sexta-feira, 24 de março de 2017

EINSTEIN, militância política de um cientista

  Todos sabem que Albert Einstein foi um grande cientista, mas o que pouca gente sabe é que ele também foi um militante engajado em várias causas de cunho político, como este texto vai procurar mostrar.
Albert Einstein, nascido na Alemanha em 1879, tornou-se uma celebridade mundial depois que a observação do eclipse solar de 1919 comprovou sua teoria da relatividade geral. Até então, e por quase três séculos, havia prevalecido nos meios científicos a concepção de Isaac Newton (1642-1727), segundo o qual havia um universo mecânico, baseado em leis e certezas absolutas. Com Einstein, surgiu uma nova visão do universo, em que o espaço e o tempo eram grandezas relativas, dependentes de pontos de referência. A opinião pública interessou-se avidamente pela nova teoria, e imediatamente Einstein foi elevado à condição de gênio.

Einstein era filho de judeus, e havia se formado em Física pela escola Politécnica de Zurique, em 1900. Queria ser professor, mas fracassou em suas tentativas para conseguir trabalho nas universidades. Uma das razões para esse fracasso foi sua condição de judeu, pois naquele tempo o antissemitismo já era muito forte na Alemanha. O melhor que Einstein conseguiu foi um emprego no escritório de patentes de Berna, na Suíça. E foi lá, sentado junto à sua mesa de trabalho, que ele começou a virar de cabeça para baixo o conhecimento acumulado pelos físicos até aquele momento. Era o ano de 1905, chamado de “annus mirabilis” de Einstein. Na ocasião, ele formulou, entre outras teorias, a da relatividade especial. Dez anos depois, ele conseguiu formular a teoria da relatividade geral, confirmada experimentalmente pelos astrônomos que observaram o eclipse de 1919.
Einstein no Escritório de Patentes,
Berna, Suíça, 1905

Até então, Einstein nunca levara sua condição de judeu muito a sério. Na verdade, ele se considerava um internacionalista. E foi justamente no momento em que se tornava famoso que abraçou o sionismo, ou seja, a luta pela criação de uma pátria para os judeus. Segundo suas próprias palavras: “Sou, como ser humano, um adversário do nacionalismo. Mas, como judeu, apoio a partir de hoje o empenho sionista.” (Isaacson, Walter, Einsten, sua vida, seu universo. São Paulo, Companhia das Letras, s/d, p. 256. Em https://lerlivros.online/livro/einstein-walter-isaacson. Acesso em 02 de março de 2017.)
Einstein não entrou oficialmente em nenhuma organização sionista, nem pertenceu a nenhuma sinagoga. Mas assumiu a luta em defesa dos assentamentos judaicos na Palestina e pela causa da identidade nacional entre os judeus de todas as partes do mundo. Outra bandeira que assumiu nessa época foi a oposição aos desejos “assimilacionistas”. Eram chamados assim os judeus que pretendiam “assumir” a identidade nacional do país onde viviam.
A união de Einstein com a causa sionista de se deu no primeiro semestre de 1921, bem no momento em que ele e sua mulher realizaram uma viagem aos Estados Unidos. O objetivo da viagem era arrecadar fundos, junto aos judeus estadunidenses, para fundar a Universidade Hebraica de Jerusalém. Em sua chegada, teve uma recepção digna de um pop star, com direito a um desfile triunfal de carro através das ruas de Nova Iorque, com a multidão gritando e empunhando bandeiras. Acompanhado de líderes do movimento sionista, Einstein foi recebido pelo presidente dos Estados Unidos, visitou Harvard e depois proferiu uma série de palestras na Universidade de Princeton (onde ele iria se estabelecer mais tarde, quando se mudou definitivamente para os EUA, em 1933).
A viagem aos Estados Unidos transformou Einstein definitivamente no que ele realmente queria ser - um internacionalista, um cidadão do mundo. Não por acaso, naquele ano de 1921, ele entrou para o Comité Internacional de Cooperação Intelectual da Liga das Nações, que tinha como objetivo promover o espírito pacifista no mundo acadêmico.

