quarta-feira, 21 de outubro de 2015

OS  MILITARES  NO  PODER  NO BRASIL  (1964-1985)


Com a deposição de João Goulart, assumiu a presidência da República o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Mas o verdadeiro poder passou a ser exercido pelo Comando Supremo Revolucionário, integrado pelos novos ministros militares. Ele fora instalado, desde o primeiro momento, no Palácio da Guerra, por Costa e Silva, que assumiu sua chefia, alegando sua condição de general mais antigo da ativa. A vitória do movimento foi tão rápida que surpreendeu até seus próprios autores.

Como definir o movimento de 31 de março: foi um golpe de Estado, uma revolução ou foi uma contra-revolução?

Um dos líderes do movimento, o coronel JarbasPassarinho, definiu-o como sendo uma contra-revolução; ou seja, um movimento preventivo para impedir que uma revolução acontecesse no país.

Por sua vez, os golpistas e os que os apoiaram, de modo geral, definiram o movimento como uma revolução. Com isso pretendiam dar legitimidade ao movimento e aos atos que ele praticou, na suposição de que o governo que nasce de uma revolução vitoriosa é um governo legítimo.

Mas os que estavam no lado oposto – isto é, os cassados, os perseguidos, enfim, todos aqueles que não apoiaram o movimento, - esses nunca reconheceram essa legitimidade e, por isso, sempre qualificaram o movimento de 31 de março como um golpe de Estado.

Entretanto, mais importante do que o nome a ser dado ao movimento militar de 1964 é saber que solução havia sido dada à crise da democracia populista. A direita havia triunfado e iria, a partir de então, impor seu projeto ao país. Não seria com certeza um projeto democrático, nem, muito menos, populista; seria, sim, um projeto de modernização do país pela via conservadora e autoritária.

 Os novos donos do poder começaram a baixar decretos, chamados Atos Institucionais, para regulamentar o novo regime. O primeiro deles, o Ato Institucional no. 1 (AI-1), foi introduzido no dia 9 de abril - lembrando que parte desse documento foi elaborado por Francisco Campos, o mesmo que havia redigido a Constituição de 1937.

A principal preocupação era reforçar o poder do presidente da República, que passava a ter poderes para cassar mandatos de parlamentares e suspender os direitos políticos dos cidadãos, pelo prazo de dez anos. Muitos foram os atingidos. Senadores, deputados, juízes, líderes sindicais, funcionários públicos, estudantes, militares, operários. Inclusive, os ex-presidentes João Goulart, Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek. Enfim, milhares de pessoas foram perseguidas pelo novo regime. Houve inúmeras prisões e registraram-se muitos casos de torturas.

Os movimentos populares - estudantil, camponês e operário - foram duramente atingidos. A União Nacional dos Estudantes (UNE) foi declarada ilegal e teve sua sede no Rio de Janeiro incendiada por manifestantes direitistas. Universidades foram invadidas e muitos sindicatos sofreram intervenção. Sem contar o clima de medo e de incertezas que sempre se estabelece nessas situações.

O Congresso Nacional, entretanto, continuou aberto, embora mutilado pelas cassações de parlamentares. Também o Poder Judiciário permaneceu funcionando e a imprensa conservou-se relativamente livre. As eleições e os partidos políticos foram mantidos. Naquele momento, uma ampla parcela da população dava apoio ao golpe.




No dia 11 de abril de 1964, o Congresso Nacional elegeu o novo presidente da República, o general Humberto de Alencar Castello Branco, que tinha sido o principal chefe do golpe militar. Para a vice-presidência, o Congresso elegeu um político da UDN de Minas Gerais, José Maria Alkmim. A ideia inicial era que Castello Branco terminasse o mandato iniciado por Jânio Quadros. Mas foi prorrogado até março de 1967, por uma emenda constitucional, aprovada em junho de 1964.


Marechal Castello Branco, primeiro presidente militar. Atrás dele, de óculos,
o general Costa e Silva, que viria a ser o segundo presidente militar. 


Castello Branco formou seu governo com políticos do PSD e da UDN, sendo que este último ficou com a maioria dos ministérios. A participação majoritária da UDN não causava surpresa, pois esse partido tinha, como já tivemos oportunidade de mostrar, uma longa tradição golpista. E finalmente, com o golpe de 1964, surgiu para a UDN a esperada oportunidade de chegar ao poder.

O presidente Castello Branco trouxe para o governo um grupo de tecnocratas, que ficou responsável pela área econômica. O governo tinha graves problemas econômicos, para enfrentar em caráter imediato:

  • o país estava sem crédito no Exterior, o que dificultava a importação de produtos básicos, como era o caso do petróleo;
  • a inflação estava disparando;
  • a economia não estava crescendo.


1. O enfrentamento dos problemas econômicos

Para atacar esses problemas, foi elaborado o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), sob a responsabilidade de OtávioGouveia de Bulhões e Roberto Campos, respectivamente, ministros da Fazenda e do Planejamento.

