometia-se a abastecer as forças expedicionárias até o primeiro ponto de parada definitiva em Mato Grosso.(24)
Outro foi celebrado em Campinas, no mês de junho de 1865, com Carlos Duarte, para fornecer víveres às tropas que iam de São Paulo ao Mato Grosso. O valor das etapas seria de mil réis. Mas esse fornecedor teve contínuos desentendimentos com a Repartição Fiscal e acabou rescindindo o contrato. Na mesma data, há referência de um contrato celebrado pelo comandante dos Voluntários da Pátria com o negociante Joaquim José Macedo, para que este fornecesse gêneros e alimentos às praças até a vila de Santana do Parnaíba.(25)
Mas a alimentação das tropas que combateram no Mato Grosso sempre foi precária, o que justificava os constantes pedidos de remessa de víveres que o comandante das tropas e o governador daquela província faziam ao governo central.
O visconde de Taunay, que tomou parte na expedição, e registrou depois suas impressões nas suas Memórias, fez a esse respeito constantes reclamações. Quando a expedição atravessava o sul de Goiás, disse ele que já iam devagar

a lutar com a falta sensível de mantimentos e com a escassa distribuição de carne de vaca. Aqueles lugares centrais não estavam em condições de ministrar amplo fornecimento à coluna, de mais de três mil pessoas, que os estava atravessando.(26)

Em outra parte da obra, descrevendo as condições da tropa no acampamento do Coxim, no início de 1867, Taunay escreveu que “os víveres minguavam, cada vez mais, e só se faziam parcas distribuições de carne de má, ou antes, péssima qualidade e de punhados de sal grosso. Sofria-se realmente fome [...]”.(27) Algum tempo depois, quando as tropas ficaram ilhadas nas margens do Rio Negro, o abastecimento entrou em colapso.
Tal a penúria de víveres, e a tão desesperado estado chegou, que a alimentação geral era quase exclusiva de frutos da mata, sobretudo jatobás, cuja abundância tomara visos de providencial. E as autoridades mandavam fazer pelos soldados colheitas de enormes sacos, depois distribuídas como rações determinadas pela lei! (28)

3. O COMÉRCIO NA RETAGUARDA DAS TROPAS
Era um costume antigo a presença das mulheres que acompanhavam seus homens que serviam no Exército. Além de mulheres e crianças, havia também prostitutas, jogadores e aproveitadores de toda espécie. E também comerciantes, que abasteciam toda essa gente, vendendo de tudo. Afinal, havia muito dinheiro circulando nos acampamentos militares. Conforme depoimento de Richard Burton, “Os oficiais andavam com os bolsos cheios, enquanto os mascates faziam pequenas fortunas vendendo colheres de prata, canecas e artigos semelhantes”.29
Segundo o testemunho de outro contemporâneo,

Em cada seção do acampamento (Tuiuti, no Paraguai), encontrava-se espécie de mercado, onde, por preços fabulosos, os negociantes ofereciam todos os artefatos, característicos da civilização, por exemplo, conservas de beefsteak aux champignons ou aux truffes, vários outros acepipes, vinhos finos e bebidas espirituosas, e até artigos de toilette para homens e senhoras, porque muitos oficiais parece terem trazido para ali as prezadas consortes. Os pagamentos realizavam-se sempre em libra e meia libra esterlina.(30)

Quando o Exército esteve acampado em Tuiuti, por mais de um ano, os comerciantes que o seguiam eram tão numerosos que formavam uma cidade.
Caxias adotou algumas medidas para organizar a presença dos comerciantes nos acampamentos militares. Na Ordem do dia, de 26 de novembro de 1867, determinou que fosse criado um corpo com a denominação de Voluntários do Comércio. Esse corpo seria composto dos comerciantes estabelecidos nos acampamentos, havendo um para cada quarteirão, diretamente subordinado ao inspetor de polícia do campo. Assim, os próprios comerciantes ficavam encarregados de defender suas propriedades por ocasião dos combates.
No ano seguinte, em 1868, Caxias baixou novas instruções para ordenar a presença do comércio. Os acampamentos militares ficariam assim: primeiro, vinha o corpo do Exército; em seguida, a Pagadoria e o corpo de transporte; depois, vinha outro corpo do Exército; seguiam-se as bagagens; depois, o transporte e o fornecimento; por fim, o comércio.(31)

4. AVALIAÇÃO DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE VÍVERES
O sistema de fornecimento de víveres por licitação apresentou muitos problemas e foi criticado na própria época. A correspondência entre a Presidência da província do Rio Grande do Sul e o Ministério dos Negócios da Guerra, existente no Arquivo Nacional (32) nos dá uma ideia inicial desses problemas.
No dia 10 de novembro de 1864, o então presidente da província gaúcha, João Marcelino Gonzaga, escreveu ao Ministério dos Negócios da Guerra fazendo algumas considerações, e sua correspondência deu margem a um documento elaborado pela primeira seção da Quarta Diretoria Geral do Ministério, em 29 de março de 1865. Este documento, a certa altura, diz o seguinte:

Esta seção tem emitido por diversas vezes e com toda a franqueza, que lhe é imposta pelo dever da fiscalização dos dinheiros da Fazenda Nacional, a sua opinião sobre os contratos feitos para o fornecimento do Exército em operações justificando com cálculos exatos quão lesivo tinha sido o contrato primitivo, não só por serem deficientes as tabelas dos fornecimentos como também o excessivo preço da etapa. O governo imperial, por aviso de 2 de janeiro do corrente ano, mandou reduzir o tempo de duração do referido contrato, recomendando à Presidência da dita província que se esforçasse para reformar as tabelas de fornecimentos, ainda mesmo com aumento dos preços das etapas. Em vista dos inconvenientes demonstrados pelo comandante-em-chefe do Exército foi renovado o contrato de fornecimento com o mesmo indivíduo por mais três meses, no qual foram aumentadas as tabelas e diminuído o preço das etapas, resultando disso, segundo informou o fiscal da Fazenda, João Cesário de Abreu, uma economia superior a 80:000$000 réis, digno sem dúvida de louvor, porque teve de lutar com grandes embaraços apresentados pelo único indivíduo que se achava no caso de encarregar-se do fornecimento, e que estava farto de ganho com o primitivo contrato e por isso habilitado a grandes interesses.

Por sua vez, o diretor geral do Ministério, referindo-se ao contrato de 10 de novembro, fez à margem do documento (citado no parágrafo anterior) o seguinte comentário:

Que o contrato primitivo celebrado pela Presidência para o fornecimento do Exército foi demasiadamente lesivo aos interesses da Fazenda Pública e à alimentação da tropa é incontestável e está exuberantemente provado.

É interessante observar que tanto os presidentes da província quanto o diretor do Ministério se pronunciavam, já naquela época, contra os contratos com fornecedores.
O primeiro a criticar as tabelas foi Marcelino Gonzaga. Sua argumentação era a seguinte:

Insisto, porém, na opinião que mais de uma vez tenho manifestado ao governo imperial, sobre a inexequibilidade dessas tabelas de fornecimento, compreendendo certos gêneros de alimentação. Não é indiferente serem essas tabelas assim organizadas, por dizer-se que, se não puderem ser executadas, será a falta imputada à força maior, ficando entretanto salvos os bons desejos do Estado ou do governo. O contratador quando contrata sabe com certeza que não há de cumprir, e que essas circunstâncias de força maior hão de justificá-lo, mas exige maior preço para contratar, argumentando com as exigências das tabelas pelas quais se pretende que ele forneça. O soldado quando não for alimentado segundo essas tabelas, há de clamar contra o mau fornecimento, contra o não fornecimento do contrato, contra a falta de zelo dos seus superiores, e não se convence nem admite a culpa de força maior. Por que não se há de evitar tudo isto? Façam-se tabelas o melhor que é possível, tendo em consideração as circunstâncias... Faça-se o que for melhor dentro das raias do que, com bons fundamentos, presume-se que é exequível [...].

Enfim, o que ele queria dizer era que, conforme o lugar em que o Exército estivesse acampado. Sabia-se antecipadamente que certos alimentos não poderiam ser fornecidos e, portanto, não adiantava colocá-los na tabela, pois isso só faria justificar o aumento dos preços.
O presidente da província dava os seguintes exemplos: “o pão será substituído por uma bolacha inservível; o toucinho é de muito pouco uso na campanha, sendo substituído pela gordura de vaca”.
Já vimos anteriormente as críticas formuladas pelo visconde da Boa Vista, que sucedera Marcelino Gonzaga na Presidência da província do Rio Grande do Sul. Para Boa Vista, a tarefa de fazer contratos não devia ser de generais, nem de presidentes de províncias, que não estavam a par de preços de gêneros e tudo o mais. “Issdevia ser tarefa de um comissário”, era sua opinião.
Também o diretor do Ministério dos Negócios da Guerra criticava, e de forma severa, o próprio sistema de contratos:

[...] entendo ser muito mais conveniente criar-se uma Repartição de Víveres ou Comissariado bem montado com empregados de reconhecida probidade e mérito, pagando-se-lhes muito bem, como já propus, e castigo severo para os prevaricadores. Não insistirei mais nessa opinião, visto que todas as tendências propendem para que o fornecimento continue por arrematação; mas entendo que, se o governo resolver por esse modo, não é conveniente que os contratos sejam feitos por intervenção da Presidência da província do Rio Grande do Sul, mas deixando-se toda a liberdade ao comandante-em-chefe e ao Fiscal adjunto.

O Parlamento também foi palco de muitas críticas ao sistema de arrematação. Muito apropriadas foram, por exemplo, as críticas formuladas pelo deputado Felipe de Oliveira Neri, do Rio Grande do Sul. “[...] o abastecimento das munições de boca”, disse ele,

implica, exige o conhecimento prévio dos planos de operações, da força real e condições do Exército, e salta por conseguinte aos olhos que aquele a quem for confiado este serviço não pode ser senão pessoa da mais cabal e íntima confiança para o general e para o governo. Isto posto, perguntarei eu: pode-se comprar, compra-se confiança? (33)

Após a guerra, o próprio governo imperial se mostrou interessado em avaliar o sistema de fornecimento de víveres. E procurou saber a opinião dos principais chefes militares, que haviam lutado na Guerra do Paraguai. Encaminhou um questionário a seis deles.
O Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra de dezembro de 1872 trouxe as questões e as respostas de três generais: do visconde de Pelotas (José Antônio Correia da Câmara), do conde d’Eu e do duque de Caxias. E todos eles condenaram o sistema de contratação. Vale a pena transcrever alguns trechos mais significativos.

1. O visconde de Pelotas, por exemplo, escreveu o seguinte:

o fornecimento como no Paraguai é desvantajoso, entre outras muitas razões, pela necessidade que acarreta de estarem os homens que não pertencem ao Exército ao fato, mais ou menos, dos prováveis movimentos e operações das forças, e o êxito de uma campanha muitas vezes em suas mãos.

Ele cita um exemplo:

Quando estávamos nas Cordilheiras foram tantas e tão repetidas as faltas cometidas que nos iam sendo fatais, por causa delas sofreram fome os que foram a São Joaquim; e eu lutei com um milhão de dificuldades... ainda pelo relaxamento daqueles a quem tanto convinha a continuação da guerra.

