quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

HUMANISMO,  segundo  Nicolau  Sevcenko


   No texto a seguir, o historiador brasileiro Nicolau Sevcenko (1952-2014), conhecido por seus importantes estudos sobre a cultura brasileira e o desenvolvimento das cidades, trata de alguns aspectos que caracterizaram o humanismo renascentista europeu.
O “homem vitruviano” de Leonardo da Vinci,
um dos símbolos do Humanismo.

“O humanismo renascentista, surgido na Europa, no século XIV, inaugurou um movimento de valorização da cultura greco-romana. Os humanistas, num gesto ousado, tendiam a considerar como mais perfeita e mais expressiva a cultura que havia surgido e se desenvolvido no seio do paganismo, antes do advento de Cristo. A Igreja, portanto, para quem a história humana só atingira a culminância na Era Cristã, não poderia ver com bons olhos essa atitude. Não quer isso dizer que os humanistas fossem ateus, ou que desejassem retornar ao paganismo.
Muito longe disso, o ceticismo toma corpo na Europa somente a partir dos séculos XVII e XVIII. Eram todos cristãos e apenas desejavam reinterpretar a mensagem do Evangelho à luz da experiência e dos valores da Antiguidade. Valores esses que exaltavam o indivíduo, os feitos históricos, a vontade e a capacidade de ação do homem, sua liberdade de atuação e de  participação na vida das cidades.
A crença de que o homem é a fonte de energias criativas ilimitadas, possuindo uma disposição inata para a ação, a virtude e a glória. Por isso, a especulação em torno do homem e de suas capacidades físicas e espirituais se tornou a preocupação fundamental desses pensadores, definindo uma atitude que se tornou conhecida como antropocentrismo. A coincidência desses ideais com os propósitos da camada burguesa é mais do que evidente.
É preciso, contudo, interpretar com prudência o ideal de imitação (imitatio) dos antigos, proposto como o objetivo maior e mais sublime dos humanistas por Petrarca, um de seus mais notáveis representantes. A imitação não seria a mera repetição, de resto impossível, do modo de vida e das circunstâncias históricas dos gregos e dos romanos, mas a busca de inspiração em seus atos, suas crenças, suas realizações, de forma a sugerir um novo comportamento do homem europeu. Um comportamento calcado na determinação da vontade, no desejo de conquistas e no anseio do novo. Petrarca considerava que a idade de ouro dos antigos, submersa sob o ‘barbarismo’ medieval, poderia e deveria ser recuperada, mas graças à energia e à vontade de seus contemporâneos.

Petrarca insistia, inclusive, em que o próprio latim degenerado, utilizado pela Igreja, deveria ser abandonado em favor da restauração do latim clássico dos grandes autores do período pagão. A crítica cultural se desdobra, desse modo, na crítica filológica: o estudo minucioso e acurado dos textos e da linguagem, com vistas a estabelecer a mais perfeita versão e a leitura mais cristalina. O que levou esses autores, por consequência, à consideração das circunstâncias e dos períodos que foram escritos os textos e ao estudo das características das sociedades e civilizações antigas. A crítica filológica se transforma, portanto, em crítica histórica.” SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. 16. ed. São Paulo: Atual, 2004. p. 14-15. (Discutindo a história).

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