quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

FORMAÇÃO  DA  MONARQUIA  NACIONAL

 No  meio  das  dificuldades  criadas pela crise que afetou a Europa ocidental no fim da Idade Média, a centralização do poder pelos reis surgiu como alternativa política capaz de restabelecer a ordem e a segurança.

Atuando inicialmente como árbitro entre os senhores feudais e a burguesia, o rei conseguiu, aos poucos, impor sua autoridade sobre todo o território do reino.
Nesse longo e tortuoso processo, a fragmentação do poder político, característica da Idade Média, deu lugar ao governo centralizado e à unificação dos territórios. Surgiram assim, por toda a Europa ocidental, monarquias fortalecidas, como as de Portugal, Espanha, França e Inglaterra.
Senhor absoluto do poder, foi o rei o principal agente na construção do Estado moderno. No contexto da época, destacaram-se os grupos que foram contra e aqueles que foram a favor desse processo.

1)    A favor:
Em sua luta para centralizar o poder, o rei teve alguns aliados. O principal deles foi a burguesia mercantil e financeira, formada por comerciantes e banqueiros.
O fato de cada feudo ter suas próprias moedas, aliado aos diferentes sistemas de pesos e medidas existentes em cada um deles, trazia enormes entraves às atividades mercantis.
Além disso, o pagamento de pedágios, imposto pelos senhores feudais às caravanas de mercadores, prejudicava ainda mais os negócios da burguesia. Um poder centralizado e forte poderia, entre outras coisas, resolver esses problemas e ainda oferecer proteção às rotas comerciais, o que não acontecia no mundo feudal.

Interessados nessas mudanças, comerciantes e banqueiros forneceram ao rei apoio financeiro — por meio de doações e empréstimos — e funcionários para a formação de uma burocracia profissionalizada a serviço do Estado. Paralelamente, utilizando as leis e as fórmulas jurídicas do Direito romano, juristas de formação universitária ajudaram o monarca a justificar e legitimar o poder absoluto.

2)    Contra:
A Igreja ofereceu forte resistência à centralização do poder real ao ser ameaçada de perder a posse de suas terras. Além disso, os monarcas diminuíram a interferência dessa instituição em assuntos internos do Estado, especialmente naqueles relacionados às leis e aos impostos.

Também os senhores feudais foram contra: para eles, o processo de fortalecimento da autoridade do rei acarretou a diminuição de seu poder. Naturalmente, eles procuraram resistir a essa perda, recorrendo algumas vezes à luta armada. A decadência do sistema feudal, entretanto, já se tornara irreversível, acentuando-se ainda mais com a ocorrência de mudanças no plano institucional.

Situado entre essas duas forças, o rei permanecia firme no objetivo de fortalecer o próprio poder. Entre outras iniciativas, ele passou a contratar soldados profissionais para suportar guerras prolongadas, formando exércitos permanentes. Desse modo, já não precisava dos combatentes arregimentados pelos nobres.
Ao mesmo tempo, o emprego crescente da infantaria e a utilização das armas de fogo — com a chegada dos primeiros canhões à Europa no século XIV — diminuíram a importância da cavalaria. Essa mudança contribuiu para enfraquecer ainda mais o poderio dos senhores feudais.
Havia, portanto, diversos interesses em jogo: o rei queria mais poder para si; a burguesia reivindicava segurança e liberdade para seus negócios; os senhores feudais recusavam-se a renunciar a seus privilégios; e, finalmente, a Igreja lutava para manter a posição que havia conquistado durante a Idade Média.
Para fortalecer seu poder, o rei jogava com esses interesses, favorecendo ora um, ora outro entre os diversos grupos sociais. Era como se ele desempenhasse o papel de “fiel da balança”.
Nos lugares onde melhor cumpriu essa função, mais sólido tornou-se seu poder.

2. A formação do Estado moderno
Aos poucos, o rei impôs sua autoridade sobre territórios cada vez mais vastos. Com o tempo, os limites entre esses territórios começaram a ganhar significado político, fiscal e militar, fixando-se e tornando-se fronteiras.
Dentro desses novos limites prevaleceram as línguas faladas nas regiões hegemônicas, assim definidas por sua riqueza ou importância política. O idioma oficial da Espanha, por exemplo, derivou do castelhano, língua falada em Castela, o principal reino formador do país.
Nessas circunstâncias, surgiu o estado moderno, igualmente chamado de estado nacional ou Monarquia nacional. Fenômeno novo na história, uma de suas principais características foi o caráter fortemente centralizado do poder monárquico em oposição à fragmentação vivida no sistema feudal.
Quase todos os países da Europa ocidental passaram por esse processo de centralização do poder nas mãos do rei. As duas grandes exceções foram o Sacro Império Romano-Germânico e a Península Itálica.
Essas duas regiões permaneceram fragmentadas em pequenos feudos e principados durante muito tempo.
Somente no século XIX elas passaram por processos de unificação política e territorial, que deram origem à Alemanha e à Itália modernas.

O monopólio da força legítima
Do ponto de vista ideológico, a centralização política em torno do rei só foi possível porque todos os setores da sociedade — inclusive a Igreja — acabaram por aceitar a legitimidade de seu poder.
Desde a Idade Média difundia-se a ideia segundo a qual o rei era soberano “pela graça de Deus” e, portanto, sua autoridade era legítima. Apoiado nessa concepção, o rei passou a exercer os monopólios da força legítima, da justiça e da arrecadação de impostos.
Com a centralização do poder, ficou estabelecido que somente o rei podia constituir forças armadas (exércitos, polícia), encarregadas de manter a ordem e defender o território de agressões externas (antes, os senhores feudais tinham suas próprias milícias armadas). Dessa forma, o monarca passou a exercer o monopólio do uso legítimo da força.
Ao mesmo tempo, os tribunais dos senhores feudais desapareceram, a Igreja manteve apenas seu poder de julgar os assuntos relativos à fé e o rei fi cou com o controle da justiça em todas as outras áreas.
O funcionamento do Estado exigiu a formação e o treinamento de uma burocracia profissional, encarregada de administrar e de fazer cumprir as determinações do soberano e suas leis. Para manter toda essa organização, foi necessário monopolizar a arrecadação de impostos, até então cobrados de maneira descentralizada pelos senhores de cada feudo.
A formação do Estado moderno ocorreu de forma diversa em cada região da Europa. Em todas elas, porém, foi o resultado de longos e sangrentos confl itos, como veremos a seguir.