A sua sugestão era a seguinte: “Creio que um comissariado, composto de homens escolhidos e bem pagos, trará ao Estado, em caso de guerra, uma economia de 40 por cento sobre as importâncias que teriam que ser gastas sem ele”.(34)

2. Caxias manifestou uma opinião. Ele condenava

o costume, introduzido em nosso Exército, de se contratar o fornecimento com pessoas inteiramente estranhas ao mesmo Exército, e portanto não sujeitas à sua disciplina”. [E sugeria que] sempre que o Exército, ou parte dele, tenha de entrar em operações, seja criado desde logo um comissariado geral, que se encarregue dos contratos para o fornecimento.(35)

3. O conde d’Eu, que substituiu Caxias no comando das tropas aliadas a partir de março de 1869, foi ainda mais incisivo nas críticas ao sistema e formulou respostas mais detalhadas para cada um dos itens questionados.
Começou por admitir que, no caso da Guerra do Paraguai, os contratos de longa duração tornaram-se necessários porque: I) o país invadido (Paraguai) não oferecia nenhum recurso; II) havia na retaguarda a poderosa praça de Buenos Aires, que dispunha de firmas comerciais, enriquecidas pela própria guerra, que dispunham de grandes meios para poder satisfazer as necessidades do Exército; III) os transportes, pelo menos até o ano de 1869, eram feitos quase unicamente por água, serviço para o qual os particulares se achavam tão bem habilitados quanto as repartições do Exército.
Apesar disso, fazia muitas ressalvas: “Inclino-me, entretanto, a crer que mesmo nestas condições favoráveis não foi vantajosa ao Exército a concentração nas mãos de um só particular de todo o serviço de fornecimento”. E mais:

Não me parece em geral o mais conveniente o sistema de confiar o fornecimento de todo o Exército a uma só firma comercial por contrato de longa duração. Essa firma livre da concorrência adquire por esse fato uma importância exagerada de que pode fazer uso de um modo prejudicial às operações.

O conde acrescenta que, a partir de 1869, quando o inimigo se retirou para o interior do país, os fornecedores nem sempre dispuseram dos convenientes meios de transporte terrestre para acompanhar as marchas do Exército. Isso se deu sobretudo com o fornecimento de gado:

Depois que o Exército, em setembro e outubro de 1869, sentiu falta deste alimento de primeira necessidade, deliberei-me a mandá-lo comprar a diversos comerciantes independentemente de contrato existente com os fornecedores, e tirei grande proveito desta providência, que não só proporcionou aos nossos soldados gado mais gordo do que aquele ordinariamente entregue pelos fornecedores como, assegurando-nos uma reserva deste artigo, facilitou grandemente as operações que trouxeram o aniquilamento das últimas forças inimigas.(36)

Mas se o sistema de comissariado era defendido pelo visconde de Pelotas e por muitos outros, também havia os que o condenavam. Um destes era José Maria da Silva Paranhos, visconde de Rio Branco, para quem o sistema de contratos não funcionava bem, com também não funcionou o antigo sistema de comissariado, embora não propusesse nenhum sistema alternativo.(37)
Outro era o próprio Ângelo Muniz da Silva Ferraz, ministro da Guerra nos anos de 1865 e 1866. Discursando no Senado, para defender-se das críticas à administração da guerra no Rio da Prata, ele recorreu aos seguintes argumentos:

Se nós temos de lamentar que a administração [...] não vai bem, não vemos que estes inconvenientes são inerentes a toda administração? Não vemos que é um princípio reconhecido por todos os economistas de que a administração do Estado é sempre a pior? [...] Quando é feito o fornecimento por administração, se falta alguma coisa, o Estado é responsável, a colisão é maior, a celeuma é mais forte. [...] O Ministério é sempre o bode expiatório, quer chova, quer faça sol, quer os rios se assoberbem, quer a seca estrague tudo, quer os pastos definhem e se atrasem, quer os homens abandonem os serviços em que estão empregados, ou mal o dirijam. E, além disso, nos depósitos é fácil o extravio, principalmente entre nós, onde se diz que os bens da nação a ninguém pertencem, são dos primi capientis [que primeiro os tomam].(38)

Nesse discurso, Silva Ferraz, para comparar, fez uma referência aos fornecimentos durante a intervenção francesa na Criméia e na Itália. Apoiando-se numa obra francesa, Etude sur l’administration militaire en campagne, de um certo Sr. Sanson, que fora intendentegeral, Silva Ferraz discorre longamente sobre a questão dos fornecimentos. Mas sua conclusão é de que na Criméia, onde foi feito por administração direta, o fornecimento apresentou muitos problemas, enquanto na Itália, em que se adotou o sistema de contrato, “o Exército francês foi bem municiado, foi bem sustentado”.
A comparação com o exemplo francês era recorrente no discurso do ministro. Alguns dias antes, na Câmara dos Deputados, em aparte ao deputado gaúcho Felipe de Oliveira Neri, que criticava o sistema de contratos, Silva Ferraz insistiu na tecla: “Havia (na França) uma administração central, mas os contratos eram feitos com particulares”.
Mas o modelo francês também era conhecido do deputado, que retrucou:

[...] A prática francesa é que a administração militar contrate este fornecimento por seções, fracionadamente, para o abastecimento dos armazéns da intendência, e não é isto o que S. Excia. tem feito. Entre nós faz-se a arrematação do fornecimento de víveres para o Exército em todas as situações; o arrematante não se limita a prover os víveres precisos; substitui a administração oficial; e tanto que nos próprios contratos se diz que o general comunicará ao fornecedor, sempre que for possível, o destino das forças para serem ali fornecidas”.

Portanto, conclui o deputado, o fornecedor acabava tendo conhecimento com antecedência do plano das operações.(39)
À primeira vista, parece surpreendente que, mesmo recebendo tantas críticas, esse sistema tenha subsistido durante toda a guerra.
Mas, na verdade, é compreensível que tenha sido assim, se pensarmos que sua substituição pelo fornecimento por administração direta acarretaria riscos que as autoridades não quiseram enfrentar. Seriam precisos funcionários com experiência, licitações, prazos, armazéns, carretas etc., tudo em grande quantidade, criando amplas possibilidades de perdas, extravios, roubos etc., reais e imaginárias. E, notadamente, havia sempre a expectativa de que estava próximo o término da guerra.
A partir de 1867, entretanto, as críticas diminuíram e quase desapareceram dos documentos.
É lícito concluir, portanto, que os contratadores do fornecimento para o Exército ganharam muito dinheiro. Os argentinos mais que os brasileiros, porque atuaram por mais tempo, fornecendo para um número maior de soldados.
E é inevitável que nos perguntemos sobre o destino desses ganhos. Por que não permitiram uma acumulação que alavancasse o surgimento de prósperas empresas capitalistas?
León Pomer, conhecido historiador argentino, referindo-se aos fornecedores patrícios, deu a resposta seguinte:

Fortunas que não foram investidas em indústrias, que libertariam o país de importação estrangeira, consumindo matérias-primas nacionais que de outra forma estariam expostas às extorsões dos mercados compradores internacionais. Eram fortunas  voltadas para a especulação e a usura, a compra de Campos [...].(40)

E com relação aos fornecedores brasileiros o que sabemos?

5. JOSÉ LUIZ CARDOSO DE SALLES, O PRINCIPAL FORNECEDOR BRASILEIRO
O mais importante fornecedor brasileiro, arrematador dos principais contratos, foi José Luiz Cardoso de Salles. Pouca coisa, contudo, foi possível descobrir a respeito desse personagem. Alguma documentação encontra-se no Arquivo Nacional, no IHGB do Rio de Janeiro e no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. As principais informações foram encontradas nos discursos no Parlamento, como já foi referido.
Cardoso de Salles nasceu na cidade de Campanha da Princesa, província de Minas Gerais. No ano de 1828, com 13 anos de idade, veio de Minas à Corte e frequentou o Colégio São Joaquim. Em 1833, seguiu para Porto Alegre, onde residiam, além de seu irmão, Francisco de Salles Rodrigues, negociante naquela cidade, alguns parentes que possuíam fortunas, especialmente seu tio, o comerciante José Antônio de Azevedo, que tomou parte, durante muitos anos, na arrematação do quinto e dízimo da província do Rio Grande do Sul, cuja sociedade principiou no ano de 1804 e terminou no ano de 1830.
No Rio Grande do Sul, Cardoso de Salles estabeleceu-se como comerciante de fazendas por atacado na cidade de Porto Alegre. Também atuou na exportação de produtos gaúchos para o Rio de Janeiro e para as províncias da Bahia e de Pernambuco. Quando foi criado o Tribunal do Comércio da Corte, matriculou-se, e na qualidade de negociante matriculado exerceu seu ofício até a liquidação de sua casa comercial, no ano de 1860.
Era também fornecedor do Exército. Já em 1851, ele aparece na documentação como fornecedor de carne verde ao Exército brasileiro que operava no Uruguai.(41) E em 1864, conforme já vimos, contratou com o presidente da província do Rio Grande do Sul o fornecimento de víveres para o Exército que marchava para o Uruguai.(42)
Além de comerciante estabelecido, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, Cardoso de Salles era também proprietário de terras. Sua fazenda (ou estância) era “a maior e mais importante das que existem atualmente na província do Rio Grande do Sul”, como escreveu em sua autobiografia, na justificativa do pedido do título de nobreza.(43) Que devia ser homem de fortuna, não resta dúvida, pois aparece como fiador de várias pessoas (um funcionário da Tesouraria, um comissário, um pagador militar, entre outros).(44)
Tornou-se comendador e chegou a ser nobilitado pelo Império: recebeu o título de barão de Irapuá, por decreto de 11 de outubro de 1876. Pleiteou depois o título de visconde, mas não teve tempo de recebê-lo. Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 29 de abril de 1887. No dia seguinte, ao anunciar a morte de Cardoso de Salles, o Jornal do Commércio escreveu que ele foi um dos fundadores do Banco do Rio Grande e da companhia hidráulica que abastece de água a cidade de Porto Alegre, e a diversos estabelecimentos pios da província fez muitos e importantes donativos pecuniários [...]. Um dos últimos atos de liberalidade que praticou foi a libertação sem condições de mais de 40 escravos que lhe restavam.
O destino de José Luiz Cardoso de Salles cruzou, de mais de uma forma, com o do barão de Mauá. Por um desses acasos da vida, uma filha de Salles, Jesuína de Azevedo Salles, casou-se com o filho mais velho de Mauá, que tinha o mesmo nome do pai. E uma filha de Mauá, Maria Carolina, casou-se com um filho de Salles, que coincidentemente também tinha o mesmo nome do pai. Este segundo José província, acusado de ser cunhado de José Luiz Cardoso de Salles, discursando na Câmara dos Deputados, em 11 de junho de 1866, procurou esclarecer esse ponto.
Negou que fosse cunhado de Cardoso de. Salles, e disse pertencer ao Partido Progressista, que já fora chamado pelos adversários gaúchos de “baronista”, uma referência ao barão de Porto Alegre. E para afastar a possibilidade de favorecimento, disse que o presidente da província, na época, Marcelino Gonzaga, era do Partido Liberal, portanto adversário político.
Luiz Cardoso de Salles foi cônsul brasileiro em Londres, e também foi nobilitado, recebendo, em 1883, o título de barão de Ibiramirim.
Além dos laços de parentesco, Salles e Mauá também se relacionaram no mundo dos negócios, e seus dois citados filhos se tornaram sócios na firma J. Salles & Cia.(45)

