domingo, 29 de novembro de 2015

O  ATENTADO  DA  RUA  TONELERO

O tiro foi contra Lacerda, mas quem morreu foi Getúlio


O Studebaker estacionou discretamente na rua Paula Freitas, no bairro de Copacabana, na elegante zona sul do Rio de Janeiro. Climério consultou o relógio: quase meia-noite. Não havia tempo a perder. Falou para o motorista: “Espere aqui e mantenha o motor ligado”. Em seguida, virou-se para o companheiro que estava no banco traseiro e disse: “Vamos, Alcino.”

Os dois homens desceram do automóvel e seguiram a pé. Pararam na esquina da Hilário Gomes com a tonelero. Dali dava para ver o edifício Albervania onde Lacerda morava. Agora, era só ficar esperando até que ele chegasse. Climério  Euribes de Almeida apalpou o revólver que estava no bolso do paletó e pensou: “Hoje, Lacerda não pode escapar”. E um misto de alívio e preocupação percorreu sua alma.

Até que enfim ia fazer o serviço que há mais de três meses Gregório vinha cobrando todos os dias. Não podia chegar mais uma vez e simplesmente dizer: “Chefe, ainda não deu para fazer o serviço”. Já havia usado todas as justificativas, e Gregório estava perdendo a paciência. Climério viera para o Rio de Janeiro trazido pelo próprio Gregório. Já fazia muitos anos que trabalhava no Catete. “Hoje, tem de dar certo”, pensou.

Puxou a gola do paletó para cima para se proteger da brisa fresca, quase fria, que soprava do mar. Embora trouxesse um revólver calibre 38 no bolso, seu papel era o de dar cobertura. Quem deveria atirar em Lacerda era Alcino João do Nascimento, o pistoleiro especialmente contratado para esse fim e que lhe fora indicado por seu amigo Soares. O serviço ia custar cem mil cruzeiros. Era muito dinheiro, e por isso havia consultado Gregório, que aceitou sem vacilar: “Tudo bem”, disse ele. "Temos de matar logo esse canalha”. 

Gregório Fortunato, apelidado de o "Anjo Negro", havia vindo do Rio Grande do Sul para integrar a  Guarda Pessoal  de Getúlio Vargas, também conhecida por Guarda Negra. Gregório logo se tornara o chefe da Guarda e devotava a Getúlio uma fidelidade canina e deixou-se convencer da necessidade de eliminar o homem que vinha atacando impiedosamente presidente.

Incumbido dessa tarefa, Climério começou a preparar o atentado. Lia o “Tribuna da Imprensa”, o jornal de Lacerda, apenas para descobrir os lugares onde o jornalista ia se apresentar na sua incansável campanha contra Getúlio. E chegou a levar Alcino a diversos endereços para que se acostumasse com a fisionomia do homem que ia matar. O atentado já havia sido marcado mais de uma vez, mas algum imprevisto acabava sempre atrapalhando os planos.

O bairro de Copacabana estava silencioso àquela hora da noite. Dava para ouvir o estrondo das ondas quebrando na praia ali perto. Climério e Alcino ficaram parados na esquina, atentos, aguardando o carro que devia trazer o homem que eles esperavam. De repente, viram o carro estacionar no meio-fio, bem na frente do edifício Albevânia. Desceram três pessoas. Pronto: a hora do destino havia chegado. Climério, então, puxou seu companheiro pelo braço e lhe disse baixinho: “Vai em frente”. Alcino baixou o chapéu e atravessou a rua. Passava um pouco da meia-noite, do dia 5 de agosto.

Nesse momento, Lacerda se despedia do guarda-costa, o major da Aeronáutica Rubens Vaz e caminhava para a porta do prédio em companhia do filho Sérgio. Ao perceber que havia esquecido a chave da porta do prédio, tomou a direção da garagem. Alcino, o matador de aluguei, chegando à calçada, sacou a arma e disparou. Lacerda foi atingido... no pé! Mas mesmo assim correu para dentro da garagem, levando o filho consigo. Nesse momento, o major pulou sobre o pistoleiro, tentando tomar-lhe o revólver e, na luta que se seguiu, recebeu dois tiros disparados à queima roupa.

Lacerda sendo carregado por policiais,
após o atentatado. 

Lacerda ultimamente passara a andar armado, pois já havia sofrido agressões anteriormente e levava consigo um revólver calibre 38, de cano curto. Saiu pela porta da frente, atirando. Mas não conseguiu acertar o fugitivo, que já ia a uma certa distância, na esquina da Paula Freitas com a Tonelero.

Nesse momento, Climério, que havia ficado na calçada oposta, fugiu pela rua Hilário de Gouveia. Quando passava em frente ao 2o. Distrito Policial, que ficava próximo dali, os policiais perguntaram “O que está havendo?” Ele respondeu: “Não sei, não sei!”. E desapareceu na escuridão.

Alcino, por sua vez, correu na direção do táxi, que ficara aguardando. Quando entrava no carro, trocou tiros com um guarda noturno que fora atraído pelo tiroteio. Mesmo atingido, o guarda conseguiu anotar a chapa: 5-60-21.

Climério foi até o local onde o motorista Nelson Raimundo de Souza fazia ponto e ficou à sua espera. Quando ele chegou, informou Climério que Alcino havia escapado ileso. Climério, então, foi para casa, esperando que Alcino iria para lá. De fato, Alcino já o esperava. Foram se refugiar numa chácara que Climério possuía em Belford Roxo e lá ficaram esperando o desenrolar dos acontecimentos.

O atentado teve a maior repercussão possível, e abalou os fundamentos mais profundos da política nacional. O fato é que menos de 20 dias depois do atentado, Getúlio se matou com um tiro no coração. (DGF)


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