3. O Estado moderno na França
Na França, os conflitos entre o rei e seus adversários atingiram o ápice no reinado de Filipe IV, o Belo (entre 1285 e 1314). Filipe chegou a ser ameaçado de excomunhão pelo papa, após obrigar a Igreja a pagar impostos. Em 1309, ao transferir a sede do papado para Avignon, na França, acabou submetendo o próprio papa ao seu poder. Essa situação perdurou até 1377, quando o papado retornou a Roma.
Durante seu reinado, Filipe IV voltou-se contra os nobres da Ordem dos Cavaleiros Templários, surgida na época das Cruzadas. Por dever uma grande soma de dinheiro aos templários, o rei tentou confiscar seus bens. Na luta que se seguiu, muitos templários foram dizimados. Alguns deles, porém, conseguiram fugir e se estabelecer na Península Ibérica, onde posteriormente desempenhariam importante papel na expansão marítima.
A Guerra dos Cem Anos, entre os séculos XIV e XV (veja o boxe a seguir), foi decisiva para o fortalecimento da monarquia. No curso do conflito, os reis franceses promoveram importantes reformas militares e financeiras, como a constituição de um exército permanente, controlado pelo poder central, e a criação de um imposto fixo destinado a garantir a manutenção da força armada.
Dessa forma, no fim do século XV, a França havia se transformado em um Estado unificado econômica e politicamente. Em seu interior desaparecera a antiga autonomia dos domínios feudais. O idioma francês impôs-se em todo o território, passando a ser falado ao lado dos dialetos regionais.
No início do século XVI, a monarquia francesa, sob o reinado de Francisco I (entre 1515 e 1547), tornou-se absolutista. Essa nova maneira de governar, que iria se disseminar pela Europa, baseava-se na centralização completa do poder nas mãos do rei.

4. Inglaterra: monarquia e Parlamento
Na Inglaterra, a centralização do poder deu-se de modo diferente do ocorrido na França. Em 1066, a Inglaterra foi invadida por nobres vindos da França, conhecidos por normandos, chefiados por Guilherme, o Conquistador. Guilherme era duque da Normandia. Com a invasão, tornou-se rei da Inglaterra.
O ducado da Normandia constituía um dos vários feudos que formavam o reino francês. Diferentemente dos outros feudos, nele o duque reservava para si o monopólio da justiça, sem dividi-lo com os pequenos nobres (os vassalos ou barões), o que tornava o poder mais centralizado. Dessa forma, quando os normandos invadiram a Inglaterra, transmitiram não a organização feudal que imperava na França, mas uma espécie de “feudalismo centralizado”, como observou o historiador inglês Perry Anderson.
O caráter mais centralizado do reino inglês não impediu que nele se manifestassem alguns aspectos do feudalismo. Durante vários séculos, as relações entre o rei e a nobreza mantiveram-se tensas e conflituosas, pressionadas constantemente pelas disputas de poder.
Em 1215, diante de uma série de medidas autoritárias tomadas pelo rei João Sem-Terra, como a imposição de novos impostos, os nobres reuniram-se e aprovaram um documento que limitava o poder do soberano e determinava que ele só poderia aumentar impostos mediante aceitação do grande Conselho, órgão formado pela própria nobreza e por representantes do clero.
Esse documento incluía vários outros dispositivos, alguns dos quais favoráveis à população em geral e não só à nobreza. Um deles, por exemplo, determinava julgamento justo e imparcial a todo indivíduo que cometesse um delito. Outro estabelecia que nenhuma pessoa podia ser presa sem causa formada (direito de habeas corpus). A Magna Carta, como foi denominado o documento, é até hoje uma das bases constitucionais da Inglaterra.
Em 1258, o Grande Conselho passou a ser conhecido como Parlamento. Algumas décadas depois, o rei Eduardo I (entre 1272 e 1307) promoveu o ingresso de representantes da burguesia e da baixa nobreza nessa instituição. Procurava, assim,  limitar o peso da alta nobreza e da Igreja no Parlamento.
A partir de 1332, os representantes da burguesia e da baixa nobreza passaram a se reunir de forma separada dos representantes da alta nobreza e da Igreja. Essa separação deu origem, em 1350, a duas câmaras no interior do Parlamento:
a Câmara dos Comuns, formada por burgueses e membros da baixa nobreza; e a Câmara dos Lordes, composta de nobres e membros do alto clero. Esse sistema está em vigor ainda hoje.

5. Monarquia nacional na Península Ibérica
A formação da monarquia nacional na Península Ibérica ocorreu conjuntamente à luta pela expulsão dos muçulmanos. Como já vimos, os muçulmanos (chamados de mouros ou sarracenos na Península Ibérica) haviam invadido a Península Ibérica no começo do século VIII. Apenas a região dos Montes Pireneus, próxima ao Reino da França, escapou dessa invasão. Ali se formou o Reino cristão das Astúrias. A partir de então, os cristãos lutaram contra os muçulmanos pela recuperação dos territórios perdidos. Essa luta, que duraria vários séculos, ficaria conhecida como reconquista.