No início da década de 1920, o antissemitismo estava crescendo na Alemanha e, para Einstein, os convites para palestras não paravam de chegar, e com eles a necessidade de viagens, algo de que ele realmente gostava. Um desses convites foi para visitar a Ásia, numa viagem que iria durar seis meses. Ele partiu em outubro de 1922, e estava a caminho do Japão quando soube que havia ganhado o Prêmio Nobel de Física relativo a 1921. Na viagem de volta para a Europa, fez sua única visita à Palestina. 

O pacifismo radical de Einstein se desenvolveu ao longo da década de 20. Mas essa não foi a única causa pela qual se batia sua alma generosa. Ele foi também um defensor permanente da justiça social e racial. Por isso, seu apoio à causa sionista não impediu que sua solidariedade se estendesse também aos árabes que estavam sendo desalojados pelos judeus que chegavam à Palestina. Numa declaração feita em 1929, quando já tinha cinquenta anos, ele chegou a propor que se constituísse um “conselho especial” com a presença de representantes independentes tanto de judeus quanto de árabes, para solucionar as discordâncias entre os dois grandes povos semitas.

A idade de Einstein avançava, e cada dia mais sua atuação migrava do campo da ciência para o campo político. Os convites continuavam a chegar. Um deles era um convite para visitar a União Soviética, que foi recusado em virtude da oposição de Einstein ao regime totalitário vigente naquele país. Para ele, já era bem clara a opção por um regime político que respeitasse as liberdades do individuo. Por isso mesmo, ele se alegrou com um novo convite vindo dos EUA, um país do qual ele aprendera a gostar. Foi assim, que mais uma vez ele fez suas malas, e embarcou par a América em dezembro de 1930. Na sua chegada, foi recepcionado por membros da Liga de Resistentes à Guerra. Nesse encontro, ele foi abordado pelo líder socialista Norman Thomas, que tentou convencer Einstein de que o pacifismo não pode existir sem o socialismo. Einstein discordou, dizendo que o pacifismo não requeria o socialismo. Embora fosse, em tese, simpático ao socialismo, não lhe agradava o fato de as revoluções socialistas muitas vezes levarem à supressão da liberdade.
No seu discurso mais importante, proferido na New History Society, em Nova Iorque, ele fez seu mais veemente apelo pacifista até aquele momento. Defendeu a resistência incondicional à guerra e a recusa em prestar serviço militar. Segundo Einstein, se apenas 2% das pessoas obrigadas a cumprir o serviço militar anunciassem sua recusa em lutar, os governos ficariam impotentes. Eles não se atreveriam a mandar para a prisão um número tão grande de pessoas. Proferido pelo cientista mais famoso do mundo, o discurso obviamente teve grande repercussão.

As convicções políticas de Einstein sofreram um duro golpe quando da ascensão de Hitler e dos nazistas ao poder na Alemanha. Einstein havia sido sempre um pacifista. Mas foi capaz de mudar seu discurso conforme mudavam as circunstâncias. Ele não abandonou seu discurso pacifista, como disse não ao desarmamento sem segurança. Mais do que isso, reforçou seu compromisso com a ideia de uma organização federalista mundial. Para ele, a nova organização seria como uma Liga das Nações, porém dotada de poder efetivo, com seu próprio exército profissional para fazer cumprir suas decisões.

A ascensão de Hitler, no início de 1933, ocorreu no exato momento em que Einstein partia para uma nova viagem aos EUA. O cientista havia sido contratado para trabalhar na Universidade de Princeton. Ele e sua mulher se encontravam naquele momento na Bélgica, onde ele aproveitou para entregar seu passaporte ao consulado alemão em Bruxelas, declarando que renunciava à cidadania alemã. Da Bélgica, acompanhado da mulher, seguiu para a Inglaterra, e ali tomaram um navio para a terceira visita aos EUA, país em que viveriam o restante de suas vidas.

