quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

ECONOMIA  AÇUCAREIRA  NO  BRASIL  COLONIAL



  A colônia existia para o bem da metrópole. Em função desse princípio, surgiu o exclusivo metropolitano, segundo o qual a economia da colônia deveria ser complementar à da metrópole. Em outras palavras, a colônia deveria produzir ou oferecer bens que fossem capazes de proporcionar lucros aos comerciantes e ao governo da metrópole. Esses lucros precisavam ser altos o bastante para colocar o reino em condições de rivalizar com outras potências europeias e justificar os investimentos feitos na colônia.

No caso da América portuguesa, na falta de ouro e prata, os primeiros desses bens foram produtos nativos da terra, principalmente o pau-brasil. Mas as possibilidades de comercialização desses produtos eram relativamente limitadas e sua exploração não levava ao povoamento da imensa área territorial da colônia. Era preciso encontrar outro bem que, extraído da terra ou produzido sobre sua superfície, atendesse s duas necessidades: povoar o território e manter Portugal entre as grandes potências europeias.

Esse bem existia. Plantada nas ilhas do Atlântico (Madeira e Cabo Verde), a cana-de-açúcar fornecia um produto tão doce quanto o mel e quase tão lucrativo quanto o ouro. Com ele, Portugal proporcionaria ao mundo o primeiro artigo de consumo em grande escala. Esse produto era o açúcar.
A concepção que orientou a estrutura da exploração econômica na colônia portuguesa foi claramente mercantilista. Ao adotar essa política, o principal objetivo era gerar lucros em grande escala para o comércio e a Coroa de Portugal. Por isso, desde o começo, a economia da colônia assumiu caráter exportador ou agroexportador.
Para maior rentabilidade, a economia baseava-se na monocultura de produtos tropicais, na grande propriedade da terra e no trabalho escravo. Essa política definiria, com êxito, as características básicas da colonização portuguesa na América.

1. Um produto de luxo
Antes de ser cultivada na América portuguesa, a cana-de-açúcar fez um longo caminho desde que saiu da Ásia, de onde é originária. Trazida para o Ocidente pelos árabes, no século XIII já era cultivada no sul da Península Itálica e na Península Ibérica – regiões então sob domínio muçulmano.
Consta que, em 1300, já se vendia na Europa o açúcar produzido na Península Ibérica. Produzido em pequena quantidade, era um artigo extremamente caro, considerado uma especiaria.
Segundo o historiador Caio Prado Júnior, “o açúcar entrava até nos enxovais de rainhas como um dote valioso”.
Com o início das expedições marítimas, os portugueses introduziram o cultivo da cana nas ilhas do Atlântico. Inicialmente, o açúcar fabricado nessa região era distribuído por comerciantes da Península Ibérica, passando depois para as mãos dos flamengos.
O mercado consumidor se expandia rapidamente. Dessa forma, os portugueses puderam fazer nas ilhas do Atlântico um ensaio do que viria a ser o empreendimento açucareiro instalado em larga escala na colônia americana.

2. Açúcar e povoamento
As primeiras mudas de cana foram trazidas para a América por iniciativa de Martim Afonso de Sousa e plantadas no núcleo fundado por ele em São Vicente. Com as mudas, vieram também alguns peritos nas técnicas de produção de açúcar.
Em seguida, tentou-se, com maior ou menor sucesso, produzir açúcar em várias capitanias hereditárias. Quando a Coroa criou o cargo de governador-geral, seu objetivo era o desenvolvimento da lavoura canavieira. O regimento de Tomé de Sousa previa o incentivo dessa cultura por meio da concessão de vantagens aos colonos, como isenção temporária de impostos.

Condições para o êxito da produção
Plantada nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, a cana-de-açúcar consolidaria a colonização portuguesa na América. Algumas circunstâncias econômicas, históricas, geográficas e ecológicas se combinaram para tornar isso possível. Entre elas:
• a experiência portuguesa nas ilhas do Atlântico;
• a existência, na colônia, de condições ecológicas apropriadas, sobretudo o clima tropical e o solo de massapê (terra argilosa, especialmente fértil para a cultura da cana-de-açúcar);
• a possibilidade de obtenção de créditos de banqueiros holandeses dispostos a financiar a produção e o transporte do açúcar até portos europeus;
• o interesse de capitalistas flamengos em refinar na Holanda a maior parte do açúcar bruto que era produzido na colônia portuguesa e comercializá-lo na Europa.