A formação da Espanha
À medida que a luta avançava, outros reinos cristãos foram surgindo na península, entre os quais Leão, Aragão e Castela. No fim do século XI, Afonso VI, dos reinos unificados de Leão e Castela, impôs sucessivas derrotas aos muçulmanos. Em suas campanhas, contou com a ajuda de Henrique de Borgonha,
um senhor feudal vassalo do rei da França. Para recompensar Henrique, Afonso VI ofereceu-lhe o Condado portucalense como feudo.
Em 1212, na batalha de Navas de tolosa, as forças unidas dos diversos reinos cristãos derrotaram os muçulmanos, cujo domínio, a partir desse momento, ficou restrito à região de Granada, no sul da península Ibérica.
O passo decisivo para a expulsão dos árabes ocorreu em 1469, quando Fernando, rei de Aragão, casou-se com Isabel, que se tornaria depois rainha de Castela. Os dois reinos haviam estado unidos sob o reinado de Afonso VI, mas se separaram posteriormente. Com o casamento de Fernando e Isabel, eles voltaram a se unificar, tornando-se a base da Espanha moderna.
Fernando e Isabel, conhecidos como “reis católicos”, venceram a resistência dos senhores feudais e limitaram a autonomia das cidades, impondo a todos a autoridade do poder real. Em 1480, com a instituição do Tribunal da Inquisição, a Igreja Católica e os monarcas uniram-se contra qualquer tipo de resistência ou oposição.
A consolidação da monarquia espanhola ocorreu em 1492, ano em que se deu a reconquista de Granada e a expulsão definitiva dos árabes.
A monarquia espanhola não admitia outra religião que não a católica em seus domínios. Por essa razão, ainda no mesmo ano da tomada de Granada, a Coroa impôs aos judeus a conversão ao catolicismo ou o abandono do território.
Também em 1492, o navegador genovês Cristóvão Colombo, financiado pela Coroa espanhola, encontraria terras desconhecidas dos europeus, chamadas posteriormente América. Esse acontecimento fortaleceria ainda mais a monarquia espanhola.

O nascimento de Portugal
O Condado Portucalense, recebido como feudo por Henrique de Borgonha, estava ligado por laços de vassalagem ao Reino de Leão e Castela. Em 1139, Afonso Henriques, filho de Henrique de Borgonha, rompeu esse vínculo e se proclamou Afonso I, rei de Portugal, iniciando a Dinastia de Borgonha (1139-1383) e a história de Portugal como reino independente.
Nos anos seguintes, organizaram-se as instituições do Estado português. Ao lado da monarquia, estabeleceram-se as Cortes gerais, órgão constituído pela família real, pelo clero e pela nobreza.
Em 1383, com a morte do rei Dom Fernando, o trono português deveria passar para sua filha, casada com o rei de Castela. Diante da possibilidade de união dos dois reinos, a burguesia, a população e parte da nobreza se rebelaram e aclamaram um novo rei, Dom João I, mestre de Avis (nome de uma ordem militar). Em seguida, as forças portuguesas conseguiram derrotar os castelhanos e garantir a independência de Portugal.
Esse movimento, denominado revolução de avis (1383-1385), consolidou a monarquia centralizada e fortaleceu a burguesia mercantil, que estabeleceu estreitos vínculos com o rei.
Já a antiga nobreza, que em grande parte havia dado sustentação à união com Castela, saiu enfraquecida.
Graças a essas mudanças, antes de qualquer outra região da Europa, Portugal reuniu as condições constitutivas do Estado moderno: um território unificado, gerido por um governo soberano e forte, reconhecido e aceito pela população. Essa precoce centralização política seria um dos componentes que permitiriam a Portugal lançar-se antes de qualquer outro reino europeu no empreendimento da expansão marítimo-comercial.



quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

DO  FEUDALISMO  AO  CAPITALISMO


  Uma  população  em  expansão
 No ano 800, a população europeia era de aproximadamente 18 milhões de pessoas. Até o ano 1100, esse número aumentou em cerca de 8 milhões de habitantes, saltando para quase 26 milhões.  Em 1200, alcançou a marca de 34 milhões de habitantes. Isso significa que em quatrocentos anos a população da Europa praticamente dobrou.


A diminuição das invasões a partir do século X gerou um clima de estabilidade social sem precedentes no mundo feudal. O número de mortes por epidemias também diminuiu  consideravelmente.
Sem disputas contra invasores e momentaneamente livres das epidemias, o número de nascimentos começou a superar o de mortes, ocasionando o aumento populacional. O crescimento da população trouxe consigo a ampliação do mercado de consumo e da oferta de mão de obra. Dessa forma, cresceu a demanda por alimentos.
Esse problema foi resolvido por meio da ampliação das áreas de cultivo, mediante o uso de áreas até então ocupadas por florestas e pântanos.
Ao mesmo tempo, algumas técnicas de cultivo foram aperfeiçoadas, elevando a produtividade do trabalhador rural. O resultado da combinação desses dois fatores foi o aumento da produção agrícola. Entretanto, isso não foi sufi ciente para alimentar a população crescente dos feudos.
Os senhores feudais começaram então a expulsar de suas terras o excedente populacional. Banidos dos feudos, geralmente sob a alegação de quebrarem alguma regra, muitos servos viram-se obrigados a mendigar ou a saquear nas estradas.
Enquanto isso ocorria com a população mais pobre, os filhos de senhores feudais viram-se na contingência de abandonar a propriedade paterna. Para garantir a supremacia dos feudos e não dividir suas posses, os senhores feudais fizeram do filho primogênito o único herdeiro. Assim, os outros filhos eram praticamente expulsos das terras, tendo de encontrar novos meios para sobreviver.
Essas circunstâncias acentuavam o clima de disputa entre os nobres cavaleiros. Nessa época, ocorriam também combates e torneios que transformavam os campos em verdadeiras arenas. Foi necessária a intervenção da Igreja, instituindo períodos para essas disputas, como forma de regulamentá-las e evitar que a produção agrícola fosse comprometida.
Esse ambiente, dominado pelo espírito guerreiro, favoreceu o movimento das Cruzadas, promovido pela Igreja.

