sábado, 16 de dezembro de 2017

OS  BÁRBAROS  GERMÂNICOS  NA  EUROPA


  A chegada dos povos germânicos
Os gregos foram os primeiros a empregar a palavra bárbaros para denominar os povos diferentes, situados fora de sua cultura. Mais tarde, já bastante influenciados pela cultura grega, os romanos também passaram a chamar de bárbaros os povos que não pertenciam à cultura greco-romana. A denominação se aplicava principalmente aos germânicos, hunos e celtas.

Os germânicos eram povos indo-europeus, pois falavam uma língua aparentada com o latim e o grego. Ao longo de vários séculos, deixaram suas terras de origem, na região do Báltico, e migraram para o sul, fixando-se na Europa central, nas imediações do Império Romano.


Por vários séculos, a paz e a guerra marcaram as relações entre romanos e germânicos. Mas houve um momento em que o equilíbrio se rompeu em favor dos germânicos. Eles ocuparam o lado ocidental do Império Romano e nele fundaram seus Estados.

2. Como viviam os germânicos
Há diversos registros escritos por romanos sobre os germânicos. Um deles foi elaborado por Júlio César, que teve contato com esses povos no século I a.C., quando combatia os gauleses (no território que hoje corresponde à França). Outro foi produzido por Cornélio Tácito, autor da obra Germânia, publicada em 98 d.C., em que o historiador romano escreve sobre moradia, vestuário, casamento, guerra e diversos outros aspectos da sociedade germânica.

Guerreiros bárbaros germânicos. Note o uso da calça.  Essa
foi uma das contribuições dos germânicos para
o vestuário europeu.


Segundo o relato de Tácito, os germânicos misturavam a vida nômade com o sedentarismo. Embora vivessem basicamente da criação de gado e da caça, a agricultura ganhava importância cada vez maior, com base no cultivo do trigo e da cevada. Também praticavam a cerâmica, a tecelagem e, principalmente, a metalurgia. Seus instrumentos e armas de ferro eram de excelente qualidade.
Isso não impedia que, de tempos em tempos, transferissem sua morada para outro local.

Organização social dos germânicos
Ainda de acordo com o relato de Tácito, os germânicos viviam em tribos, compostas por vários clãs. Esses clãs eram grupos de famílias aparentadas entre si – uma espécie de grande família. Também eram considerados membros do clã indivíduos que, mesmo não fazendo parte da família, dependiam dela. O mesmo acontecia com os escravos, geralmente prisioneiros de guerra. Cada clã dominava um território com limites bem definidos. Os bosques e as áreas de pastagens eram de uso coletivo. Eram bens da família apenas o rebanho e a moradia, considerada templo dos deuses domésticos e local de veneração dos antepassados.
Os germânicos davam grande importância à família. Era considerada a base da sociedade e fora dela o indivíduo perdia sua identidade. Na família, o pai tinha total autoridade sobre a esposa e os filhos. Em caso de infidelidade da esposa, ela podia ser repudiada e até morta pelo marido.
Os filhos só se livravam do poder do pai quando se tornavam guerreiros, por volta dos 15 anos de idade. As filhas permaneciam sob a autoridade do pai até o casamento, quando então passavam a obedecer ao marido. Entretanto, as mulheres tinham o direito de tomar parte, com os irmãos, na partilha da herança dos pais.
Tudo isso funcionava de acordo com os costumes, pois os germânicos não possuíam leis escritas.
A isso se denomina direito costumeiro ou direito consuetudinário – sistema jurídico com base no n. Uma das características do direito germânico era o ordálio, uma forma de julgamento que consistia em submeter o acusado a uma prova dolorosa, por meio do fogo ou da água. Se o acusado resistisse, era considerado inocente, pois isso era interpretado como a vontade dos deuses. Após o fim do Império Romano e o início da Idade Média, o direito costumeiro germânico permaneceu como parte da cultura europeia.

Importância da guerra
A principal instituição política entre os germânicos era a assembleia dos Guerreiros, que reunia os chefes de família e os demais homens livres da tribo. Ela  deliberava sobre as questões mais importantes (a guerra, por exemplo) e escolhia o rei, cujo poder dependia de sua capacidade de comando nas guerras.
Os germânicos guerreavam com frequência. As guerras tinham claro objetivo econômico, pois era uma forma de obter riquezas, terras e escravos.
Os guerreiros que tomavam parte nas expedições faziam um juramento de lealdade ao rei. Caso este morresse em combate, os membros do grupo deviam vingá-lo ou sucumbir. Assim, a lealdade ao grupo e a morte em combate se revestiam de um caráter sagrado.
Tácito usou a palavra latina comitatus para designar esse relacionamento entre guerreiros, baseado na lealdade. Tornou-se posteriormente um dos elementos que caracterizaram as relações entre suserano e vassalo no feudalismo.