Em setembro de 1939, começou a Segunda Guerra Mundial. Diante do avanço nazista na Europa, Einstein deu um dos passos mais decisivos de sua vida, ao recomendar ao presidente Franklin Roosevelt a fabricação, sem demora, de uma bomba atômica. A recomendação foi feita por meio de uma carta, elaborada por ele e mais alguns físicos seus amigos. Parecia ser uma incoerência por parte de um pacifista, mas é que lhe haviam chegado informações de que físicos alemães trabalhavam na fissão atômica com urânio, e achava necessário que os países democráticos chegassem antes à bomba.
Apenas uma semana depois, o presidente Roosevelt enviou a Einstein uma carta de agradecimento. Nela, dizia que já havia nomeado uma comissão para estudar a sugestão da bomba atômica. O comité se reuniu pela primeira vez em Washington, no dia 21 de outubro. Einstein não estava presente. Contudo, seus amigos físicos participavam da comissão encarregada da tarefa. Como é sabido, a primeira bomba atômica seria usada contra o Japão em agosto de 1945. Quando soube, Einstein lamentou o fato, dizendo que jamais teria levantado um dedo em favor da bomba se soubesse que os alemães não iriam conseguir produzi-la.

Em 1940, Einstein recebeu a cidadania norte-americana. Na ocasião, concordou em dar uma entrevista no rádio para a série "Eu Sou Americano", realizada pelo serviço de imigração. Ele aproveitou a ocasião para reforçar a defesa de uma organização mundial. Disse que, para evitar futuras guerras, as nações teriam de ceder parte de sua soberania em favor de uma federação internacional armada.
Também foi um crítico do capitalismo. Afirmava que o capitalismo sem regras produzia grandes desigualdades de riqueza, depressão e desemprego. Tais problemas poderiam ser evitados, afirmava Einstein em um artigo publicado nessa época, mediante uma economia socialista, desde que se resguardasse da tirania e da centralização do poder. Einstein também apoiou, por atos e palavras, o combate à descriminação racial nos Estados Unidos. Nos anos 40, os cinemas continuavam segregando os negros, que eram proibidos também de experimentar sapatos e roupas nas lojas. Mas foi duro com seus compatriotas alemães, responsabilizando-os como povo pelos assassinatos em massa cometidos pelos nazistas. E até proibiu que seus livros voltassem a ser vendidos na Alemanha.

Apesar de seu compromisso com a causa sionista, inicialmente, Einstein havia combatido o projeto de criação de um Estado judeu na Palestina; mas depois que ele foi criado passou a defendê-lo. Segundo suas palavras: “Nunca considerei que a criação de um Estado fosse uma boa ideia. Mas agora não há como voltar atrás; é preciso lutar até o fim”. (Isaacson, op. cit, p. 458.) Seu nome até chegou a ser recomendado para a presidência de Israel. De fato, em 1952, com a morte do presidente de Israel, o cargo foi-lhe oferecido, mas Einstein declinou do convite, alegando não possuir as qualidades necessárias para a função.

Após o final da Segunda Guerra Mundial, teve início a Guerra Fria, que opôs estadunidenses e soviéticos numa disputa encarniçada. Nesse novo cenário, surgiu uma forte campanha anticomunista nos EUA. No clima de extrema tensão política que se seguiu, estourou o escândalo do casal Rosenberg. Em 1951, Julius e Ethel Rosenberg, judeus norte-americanos, foram condenados à pena capital, acusados de espionagem e traição. No entendimento do tribunal, eles teriam repassados aos soviéticos segredos da bomba atômica.
Mais uma vez, Einstein tomou posição, ao escrever uma carta ao então presidente dos EUA, Harry Truman, pedindo-lhe que poupasse os Rosenberg da morte. Truman, que estava prestes a deixar o cargo, preferiu deixar a decisão ao novo presidente. Coube a Eisenhower autorizar as execuções.

O último ato político Einstein, ocorreu em abril de 1955. Nessa ocasião, ele e seu amigo Bertrand Russel, filósofo e matemático, assinaram um manifesto em que diziam que armas nucleares ameaçam a existência da humanidade. E exortavam os governos a se posicionarem contra uma nova guerra mundial.

Na manhã de 18 de abril de 1955, uma segunda-feira, Einstein faleceu, aos 76 anos de idade, na casa em que vivia em Princeton.