2. As Cruzadas
No século XI, grande parte dos domínios árabes, incluindo a Terra Santa — que englobava Jerusalém e outros lugares onde Jesus viveu e pregou sua doutrina —, caiu em poder dos turcos seldjúcidas, povo vindo do Oriente que se convertera ao islã. Diferentemente dos árabes, que nunca se opuseram às peregrinações dos cristãos à Terra Santa, os turcos tornaram-nas mais difíceis.
Diante disso, o papa Urbano II, falando aos nobres, na França, em 1095, fez-lhes um apelo pela libertação da Terra Santa. Por trás do apelo religioso do papa estava o interesse da Igreja em aumentar seu prestígio e restabelecer a união da cristandade, rompida pelo Cisma do Oriente, em 1054.
A adesão dos nobres ao apelo papal foi imediata. Para eles, as expedições à Terra Santa seriam uma forma de conquistar terras, prestígio e riquezas no Oriente. Afinal, muitos estavam empobrecidos por causa do direito de primogenitura.
Assim, no ano seguinte, as Cruzadas tiveram início. Costurando cruzes vermelhas sobre as roupas, nobres, camponeses, pobres, mendigos e até mesmo crianças partiram da Europa em grandes expedições militares com o objetivo de tomar a Terra Santa dos muçulmanos.
A Primeira Cruzada (1096-1099) conseguiu conquistar Jerusalém após três anos de lutas. A vitória permitiu a criação de alguns Estados cristãos na região, cujas terras foram distribuídas como na Europa feudal. Entretanto, pouco tempo depois, a Terra Santa foi novamente tomada pelos muçulmanos.
Outras sete Cruzadas foram realizadas, a última delas em 1270. Todas fracassaram. Apesar disso, como consequência delas, o Mediterrâneo foi reaberto à navegação europeia e os contatos culturais e comerciais entre o Ocidente e o Oriente foram restabelecidos.
As Cruzadas contribuíram ainda para aumentar a circulação de pessoas e riquezas na Europa. Por meio delas, o comércio se fortaleceu e acabou estimulando o povoamento das cidades.

3. O renascimento comercial e urbano
A partir das Cruzadas, a mudança mais visível na Europa ocidental ficou conhecida pelo nome de renascimento comercial e urbano. Ele significou o desenvolvimento do comércio e das cidades, que tiveram pouca importância nos séculos anteriores.
O comércio voltou a ter importância crescente. Nesse processo, destacou-se o comércio praticado nas feiras realizadas nas vilas ou perto dos castelos e outros lugares fortificados. Inicialmente periódicas, as feiras tornaram-se permanentes, propiciando o aparecimento de núcleos urbanos, os chamados burgos.
Novas cidades desenvolveram-se a partir dos burgos, enquanto cidades antigas, que não haviam desaparecido completamente, ganharam vida. As cidades atraíam cada vez mais artesãos, que nelas se fixavam para viver de seu ofício.
Atraíam também servos camponeses que as buscavam para tentar vender os seus excedentes agrícolas ou para viver como trabalhadores livres. Atraíam, ainda, comerciantes de sal, ferro e inúmeras outras mercadorias, provenientes de regiões distantes.

As moedas voltam a circular
As atividades comerciais restabeleceram o uso regular da moeda. Logo, diferentes moedas circulavam nas feiras e nos núcleos urbanos, provenientes de vários feudos e regiões da Europa, já que os grandes senhores feudais podiam cunhar as próprias moedas. Essa variedade criou a necessidade do câmbio, isto é, da troca de moedas. Os que se dedicavam a ele eram chamados cambistas.
Mais tarde, os cambistas passaram também a realizar empréstimos e a fazer outras operações financeiras. Assim, surgiram os bancos (do italiano banca, palavra que designava o assento ocupado pelo cambista). Durante muito tempo, os banqueiros mais importantes eram os da Península Itálica, onde, inicialmente, o comércio era mais intenso. Isso porque, desde séculos antes das Cruzadas, algumas cidades italianas, como Gênova e Veneza, mantinham relações comerciais com o Império Bizantino e com os árabes.

A burguesia entra em cena
As cidades que se formaram ao pé das fortificações estavam estreitamente vinculadas aos senhores feudais. Esses nobres, proprietários das terras onde ficavam os burgos, cobravam pesadas taxas dos que neles habitavam.
No início, toda a população do burgo era denominada burguesia; posteriormente, esse termo passou a designar apenas comerciantes, banqueiros e alguns artesãos enriquecidos.
Com o aumento do comércio e o fortalecimento da burguesia, os burgos começaram a reivindicar algum grau de liberdade em relação ao senhor feudal. Alguns desses burgos obtiveram pacificamente autorização para negociar sem pagar aos senhores nenhuma tributação. Isso era conseguido por meio de um documento conhecido como Carta de Franquia, que os moradores do burgo compravam ao senhor feudal ou a um eclesiástico (quando as terras onde ficava a cidade pertenciam à Igreja). Em muitos casos, porém, os burgos tiveram de lutar, unindo-se aos reis, a fim de conseguir dos senhores feudais a licença (franquia) para efetuar suas atividades nas cidades.

Os trabalhadores urbanos se organizam
Nas cidades, a produção artesanal e o comércio tornaram-se tão intensos que aqueles que se dedicavam a essas ocupações passaram a se organizar em associações com o intuito de regular suas atividades. As chamadas corporações de ofício dos artesãos controlavam a produção e impediam a concorrência desleal, fixavam preços, salários e padrões de qualidade. Entre todas essas funções, destacava-se a de reservar o mercado da cidade aos seus membros, além de torná-los mais fortes para negociar com os senhores feudais.
Da mesma forma que as corporações dos artesãos, formaram-se associações de comerciantes ou guildas, como medida para regular o mercado no interior dos burgos. Garantir a proteção contra os comerciantes de regiões distantes era uma das principais funções das guildas.
Essas associações de artesãos e comerciantes negociavam também os impostos com os senhores feudais. Quando a organização interna das cidades adquiria completa autonomia em relação aos feudos, as associações passavam a cuidar da administração das cidades livres.

