segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

ILUMINISMO


  No  decorrer  do  século  XVIII, difundiu-se na França e na Grã-Bretanha um conjunto de ideias frontalmente opostas ao absolutismo dos reis e ao misticismo religioso: o Iluminismo. A principal característica do movimento, que depois se espalhou por toda a Europa, era a valorização da ciência e da racionalidade como forma de eliminar a ignorância dos seres humanos acerca da natureza e da vida em sociedade. Para os iluministas, tratava-se de substituir as trevas da ignorância – fruto da tradição e do misticismo religioso – pelas luzes da razão.
Retrato de Voltaire (1694-1778), por Jean Huber.
O Iluminismo – conhecido também como Ilustração – manifestou-se sobretudo no campo da filosofia, mas acabou refletindo-se ainda na política, na economia, na arte e na literatura.
Na esfera política, a atuação dos iluministas concentrou-se na defesa dos direitos do indivíduo e no combate às arbitrariedades dos governos absolutistas.
Sinais do racionalismo podiam ser encontrados na Europa desde o Renascimento (entre os séculos XV e XVI), quando intelectuais, pintores e artistas transformaram o ser humano no centro de suas preocupações. No afã de conhecer o indivíduo e o mundo que o cercava, os renascentistas enfatizavam a importância da experimentação, da observação e da investigação na produção do conhecimento, base para o desenvolvimento do racionalismo.
Ao longo do século XVII, as práticas e os valores defendidos pelos renascentistas foram reafirmados e ampliados por pensadores como Francis Bacon, René Descartes e John Locke. A produção cultural de todos esses intelectuais era reflexo dos tempos modernos.
As atividades econômicas ligadas aos princípios mercantilistas, por exemplo, se intensificavam e projetavam socialmente os burgueses – comerciantes, banqueiros e homens de negócios em geral. Mas, apesar da ascensão social desse grupo, os reis, os nobres e os integrantes do alto clero ainda detinham o prestígio e o poder político, respaldados em uma organização social justificada, muitas vezes, apenas pela vontade divina.

AS INICIATIVAS INDIVIDUAIS
Alguns pensadores do século XVII e, a partir dessa época, um número cada vez maior de intelectuais, procuraram destacar a importância das iniciativas individuais e das leis naturais para o estabelecimento das relações sociais, políticas, econômicas e religiosas. Ao fazer isso, os filósofos colocavam em xeque certos valores da ordem social vigente e legitimavam os grupos sociais em ascensão. Essas ideias inovadoras abriram caminho para o surgimento do Iluminismo.
Com o tempo, os pensadores iluministas tornaram-se porta-vozes de todos aqueles que almejavam mudanças econômicas, políticas e sociais, como o fim do poder absoluto dos reis e o triunfo das liberdades individuais.

1. Contra a tirania
As obras dos filósofos iluministas, em seu conjunto, apresentavam algumas características comuns: a crença inabalável no futuro e uma visão positiva da humanidade. Em outras palavras, os iluministas acreditavam no progresso contínuo do ser humano.
A fonte de todo o progresso e da liberdade individual era a razão, guia para a compreensão do mundo e das relações sociais, única forma de se livrar da ignorância e da servidão. Em geral, os iluministas se opunham aos dogmas da Igreja, à tradição e ao fanatismo.
Os pensadores desse período centravam suas teorias no indivíduo, tendo como referencial os novos ideais burgueses que se desenvolviam desde o fim da Idade Média.
Além disso, afirmavam que as formas de governo haviam sido criadas pelas relações humanas e não pela vontade divina. Defendiam a tese de que os governos deveriam existir para o bem da sociedade, com a função de garantir a liberdade econômica e individual (suprimindo a escravidão e a servidão) e a igualdade de todos perante a lei. Com base nesses princípios, lutavam pela supressão dos privilégios de nascimento e argumentavam que os nobres e os clérigos deviam pagar impostos e ser julgados por tribunais comuns, tal como as demais pessoas.

PRECURSORES DO ILUMINISMO
O século XVII é conhecido por sua larga produção cultural nas áreas de fi losofi a, matemática, astronomia e ciência política. Os estudos realizados nesse período consolidaram novos métodos de produção do conhecimento. A seguir, destacamos alguns dos principais pensadores dessa fase. 