6. A PRODUÇÃO NA PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO SUL
Juntamente com o Mato Grosso, o Rio Grande do Sul foi a província brasileira que mais esteve envolvida com a Guerra do Paraguai. Além de ter seu território invadido por um exército paraguaio, a província gaúcha forneceu muitos homens para a luta e também forneceu muitos alimentos para o abastecimento das tropas.
O Rio Grande do Sul tinha, por volta de 1860, cerca de quinhentos mil habitantes(46) e era o grande celeiro do país. Essa província começara a ser ocupada em 1737, com a fundação do povoado de Rio Grande de São Pedro. Naquela ocasião, o governo português estava interessado em ocupar aquelas terras antes que os espanhóis o fizessem. Para isso, nos anos seguintes, procurou fazer o povoamento da região, deslocando para lá colonos de outras partes do Brasil e do arquipélago dos Açores. Os colonos recebiam terras para cultivo. Inicialmente, desenvolveu-se lavoura do trigo, com grande produtividade. Entretanto, sobreveio a praga e as colheitas diminuíram, fazendo os lavradores abandonarem aquela cultura.
A atenção dos colonos voltou-se então para o aproveitamento dos numerosos rebanhos de gado que se criavam naturalmente na região, desde os tempos da destruição das missões jesuíticas pelos bandeirantes paulistas. Do gado, no início, aproveitava-se especialmente o couro, que era exportado. Um maior aproveitamento da carne apenas foi possível com a introdução do processo de charqueamento, já no final do século XVIII. A primeira charqueada data de 1794.
A nova indústria prosperou rapidamente em virtude da abundância de matéria-prima, e em 1820 já havia 120 charqueadas no Rio Grande do Sul. Em segundo plano, praticava-se a extração da erva-mate, uma planta nativa da região sul do Brasil, cujo produto encontrava mercado nos países platinos vizinhos.
A guerra civil, que assolou a província por dez anos, seguida  de uma peste que se desenvolveu no gado, quase exterminou a pecuária gaúcha, e possibilitou a retomada da agricultura, animada com o exemplo dos colonos alemães que vinham se estabelecendo no Rio Grande do Sul.
Esta segunda leva de colonos começou a chegar ao Rio Grande do Sul em 1825. Nesse ano, dom Pedro I fundou a colônia de São Leopoldo, à margem esquerda do Rio dos Sinos, e nela se estabeleceram os primeiros imigrantes alemães, representados por 26 famílias e 17 pessoas solteiras, totalizando 126 almas. O crescimento da colônia, apesar dos problemas que teve de superar, permitiu que, em 1854, fosse transformada em município, com uma população de 11.172 pessoas, que tinham 2.083 fogos (residências).(47)
Nos anos seguintes, foi muito grande o progresso de São Leopoldo. “Não há quase um só lote colonial nas linhas velhas”, escreveu Koseritz,

cujo proprietário não tenha anexado algum ramo de indústria à agricultura. Moinhos, fábricas de óleo, ditas de cerveja, olarias, curtumes, fábricas de arreios, destilações de aguardente, fábricas de cola, ditas de vinho, ferrarias, armeiros, serralheiros, fábricas de chapéu, atafonas, fábricas de açúcar etc., encontram-se não só nas povoações mas também em todas as picadas.(48) [Picadas ou linhas eram vias de comunicação e ao mesmo tempo serviam de divisórias entre os conjuntos de lotes da colônia.]

Segundo Carlos H. Oberacker Jr., um estudioso do assunto,

Os colonos dedicavam-se ao plantio das “pequenas culturas” como também à hortifruticultura e à pomicultura. A criação de porcos, vacas leiteiras e galinhas vinha completar a produção dos novos agricultores que introduziam muitas culturas então ainda não ou pouco conhecidas no país. Da mesma maneira modernizavam a lavoura empregando o arado, a grade e a carroça de quatro rodas, apetrechos até então aqui não usados.

E o que é mais importante para o nosso tema:

Os novos estabelecimentos agrícolas transformavam-se desde logo em fornecedores de produtos agrícolas das cidades (Rio, São Paulo, Florianópolis e Porto Alegre) e, no sul, também do Exército em campanha.(49)

Para esse Oberacker Jr., o fato de se formarem comunidades grandes e etnicamente compactas, em virtude de os imigrantes serem em sua grande maioria de língua alemã, capacitou-os a se manterem imunes aos preconceitos locais contra o trabalho manual, o que lhes valeu o epíteto de “escravos brancos”.(50)

Segundo ainda Koseritz:

[...] quase todos os arreios para o consumo do Exército e dos campeiros da província, quase todas as lanças, esporas, freios etc., para a cavalaria são fabricados em São Leopoldo; é aí que o arsenal se surte de couros curtidos, de cartucheiras e de arreames; é daí que todos os mercados da província, os do Rio, da Bahia e de Pernambuco, e até do Prata são fornecidos com feijão, milho, farinha etc.; é daí que vem todos esses gêneros e outros como banha, manteiga, ovos, aves, animais suínos etc., para o consumo de Porto Alegre.(51)


Também a vinicultura principiou a desenvolver-se.
No ramo da fabricação de vinho, que é ainda novo em São Leopoldo, já começa a conseguir-se resultados admiráveis, pois que no ano passado foram fabricados mais de mil pipas de vinho, e outros ramos de indústria já estão sendo explorados de recente data, como a criação de abelhas, e fabricação de mel e cera, a cultura do lúpulo, a de linho e do algodão, o fabrico de tecidos de lã, linho e algodão, etc. [...].(52)
Segundo dados fornecidos por Sebastião Ferreira Soares, quando escreveu seu livro, a colônia de São Leopoldo, compreendia os seguintes estabelecimentos:

Colônia de São Leopoldo
Estabelecimentos Quantidades
Agrícolas
   2.229
Casas de negócios
        71
Curtumes
       35
Engenhos de cana
       28
Ditos de serras
         5
Fábricas de cola
         4
Olarias
        12
Engenhos de farinha
      189
Fábricas de lombilho
        50
Ditas de charutos
        13
Ditas de azeite vegetal
        27
Ditas de louça
          3
Diversas oficinas
        10
Fonte: SOARES, Sebastião Ferreira, op. cit., p. 181.

Essa colônia – São Leopoldo – foi a matriz da ocupação do norte da província, e dela derivaram outras duas colônias: Três Forquilhas e S Pedro de Alcântara das Torres, fundadas em 1826. Essas três colônias resumem o primeiro esforço dessa nova fase da colonização no Rio Grande do Sul.

São estas as únicas colônias que o governo geral até hoje tem possuído nesta província e são elas também as únicas que receberam as vantagens que [...] indiquei, como sejam, a concessão gratuita de terras, a doação de ferramentas, de subsídios etc., sem restituição.

“Três Forquilhas”, continua Koseritz,

é um florescente e industrioso núcleo [...] que produz em larga escala os produtos de todas as zonas, incluindo o café. Os produtos que se plantam mais para negócio são cana-de-açúcar, mandioca e arroz. A indústria principal consiste do fabrico de rapaduras, e não há quase casa que não tenha engenho de moer cana; além disso, existe nessa colônia 8 destilações de aguardente, ao moinhos para pães e 28 atafonas para fabrico de farinha de mandioca.(53)

Na colônia de São Pedro de Alcântara de Torres, por sua vez, conforme Koseritz,

existem atualmente 29 destilações de aguardente, e outros tantos engenhos para a fabricação de açúcar, 31 atafonas para farinha de mandioca, 2 olarias, 1 curtume, 1 fábrica de arreios, 1 dita de cerveja etc. E a produção da ex-colônia elevou-se, em 1865, a 382 pipas de aguardente, 750 arrobas de açúcar, 4.830 sacos de mandioca, 100 sacos de polvilho, 500 sacos de milho, 200 sacos de feijão, 250 sacos de arroz etc.(54)

Um passo importante, que resultou do esforço provincial, sobre as mesmas bases de concessão gratuita de terras e subsídios, consistiu na fundação da colônia de Santa Cruz, em 1849, quando chegaram as primeiras pessoas em número de 13, seguidas de mais 76, no ano seguinte. Menos de vinte anos depois, quando Koseritz escreveu seu relatório, Santa Cruz possuía:

11 moinhos, 2 atafonas, 11 engenhos de açúcar, 5 fábricas de azeite, 5 curtumes, 3 fábricas de arreios, 2 fábricas de carretas, 11 ferrarias, 1 casa comercial por atacado, 25 ditas a varejo, 4 oficinas de alfaiates, 1 engenho de socar erva, 1 fábrica de corda, 1 dita de sabão e 1 dita de vela.55 ¨

A partir de 1850, começou a vigorar a Lei de Terras, mandando vender os lotes aos colonos. E muitas tentativas de novas colônias foram feitas, seja pela iniciativa particular – Dom Pedro II, Rincão del Rei, Mundo Novo (1850), Conventos (1853), Silva (1854), Maratá, Mariante, Estrela (1856) –, seja pela iniciativa provincial: Santo Ângelo (1855) e Nova Petrópolis (1857).
Uma nova empresa particular surgiu em 1858, embora tenha recebido subsídios do governo, com a fundação da colônia de São Lourenço, em Pelotas. Desta colônia, derivou o estabelecimento das colônias no sul da província (Santa Maria da Soledade, Monte Alverne, São Feliciano etc.).
Além dos alemães, que eram a maioria, vieram também colonos franceses, suíços, irlandeses, holandeses. Por último, chegaram também norte-americanos que vinham para o Brasil com ajuda dos governos imperial e provincial. Destes, porém, o autor fazia uma opinião muito negativa. Diferentemente dos norte-americanos, porém, fez referências elogiosas aos antigos núcleos de açorianos e recomendou a incorporação de um número maior de nacionais nos núcleos coloniais. Os italianos começaram a chegar mais tarde, a partir de 1874.
Concluindo esse informe sobre as colônias no Rio Grande do Sul, reproduzo as palavras do relatório de Carlos Koseritz:

O que deixo dito, à vista de todos, demonstrou a exposição provincial de 1866, na qual os núcleos coloniais forneceram nada menos de ¾ partes de todos os produtos expostos, não havendo um só ramo da indústria e da produção, que não tivesse achado os seus melhores representantes nos núcleos colônias”.(56)

O sucesso desses núcleos era tão evidente que, “já em 1874, possuíam um total de 2.382 estabelecimentos industriais, entre pequenos e médios.(57)
Graças à produção de víveres e de manufaturados obtida em suas colônias de imigrantes, a província do Rio Grande do Sul abastecia não só o mercado interno, mas ainda sobrava para exportar para outras províncias do país, e para os países do Prata. Com isso, vemos que a província gaúcha estava em condições de atender aos fornecimentos de víveres, feitos às tropas brasileiras que combatiam na Guerra do Paraguai.

