sábado, 16 de dezembro de 2017

REINO  FRANCO  E  IMPÉRIO  CAROLÍNGIO


   A desagregação da Europa
A partir do século V, como vimos, a Europa ocidental passou a ser dividida em diversos reinos, resultado da invasão de povos de origem germânica. Entre as principais características desses reinos estava a descentralização do poder.

Compostos por inúmeros feudos independentes, o que dava unidade aos reinos eram as tradições herdadas tanto dos romanos quanto dos povos germânicos. O rei dividia o poder com os nobres, devendo se submeter às obrigações mútuas estabelecidas pelo sistema de suserania e vassalagem.

De todos os reinos criados com as invasões dos povos germânicos, o mais duradouro foi o dos francos, formado na região da Gália (França atual), ainda na época do Império Romano. Assumindo características diferentes das dos outros reinos germânicos e fortemente apoiado pela Igreja Católica, o Reino dos Francos constituiu-se aos poucos em um verdadeiro império.



2. Os merovíngios
Um dos primeiros reis francos foi Clóvis (481-511). A dinastia da qual fazia parte se chamou Merovíngia, por causa de Meroveu, seu avô. Com a conversão de Clóvis ao catolicismo em 496, os francos atraíram o apoio do clero. Isso fez com que passassem a ser aceitos pela população romanizada e cristianizada, o que garantia maior unidade ao reino. A conversão também estabelecia uma aliança entre a autoridade religiosa, representada pela Igreja, e o poder político-militar do rei.

Batismo de Cllóvis. Aliança entre poderes políticos e religiosos.

Por muito tempo após a morte de Clóvis, seus sucessores, apesar das lutas internas, conseguiram permanecer fortes o bastante para manter a unidade do reino. A partir de 639, contudo, os reis merovíngios distanciaram-se das funções políticas e administrativas. Por isso, tornaram-se conhecidos como “indolentes”. O poder de fato passou a ser exercido pelo majordomus, o “administrador do palácio”, principal funcionário do reino e espécie de líder dos nobres.
Um dos mais destacados majordomus foi Carlos Martel, que comandou os francos na vitória sobre os árabes na Batalha de Poitiers, em 732, que interrompeu o avanço desse povo na Europa.


Pepino, o Breve, inicia uma nova dinastia

Pepino, o Breve, filho de Carlos Martel, embora apenas um funcionário do reino, na prática possuía mais poder que o rei, pois tinha o controle da nobreza e, portanto, dos exércitos. Decidido a alterar essa situação, Pepino consultou o papa sobre quem deveria ser o rei dos francos: se ele, que tinha o poder de facto (de fato) ou o rei, que tinha o poder de jure (de direito).
O papa não teve que pensar muito para dar a resposta, afinal, ele dependia dos exércitos francos para manter-se no poder em Roma. O papa então concordou que o poder de facto era mais importante que o poder de jure. Com isso, Pepino deteve o rei merovíngio, que se chamava Childerico III, e o enviou a um convento, e tomou o título de rei dos francos. Esse foi o início da Dinastia Carolíngia.
Nessa época, Roma se achava ameaçada pelos lombardos e pelos bizantinos, que dominavam parte da Península Itálica. A pedido do papa, Pepino invadiu a região e derrotou os lombardos.
Em seguida, tomou terras aos bizantinos e incorporou-as aos domínios do papado. Acrescidos assim das novas terras conquistadas por Pepino, tais domínios, situados na parte central da Península Itálica, passaram a constituir os chamados Estados Pontifícios, mantidos sob o controle direto do papa até o século XIX.
Esses acontecimentos deram início à Dinastia Carolíngia, chamada assim por causa do reinado do sucessor de Pepino: Carlos Magno (768-814).


3. O Império Carolíngio
Carlos Magno empreendeu uma série de batalhas cujo objetivo era obter terras para doar aos nobres do Reino Franco. Tais doações, chamadas de “benefícios”, fortaleciam as relações de dependência entre os nobres e o rei. É que, pelas regras de suserania e vassalagem, ao receberem as doações em benefício, os senhores feudais (nobres) se colocavam sob a proteção do rei, a quem deviam prestar serviços e jurar fidelidade. Dessa forma, ao beneficiar a aristocracia (nobreza), Carlos Magno fortalecia seu próprio domínio sobre todo o reino.
Com as conquistas de Carlos Magno, o Reino Franco se expandiu e incorporou territórios do norte da Europa e da Península Itálica.
A força militar de Carlos Magno atraiu ainda mais a atenção do papa, que precisava proteger os territórios da Igreja Católica contra o ataque de inimigos. O papa também percebeu nela uma oportunidade de disseminar a fé cristã entre os povos conquistados pelos francos. Assim, em 800, Carlos Magno foi proclamado imperador do Novo Império Romano do Ocidente pelo papa Leão III.

Coroação de Carlos Magno.
O gesto estava revestido de duplo significado. Por meio dele, a Igreja rompia os laços mantidos com o Império Romano do Oriente (ou Bizantino). Ao mesmo tempo, concretizava seu interesse em ver restaurado o antigo Império Romano.
Ao tentar restaurar o governo de um único império sobre boa parte dos povos europeus, o papa na verdade procurava garantir a supremacia de uma única Igreja, a Igreja Católica Apostólica Romana, responsável pela evangelização da humanidade.
Com essa aliança, o poder monárquico incorporou nítida orientação religiosa, modificando a natureza da soberania. Por meio da sagração da Igreja, o imperador franco tornava-se um representante de Deus dentro do reino. Cabia a ele defender a Igreja, manter a paz e a ordem.