Religião e negócios
A moral católica medieval tinha como verdadeiro que “é difícil não pecar quando se exerce a profissão de comprar e vender” (Le Goff, Jacques. Mercadores e banqueiros da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 71.). Por isso, a Igreja procurou coibir as ambições dos homens de negócios, preocupados com o lucro, impondo o justo preço e condenando a usura.
A noção do justo preço excluía qualquer ideia de lucro e devia levar em conta apenas o custo das matérias-primas e um pequeno ganho pelo trabalho prestado. Além da tentativa de exploração pelo preço, era considerado usura todo negócio que implicasse pagamento de juros — por exemplo, o empréstimo.
Esse ideal foi inicialmente adotado por artesãos e comerciantes, cujas atividades eram rigorosamente controladas pelas corporações. Na prática, porém, não era mais possível à Igreja aplicar suas imposições com rigor. A Igreja foi então obrigada a fazer concessões. Além disso, os homens de negócios sempre encontravam meios de contornar as interdições religiosas.

4. O comércio de longa distância
As Cruzadas deram grande impulso às atividades comerciais no Mediterrâneo. Vejamos como isso se deu:
• Cidades da Península Itálica, como Veneza e Gênova, passaram praticamente a monopolizar o contato com o Oriente. Os produtos orientais trazidos pelos comerciantes da Península Itálica eram revendidos para outras regiões da Europa. A Península Itálica tornou-se, dessa forma, o principal centro comercial europeu.
• Outro importante polo de atividades comerciais desenvolveu-se simultaneamente no norte da Europa, na região de Flandres (norte da atual Bélgica). Desse polo, o comércio se propagou para o mar Báltico, chegando à Rússia. Mais tarde, um grupo de cidades do norte da Europa formaram uma liga comercial chamada Hansa Teutônica, que monopolizou o comércio nessa vasta região.
• Ligando Flandres (norte) à Península Itálica (sul), desenvolveu-se uma rota terrestre que travessava a região francesa de Champanhe. Nesse percurso realizavam-se, durante todo o ano, grandes feiras, que serviam de ponto de encontro aos comerciantes europeus.

Desse modo, entre os séculos XIII e XIV, formou-se na Europa uma verdadeira teia de rotas por onde começou a fluir um intenso e próspero comércio.

5. Primeiros passos do capitalismo mercantil
O renascimento comercial e urbano, que ocorreu a partir do século XI, introduziu muitas novidades na organização da sociedade feudal. Surgiram diferentes grupos sociais, como a burguesia e os trabalhadores assalariados.
Criaram-se novas formas de enriquecimento por meio do crescimento das atividades bancárias e do comércio de mercadorias. Ganharam importância o comércio em grande escala e a produção para o mercado.
Essas novidades indicavam o lento aparecimento de um novo sistema econômico: o pré-capitalismo.
Uma das características do novo sistema era o fato de sua economia estar baseada na moeda e não na troca de produtos, como ocorria antes. Aos poucos, ele ganhou espaços cada vez maiores na ordem feudal e começou a entrar em choque com ela. A antiga nobreza, rica em terras, adaptava-se com dificuldade à nova economia. Enquanto isso, comerciantes e banqueiros enriqueciam e começavam a disputar poder com os senhores feudais.
A partir do século XV, com o início das Grandes Navegações, o pré-capitalismo se transformaria lentamente em capitalismo mercantil. Com este, o capital investido no comércio passou a dominar a produção, e o trabalho assalariado se expandiu. No lugar das corporações de ofício, surgiram as manufaturas. Pouco a pouco, a ordem feudal entrou em crise e o capitalismo mercantil se tornou dominante em toda a Europa ocidental.

6. A fome, a peste e a guerra
A dissolução do feudalismo foi apressada no fim da Idade Média por uma sucessão de acontecimentos que gerou a chamada “crise do século XIV”. Vejamos quais foram esses acontecimentos:
• A produção de alimentos sempre foi deficiente no sistema feudal, de modo que a fome era uma ameaça constante. Entre 1315 e 1317, a situação se agravou e provocou surtos de fome em vários lugares da Europa.
• A falta de estrutura das cidades para suportar o aumento populacional, associada ao problema da fome, acabou facilitando a propagação de uma série de epidemias. A pior de todas foi a chamada peste negra, que assolou a Europa entre 1348 e 1350 e matou cerca de um terço da população.
• Inúmeras guerras também contribuíram para aumentar a mortandade e tornar a situação na Europa ainda mais difícil. A maior delas foi, sem dúvida, a Guerra dos Cem Anos (1337--1453), travada entre as monarquias da Inglaterra e da França.

Sob a ação dos três flagelos do século XIV – a fome, a peste e a guerra – a população diminuía e a mão de obra se tornava cada vez mais escassa. Isso levou os senhores feudais a aumentar a exploração dos camponeses. Em consequência, houve inúmeras revoltas, nas quais os camponeses rebelados queimavam propriedades e assassinavam senhores feudais. Em algumas cidades, ocorreram desordens e motins.
A crise abalou também a estrutura de poder descentralizada característica do feudalismo, que não conseguia gerar respostas para os problemas que surgiam. Os governos centralizados começaram então a ganhar força, pois conseguiam arbitrar os conflitos inevitáveis em uma sociedade cada vez mais complexa.
Foi nesse contexto que se deu o fortalecimento do poder dos reis e a consequente formação do Estado moderno. Desse modo, pode-se dizer que as transformações da Baixa Idade Média – desenvolvimento do comércio e das cidades, uso da moeda, aparecimento da burguesia, fortalecimento do poder do rei – condenaram o feudalismo à dissolução. A essas mudanças pode-se acrescentar o Renascimento, no século XIV, e as Grandes Navegações, no século XV, todas apontando para o advento dos chamados tempos modernos.



quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A  GRANDE  NAÇÃO  TUPI


 Os primeiros habitantes avistados pelos portugueses ao desembarcar em terras americanas adotaram, em geral, uma atitude amistosa em relação aos estrangeiros. A esses grupos que falavam entre si línguas parecidas e tinham certos hábitos semelhantes, os portugueses chamaram tupis.