7. REPERCUSSÕES DA GUERRA NA ECONOMIA GAÚCHA
Qual teria sido, entretanto, a repercussão que tiveram, sobre a produção desses gêneros, as compras realizadas pelos fornecedores de víveres? Essa é uma pergunta que, todavia, não foi possível responder satisfatoriamente, pois não existem estudos específicos sobre o assunto. Mesmo no Rio Grande do Sul, os pesquisadores ainda não voltaram seu interesse para o tema. O mais próximo que consegui foram dados relativos às exportações daquela província, publicadas pela Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, em 1922.(58)
Os produtos listados abaixo foram escolhidos porque são representativos da economia gaúcha e porque, com exceção dos couros, integravam as tabelas previstas nos contratos de fornecimento de víveres para as tropas. Esses dados, referentes ao período de 1861 a 1875, efetivamente, mostram um crescimento das exportações justamente nos anos da guerra, e creio ser legítimo supor que isso é mais que uma simples coincidência.
Os dados referentes ao charque, um produto básico na alimentação dos soldados, mostram que a maior exportação se deu em 1868:

Exportação de Charque
Ano
Arrobas
Valor
1861 
1.997.083
5.940:415$
1864
2.396.818
3.620:508$
1865
2.101.212
6.054:735$
1866
2.168.718
3.826:323$
1867
2.221.010
6.205:709$
1868 
2.916.545
6.597:739$
1869
1.960.413
5.568:102$
1870
1.812.640
5.556:516$
1871
1.092.918
5.784:343$
1875
1.729.149
5.556:453$
Fonte: Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, dezembro de 1922, número 8, p. 247.

Outro produto que compunha as tabelas de fornecimentos era o fumo. Observando os dados abaixo, verificamos que a exportação desse produto cresceu a partir do começo da guerra, e, com exceção do ano de 1870, que registrou queda, a exportação do produto continuou crescendo no pós-guerra:

Exportação de Fumo
Ano
Kg
Valor
1861
  3.532
  20:420$125
1864
12.469
  51:248$110
1865
16.976
  68:410$145
1866
27.607
  85:025$862
1867
19.041
  93:509$350
1868
25.303
156:559$750
1869
43.491
280:358$800
1870
  6.324
187:250$372
1871
49.860
229:476$644
1875
98.257
387:888$110
Fonte: Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, dezembro de 1922, número 8, p. 283.

A farinha de mandioca era outro produto constante das tabelas de fornecimento de víveres. Os números abaixo mostram um crescimento das exportações gaúchas a partir do início da guerra, registrando em 1868 o maior algarismo, decrescendo a partir daí:

Exportação de Farinha de Mandioca
Ano
Sacas
Valor

1861
 15.647
  40.654$300

1864
 42.356
128:475$850

1865
   4.177
  17:403$200

1866
 44.305
104:829$440

1867
 96.706
197:749$600

1868
180.207
435:075$042

1869
  85.946
306:905$820

1870
  40.127
140:341$738 

1871
  23.679
  75:157$236

1875
127.159
264:664$205

Fonte: Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, dezembro de 1922, número 8, p. 279.

A erva-mate também entrava nas tabelas de fornecimentos de víveres e, pelos números abaixo, pode-se ver que os números foram expressivos nos anos da guerra:

Exportação de erva mate


Ano
Arrobas
Valor
1861
214.537
784:834$002
1864
331.751
787:158$883
1865
270.725
795:750$800
1866
258.580
594.756$500
1867
297.751
708:779$804
1868
163.243
443:216$838
1869
231.161
584.232$412
1870
253.412
885:227$010
1871
94.761
656:806$111
1875
122.923
300:436$434
Fonte: Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, dezembro de 1922, número 8, p. 310.

___________________________________
NOTAS:
1) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 25 de julho de 1866, p. 185.
2) Annais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados, sessão de 18 de maio de 1866, p. 32 e s.
3) Deputado Felipe Bethberê de Oliveira Neri, do Rio Grande do Sul. Annais do Parlamento Brasileiro, Câmara dos Deputados, 11 de junho de 1866, p. 70 e s.
4) Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, correspondência do presidente da província, João Marcelino Gonzaga, para o Ministério dos Negócios da Guerra, de 14 de novembro de 1864. A 2.42 E também a correspondência do Ministério dos Negócios da Guerra para o presidente da província, 1864-5. 36 e 36 A.
5) Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Documentação referente à intervenção do Brasil no Rio da Prata, em 1851-2. Maço 443, lata 137 v. É curioso, porém, que ao mencionar as credenciais de José Luiz Cardoso de Salles, quanto a fortuna e crédito comercial, o presidente não mencionasse o fato de que esse cidadão já fora anteriormente fornecedor do Exército, pois seu nome aparece na documentação como fornecedor de carne verde para as tropas brasileiras que operavam no Rio da Prata, já em 1852.
6) Arquivo Nacional, Arranjo Bouliez, Série Guerra, Gabinete do Ministro, IG1 194 (1864-5). Nesse documento, aparece, por equívoco, a data do aviso como sendo 2 de janeiro de 1865.
7) Naquela época, havia pelos menos mais quatro fornecedores, com contratos diferentes para abastecer quatro unidades menores do Exército que operavam no Sul: uma que estava sob o comando do general Canabarro; outra, sob o comando do general Barão de Jacuí (Francisco Pedro de Abreu); uma terceira, sob o comando do general Portinho; e uma quarta, que se achava em Montevidéu, sob o comando do Coronel Neri. Essas unidades tinham caráter temporário, devendo desaparecer quando se juntassem aos corpos principais do Exército. Nem todos os contratos com os fornecedores de víveres foram encontrados.
8) Barão e depois visconde da Boa Vista (Francisco do Rego Barros) pertencia a uma das oligarquias dominantes no Pernambuco, província de que foi presidente por muitos anos. Chegou ao Rio Grande do Sul em junho e assumiu o governo no mês seguinte.
9) Nessa época, o barão da Boa Vista pediu demissão do cargo e, justificando o ato, em correspondência ao ministro da Justiça, Nabuco de Araújo, queixava-se de ser tratado de “comprador de vassouras”, por Ferraz, o qual, segundo Boa Vista, queria “governar esta província do seu gabinete do Rio de Janeiro”. Coleção Marquês de Olinda, lata 207, documento 123, IHGB/RJ.
10) Annais do Parlamento do Império do Brasil. Câmara dos Deputados, sessão de 8 de junho de 1866, p. 52 e s.
11) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 11 de junho de 1866, p. 68-9. O  senador mineiro Teófilo Otoni, do Partido Liberal, era adversário político do ministro da Guerra, do Partido Liberal Progressista.
12) Annais do Parlamento do Império do Brasil, Câmara dos Deputados, p. 78 e s.
13) Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 18 de julho de 1866, p. 146 e s.
14) Durante o Império, os presidentes das províncias eram nomeados pelo governo central, segundo as conveniências políticas do partido que estava no poder. Era por isso que o barão da Boa Vista, que era pernambucano, nomeado presidente do Rio Grande do Sul, podia dizer que “desconhecia a província”.
15) Annais do Parlamento do Império do Brasil, Câmara dos Deputados, sessão de 15 de maio de 1866.
16) Não foi possível, porém, localizar as cópias desses novos contratos. As informações a respeito deles foram dadas pelo Correio Mercantil, do Rio de Janeiro, na edição de 7 de setembro de 1866.
17) No caso da Argentina, a relação do governo com os fornecedores do Exército era ainda mais complicada que no Brasil, porque naquele país os fornecedores (“proveedores”) eram pessoas ricas e influentes. Quando se lê a correspondência contida no Archivo del General Mitre, nota-se o tratamento respeitoso com que o presidente argentino se referia a Lanús, Lezama e outros. E esses senhores acabavam adquirindo um poder muito grande. Certa feita, o vice-presidente, Marcos Paz, escreveu ao presidente e reclamou que Lezama estivesse cobrando dois milhões pelo fornecimento de vestuário ao Exército sem conhecimento do governo (grifo meu). E perguntava, indignado, “Quem autorizou o sr. Lezama a estabelecer uma nova comissaria do Exército?” (T. IV, p. 360). Apesar das fortunas que os fornecedores ganhavam, o abastecimento era mal feito e acarretava aos soldados situações de fome. A questão do fornecimento, se era problemática para as tropas brasileiras, não o era menos para as argentinas. A propósito, o ministro Rufino de Elizalde, escrevendo a Mitre, em 17 de fevereiro de 1866, felicitava-se por haver resolvido “o maldito negócio de fornecimento” (T. IV, p. 101). Ver, no final deste volume, o anexo “O fornecimento de víveres para as tropas argentinas”.
18) Correio Mercantil, Rio de Janeiro, edição de 7 de setembro de 1866.
19) Annais do Senado do Império do Brasil, 1866, t. III, p. 186 e s.
20) EXÉRCITO em operações na República do Paraguai. Ordens do dia. Rio de Janeiro: Typographia Francisco Alves de Souza, 1877, v. 7, p. 109.
21) Para substituir o marquês de Caxias, que voltou para o Brasil no início de 1869, o governo imperial nomeou, em abril de 1869, o conde d’Eu, então com 27 anos, marido da princesa Isabel, herdeira do trono. Por ocasião de seu casamento, o
conde d’Eu recebera a patente de marechal de Exército. Muito antes de 1869, o príncipe já manifestara desejo de seguir para a guerra. Quando estava no sul, o imperador quis que o conde fosse nomeado para o comando da artilharia. Mas o ministro da Guerra, Ângelo Muniz da Silva Ferraz, escrevendo a Saraiva, que  ocupava interinamente o Ministério dos Negócios da Guerra no Rio de Janeiro, manifestava-se contrário a essa nomeação, e pedia a Saraiva que mostrasse aos colegas do Ministério a inconveniência dessa nomeação (AHRGS). A questão também foi considerada pelo Conselho de Estado, em sessão de 13 de outubro de 1866, quando a indicação do príncipe foi desaconselhada pela quase unanimidade dos conselheiros. RODRIGUES, José Honório. (Org .) Atas do Conselho de Estado. Brasília: Senado Federal, 1973, p. 66 e s. Somente quando Caxias deixou o comando a nomeação do príncipe surgiu como uma solução natural.
22) TAUNAY, visconde de [Alfredo D’Escragnolle]. Memórias, p. 537.
23) TAUNAY, visconde de [Alfredo D’Escragnolle]. Memórias, p. 490-1. Mas na página 538 dessa obra, Taunay menciona a quantidade de novecentas mil rações ao invés de um milhão e duzentas mil. Essa quantidade enorme de rações foi distribuída à população de Assunção: “Foi um tempo de fartura para toda aquela desgraçadíssima gente. Era então o Brasil muito rico e podia bem pagar o sustento de uma população inteira”.
24) TAUNAY, visconde de, op. cit., p. 183. Segundo o autor, o fornecedor teve muitos desentendimentos com o chefe da Repartição Fiscal. “Essas pendências”, acrescenta em nota, “agravaram-se por ocasião do ajuste final de contas de Alcântara, no Coxim”. Essa informação de Taunay confirma a denúncia do deputado paulista Olegário Herculano de Aquino e Castro, citada anteriormente. Ver nota 34 do cap. IV.
25 Correspondência entre a Presidência da província de São Paulo e o Ministério dos Negócios da Guerra, existente no Arquivo do Estado. Caixa 47, lata 7.751.
26 Taunay, visconde de. Memórias, p. 191. Se as tropas passavam por dificuldades, ele, Taunay, ao contrário, passava muito bem, como informa em nota na página 183: “Quanto a mim, nunca tive queixa contra o Alcântara no cumprimento do trato que fizera comigo – deu-me almoço e jantar bem fartos, até ao Coxim, por 120$000 mensais. Recordo-me de boas feijoadas e até excelente carneiro, comidos pouco antes de chegarmos àquele ponto”.
27 Idem, p. 238.
28) Idem, p. 293.
29) BURTON, Richard Francis. Cartas dos campos de batalha do Paraguai. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1997, p. 331-2.
30) VERSEN, Max Von. História da Guerra do Paraguai. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976, p. 93-4. Von Versen era um oficial prussiano que, após a guerra contra a Áustria (1866), veio para a América do Sul para assistir à Guerra da Tríplice Aliança, porém do lado paraguaio. Ao passar pelo Rio de Janeiro foi detido pelas autoridades brasileiras. Liberado, seguiu para o sul, em companhia
de um agente brasileiro. No Prata, foi detido novamente, e solto com a garantia de que não seguiria para o Paraguai. Uma vez livre, Von Versen, para despistar as  autoridades aliadas, tomou a direção do Chile. Acabou voltando e, burlando a vigilância brasileira, acabou entrando no Paraguai, onde não encontrou da parte de López a acolhida que esperava, tendo ao contrário passado por maus momentos.
31) CAXIAS. duque de [Luís Alves de Lima e Silva]. Campanha do Paraguai. Diários do Exército em operações, p. 127 e s. Ver também SALLES, Ricardo, op. cit., p. 125.
32) Arquivo Nacional. Arranjo Bouliez, Série Guerra, Gabinete do Ministro, IG 1 194 (1864-5).
33) Annais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados, sessão de 11 de junho 1866, p. 70 e s.
34) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1872. Anexo A, p. 50.
35) Idem, p. 44.
36 Idem, 1872. Anexo A, p. 22-3.
37 Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 1866, p. 174 e s.
38 Annais do Senado do Império do Brasil, sessão de 25 de julho de 1866, p. 185 e s.
39) Annais do Parlamento Brasileiro, Câmara dos Deputados, sessão de 11 de junho de 1866, p. 70 e s.
40) POMER, León. A Guerra do Paraguai: a grande tragédia rioplatense. São Paulo: Global, 1980, p. 264.
41) Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, R 132, 1867. Um documento existente no AHRGS era um requerimento, datado de 19 de outubro de 1867, em que pedia ao presidente da província que interviesse junto ao governo imperial para exigir do governo paraguaio indenização por prejuízos que ele, Cardoso de Salles, teria sofrido em Uruguaiana, por ocasião da ocupação daquela vila pelos soldados de Solano López.
42) Relativamente a esse contrato, foram feitas acusações de favorecimento político, pois Cardoso de Salles pertencia (ou teria pertencido) ao diretório do Partido Liberal no Rio Grande do Sul. Mas o deputado Felipe B. de Oliveira Neri, dessa província, acusado de ser cunhado de José Luiz Cardoso de Salles, discursando na Câmara dos Deputados, em 11 de junho de 1866, procurou esclarecer esse ponto. Negou que fosse cunhado de Cardoso de. Salles, e disse pertencer ao Partido Progressista, que já fora chamado pelos adversários gaúchos de .baronista., uma referência ao barão de Porto Alegre. E para afastar a possibilidade de favorecimento, disse que o presidente da província, na época, Marcelino Gonzaga, era do Partido Liberal, portanto adversário político.
43) Ver texto integral desta autobiografia entre os anexos deste livro.
44) Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1866, Anexos.
45) Coleção Ourém, Lata 981, Pasta 6, IHGB/RJ.
46) Trata-se de uma estimativa de Sebastião Ferreira Soares, que nela inclui sessenta mil escravos. Op. cit., p. 171.
47) Este histórico tomou por base o Relatório da administração central das colônias da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, apresentado ao Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello, presidente da mesma província, pelo agente intérprete da colonização, Carlos de Koseritz. Porto Alegre, 1867.
48) KOSERITZ, Carlos, op. cit., p. 5.
49) OBERACKER JR., Carlos H. A colonização baseada no regime da pequena propriedade agrícola. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Difel, 1976, t. II, v. 3, p. 228.
50) OBERACKER JR., Carlos H., op. cit., p. 224. De acordo ainda com esse autor, a escravidão passou a ser proibida nos núcleos coloniais, por meio de leis e regulamentos, a partir de 1845.
51 KOSERITZ, Carlos, op. cit., p. 6.
52 KOSERITZ, Carlos, op. cit., p. 6.
53) KOSERITZ, Carlos, op. cit., p. 7
54) Idem, p. 8.
55) Idem, p. 16.
56) KOSERITZ, Carlos, op. cit., p. 6.
57) OBERACKER JR., Carlos H., op. cit., p. 240.
58) Existe o livro História agrária do planalto gaúcho, 1850-1920, de Paulo Afonso Zarth, mas ele não chegou a fornecer dados sobre essa questão