Segundo o PAEG, a inflação era o problema principal da economia brasileira. Era, pois, preciso atuar sobre o que considerava suas causas. Tanto o diagnóstico das causas da inflação, como as soluções propostas seguiam de perto as linhas monetaristas, de acordo com o modelo neoliberal, embora não chegasse a ser o receituário ideal do FMI.  Os problemas enfrentados e as respectivas soluções foram os seguintes:

1.1. O déficit do setor público

O déficit público ocorre quando a despesa do governo é maior do que a receita. Numa explicação simplificada, o déficit público se torna causa da inflação porque o governo se obriga a emitir dinheiro para cobrir o déficit, e assim coloca no mercado mais dinheiro do que seria razoável. O excesso de dinheiro aumenta a demanda e empurra os preços para cima. A solução para eliminar o déficit público (ou seja, igualar receitas e despesas do governo) consiste em aumentar a arrecadação e reduzir os gastos. Não havendo déficit, o governo não se obriga a emitir dinheiro, nem adotar outras medidas consideradas inflacionárias. É o que os economistas chamam de ajuste fiscal (Coincidentemente, estamos vendo ser aplicado um ajuste fiscal no Brasil neste ano de 2015.)

As medidas propostas pelo PAEG para aumentar a receita foram:

  • o aperfeiçoamento do aparelho fiscal, com o objetivo de aumentar a arrecadação  e ao mesmo tempo combater a sonegação;
  • a criação da correção monetária para os impostos, para que os contribuintes evitassem atrasar o pagamento, e para estimular os depósitos em cadernetas de poupança. (A correção monetária acabou, mais tarde, estendendo-se a toda a economia).


E para reduzir as despesas :

  • a elevação dos preços dos produtos e serviços das empresas estatais, que estavam defasados. Com isso, o governo esperava reduzir o déficit dessas empresas, que era pago pelo tesouro ;
  • o corte dos subsídios que o governo concedia a certos produtos básicos, como o trigo e o petróleo.  Esses reajustes provocavam, de imediato, uma elevação de preços, mas o governo esperava que estes se estabilizassem em seguida (é a chamada “inflação corretiva”);
  • a redução dos gastos dos governos federal, estaduais e municipais);
  • a proibição de que o Legislativo aprovasse leis aumentando as despesas.


1.2. O excesso de crédito no setor privado

Para contornar esse problema, o governo adotou medidas para dificultar a concessão de créditos e empréstimos, com a intenção de reduzir o volume de negócios (compra e venda), e com isso inibir a elevação dos preços.

1.3. A política salarial

Nesta área, o governo atuou através de três elementos principais. Em primeiro lugar, o governo enfrentou a resistência sindical, utilizando dois instrumentos:

  • fez aprovar uma lei de greve (junho/1964), que tornava praticamente impossível a realização de movimentos grevistas;
  • quebrou a resistência do movimento sindical, através da cassação de sindicalistas e da intervenção em sindicatos; até o final de 1965, o governo interveio em 428 sindicatos.


Em segundo lugar, o governo adotou um mecanismo de redução dos salários. Por meio de uma lei salarial (junho/1965), o governo introduziu uma sofisticada fórmula de reajuste, que rebaixava o valor real dos salários à medida que eram reajustados por índices inferiores aos da inflação. Naquelas circunstâncias, os sindicatos pouco podiam fazer contra esse procedimento, que ficou conhecido por “arrocho salarial”.

O terceiro componente foi a extinção da estabilidade, que o trabalhador adquiria ao completar dez anos na mesma empresa. Em seu lugar, o governo criou o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Esse fundo é constituído com os recolhimentos mensais que a empresa faz numa conta bancária, em nome do trabalhador, correspondendo a 8% do seu salário. Esse fundo recebe juros e fica à disposição do trabalhador, que pode sacá-lo em determinadas circunstâncias (demissão, aposentadoria, etc.).

Além dessas medidas, que tinham o objetivo de estabilizar a moeda, o governo procurou aumentar as exportações, tanto de bens primários, como de manufaturados e incentivou a entrada de capital estrangeiro. Para isso, revogou a lei que estabelecia restrições à remessa de lucros para o Exterior, por parte das empresas estrangeiras. O governo esperava com essa medida, que essas empresas se animassem a investir no Brasil.

As medidas de ajuste fiscal, a curto prazo, restringiram as atividades econômicas e acabaram provocando uma recessão no país. Muitas empresas foram à falência ou reduziram suas atividades, o que resultava em mais desemprego, ou foram compradas por empresas estrangeiras.

Os efeitos negativos das medidas adotadas, como sempre acontecera antes, resultaram em muitas críticas. Todavia, desta vez, não houve recuo. O governo Castello Branco, com o respaldo de um regime autoritário, levou até o fim a política econômica adotada, logrando alcançar os objetivos inicialmente propostos: o crédito no exterior foi restabelecido e o déficit público declinou. Também a inflação caiu e a economia, como se pode ver pela tabela abaixo, depois de 1966, lentamente voltava a crescer:

Crescimento Anual da Inflação e do Produto Interno Bruto (PIB): 1964-68.
Ano
Inflação anual
Crescimento do PIB
1964
91,9%
2,9%
1965
34,5%
2,7%
1966
38,8%
3,8%
1967
24,3%
4,8%
1968
25,4%
11,2%
Fonte: Fausto, B. Fausto, Boris. História do Brasil. S. Paulo, Edusp, 1995, p. 473.