Já em meados do século XVI, Pernambuco e Bahia tornaram-se os principais centros produtores de açúcar da colônia. As duas capitanias contavam com adequado regime de chuvas e terras de boa qualidade próximas da costa ou de grandes rios.
Essas características foram decisivas, pois assim não havia a necessidade de explorar o interior do continente dominado por paisagens e povos hostis à presença estrangeira.
Por volta de 1585, Pernambuco dispunha de 66 engenhos e a Bahia, de 36, de um total de 120 existentes na colônia. Nessa época, a produção anual de açúcar chegava a 400 mil arrobas (ou 6 mil toneladas).

3. O engenho
A unidade de produção do açúcar era o engenho. A palavra designava inicialmente apenas o moinho onde se fazia a moagem da cana. Com o tempo, passou a incluir também o canavial, as pastagens, as máquinas e o conjunto das edificações, fossem elas destinadas ou não à produção.
Situada em geral em um local mais elevado das terras do engenho, fi cava a casa-grande, residência do proprietário. Localizada nas proximidades, a senzala era a habitação coletiva dos escravos. A capela, local dos cultos religiosos e de encontro dos moradores dos arredores, completava o cenário do engenho.
A produção do açúcar era uma operação complexa, que passava por várias fases.
Após o corte, a cana era transportada para a moagem. O caldo extraído na moagem seguia para a casa de caldeiras, onde era fervido e transformado em melaço. Depois de esfriar, passava para a casa de purgar. Ali se procedia à “purga”, isto é, à retirada de impurezas e à secagem do açúcar. Para isso, o melaço era depositado em formas de barro.
Aguardavam-se, então, cerca de dois meses para desenformar o açúcar, que assumia o formato de um “pão de açúcar”. Em seguida, com uma faca fina desfazia-se o “pão”, separando-se os açúcares conforme a qualidade. Colocado em caixas de madeira, o produto estava pronto para o embarque.
No decorrer da safra, que durava de oito a dez meses, o ritmo de trabalho era exaustivo. Realizada por escravos, a jornada diária começava às quatro horas da tarde, prosseguindo até as dez horas da manhã do dia seguinte. Fazia-se, então, uma pausa para a limpeza e a manutenção do equipamento. Após um breve período de descanso, o processo recomeçava. Por causa da prolongada extensão da safra e do ritmo exaustivo de trabalho, era muito alta a mortalidade entre esses trabalhadores.
Também integravam o engenho alguns trabalhadores livres, que ganhavam salário para exercer funções especializadas, como as de feitor, mestre de açúcar, escrivão, marceneiro e outras. Esses trabalhadores em geral eram europeus. Com o tempo, a maioria dessas funções foram assumidas por mestiços ou indígenas.
Além do açúcar, da cana também se obtinha aguardente, destinada não apenas ao consumo local, mas usada principalmente no escambo que os traficantes faziam na África para a obtenção de africanos escravos.
A construção do engenho exigia muitos recursos. Por isso alguns senhores de terras que não podiam construir seu engenho apenas plantavam a cana e depois a vendiam a um dono de engenho, ou pagavam para moê-la.

Tipos de engenho
Havia dois tipos principais de engenho, conforme o tamanho. Os menores, em geral movidos por animais (e, mais raramente, por força humana), chamavam-se trapiches. Os maiores eram chamados engenhos reais e eram movimentados por energia hidráulica.