CONCLUSÃO

O governo imperial aceitou a guerra proposta por Francisco Solano López. Mobilizou os recursos necessários e levou o desafio até o fim, numa determinação que não admitiu dúvida, em nome do “pundonor nacional”.
O país fez um grande esforço. No decorrer do conflito, mais que dobrou sua frota naval (sem contar os navios perdidos) e organizou três corpos de Exército. Em certo momento, os ministérios militares chegaram a comprometer dois terços de todo o orçamento.
Foi preciso organizar os transportes, alugando navios ou contratando condutores de tropas, para abastecer as duas frentes de guerra, e isso se transformou numa enorme sangria de recursos. Vimos a extraordinária dificuldade que representou o abastecimento das tropas que lutavam para expulsar os paraguaios que haviam ocupado o sul da província do Mato Grosso. O problema não estava só nos sertões quase desconhecidos e quase despovoados que tinham de ser percorridos. Residia também na dificuldade em conseguir tropeiros – “pelo preço que for”, como pedia desesperadamente o ministro da Guerra – que se dispusessem a conduzir cargas para aquelas paragens. Os óbices eram tantos que às vezes a mercadoria chegava ao destino um ano depois de feita a remessa. Outras vezes, os volumes remetidos nem chegavam ao destinatário, sendo abandonados pelo caminho. Há inclusive o caso daquele tropeiro que, contratado para conduzir carga para o Mato Grosso, deixara a carga no caminho para levar sal cujo preço era muito alto em Cuiabá!
Mais dramático ainda se revelou o fornecimento de víveres para as tropas. É preciso lembrar que os exércitos brasileiros combateram em regiões onde, muitas vezes, não era possível encontrar sequer uma “espiga de milho para comprar”. Tudo teve que ser leva do da retaguarda, acrescentando dificuldades e despesas adicionais. O fornecimento de víveres ficou por conta dos arrematadores de contratos, isto é, comerciantes que se dispunham a fornecer a ração para as tropas, onde quer que estas estivessem. Este era, aliás, o sistema tradicionalmente adotado, que em épocas normais não oferecia problemas. Mas, começada a guerra, foi preciso agir em condições de emergência, muitas vezes sem proceder à licitação, como as boas regras mandavam. E quando foi preciso fazer a escolha do fornecedor de víveres para o suprimento do Segundo Corpo de Exército, que partiria do Rio Grande Sul, através do território argentino, em direção ao Paraguai, o que se viu foi uma sucessão de equívocos, que revelam, de um lado, a inoperância da administração pública do Império e, de outro, a enorme dificuldade de comunicação que havia na época.
Não bastava, porém, formalizar o contrato; era preciso operacionalizá-lo em condições de extrema dificuldade. E o resultado foi que, mais de uma vez, os soldados passaram fome. E pelo menos em uma ocasião foi preciso depender da generosidade da natureza.
O visconde de Taunay, quando esteve no Mato Grosso, integrando a força expedicionária, sentiu de perto esse problema e deixou seu testemunho:

Tal a penúria de víveres, e a tão desesperado estado chegou, que a alimentação geral era quase exclusiva de frutos da mata, sobretudo jatobás, cuja abundância tomara visos de providencial.

O governo procurou, posteriormente, saber a opinião dos comandantes militares que participaram do conflito sobre o sistema de fornecimento de víveres, adotado durante a guerra, e todos eles o condenaram. Um deles, o visconde de Pelotas, colocou o dedo na ferida ao escrever:

o fornecimento como no Paraguai é desvantajoso, entre outras muitas razões, pela necessidade que acarreta de estarem os homens que não pertencem ao Exército ao fato, mais ou menos, dos prováveis movimentos e operações das forças, e o êxito de uma campanha muitas vezes em suas mãos.

Como se não bastassem os problemas do abastecimento, o país se ressentiu, durante toda a guerra, da ausência de uma administração militar à altura das necessidades. Apesar de terem sido criados alguns órgãos administrativos, tais como pagadorias e repartições fiscais, a verdade é que não havia como controlar os gastos, nem era possível fiscalizá-los de forma satisfatória. O visconde de Ouro Preto, que foi ministro da Marinha na época da guerra, expressou com clareza esse problema, ao escrever:

A consequência necessária de semelhante sistema foi atrasar a escrituração de modo que, em outubro do ano passado (1867), apenas se tinha conhecimento no Ministério a meu cargo da despesa da esquadra, realizada no Rio da Prata até junho de 1865.