Francis Bacon (1561-1626), filósofo inglês, desenvolveu o método experimental, no qual enfatizava a importância da observação e da experimentação para o desenvolvimento do conhecimento. Seus estudos se aplicavam às ciências naturais, e os princípios defendidos por ele foram reunidos no livro Novum organum, sua principal obra.

René descartes (1596-1650) nasceu na França e quando jovem seguiu a carreira militar. Ao abandonar esse ofício, dedicou-se ao estudo de física, matemática e, sobretudo, filosofia. Nesse campo, procurou desenvolver um método que produzisse verdades absolutas, inquestionáveis. Escreveu Regras para a direção do espírito, Discurso do método e Meditações.

Isaac Newton (1642-1727), matemático, astrônomo, físico e filósofo inglês. Entre suas contribuições mais significativas está a formulação da lei da Gravitação universal. Sua principal obra, Os princípios matemáticos da filosofia da natureza, foi publicada em 1687 e reúne as bases da mecânica clássica.

John Locke (1632-1704), filósofo e político inglês, era contrário à teoria do direito divino dos reis e afirmava que os governos eram criações humanas. Partidário da tolerância religiosa, Locke formulou a teoria do Estado liberal e também a da propriedade privada. Entre seus escritos, destacam-se Ensaio sobre o entendimento humano, Primeiro tratado sobre o governo civil e Segundo tratado sobre o governo civil. (Baseado em: NASCIMENTO, Milton Meira do; NASCIMENTO, Maria das Graças S. Iluminismo: a revolução das luzes. São Paulo: Ática, 1998. p. 23-25.)


2. O contrato social
O Estado defendido pelos iluministas fundamentava-se na ideia de contrato social, segundo a qual cada indivíduo nasce com direitos inalienáveis, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Por isso, eles são também chamados de contratualistas.
Para os iluministas, os indivíduos viviam originalmente em “estado de natureza”, isto é, em uma situação na qual não havia nem governo nem leis. Nessas condições, cada pessoa gozava de liberdade ilimitada, incluindo a de agredir os outros. Para que tal situação não degenerasse numa guerra de todos contra todos, tornou-se necessário que os indivíduos constituíssem um governo, formando um Estado ou “sociedade civil”, por meio de um pacto ou contrato social. Assim, o Estado seria o resultado do acordo de todos os indivíduos para a preservação de seus direitos.
Segundo John Locke, um dos defensores desses princípios, quando o Estado não cumpre suas funções, a população tem o direito de se rebelar contra ele.
A filosofia dos iluministas acabou fortalecendo as reivindicações burguesas e integrando a plataforma dos movimentos de oposição ao regime absolutista, como a Revolução Francesa.

3. Os filósofos iluministas
Os ideais iluministas espalharam-se por vários países da Europa, mas foi na França, dominada pelo Antigo Regime, que eles mais se difundiram. Entre os principais pensadores iluministas, destacam-se:
       Montesquieu (1689-1755), cujo verdadeiro nome era Charles de Secondat, escreveu O espírito das leis, livro em que critica a monarquia absolutista e defende a organização do Estado em três poderes autônomos: Legislativo, Executivo e Judiciário. A independência entre os poderes, segundo Montesquieu, garantiria o equilíbrio do Estado e a liberdade dos indivíduos. Ele também teceu críticas severas aos costumes morais e religiosos de sua época na obra Cartas persas.
       Denis Diderot (1713-1784) e Jean d’Alembert (1717-1783) foram os responsáveis pela Enciclopédia, obra que pretendia reunir todo o conhecimento existente naquele período. Vinte volumes já haviam sido publicados entre 1751 e 1772, ano em que a edição foi proibida. Resultado de um processo de criação coletiva, a Enciclopédia circulou pela Europa e contribuiu para divulgar as ideias iluministas.
       Voltaire (1694-1778), cujo nome de batismo era François Marie Arouet, notabilizou-se por combater a ignorância, a superstição, o fanatismo religioso e por defender a razão, a tolerância e a monarquia constitucional. Foi poeta, dramaturgo, escritor e filósofo e considerava a escrita e os livros as principais armas contra a ignorância. Preso várias vezes por suas ideias revolucionárias, exilou-se na fronteira com a Suíça e na Inglaterra. Escreveu, entre outros livros, Cartas inglesas e Tratado sobre a tolerância.
       Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra, na Suíça, e a partir de 1742 estabeleceu-se em Paris, onde se uniu aos enciclopedistas. Em sua obra, Rousseau procurou analisar as razões das desigualdades sociais. Segundo ele, o ser humano é naturalmente bom, mas a sociedade o corrompe, gerando desigualdade social, escravidão e tirania. Em seu livro O contrato social, publicado em 1762, sustentou forte argumentação a favor de uma sociedade democrática. Defensor da soberania popular, Rousseau foi condenado e perseguido por sua obra. Suas ideias influenciaram os revolucionários franceses de 1789.