3. Religião e mitologia dos povos germânicos
Como tantos outros povos da Antiguidade, os germânicos praticavam uma religião politeísta. Não tinham templos: o culto era celebrado a céu aberto. Adoravam muitos deuses, que em geral representavam elementos da natureza (trovão, Sol, raio, mar, fertilidade etc.). A divindade mais importante era Odin. Considerado o protetor dos guerreiros e dos poetas, estava associado ao conhecimento, à sabedoria e à magia. Montado num cavalo de oito patas, levava sempre consigo uma lança infalível. Morava numa fortaleza. Nela ficava o valhala, uma espécie de paraíso, para aonde eram levados os guerreiros mortos em combate. Segundo as crenças germânicas, ele e racasado com Frigga, deusa do lar e da fertilidade. Odin e Frigga tinham um filho, Thor, deus da tempestade e do trovão, que simbolizava a força da natureza. Era representado com cabelos vermelhos e barba. Como arma, portava um martelo mágico, que, quando lançado, nunca errava o alvo e retornava às suas mãos. Os anglo-saxões deram o nome de Thor ao quinto dia da semana, thursday – ou seja, dia de thor. Thor tinha um irmão, Loki, uma figura de índole maligna, traiçoeira. Seu destino seria liderar o exército do mal na batalha final contra os deuses, na qual ele seria morto.


Deuses germânicos.
As crenças germânicas admitiam diversas outras divindades. Sendo uma sociedade guerreira, um lugar de destaque cabia às valquírias. Eram divindades menores, representadas por mulheres jovens, armadas de lança e escudo, que sobrevoavam os campos de batalha montadas em cavalos brilhantes. Recolhiam os guerreiros mortos em combate e os levavam para o Valhala, onde eles eram recompensados por sua coragem.

Essa religião tradicional dos povos germânicos começou a desaparecer no século IV, dando foi substituída pelo cristianismo.

4. Fronteira: local de encontro entre civilizações
Os romanos fizeram várias tentativas para conquistar a Germânia, e todas resultaram em fracasso. Uma dessas tentativas, ocorrida no ano 9 da Era Cristã, três legiões romanas foram aniquiladas por uma aliança de povos germânicos na Batalha da Floresta de Teutoburgo, em que foi morto o próprio comandante romano. Depois disso, os romanos desistiram de conquistar a Germânia e adotaram a seguinte estratégia: fortalecer a fronteira (limes) do Império na Europa, fixada nos rios Reno e Danúbio, e ali concentrar poderosos exércitos que pudessem conter as investidas dos germânicos.
Por muito tempo, a estratégia funcionou: salvo uma ou outra incursão, esses povos foram mantidos à distância. Isso, entretanto, não quer dizer que romanos e germânicos fizessem guerras entre si todo o tempo. Ao contrário: os contatos amistosos entre os dois lados intensificaram-se com o passar do tempo.
O governo de Roma reconhecia o valor guerreiro dos germânicos. E, desde Diocleciano, que reinou de 284 a 305, o governo romano passou a admiti-los com frequência cada vez maior no exército imperial. Diversos chefes germânicos ocuparam elevados cargos no exército romano.
Além disso, algumas tribos foram autorizadas a se estabelecer no interior das fronteiras. Tornavam-se então “federados”, quer dizer, “associados” de Roma, com direito a preservar sua organização social e política. Recebiam terras para cultivo e criação de gado. Em troca, deviam ajudar na defesa do Império. O resultado desse intercâmbio foi a gradativa “germanização” do exército romano.

5. Os germânicos também mudam seu modo de vida
Muita coisa mudou também na vida dos germânicos. De fato, os arqueólogos têm encontrado nos assentamentos germânicos moedas e muitos outros objetos de origem romana. Isso comprova que o comércio devia ser algo comum na fronteira que separava os dois povos. Com as mercadorias, seguiam também influências culturais. No campo religioso, o cristianismo estava rapidamente fazendo seguidores entre os germânicos e chegou a ser adotado por vândalos, visigodos, ostrogodos, suevos, burgúndios e lombardos. Eles, porém, seguiam uma versão do cristianismo chamada arianismo, que era combatida pela Igreja Católica. Mas o fato de serem cristãos já os tornava mais próximos da cultura romana.

6. Causas das invasões germânicas
No século IV, uma combinação de fatores favoreceu a invasão do Império Romano pelos germânicos. Sabemos que esse desejo de ocupar as terras do Império Romano já era antigo, e aumentava à medida que crescia a população entre as tribos germânicas. Essa pretensão foi contida enquanto o Estado romano se manteve forte. Porém, a defesa das fronteiras ficou cada vez mais difícil, em virtude da crise que enfraquecia o Império.
A situação se agravou rapidamente a partir do século IV com a chegada dos hunos à Europa. Os hunos eram notáveis cavaleiros e pastores provenientes de uma região da Ásia localizada ao norte da China.

Guerreiros hunos.