Por essas e por outras razões semelhantes é que “o ouro brasileiro rolava, em ondas sucessivas, no Rio da Prata”, como constatou um memorialista. Com tanto dinheiro “rolando” no Prata, havia muitos interessados na continuidade da guerra, e isso não passou despercebido dos contemporâneos. Um desses foi o barão de Cotegipe, destacado político brasileiro da época, para quem “enquanto o Brasil puder despender um centavo, ela não se acaba”.
Não é de surpreender, pois, que a guerra tenha custado tão caro ao país. Cálculos feitos posteriormente mediram o tamanho do prejuízo: 613 mil contos de réis, algo próximo a sessenta milhões de libras esterlinas, importância que dava para construir mais de vinte ferrovias como a Santos–Jundiaí, inaugurada em 1867. É interessante constatar que, ao contrário do que geralmente se pensa, apenas uma pequena parte desse montante veio do exterior, por conta de dois empréstimos negociados em Londres. O restante – cerca de 90% – foi obtido internamente, sobretudo por meio de emissões, de empréstimos, da criação de impostos e da agravação dos já existentes, de doações e do aumento do custo de vida.
Seria de esperar, ao menos, que a Guerra do Paraguai, que propiciou tantos pedidos, tivesse engendrado um surto industrial no Brasil, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos com a Guerra de Secessão, encerrada em 1865. E para isso as condições objetivas reinantes no país eram favoráveis. Afinal, os pedidos para a guerra – coincidindo com a entrada de divisas pelas exportações do café, o superávit na balança comercial, a estabilidade da moeda, a possibilidade de obtenção de empréstimos internos e externos – poderiam ter sido canalizados pelo Estado para incrementar um processo de modernização do país. Foi um momento privilegiado para o Estado ter-se transformado no fomentador do desenvolvimento, mediante pedidos à indústria brasileira para a guerra e incremento de grandes projetos de infraestrutura (ferrovias, estradas, portos etc.), financiados com recursos desviados do principal setor econômico do país, o cafeeiro.
No entanto, não foi isso o que aconteceu. Como este livro procurou mostrar, o número de indústrias não cresceu durante a guerra. Isto porque a maior parte do dinheiro gasto em compras, salários, afretamento de navios e fornecimentos de víveres para as tropas foi para o exterior. Os fornecimentos de víveres, por exemplo, foram, na maior parte, feitos por negociantes argentinos. Em meados de 1866, calculava-se que a guerra custava ao país cerca de 190 contos por dia. Literalmente, era um dinheiro jogado fora, como constatava o barão de Cotegipe ao dizer: “o consumo da guerra é todo em pura perda; nada fica no país, tudo sai”. O mesmo Cotegipe, um político conservador, pôde ainda fazer ao procedimento do governo brasileiro esta crítica lapidar: “Se aplicássemos algum cuidado, ao menos parte desses capitais ficariam alimentando a indústria no país; mas é o inverso: ou vem tudo preparado da França, da Inglaterra etc., ou há de ser comprado no Rio da Prata”.
Nem tudo. Na verdade, o governo dirigia, também, pedidos para as fábricas mantidas pelos ministérios da Guerra e da Marinha, que receberam grandes investimentos para atender a demanda crescente para a guerra. Foi o que aconteceu com os arsenais, com a Fábrica de Pólvora e com a Fábrica de Armas da Conceição. Releva, porém, observar que “nem um, nem outro desses arsenais, nenhuma das oficinas particulares em todo o Império emprega como matéria-prima o mais insignificante pedaço de ferro ou aço fabricado no país”, como escreveu um autor citado no texto. Todo o ferro vinha das siderúrgicas inglesas.
Essa constatação é ainda mais dolorosa quando se observa o que aconteceu à Fábrica de Ferro de São João de Ipanema. No final da década de 1850, o governo decidiu desativá-la e transferir as instalações e a mão-de-obra escrava para o Mato Grosso, onde pretendia construir uma fábrica de ferro e também uma fábrica de pólvora (que, registre-se, nunca foram concluídas, apesar dos gastos feitos).
Todavia, passado apenas um lustro o governo resolveu reativar Ipanema, tendo praticamente que recomeçar do zero, tal a devastação que a fábrica havia sofrido enquanto estivera fechada. Como se vê, eram prejuízos sobre prejuízos.
Enquanto os pedidos eram dirigidos ao exterior ou às fabricas militares, as manufaturas particulares minguavam por falta de pedidos, como ocorreu com o estaleiro e fundição da Ponta da Areia.
Convém, neste passo, recolocar a questão: por que as coisas se passaram dessa forma? Bem, é preciso levar em conta que as decisões econômicas são tomadas na esfera da política, e quanto a isso as coisas realmente não favoreciam o desenvolvimento industrial do país. Afinal, não podemos esquecer que, ao se constituir o Estado nacional brasileiro, prevaleceu entre nós a ideologia liberal. A intelligentzia brasileira bebeu diretamente na fonte o liberalismo de Adam Smith e J. B. Say, frequentemente citados pelos autores da época. É compreensível que assim tivesse sido, pois o predomínio da agricultura de exportação acabaria fazendo triunfar o pensamento de que o país deveria dedicar-se àquilo para que estava naturalmente vocacionado, ou seja, a agricultura. Esse pensamento fortaleceu-se com o sucesso da lavoura cafeeira. O raciocínio do fazendeiro era simples e coerente: com o dinheiro do café era possível comprar os demais produtos e ainda sobrava. A mesma lógica do fazendeiro tornou-se predominante na elite política brasileira: com o dinheiro das exportações de café poder-se-ia pagar a importação dos produtos que o país não produzia. A consequência inevitável desse raciocínio foi a aceitação da “divisão internacional do trabalho”, como de fato se deu.
Essa determinação político-ideológica contribuiu para que o impulso criado pela guerra fosse desviado para fora. Mas não foi essa a única causa que impediu o Brasil de disparar rumo à industrialização. Havia outras. Os documentos da época chamam a atenção para o problema que representavam a escassez de mão-de-obra e a falta de certos elementos básicos, como o ferro e o carvão. A essas dificuldades, devem-se acrescentar a difusão do trabalho escravo e o tamanho reduzido da população, dispersa num país de dimensões continentais e carente de renda e de meios de transportes.
Também não se deve deduzir, do que ficou dito, que o governo imperial não tenha feito pedidos ao mercado interno, nem que ele não tenha dado incentivos à indústria nacional. Isso efetivamente aconteceu. Essas iniciativas, porém, se viram, frequentes vezes, prejudicadas pela descontinuidade administrativa decorrente das constantes mudanças ministeriais. Ademais, o ziguezague nas intenções do governo refletia, na verdade, a dificuldade de compartilhar as intenções protecionistas, as necessidades de conseguir recursos por meio do imposto de importação e os interesses da agricultura.
É inegável, contudo, que faltou o esforço continuado e persistente como política industrial. Quando confrontamos a atitude do governo brasileiro com aquela adotada, na mesma época, pelos governos da Prússia, da Rússia ou do Japão, constatamos que nos faltou, sobretudo, uma deliberada opção de governo em defesa da industrialização.
Consideradas todas essas circunstâncias, entende-se por que os gastos com a Guerra do Paraguai não se converteram num vigoroso impulso para a indústria nacional.


“AUTOBIOGRAFIA” DO FORNECEDOR JOSÉ LUIZ CARDOSO DE SALLES
(Esse documento foi usado para justificar o pedido de um título de nobreza por parte do sr. Salles.)

José Luiz Cardoso de Salles nasceu no dia 3 de maio de 1815, na cidade de Campanha da Princesa, Minas Gerais, filho legítimo dos falecidos capitão-mor da cidade de Campanha da Princesa e dizimeiro da província de Minas, Antônio Luiz Cardoso e de D. Escolástica Victória Rodrigues da Silveira. No ano de 1828, com 13 anos de idade, veio de Minas para esta Corte e frequentou como aluno o colégio então de S. Joaquim, e em 1833 seguiu desta Corte para a cidade de Porto Alegre, capital da província do Rio Grande do Sul, onde residiam, além de seu irmão, Francisco de Salles Rodrigues, negociante naquela cidade, alguns parentes que possuíam fortunas, especialmente seu tio, o comerciante José Antônio de Azevedo, sócio por muitos anos do barão de Ubá na arrematação do quinto e dízimo daquela província do Rio Grande do Sul, cuja sociedade principiou no ano de 1804 e terminou no ano de 1830. Seguiu carreira comercial, abrindo casa de negócio de fazendas por atacado na cidade de Porto Alegre no ano de 1834, que terminou no ano de 1860. Seu constante negócio foi sempre o de fazendas e o de exportação de produtos daquela província para esta cidade, e para as da Bahia e Pernambuco. Criado o Meritíssimo Tribunal do Comércio desta Corte, matriculou-se, e na qualidade de negociante matriculado exerceu sem interrupção avultadas transações comerciais até a liquidação de sua casa comercial no ano de 1860. Tornou-se de então até hoje capitalista e proprietário, não só na província do Rio Grande do Sul, como nesta Corte, conservando e cada vez aumentando mais a sua estância, Curral de Pedra, de criação de gado vacuum, cavalar, muar e .ovelhum., cuja fazenda acha-se situada no município de São Gabriel, entre os rios Santa Maria e Ibicuí, sendo esta fazenda ou estância a maior e mais importante das que existem atualmente na província do Rio Grande do Sul, tendo extensão 14 léguas de excelente campo, contendo presentemente 35 mil reses, seis mil animais cavalares, inclusive 1.200 cavalos mansos para os serviços da fazenda, uma boa cria de mulas, e quatro grandes rebanhos de ovelhas. E tantas benfeitorias, como casas, arvoredos frutíferos, mangueiras de pedras, invernada cercada de arame para seis mil reses, potreiros etc., cuja importância das benfeitorias excede muito a duzentos contos de réis, costeada com sessenta peões, dos quais quarenta são escravos, não compreendendo 15 que foram libertados gratuitamente. É acionista de crescido número de ações do Banco do Brasil e de outros bancos e de várias companhias desta e da província do Rio Grande do Sul, possuindo avultado número de apólices do Empréstimo Nacional de 1868; e não deve nesta praça, e em qualquer outra, quantia por pequena que seja, sendo aliás credor de importantes somas aqui e na província do Rio Grande do Sul. Casou-se em Porto Alegre no ano de 1839 com a Lima. Sra. D. Ana de Azevedo Salles, filha do já falecido Manuel Faustino José Martins e de D. Emerenciana Antônia de Azevedo, e neta do falecido seu tio o comendador José Antônio de Azevedo, que foi, além de contratador de quinto e dízimos, negociante proprietário e fazendeiro de criação de gado. Tem nove filhos, sendo quatro varões e cinco mulheres, destas estão quatro casadas. A 1a Luiza, com o comendador Francisco Caetano Pinto, negociante, residente em Porto Alegre; a 2a Josefina, com o Sr. Crispim Thadeu de Miranda, negociante, residente nesta corte; a 3a, Paulina, com o Sr. José Batista de Carvalho, residente nesta Corte; a 4a, Jesuína, com o Sr. Irineu Evangelista de Souza, filho do Exmo. Sr. visconde de Mauá, sendo aqueles dois, Crispim e Carvalho, parentes do referido visconde; dos quatro filhos, só dois estão casados; o 1o, José, com a filha do Sr. visconde de Mauá, e é atualmente Cônsul do Brasil em Londres; o 2o, Antônio Luiz, com a filha do falecido comendador Domingos Rodrigues Ribas, da cidade de Pelotas, e se dedica à criação de gado no município da cidade de Alegrete, onde tem a sua fazenda. Os filhos Joaquim, Francisco e a filha Ambrosina, todos solteiros, vivem na companhia dos pais. José Luiz Cardoso de Salles na longa residência de mais de quarenta anos na província do Rio Grande do Sul tem ocupado todos os cargos eletivos e de nomeação do governo, e prestado muitos serviços de utilidade pública auxiliando com seus serviços a muitos srs. Presidentes que têm governado aquela província e se tem interessado com verdadeiro patriotismo pelo progresso material e intelectual do país, com o que tem despendido avultadas somas. Exerceu por muitos anos na cidade de Porto Alegre os cargos alternados de juiz de paz, de vereador da Câmara Provincial, de delegado de Polícia, de subdelegado, e de eleitor, suplente de juiz Municipal. Foi nomeado por S. M. o imperador membro do Conselho da Colégio de Santa Tereza, criado pelo mesmo augusto senhor, quando pela 1a vez visitou aquela província, e para cuja obra pia e humanitária concorreu com dinheiro e serviços. Nessa época foi condecorado por S. M. o Imperador com o hábito de Cristo. Na revolução por que passou aquela província, a qual rebentou em 20 de setembro de 1835, e terminou em março de 1845, prestou valiosos serviços como cidadão, não só para o aparecimento da reação que expeliu os revoltosos da capital da província no dia 15 de junho de 1836, expondo a sua vida nos combates de 30 de junho e 20 de julho de 1836, em defesa da cidade de Porto Alegre contra o assalto dos revoltosos, como para a terminação daquela revolução, cuja terminação garantiu não só a integridade do Império, como firmou o governo monárquico que felizmente reina no país para a sua felicidade. Foi o iniciador e criador do atual Banco da Província, que tem até agora prestado valioso auxílio ao comércio e indústria da cidade de Porto Alegre. Como grande acionista da Companhia Hidráulica de Porto Alegre foi o 1o presidente da diretoria daquela companhia e devido a seu grande esforço, atividade, zelo e grande responsabilidade pecuniária, principiou e concluiu os trabalhos daquela útil empresa que hoje abastece a cidade de Porto Alegre com excelente água potável. Tem contribuído muito para todas as obras de caridade daquela província, e para a instrução pública, devendo notar-se que nunca foi citado, nem demandado por dívidas, e nem teve na sua longa carreira um só ato que manchasse a sua vida, e merece geral estima pelo seu caráter honesto, probo e honrado. Residem nesta corte muitas pessoas da alta sociedade que conhecem José Luiz Cardoso de Salles e delas menciona-se o Exmo Sr. duque de Caxias, visconde de Tocantins, visconde de Rio Branco, visconde de Mauá, visconde de Tamandaré, visconde de Santa Tereza, barão de Mandaraí, barão da Lagoa, barão do Rio Negro, os conselheiros Francisco Otaviano de Almeida Rosa, Manuel José de Freitas Travassos, Sinimbu, o senador Figueira de Melo, o vereador Leopoldo da Câmara Lima, o Dr. Eduardo de Andrade Pinto e o comendador Sodré etc..