4. A parceria luso-holandesa
No decorrer dos séculos XVI e XVII, o açúcar deixou de ser uma especiaria, um produto de luxo, e tornou-se um componente indispensável na dieta dos europeus. Por isso, seu consumo não parou de crescer, ao mesmo tempo em que os preços subiram constantemente até a segunda metade do século XVII. A América portuguesa era então a grande (e praticamente a única) fornecedora do produto. Esse quadro mudaria somente após a expulsão dos holandeses de Pernambuco (1654), quando então teve início um longo período de declínio.
Quase todo o açúcar era exportado para Lisboa por comerciantes portugueses e, principalmente, holandeses, sob a licença do rei. De Portugal, o produto seguia para a Holanda, parceira dos portugueses no negócio. Lá, o açúcar era refinado e reexportado para o restante do continente europeu. Todo o processo de comercialização do produto, sob responsabilidade quase exclusiva dos holandeses, foi de grande importância para a popularização do açúcar no continente europeu.
Os senhores de engenho eram homens ricos, que gozavam de grande prestígio na região onde ficavam suas terras. Apesar disso, muitos viviam constantemente endividados, pois compravam de comerciantes metropolitanos quase tudo de que precisavam. O endividamento também era consequência dos altos investimentos que eles faziam na aquisição de um grande número de escravos, necessários para realizar as tarefas de corte da cana e de produção do açúcar. Além disso, como a vida útil do escravizado durava, em média, dez anos, os donos de terras frequentemente dependiam de traficantes para obter mão de obra, sempre a custos exorbitantes.

5. Outros produtos coloniais
Ao lado da produção de açúcar, outras atividades foram desenvolvidas na colônia, entre as quais as lavouras de fumo e de algodão, e a pecuária.

Fumo e algodão
A exemplo do que aconteceu com a mandioca, o fumo foi outro produto incorporado da cultura indígena. Logo passou a ser produzido para exportação, embora tivesse menor importância que o açúcar. O cultivo de fumo era viável em pequena escala, o que permitiu que fosse praticado também por pequenos proprietários, estabelecidos nas imediações do Recôncavo Baiano, logo convertido na maior região produtora. Não existem estatísticas sobre a exportação de fumo nos séculos XVI e XVII, mas sabemos da importância do produto no tráfico negreiro, já que era usado como mercadoria de troca para a obtenção de escravos na costa africana.
Da mesma forma que a mandioca e o fumo, o algodão já era conhecido dos indígenas. Ainda no século XVI, os colonos passaram a cultivá-lo e empregá-lo como matéria-prima na produção de tecidos rústicos que vestiam os escravos.

Pecuária
A vasta área que constitui o interior do atual Nordeste brasileiro – o chamado Sertão – foi ocupada pela pecuária. Até o final do século XVI, essa atividade era praticada nos próprios engenhos, onde se empregava a força dos animais para fazer a moenda funcionar. O gado também era usado como transporte até os portos de embarque do açúcar, e sua carne, depois de salgada e secada ao sol, destinava-se à alimentação nos engenhos.
Assim, as terras litorâneas foram ocupadas gradativamente pela cana-de-açúcar, ao mesmo tempo que os rebanhos aumentavam. Com o espaço cada vez mais reduzido para a pastagem, a criação de gado acabou deslocando-se para o interior do continente.
O avanço não foi pacífico, pois os indígenas opuseram forte resistência aos invasores. Na Bahia, por exemplo, o governador chegou a recorrer a grupos armados de São Paulo – os sertanistas de contrato – para enfrentar os indígenas da região. Os que sobreviviam aos conflitos eram transformados em mão de obra escrava nos engenhos e nas fazendas de gado.
Apesar dos contratempos, porém, a pecuária expandiu-se para todo o interior do nordeste, acompanhando o curso dos rios, como o São Francisco, o Jaguaribe e o Parnaíba, e garantindo a ocupação desse vasto trecho de terra.
Diferentemente da região produtora de açúcar, a sociedade que se formou em função da criação de gado era mais flexível. O peão era um trabalhador livre que, após alguns anos de trabalho, tinha direito a uma participação no rebanho, recebendo, como pagamento, uma cria em cada quatro. Assim, com o tempo, ele conseguia formar sua própria criação.
A pecuária sertaneja tinha seu mercado na própria colônia: nos séculos XVI e XVII, abastecia apenas os engenhos e os núcleos de povoamento do litoral. No entanto, no século XVIII, com o povoamento das áreas de mineração, a criação de gado ganhou espaço e acabou transformando-se em importante atividade econômica do país.

ARE, OLHE

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