Carlos Magno centraliza o poder
A administração do Império Carolíngio era feita de modo bastante precário. A dificuldade de governar decorria da extensão do território, dos obstáculos à comunicação e da escassez de pessoal treinado. Por isso, a centralização do poder alcançada por Carlos Magno dependia, em grande parte, de sua autoridade pessoal, e não sobreviveu por muito tempo após sua morte.
Durante o governo de Carlos Magno, o Império estava dividido em províncias, designadas pelo nome genérico de condados, governadas pelos condes (do latim comes, que significa “companheiro”). Esse era um antigo título militar usado no Império Romano. Após fazer um juramento de obediência pessoal ao imperador, o conde recebia as funções de administrador, juiz e chefe militar. Sua ação era fiscalizada pela visita periódica dos missi dominici, dois funcionários — um conde e um bispo — da estrita confiança do imperador. Desse modo, pouco a pouco ia crescendo o poder dos missi dominici.

Os missi dominici
O trecho a seguir, escrito pelo importante medievalista francês Edouard Perroy (1901-1974), revela um dos primeiros registros das atividades dos missi dominici e as funções que desempenhavam no Império Carolíngio.
“Em 789, os documentos assinalam, pela primeira vez, a atividade de inspetores itinerantes, os missi dominici, cujos poderes se concretizam e se alargam paulatinamente; no início do século IX, esses ‘enviados do rei’ percorrem, em pequenos grupos que compreendem sempre um bispo e um conde, um conjunto de seis a dez condados, com os quais não têm ligações; essas excursões, que se tornam regulares, devem, em princípio, renovar-se quatro vezes por ano; portadores de instruções pormenorizadas, os missi certificam-se de que as ordens reais são executadas e de que se respeita a paz e a justiça; recolhem as queixas dos homens livres, quando estes ousam formulá-las, e compete-lhes retomar a administração condal.” PERRoY, Edouard. A Idade Média: preeminência das civilizações orientais. São Paulo: Bertrand Brasil, 1994. p. 188-189. v. 6. (história Geral das Civilizações).

O Renascimento Carolíngio
Carlos Magno estimulou a renovação cultural do reino, atraindo para sua corte sábios de várias partes da Europa, sobretudo da Península Itálica e da Península Ibérica. O estímulo à cultura deu origem a um movimento conhecido como Renascimento Carolíngio.
O imperador incentivou o ensino e o conhecimento, a literatura e as artes. Com o apoio da Igreja, fundou escolas, entre elas a escola palatina, dentro de seu palácio. A cópia de obras greco-romanas ganhou impulso. Além disso, as técnicas de encadernação de livros e a arte de ilustrar manuscritos por meio de pequenos desenhos, chamados iluminuras, foram largamente desenvolvidas.


De Império a três reinos
Com a morte de Carlos Magno, em 814, o trono foi ocupado por Luís, o Piedoso, seu único filho, que governou até 840. Morto Luís, seus três filhos entraram em guerra pelo controle do Império.
Depois de inúmeras lutas, foi celebrado em 843 o Tratado de Verdun, que dividiu o território do Império Franco em três partes: França Ocidental (governada por Carlos, o Calvo), França Oriental (que ficou com Luís, o Germânico) e França Central (dominada por Lotário).
Divisão do Império Romano. Em amarelo, os Estados da Igreja.

Em 870, após a morte de Lotário II, filho de Lotário, a França Central foi dividida entre seus tios Carlos, o Calvo; e Luís, o Germânico.
Na França Ocidental, a Dinastia Carolíngia viveu um processo contínuo de enfraquecimento, em consequência das disputas pelo poder e das crescentes invasões normandas (vikings), eslavas e húngaras.
Esse processo coincidiu com o fortalecimento cada vez maior dos senhores feudais a partir da divisão do Império Franco entre os netos de Carlos Magno. Os dois processos contribuíram para a descentralização do poder e para a consolidação do regime feudal.
A dissolução completa da Dinastia Carolíngia na França Ocidental se deu em 987, quando os senhores feudais reuniram-se e escolheram Roberto Hugo Capeto, conde de Paris, para ocupar o trono. Com ele se iniciava uma nova dinastia, a Dinastia Capetíngia.

4. O Sacro Império Romano-Germânico

Na França Oriental ocorreu processo idêntico de fragmentação. Ali, a Dinastia Carolíngia chegou ao fim em 911. Reunidos em assembleia, os maiores senhores feudais, decidiram eleger um novo rei e criar nessa região o Reino Germânico. A coroa foi entregue ao grão-duque da Saxônia, Henrique I. Seu filho e sucessor, Oto, o Grande, venceu os invasores eslavos e húngaros, conquistando enorme prestígio como defensor da cristandade.
Em 962, Oto foi sagrado imperador pelo papa. Nascia, assim, o Sacro Império Romano-Germânico. Apesar do título pomposo, o poder de Oto e de seus sucessores manteve-se relativamente frágil.

No Sacro Império, o imperador era eleito pela alta nobreza. Dessa forma, sua autoridade dependia diretamente de sua capacidade de negociar com os nobrez germânicos.


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