GLOSSÁRIO

Ajudante General do Exército: repartição criada por decreto de 1857, para cuidar do pessoal do Exército, fiscalizando o movimento, a disciplina, o abastecimento etc.
Alferes: antigo posto militar, equivalente ao atual de segundo-tenente.
Anspeçada: nome que se dava antigamente ao posto militar acima do soldado e abaixo do cabo.
Atafonas: moinho manual ou movido por cavalgaduras.
Batalhão: parte de um regimento e composto de companhias.
Brigada: corpo militar, ordinariamente composto de dois regimentos.
Brigadeiro: antigamente, o primeiro posto entre os oficiais generais; comandante de uma brigada.
Cabeção: gola.
Companhia: subdivisão de batalhão comandada por um capitão.
Destacamento: grupo militar com atuação temporária independente.
Dieta: alimentação especial servida nos hospitais militares.
Dívida fundada, ou consolidada: é aquela de natureza pública, garantida por títulos do governo.
Dívida flutuante: é aquela contraída pelo Estado a prazo curto e certo, para fazer face a dificuldades financeiras transitórias e que é representada por títulos negociáveis (bônus, bilhetes ou letras do Tesouro).
Divisão: parte de um Exército formada por duas ou mais brigadas.
Escorva: cilindro em que se envolve a pólvora que vai comunicar fogo à carga; detonador.
Etapa: ração diária do soldado.
Fogo: residência, habitação.
Furriel: antigo posto militar correspondente ao atual 3o. sargento.
Guarnição: tropa que defende determinada praça.
Letria: o mesmo que aletria, massa especial de farinha de trigo.
Livrança: ordem escrita de pagamento.
Obreia: folha fina de massa que se usa para pegar papéis.
Patacão: antiga moeda de prata.
Praça de pret: soldado raso.
Quaderno: conjunto de cinco folhas de papel almaço.
Quartel-Mestre-General: repartição criada em 1853, para cuidar da administração de material do Exército.
Ração: quantidade de alimentos servida diariamente aos soldados.
Resma: vinte mãos ou quinhentas folhas de papel.
Soberano: uma libra esterlina.
Tabela: relação dos alimentos que se devia servir aos soldados diariamente, e respectivas quantidades.

TABELA DE CONVERSÃO DE ANTIGAS MEDIDAS PARA O SISTEMA DECIMAL

Alqueire......................................13,8 litros sobretudo para cereais
Arrátel .....................................459 g (= a 16 onças)
Arroba ................................14,690 g (= um quarto de quintal) (arredondado para 15 kg)
Canada ..................................2,662 litros
Côvado .....................Entre 66 e 68 cm
Légua (portuguesa) .................6.179 m (arredondada para 6.000 m)
Libra (libra-peso) ...................459,05 kg
Oitava .....................................3,586 g (= oitava parte da onça)
Onça .....................................28,691 g
Palmo ..........................................22 cm
Pé ...........................................30,48 cm
Polegada ...................................2,75 cm
Quartilho ................................0,6555 litro (= quarta parte da canada)
Quintal .....................................58,76 kg (= quatro arrobas)
Vara ...........................................1,10 m de comprimento

Fontes: Relatório da Comissão encarregada da organização da Tarifa das Alfândegas. In: Relatório do Ministério da Fazenda, 1869, p. 4. E Grande enciclopédia portuguesa e brasileira. Lisboa, Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, s. d.

FONTES E BIBLIOGRAFIA

1. ARQUIVOS E BIBLIOTECAS
Arquivo Nacional/RJ
Biblioteca Nacional/RJ
Biblioteca do Exército/RJ
Arquivo Histórico do Exército/RJ
Arquivo Histórico da Marinha/RJ
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil/RJ
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil/RS
Arquivo Público do Rio Grande do Sul
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
Arquivo Histórico do Museu Imperial/Petrópolis
Arquivo Público do Estado de São Paulo
Biblioteca Municipal Mário de Andrade/São Paulo
Bibliotecas da Universidade de São Paulo

2. PUBLICAÇÕES DE ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS E PARTICULARES
ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do RJ. Rio de Janeiro: E. & H. Laemmert, 1865-75.
ANNAIS do Parlamento Brasileiro. Rio de Janeiro: Câmara dos Deputados,
1865-70.
ANNAIS do Senado do Império do Brasil. Rio de Janeiro: 1865-70.
ASSOCIAÇÃO Industrial do Rio de Janeiro. O trabalho nacional e seus adversários. Rio de Janeiro: Typographia de G. Leuzinger & Filhos, 1881.
AUXILIADOR da Indústria Nacional (O). Publicado pela Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional. Seção do Comércio. Rio de Janeiro.
BRASIL. Congresso, 1823-89. Câmara dos Deputados. Fallas do throno desde o ano de 1823 até o ano de 1889. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Relatórios apresentados ao Parlamento, 1861-77.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Relatórios apresentados ao Parlamento, 1861-75.
BRASIL. Ministério dos Negócios da Guerra. Relatório apresentado ao Parlamento brasileiro, 1828-75.
BRASIL. Ministério da Marinha. Relatório apresentado ao Parlamento brasileiro,
1860-75.
COLLEÇÃO das Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro: 1823-70.
COMISSÃO Brasileira na Exposição Universal de Paris, 1867. Rio de Janeiro: Laemmert, 1867.
CONSULTAS da seção da Fazenda do Conselho do Estado. Anos de 1861 a 1870. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871.
CONSULTAS ao Conselho de Estado sobre negócios relativos ao Ministério dos Negócios da Guerra (1867-72). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1885.
EXÉRCITO em operações na República do Paraguai. Ordens do dia. Rio de Janeiro: Typographia Francisco Alves de Souza, 1877.
11 vol.
FIBGE. Séries Estatísticas. Rio de Janeiro, 1986. Edição fac-similar da edição de 1907, t. 1, v. 2.
INDICADOR da legislação militar em vigor no Exército do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871. 3 vol.
IMPÉRIO (O) do Brasil na Exposição Universal de 1873 em Viena d’Áustria. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873.
IMPÉRIO (O) do Brasil na Exposição Universal de 1876, em Philadélphia. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875 (Sic).
RELATÓRIO da administração central das colônias da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, apresentada ao presidente da mesma província, pelo intérprete da colonização, Carlos Koseritz. Porto Alegre: 1867.
RELATÓRIO da comissão que representou o Império do Brasil na Exposição Universal de Viena d’Áustria em 1873. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1874.
RELATÓRIO de consultas do Conselho de Estado sobre negócios relativos ao Ministério dos Negócios da Guerra, 1864-71.
RELATÓRIO da comissão encarregada pelo governo imperial para proceder a um inquérito sobre as causas principais e acidentais da crise do mês de setembro de 1864. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1865.
RELATÓRIOS do presidente da província de Mato Grosso à Assembleia Legislativa, 1868-69.
RELATÓRIOS do presidente da província de Minas Gerais à Assembleia Legislativa, 1861-66.
RELATÓRIOS do presidente da província do Rio Grande do Sul à Assembleia Legislativa, 1865-66.
RELATÓRIOS do presidente da província do Rio de Janeiro à Assembleia Legislativa, 1865-70.
RELATÓRIOS do presidente da província de São Paulo à Assembleia Legislativa, 1865-70.

3. TESTEMUNHOS DA ÉPOCA (MESMO QUE PUBLICADOS POSTERIORMENTE)
BARRETO, Rosendo Moniz. Exposição nacional. Notas e observações. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1876.
BARROS, José Maurício Fernandes Pereira de. Considerações sobre a situação financeira do Brasil. Rio de Janeiro: Typografia Universal de Lammert, 1867.
BURTON, Richard Francis. Cartas dos campos de batalha do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1997.
CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira orçamentária do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980.
CAVALCANTI, A. O meio circulante nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1892.
CAXIAS, duque de [Luís Alves de Lima e Silva]. Campanha do Paraguai. Diários do Exército em Operações. S. 1, s. n., s.d.
CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai, 1865-70. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.
DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil (1850). Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1980.
DIÁRIO DO CORONEL MANUEL LUCAS DE OLIVEIRA, 1864-65. Porto Alegre: Edições Est/AHRGS, 1997.
FIGUEIREDO, Affonso Celso de Assis. Ver OURO PRETO, visconde de.
GODOY, Joaquim Floriano de. A província de São Paulo. Rio de Janeiro: Typographia do Diário do Rio de Janeiro, 1875.
GUIMARÃES, Jorge Maia de O. A invasão de Mato Grosso. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1964.
JAVARI, barão de [Jorge João Dodworth]. Organização e programas ministeriais: regime parlamentar do Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Arquivo Nacional, 1962.
JOURDAN, E. C. História das Campanhas do Uruguai, Mato Grosso e Paraguai. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893.
LIST, Georg Friedrich. Sistema nacional de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1986.
MARACAJU, visconde de [Rufino E. Galvão]. Campanha do Paraguai (1867-68). Rio de Janeiro: Imprensa Militar, Estado Maior do Exército, 1922.
MAUÁ, visconde de [Irineu Evangelista de Souza]. Autobiografia (Exposição aos credores e ao público). Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1964.
NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
ORLEANS, Gastão de. Diário da Campanha do Paraguai. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1870.
OURO PRETO, visconde de [Affonso Celso de Assis Figueiredo]. A Marinha de outrora: subsídios para a história. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894.
SOARES, Sebastião F. Notas estatísticas sobre a produção agrícola e carestia dos gêneros alimentícios no Império do Brasil (1860). Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1977.
TAUNAY, visconde de [Alfredo D’Escragnolle]. A retirada de Laguna. São Paulo: Melhoramentos, 1963.
_______. Memórias. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1948.
TAVARES BASTOS, A. C. Cartas do solitário. São Paulo: Ed. Nacional, 1938.
TSCHUDI, J. J. von. Viagem às províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1980.
VERSEN, Max von. História da Guerra do Paraguai. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1976.
VIANA, Pedro Antônio Ferreira. A crise comercial do Rio de Janeiro em 1864. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, Livreiro Editor, 1864.