4. O liberalismo econômico
O Iluminismo influenciou também o pensamento econômico, dominado na época pelos princípios mercantilistas, caracterizados pela intervenção do Estado na economia por meio de monopólios, proibições e regulamentos. As atividades comerciais eram então consideradas as principais fontes de riqueza e dependiam da proteção do Estado para sua plena realização.
A partir do século XVIII, com o fortalecimento da produção fabril na Grã-Bretanha e posteriormente em outros países da Europa, começaram a ganhar força teorias que pregavam a liberdade econômica e a formação do livre mercado. Os teóricos afirmavam que a intervenção do Estado limitava o desenvolvimento das atividades econômicas.

A importância dos fisiocratas
Os primeiros economistas a defender essas ideias foram os fisiocratas (de fisiocracia, governo da natureza). Seu principal representante na França foi François Quesnay, para quem a agricultura constituía a principal fonte geradora de riqueza. Outro fisiocrata de destaque foi Vincent de Gournay, que consagrou o lema “laissez faire, laissez passer” (“deixe fazer, deixe passar”), que se transformaria em um dos princípios fundamentais do liberalismo econômico.
As ideias dos fisiocratas acabaram influenciando o escocês Adam Smith, fundador do liberalismo econômico, que publicou, em 1776, o livro Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Nessa obra, Smith defende a liberdade de mercado e o trabalho como base de toda a riqueza, em oposição aos mercantilistas e aos fisiocratas. Smith era ainda a favor do trabalho livre assalariado e contrário ao protecionismo, ao sistema colonial e à intervenção do Estado na economia.

5. O despotismo esclarecido
Na segunda metade do século XVIII, alguns governantes absolutistas europeus adotaram princípios iluministas e promoveram reformas importantes em seus países, com o objetivo de modernizá-los. Entre esses governantes que, sem deixar de ser absolutistas, procuraram promover o “progresso” econômico e social, tal como era entendido pelos iluministas, estava Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, que governou Portugal entre 1750 e 1777.
Essa combinação entre Absolutismo e Iluminismo ficou conhecida como despotismo esclarecido.

Os déspotas na visão dos filósofos

No texto a seguir, o historiador Milton Meira do Nascimento e a filósofa Maria das Graças de Souza comentam a complexa relação entre os iluministas e os déspotas esclarecidos.
“De modo geral, os filósofos usam o termo ‘despotismo’ para se referir a um governo cujo poder não tem limites. O déspota é um governante que detém poder absoluto e governa segundo sua própria vontade. Consideram, contudo, que um déspota, mesmo governando segundo sua própria vontade, se for esclarecido e sábio, pode ser um bom modelo de governo. Conhecendo a natureza humana e a verdadeira natureza das coisas, o déspota esclarecido poderá instaurar em seu país a tolerância e a liberdade religiosa, destruir a servidão, instruir os povos e modernizar seu Estado.
Entre os monarcas europeus do século XVIII, Frederico II, da Prússia, e Catarina II, da Rússia pareciam, aos olhos dos filósofos, encarnar esse ideal. Voltaire correspondia-se com ambos e chegou a passar uma temporada na corte prussiana.
Diderot foi hóspede de Catarina em São Petersburgo. Mas os dois se decepcionaram. Frederico mostrou-se belicoso demais, e Catarina liderou a invasão da Polônia, que foi dividida entre a Prússia e a Rússia. Os pretensos déspotas ilustrados apropriaram-se de uma nação soberana e ali instalaram uma administração tirânica.
Os filósofos então perceberam seu engano. Um déspota é sempre um déspota.” (NASCIMENTO, Milton Meira do; SOUZA, Maria das Graças de. Iluminismo: a revolução das luzes. São Paulo: Ática, 1998. p. 7.)

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