No caminho, encontraram os godos, povo germânico dividido em duas grandes tribos: ostrogodos e visigodos. Os primeiros a enfrentar os hunos foram os ostrogodos. Derrotados, bateram em retirada e invadiram o território de seus vizinhos e parentes, os visigodos. Estes, então, pediram e obtiveram autorização do Império Romano para atravessar a fronteira e se estabelecer ao sul do Rio Danúbio.
O relacionamento entre os romanos e os visigodos, porém, não foi nada pacífico. Estes reclamavam que eram maltratados pelos funcionários romanos. A situação acabou provocando uma revolta dos visigodos. Em 378, eles derrotaram o exército romano na Batalha de Adrianópolis, na qual o próprio imperador Valente perdeu a vida. Apesar dessa vitória, os visigodos ainda permaneceram na região por alguns anos. Depois, sob a liderança de Alarico, avançaram em direção à Península Itálica.
Em 410, tomaram e saquearam Roma, de onde seguiram para a Gália e a Espanha. Ali se fixaram e, mediante um acordo, tornaram-se aliados de Roma.

7. A ocupação do Império pelos germânicos
Na mesma época em que os visigodos tomavam o rumo da Itália, outras tribos germânicas atravessavam as fronteiras romanas, às vezes, sem encontrar resistência, em virtude do enfraquecimento geral do Império.
Os vândalos, acompanhados dos alanos e suevos, passaram pela Gália e ocuparam a Espanha (antes da chegada dos visigodos). Os suevos estabeleceram-se na Lusitânia (parte do atual território de Portugal).
Os alanos se dividiram: alguns ficaram na Península Ibérica e outros seguiram os vândalos na invasão do norte da África. Nas imediações da antiga Cartago, os vândalos fundaram um grande reino. Nos anos seguintes, conquistaram a Sicília e outras ilhas do Mediterrâneo. Em 455, tomaram Roma. A cidade foi submetida a um saque que durou 14 dias seguidos. Da ação destruidora desse povo derivou a palavra vandalismo, usada para designar atos de destruição.
Alamanos e burgúndios estabeleceram-se na Gália. Também os francos escolheram a Gália para morar e ali se fixaram. Os francos foram aliados dos romanos, e por algum tempo ajudaram Roma a combater seus inimigos. A expansão de seus domínios permitiu que o reino fundado pelos francos viesse a ter grande importância nos séculos iniciais da Idade Média.
Em meados do século V, anglos e saxões desembarcaram na Grã-Bretanha, que havia sido abandonada alguns anos antes pelos romanos. Venceram a resistência da população local, formada por celtas e bretões, e ocuparam a ilha: os saxões estabeleceram seu reino no sul da ilha e os anglos se fixaram no centro e no norte. Os idiomas falados por esses invasores iriam dar origem ao inglês.


8. O fim do Império Romano do Ocidente
O Império Romano, que se julgava invencível e eterno, ia rapidamente sendo dominado pelos povos germânicos. Diversos imperadores se sucederam no poder em Roma, mas nenhum conseguia reunir forças sufi cientes para impedir o declínio do Império. 

Por fim, em 476, Odoacro, um chefe germânico que tinha se tornado general do exército romano, destronou o último dos imperadores: era um menino de apenas 12 anos que carregava o pomposo nome de Rômulo Augusto. Odoacro enviou os símbolos do poder imperial (coroa e cetro) ao imperador do Oriente e se proclamou rei. Seu reinado durou até 493, quando todo o Império Romano no Ocidente caiu em poder de outro povo germânico, os ostrogodos.
Quando o século V terminou, toda a parte ocidental do Império Romano estava tomada pelos reinos germânicos. Entre eles, os mais importantes eram o dos vândalos, no norte da África; o dos visigodos, na Espanha; os reinos dos anglos e dos saxões, na Grã-Bretanha; o dos francos, na Gália; e o dos ostrogodos, na Itália.
A queda do último imperador, em 476, assinalou o fim do Império Romano do Ocidente. Posteriormente, os historiadores escolheram essa data para marcar o fim da Antiguidade e o começo da Idade Média.

O nascimento da Europa medieval

A queda do Império Romano do Ocidente ocorreu menos pela força dos invasores do que pelo enfraquecimento das forças romanas, provocado por uma crise que já durava mais de dois séculos.
Essa crise levou ao declínio do trabalho escravo, das cidades, da economia mercantil e monetária, e também ao colapso da proteção que o Estado romano devia oferecer à população.
A chegada dos germânicos acentuou essas tendências e ainda acrescentou novos elementos à realidade europeia. Entre eles estava, por exemplo, a ideia de obrigações recíprocas entre o chefe e seus guerreiros.
Nesse universo em transformação, um papel especial coube à Igreja Católica, praticamente a única instituição que conseguiu sobreviver intacta. Ela preservou um importante aspecto da cultura romana, a língua latina, que os germânicos aprenderam a falar; e conseguiu, em meio a muitas dificuldades, converter os germânicos à versão oficial do cristianismo.
Em síntese, as tendências da sociedade romana, somadas às instituições trazidas pelos germânicos e ao papel desempenhado pela Igreja, lançaram as bases de uma nova sociedade que se formou na Europa da Idade Média – a sociedade feudal.



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