4. FONTES SECUNDÁRIAS
BARROSO, Gustavo. Brasil, colônia de banqueiros: história dos empréstimos de 1824 a 1934. Rio de Janeiro: 1934.
BARAN, Paul A. A economia política do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
BEAUCLAIR, Geraldo (Ver OLIVEIRA, Geraldo Beauclair Mendes de).
BERNARDES, Denis. Um império entre repúblicas. Brasil, século XIX. São Paulo: Global, 1983. Coleção História Popular.
BESOUCHET, Lídia. José Maria da Silva Paranhos, ensaio histórico-biográfico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
BOUÇAS, Valentim Fernandes. História da dívida externa. Rio de Janeiro: 1950.
BRASILIENSE, Américo. Os programas dos partidos e o Segundo Império. Exposição de princípios. São Paulo: Typographia Seckler, 1878.
BUENO, Eduardo. História do Brasil. São Paulo: Publifolha, 1997.
BUESCU, Micea. 300 anos de inflação no Brasil. Rio de Janeiro: Apec, 1973.
BURKE, Peter. A escola dos Anales. São Paulo: Unesp, 1997.
CALDEIRA, J. Mauá, empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
CALÓGERAS, João Pandiá. A política monetária no Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1960.
CÂMARA, Adauto M. R. da. O Rio Grande Norte na Guerra do Paraguai. Natal: Galhardo, 1951.
CANABRAVA, Alice. O desenvolvimento da cultura do algodão na província de São Paulo; 1861-75. São Paulo: Siqueira, 1951.
CARNEIRO, Dias A. da Silva. O Paraná na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar, v. XXIX.
CASTRO, Jeanne Berrance de. A Guarda Nacional. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História da civilização brasileira. São Paulo: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 4.
CORTÉS, Roberto; STEIN, Stanley L. Latin America: a guide to economic history (1830-1930). University of California Press, 1977.
COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Difel, 1966.
COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: o Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império. São Paulo: Hucitec, Unicamp, 1993.
DEVESA, Guilherme. Política tributária no período imperial. In:. HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 4.
DUARTE, General Paulo de Queiroz. Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1981.
FAORO, R. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo: Ed. Nacional, 1974.
_______. Os donos do poder: formação do patronato brasileiro. São Paulo: Globo, 1991, v. 1, 1995, v. 2.
FRAGOSO, Augusto Tasso. História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1960. 5 v.
FREITAS, Leopoldo de. História militar do Brasil. São Paulo: Magalhães, 1911.
FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1970.
GOULART, José Alípio. Meios e instrumentos de transporte no interior do Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1959.
GRAHAM, Richard. Grã-Bretanha e o início de modernização no Brasil. São Paulo: Brasilense, 1973.
_______. Brasil-Inglaterra. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 4.
GRANZIERA, Rui Guilherme. A Guerra do Paraguai e o capitalismo no Brasil. São Paulo: Hucitec, Unicamp, 1979.
GREENHALGH, Juvenal. O Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro na história. Rio de Janeiro: s. ed., 1951, v. 1, 1965, v. 2.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Brasil monárquico: do Império à República. In: História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro, São Paulo: Difel, 1977, t. 2, v. 5.
IGLÉSIAS, Francisco. Vida política, 1848-68. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1977, t. 2, v. 3.
KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
LEWINSOHN, R. Os aproveitadores da guerra através dos séculos. Porto Alegre: Globo, 1942.
LIMA, Heitor F. Evolução industrial de São Paulo. São Paulo: Martins Editores, 1954.
_______. História político-econômica e industrial do Brasil. São Paulo: Ed.
Nacional, 1970.
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro, do capital, 1978. 2 v.
LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil. São Paulo: Difel, 1960.
212 Fontes e bibliografia
_______. O industrialismo e o desenvolvimento econômico do Brasil (1808-1920). Revista de História, v. 27, n. 56, ano 14.
_______. As tentativas de industrialização no Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 4.
MARQUES, Alvarino da Fontoura. A economia do charque. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1992.
MARQUES, Maria E. C. M. (Org.) Guerra do Paraguai: 130 anos depois. Rio de Janeiro: Relume, Dumará, 1995.
MARTINS, Zildete Inácio de O. A participação de Goiás na Guerra do Paraguai (1864-70). Goiânia: Universiddade Federal de Goiás, 1983.
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 1987.
McCANN, Frank D. A nação armada: ensaios sobre o Exército brasileiro. Recife: Guararapes, 1982.
NOVA CULTURAL. Grandes personagens da nossa história. 2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987, v. 2.
OBERACKER JR., Carlos H. A colonização baseada no regime da pequena propriedade agrícola. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Difel, 1976, t. II, v. 3.
OLIVEIRA, Geraldo Beauclair Mendes de. Raízes da indústria no Brasil. Rio de Janeiro: Studio F&S, 1992.
ONODY, Oliver. A inflação brasileira, 1820-1958. Rio de Janeiro. 1960.
PELAEZ, Carlos; SUZIGAN, William. História monetária do Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981.
PESSOA, Reynaldo Xavier Carneiro. O ideal republicano e seu papel histórico no segundo reinado: 1870-89. São Paulo: Edições Arquivo do Estado, 1983.
PIRES DO RIO, José. A moeda brasileira e seu perene caráter fiduciário. Rio de Janeiro: Olympio, 1946.
POMER, León. A Guerra do Paraguai: a grande tragédia rioplatense. São Paulo: Global, 1980.
PRADO JÚNIOR, Caio. Histórica econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982.
RAMOS, Hugo C. Tropas e boiadas. Goiânia: Cultura Goiana, 1984.
RE, Januário João del. A intendência militar através dos tempos. Rio de Janeiro: Cia. Editora Americana, 1955.
RHEINGANTZ, Carlos G. Titulares do Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, Arquivo Nacional, 1960.
ROCHA, Claudia M. L. (Org.) Decretos executivos do período Imperial sob o tema privilégios industriais: inventário sumário. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, Divisão de Documentação Escrita, 1990.
RODRIGUES, José Honório. (Org.) Atas do Conselho de Estado. Brasília: Senado Federal, 1973.
SAES, Flávio A. M. de. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1890. In: SZMRECSÁNYI, Tamas; LAPA, José Roberto do Amaral. (Org.) História econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 1996.
SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do Exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
SANTOS, José Maria dos. A política geral do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1989.
SCHMIDT, Carlos Borges. Tropas e tropeiros. Separata do Boletim Paulista de Geografia, n. 32, julho de 1959.
SCHULZ, John. O Exército e o Império. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 4.
SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976.
SILVEIRA, Mauro César. A batalha de papel: a Guerra do Paraguai através da caricatura. Porto Alegre: L&PM, 1996.
SOARES, Luís Carlos. A indústria na sociedade escravista: as origens do crescimento manufatureiro na região fluminense em meados do século XIX (1840-60). In: SZMRECSÁNYI, Tamás; LAPA, José Roberto do Amaral. (Org.) História econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 1996.
SOUZA, J. A. Soares de. O Brasil e o Rio da Prata de 1828 à queda de Rosas. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 3.
SOUZA JR. general Antônio de. Guerra do Paraguai. In: Holanda, Sérgio Buarque de. (Org.) História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, t. 2, v. 4.
SOUZA, L. C. Meios de transporte utilizados na força expedicionária de Mato Grosso e retirada da Laguna (Guerra do Paraguai). RIHGB, v. 263, 1964.
VIANA, Victor. O Banco do Brasil. Sua formação, seu engrandecimento, sua missão nacional. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commércio, 1926.

5. ARTIGOS DE JORNAL
MARTINS, Antônio Egydio. Artigos escritos para o Diário Popular de São Paulo, no período de 1905-10. IHGB/RJ.
JAGUARIBE, João Nogueira. Quanto custou a guerra contra o Paraguai. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 25 ago. 1912. IHGB/RJ.
PORTO, Luís Nogueira. Dos barões de café aos empresários modernos. Leitura, São Paulo, 9 abr. 1991.

6. MANUSCRITOS
CARVALHO, Maximiliano Marques. Considerações gerais sobre a indústria fabril e manufatureira no Brasil (posterior a 1864). IHGB/RJ.
RIBEIRO, Duarte P. Memória sobre a abertura de um caminho para o Mato Grosso [...]. (Col. M. de Paranaguá). BN/RJ.
COLEÇÕES do marquês de Paranaguá e do barão de Mauá existentes no IHGB/RJ.

7. JORNAIS DA ÉPOCA
Correio Paulistano, São Paulo, 1865.
Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 1865-76.
O Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1865.

8. REVISTAS DA ÉPOCA
Semana Ilustrada. 23 fev., 20 set. e 22 nov. 1868.

9. TESES E DISSERTAÇÕES
CANAVARRO, Otávio. O movimento de preços e salários no Rio de Janeiro e suas articulações com a conjuntura social (1850-1930). São Paulo, 1972, Universidade de São Paulo.
FERREIRA, Júlio Bandeira Marques. Vapores, encouraçados e monitores: uma indústria estatal no Arsenal de Marinha da Corte (1850-90). Rio de Janeiro, 1990, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
KUNIOSHI, Márcia Naomi. A prática financeira do barão de Mauá. São Paulo, 1995, Universidade de São Paulo.
MAURO, José Eduardo Marques. Os primórdios do desenvolvimento brasileiro (1850-1929): gênese e desenvolvimento das grandes economias industriais. São Paulo, 1972, Universidade de São Paulo.
PEÑALBA, J. Fornos. The fourth ally: Great Britain and the war of the Triple Alliance. Los Angeles, U. da California, 1979.
SILVA, José Luís W. da. Isto é o que me parece; a Sociedade Auxiliadora da indústria nacional (1827-1904) na formação social brasileira. A conjuntura de 1871 a 1877. Universidade Federal Fluminense, 1979.