Os portugueses não sabiam, no entanto, que os tupis não eram um só grupo, mas englobavam numerosos povos, com grande diversidade cultural e religiosa.
Foi exatamente com esses indígenas do litoral que os portugueses mantiveram maior contato e aprenderam as primeiras regras de sobrevivência no continente que então começavam a explorar.
No interior do território viviam também diversos outros povos, chamados pelos conquistadores de tapuias.
Estes eram mais hostis, falavam uma língua difícil de ser compreendida e rejeitavam qualquer tipo de aproximação. Por isso, o contato que os portugueses mantiveram com eles foi bem menor.

2. As origens
Existem diferentes explicações para a procedência dos tupis que povoavam extensas regiões da América conquistada pelos portugueses. No início do primeiro milênio a.C., provavelmente eles habitavam o sudoeste da Amazônia, entre os atuais territórios de Rondônia, do Amazonas no Brasil e da Bolívia. Daí, teriam iniciado um lento movimento migratório em várias direções.
Outra versão dos estudiosos sugere que os tupis eram, possivelmente, originários dos contrafortes dos Andes ou do planalto do trecho médio dos rios Paraguai e Paraná, de onde se deslocaram para o litoral atlântico, seguindo para o norte.
Sabe-se, porém, que eles englobavam vários povos, como tupinambás, tamoios, tabajaras, carijós, potiguaras e guaranis, estes nas regiões meridionais.

3. Divisão do trabalho
Os tupis se organizavam grupos formados por unidades menores, as aldeias, que mantinham entre si interesses comuns. Nas aldeias havia normalmente de 500 a 600 pessoas, que viviam em grandes habitações (ou malocas) coletivas, cuja estrutura de madeira recebia uma cobertura de folhas de palmeira. Em geral, o número de habitações variava por aldeia de 4 a 7, cada uma abrigando um grande grupo familiar. A poligamia era prática comum entre os chefes e os guerreiros mais destacados.
A divisão do trabalho era feita de acordo com o sexo e a idade. As mulheres, além dos afazeres domésticos, ocupavam-se da agricultura e da coleta e colaboravam na pesca. Encarregavam-se da preparação do cauim – bebida fermentada à base de mandioca – e de muitas atividades artesanais, como tecer redes, trançar cestos, fazer tapetes etc.
Além da derrubada da mata e da preparação da terra para o plantio, os homens ocupavam-se da caça, da pesca e do fabrico de canoas, armas de guerra e instrumentos de trabalho. Deviam erguer as habitações, defender a aldeia, tomar parte na guerra e executar os prisioneiros, se sua tribo praticava a antropofagia. Também eram os homens que exerciam a função de curandeiros.
As crianças ajudavam os pais em algumas atividades e realizavam tarefas compatíveis à sua idade, como cuidar dos irmãos menores ou espantar os pássaros das plantações no período que antecedia a colheita.

4. Uma agricultura rudimentar
Os tupis viviam da coleta, da caça e da pesca, dominavam a cerâmica e praticavam uma agricultura rudimentar. Essas atividades implicavam na exploração dos recursos do meio ocupado por eles até o esgotamento. Por isso, de tempos em tempos (geralmente de três a cinco anos), os grupos indígenas eram forçados a se deslocar para outra região em busca de melhores condições de vida.
A agricultura era uma atividade predominantemente feminina, excetuando-se a derrubada das árvores e a preparação da terra para o plantio, que cabiam aos homens da tribo. A limpeza do terreno era feita por meio da queimada, prática denominada coivara, mais tarde adotada pelos colonizadores. Os principais produtos da lavoura indígena eram a mandioca, o milho e a batata-doce. Mas sua dieta alimentar, variando de uma região para outra, incluía feijão, amendoim, pimenta, caju, banana e outros vegetais.
Os tupis não conheciam os metais. Em certas atividades, usavam machados de pedra e utensílios de madeira, de dentes, conchas etc. Suas armas de guerra eram arcos, flechas, lanças e escudos feitos de madeira. Alguns povos faziam uso da zarabatana, um tubo longo por meio do qual disparavam dardos envenenados. Para obter fogo, friccionavam uma peça de madeira dura contra outra, mais macia. Construíam suas canoas com troncos ou cascas de árvores e não utilizavam nenhum animal para transporte ou tração.

5. Morubixaba: o chefe de aldeia
Segundo o historiador Julio Cezar Melatti, a maior unidade política entre os tupis consistia na aldeia. Cada aldeia era politicamente independente, reconhecendo apenas a autoridade de seu chefe. Por isso, às vezes, ocorriam conflitos armados entre as aldeias de um mesmo grupo.
Toda aldeia tinha um chefe, geralmente chamado de morubixaba. Para desempenhar essa função, os membros da comunidade escolhiam, entre outras qualidades quem tivesse uma grande parentela e revelasse coragem, ponderação e dotes oratórios. Nos períodos de normalidade, o chefe tinha poucas atribuições, mas durante as guerras esperava-se que demonstrasse valentia e capacidade de comando, sob pena de ser afastado da função.
No entanto, o poder político não estava concentrado no morubixaba. Na verdade, a instituição política mais importante entre os tupis consistia no “conselho dos principais”, formado pelos chefes das grandes famílias e pelos homens mais respeitados da aldeia, como os guerreiros. Esse conselho tomava as principais decisões, como a mudança de seu povo para outro território, as estratégias empregadas em caso de guerra e a definição de alianças com outros grupos.
O processo de escolha do chefe e a determinação de suas obrigações variavam de um grupo para outro. Mas um aspecto era comum às diversas sociedades indígenas: a condição de chefe não conferia privilégios ao escolhido.
Do ponto de vista religioso, os tupis tinham crenças que combinavam traços do animismo e do politeísmo. Acreditavam, por exemplo, que, além do ser humano, todos os outros seres da natureza – como árvores, animais etc. – também eram dotados de alma (animismo). Adoravam alguns deuses (politeísmo), como tupã, identificado com o raio e com o trovão, e acreditavam na existência da vida após a morte e na reencarnação; temiam os gênios, os demônios e os espíritos dos mortos, causadores de catástrofes, que precisavam ser apaziguados por meio de oferendas.
O pajé, ou xamã, espécie de mago e sacerdote, presidia as cerimônias religiosas e era capaz de entrar em contato com forças invisíveis, adivinhar o futuro e curar as doenças.


É impossível saber hoje, com precisão, quantos indígenas havia no Brasil por ocasião da chegada dos portugueses. As estimativas variam de 1 milhão a 10 milhões. Uma coisa, porém, é certa: seja qual for esse número, ele baixou continuamente até chegar a cerca de 70 ou 80 mil, em 1957, conforme cálculos do antropólogo Darcy Ribeiro. Mas, nas últimas décadas do século XX, graças a uma política pública de proteção, a população indígena voltou a crescer. De acordo com o Censo Demográfico 2010, a população indígena residente no Brasil era de quase 900 mil pessoas.

sábado, 13 de janeiro de 2018

INCAS, uma civilização nos Andes


 A primeira sociedade complexa a florescer no território do atual Peru, por volta do ano 1000 a.C., ficou conhecida como chavin, denominação dada por historiadores e arqueólogos que estudam a região. Dela, sabe-se que era uma sociedade agrícola –cuja principal atividade econômica consistia no cultivo do milho – e que dominava também a técnica de construção de templos, pirâmides e canais de irrigação.

Ruínas de Machu Picchu, cidade construída 
pelos incas no século XV, no topo de 
uma montanha, a 2400 metros de altitude, 
no atual Peru.
No primeiro milênio de nossa era, a sociedade chavin deu lugar a outras sociedades. Ao longo desse período, a região conheceu muitas melhorias. Por exemplo: a ampliação dos canais de irrigação até as terras áridas próximas do litoral e a expansão das áreas cultivadas nas encostas da cordilheira. Essa melhoria era obtida por meio da construção de terraços, degraus formados por pedras na vertical e terra na parte horizontal.
A partir do século VIII, dois centros de difusão cultural ganharam destaque. O mais importante deles foi a cidade de Tiauhanaco, nas margens do Lago Titicaca; o outro, a cidade de Houari, localizada mais ao norte. Ambas se tornaram centros de grandes sociedades, que desapareceram no século XII por razões ainda desconhecidas. Sua cultura seria herdada pelos impérios Chimu e Inca, que se formaram em seguida. Os chimus estabeleceram-se na costa setentrional, onde desenvolveram a agricultura irrigada por meio de canais e aquedutos. Deram início, no século XIV, a um processo de expansão que os levou ao controle de longa área do litoral andino. Em meados do século seguinte, no entanto, foram absorvidos pelo Império Inca e perderam sua independência.

2. Um império florescente
Quando, em 1532, os espanhóis iniciaram a conquista da região onde hoje se encontra o Peru, os incas constituíam um império grandioso, cujo centro era a cidade de Cuzco. Acredita-se que, nessa época, dentro de suas fronteiras viviam, cerca de 10 milhões de pessoas. Uma das características interessantes dessa sociedade é que, ao dominar os diversos povos andinos, os incas fizeram a síntese das tradições culturais da região.


Primeiras conquistas
Os incas apareceram tardiamente na história dos povos andinos. Não há consenso entre os historiadores quanto às suas origens. É possível que eles fossem um dos grupos que compunham o povo quíchua, cujo idioma era falado numa ampla região dos Andes. Mas admite-se que, no século XIII, eles viviam ao redor de Cuzco.
A partir de certo momento, os incas começaram a dominar diversas cidades da região, dando início à sua expansão. Depois de 1463, subjugaram a sociedade chimu, que controlava o litoral. Em seguida, incorporaram os caras (no território que hoje corresponde ao Equador) e os aimarás, nas margens do Lago Titicaca, bem como as regiões do norte da Argentina e do Chile atuais.
A sucessão de conquistas resultou, em algumas décadas, na formação do Império. A tradição inca atribuía a um de seus ancestrais, Manco Capac, o papel de fundador do Império. Ele e seus sucessores passaram a adotar o título de inca, nome de uma antiga divindade andina.
Um de seus governantes mais importantes foi Tupa Yupanqui, que criou um serviço de mensageiros que ligava as diversas partes do Império e estruturou uma burocracia e um exército capazes de manter o controle inca sobre grande parte dos Andes. Yupanqui morreu em 1493.
Seu filho e sucessor, Huaina Capac, governou até 1528. Durante mais de trinta anos de governo, Huaina enfrentou prolongadas guerras nas fronteiras do norte. Ao morrer, o trono passou a ser disputado por Huáscar e Atahualpa, dois de seus filhos. Essa divisão facilitaria a conquista do Império pelos espanhóis quatro anos mais tarde.

Os filhos do Sol
Os incas tinham um governo forte e centralizado. A sucessão no poder se dava na família do governante, mas o herdeiro não era necessariamente filho do Inca, e sim o parente considerado mais capaz para assumir o cargo. Por isso, ao final de cada governo, havia grande disputa entre os herdeiros. Uma vez vitorioso, o novo Inca comparecia ao Templo do Sol, onde era entronizado. Investido de poderes exclusivos, ninguém podia encará-lo.
No início, os incas eram vistos como filhos do Sol. Mas Huaina Capac, por exemplo, se fez reconhecer como a própria encarnação do Sol e foi adorado como deus vivo. O Estado inca constituía, portanto, uma teocracia, como havia sido o Egito na Antiguidade.
O território do Império era dividido em quatro partes por duas linhas imaginárias que se cruzavam no centro da capital, Cuzco, a qual – acreditavam – era o “umbigo do mundo”. Cada uma dessas partes se subdividia, para fins administrativos, em frações decimais, nas quais a população era agrupada em unidades de 10 mil, mil, cem e, por fim, dez famílias. Havia um funcionário que se encarregava de cada uma das quatro unidades. As unidades inferiores também eram dirigidas por burocratas. Todos esses funcionários formavam uma pirâmide administrativa em cujo topo ficava o Inca.

Lavradores, pastores e artesãos
A agricultura, principal atividade econômica, dependia em boa parte dos terraços construídos nas encostas da cordilheira e de um sistema de canais para transportar água de fontes localizadas, muitas vezes, a quilômetros de distância. Os incas cultivavam mais de quarenta espécies vegetais, entre elas, abóbora, vagem, algodão, milho, batata, batata-doce, mandioca, amendoim e abacate.
A maioria da população era formada por camponeses, agrupados em comunidades chamadas ayllu – a célula básica da sociedade inca. O ayllu reunia pessoas ligadas por laços de parentesco e pela crença de descender de um mesmo antepassado mítico, simbolizado por um totem. Cada comunidade tinha seu chefe, o curaca, responsável pela distribuição da terra, pela organização dos trabalhos coletivos e pela resolução de conflitos.
Os integrantes do ayllu recebiam lotes de terra em diversas partes do Império, o que tornava possível explorar as diferentes condições de clima e de solo para obter grande variedade de produtos.
A terra era propriedade do Inca, que, por meio dos curacas, a entregava às famílias para cultivo: cada casal, ao se constituir, recebia um lote. As terras destinadas ao pastoreio, por sua vez, eram usadas coletivamente. Nelas criavam-se a alpaca, que fornecia lã, e o lhama, utilizado como meio de transporte. A domesticação desses animais fez dos Andes a única região da América pré-colombiana onde se praticou o pastoreio. Explorando, ao mesmo tempo, a agricultura, o pastoreio e o artesanato, as comunidades incas eram praticamente autossuficientes. Não havia moedas.

Os servos do Inca
A escravização não era praticada entre os incas, mas havia os chamados “dependentes perpétuos” (yana), ligados aos curacas e ao Inca. Eles não podiam ser trocados ou vendidos, como os escravos, e tinham importância econômica secundária. Paralelamente, havia a mita, antiga obrigação de prestar trabalho ao curaca e aos deuses locais, revestida de caráter religioso. Depois da formação do Império Inca, essa obrigação passou a ser prestada também ao Inca, o filho do Sol.
A mita recaía sobre todas as pessoas casadas, que deveriam cuidar das terras e dos rebanhos do Inca e ainda desempenhar as funções que lhes fossem designadas: no exército, nas oficinas de trabalhos artesanais, na construção e manutenção de estradas, pontes e edifícios.
Tudo isso exigia rigoroso controle da população, para se chegar com precisão à real quantidade de mão de obra disponível. Em virtude dessa necessidade, era comum proceder-se a recenseamentos minuciosos, realizados periodicamente por funcionários especializados. Para garantir os resultados dos censos, esses funcionários empregavam um sistema numérico decimal e registravam os dados em um instrumento denominado quipo, formado por cordinhas de diferentes cores e com vários tipos de nós.
Em algumas áreas do Império havia armazéns apropriados para guardar os produtos obtidos pela mita. Os estoques acumulados destinavam-se ao abastecimento do exército ou ao auxílio da população, em caso de desastres naturais. Nessa eventualidade, os mais velhos, as viúvas e os órfãos eram os primeiros a se beneficiar da distribuição alimentos e de roupas.

Cultura e técnica
Entre os incas, a tradição cultural era transmitida oralmente, tarefa reservada aos chamados amawta, cujos relatos serviram de matéria-prima para as crônicas registradas depois que os espanhóis introduziram a escrita entre eles.

Conhecimentos técnicos dos incas
O calendário inca dividia o ano em doze meses. No entanto, apresentava uma curiosa particularidade: enquanto o ano era solar, os meses eram lunares, o que ocasionava a diferença de alguns dias entre as duas contagens.
Os incas dominavam perfeitamente a técnica de obtenção do bronze (uma liga de cobre e estanho) e da platina e sabiam trabalhar o ouro e a prata. Não conheciam o ferro, a roda e o torno. Para o fabrico de armas e ferramentas utilizavam a pedra.
Com esse arsenal técnico, a sociedade inca construiu um império dotado de cidades, palácios, templos, estradas e estrutura administrativa, que provocou a admiração dos espanhóis, estimulando sua cobiça por metais preciosos.
Diferentemente dos povos da Mesoamérica, os incas não criaram uma escrita formal. O quipo desenvolvido por eles era eficiente, mas tratava-se de um sistema de contabilidade. Certamente o grau de complexidade alcançada pela sociedade inca iria exigir, em mais ou menos tempo, registros escritos, e os incas acabariam tendo a própria escrita. Mas esse desenvolvimento foi interrompido pela chegada dos conquistadores europeus.

O Império destruído
Apesar da grandiosidade de seu império, a sociedade inca acabou revelando-se bastante frágil diante do invasor espanhol. Para isso contribuíram:

• o cavalo e as armas de fogo e de ferro usadas pelos espanhóis;
• o descontentamento dos povos subjugados pelo Império que acabaram se aliando aos invasores;
• a disputa pelo poder entre os irmãos Huáscar e Atahualpa depois da morte do Inca Huaina Capac, em 1528, pois a luta entre os dois príncipes prosseguia em 1532, quando os espanhóis, chefiados por Francisco Pizarro, chegaram à região.

A resistência inca durou quarenta anos e só foi vencida em 1572, com o assassinato de seu último governante, Tupac Amaru. Porém, desde 1543, o território do Império já tinha sido incorporado pela administração colonial espanhola, constituindo o Vice-Reino do Peru.