2. A introdução das eleições indiretas

Em outubro de 1965, realizaram-se eleições para governador em vários estados do país. Em alguns estados importantes, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, o povo elegeu candidatos da oposição, o que obviamente desagradou os líderes do regime, sobretudo um grupo mais radical, que começava a ser chamado de linha-dura.

A reação do governo foi rápida, e veio através de mais dois Atos Institucionais.

O primeiro deles foi o AI-2, decretado poucos dias após ser conhecido o resultado das eleições, e tinha como objetivo tornar mais difícil a vitória da oposição em futuras eleições. Estabelecia eleições indiretas para presidente e para vice-presidente, a serem realizadas no Congresso Nacional, por votação nominal.

Essa decisão fez com que Carlos Lacerda, que esperava ser o candidato da UDN nas próximas eleições presidenciais, rompesse com Castello Branco, tornando-se um crítico feroz do governo. Muitos líderes civis acompanharam Lacerda nessa decisão, o que enfraqueceu o grupo castellista e indiretamente fortaleceu a linha-dura.

O AI-3 foi decretado por Castello Branco, em fevereiro de 1966. Estendia o princípio da eleição indireta também para os governadores, através das respectivas Assembleias estaduais, e estabelecia que os prefeitos das capitais passavam a ser nomeados pelos governadores. Com a eleição indireta, o governo militar esperava impedir a vitória da oposição.

3. O Bipartidarismo

O AI-2, além das eleições indiretas, pretendeu renovar o quadro partidário brasileiro. Extinguiu os partidos existentes e estabeleceu as condições para a criação de novos partidos, exigindo um mínimo de 120 deputados e 20 senadores. Havia no Congresso 475 parlamentares, sendo 66 senadores, e isso permitia formar três partidos.
Os aliados do governo, entretanto, logo atraíram 250 deputados e 40 senadores. E o que sobrou só deu para formar um. Por isso, ficou havendo apenas dois partidos: Aliança Renovadora Nacional (ARENA), reunindo os que apoiavam o governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), onde entraram os da oposição. Mas sobre os dois iria pairar um terceiro partido, o “partido fardado”, o verdadeiro senhor do poder.

Para o governo, a existência de apenas dois partidos era uma faca de dois gumes. Se por um lado, facilitava para o governo o controle dos políticos e das eleições; por outro, significava que, a partir daí, as eleições tomariam, inevitavelmente, um caráter de plebiscito: quem estava a favor do governo votava na ARENA, e quem estava descontente votava no MDB. E a história posterior mostrou que o apoio popular ao partido de oposição crescia a cada eleição.

Na primeira eleição que se realizou sob as novas regras, em 1966, o governo saiu vitorioso: os candidatos da ARENA obtiveram quase dois terços dos votos válidos para a Câmara dos Deputados. Mas houve uma grande quantidade de votos nulos e brancos - 21% - o que indicava que uma parcela significativa do eleitorado rejeitava a situação criada pelo regime militar.

De fato, nesse mesmo ano, a oposição ao regime militar havia começado a se manifestar com mais força. Ocorreram protestos estudantis em várias partes do Brasil. E foi anunciada, para o início do ano seguinte, a formação de um movimento oposicionista, que recebeu o nome de Frente Ampla.

4. A nova Constituição

Antes de deixar o poder Castello Branco quis estabelecer uma ordem legal definitiva no país. Para isso, submeteu ao Congresso Nacional o texto de uma nova Constituição, que foi aprovada, sem nenhuma alteração, em 24 de janeiro de 1967.
Essa ia ser a sexta da história do Brasil e a quinta desde a Proclamação da República. De acordo com ela, o Brasil continuava sendo uma federação, embora os estados tivessem agora menos poderes, e as eleições presidenciais eram mantidas indiretas. O novo texto constitucional fortalecia o poder Executivo, especialmente nos assuntos financeiros e de segurança nacional. Por outro lado, o presidente perdia os poderes especiais, porque cessava a validade dos atos institucionais.

Além da Constituição, Castello Branco fez aprovar, no Congresso Nacional, uma Lei de Imprensa, que introduzia a censura e facilitava a adoção de medidas legais contra jornais e jornalistas. E impôs, através de um decreto-lei, uma Lei de Segurança Nacional, dirigida, principalmente, aos adversários internos do regime militar, considerados subversivos. “Novas penalidades eram previstas agora para os responsáveis por guerras psicológicas ou para os promotores de greves que pusessem em risco o governo federal”. [1]

A oposição protestou contra essa ordenação autoritária, mas de nada adiantou. A partir daquele momento, o país iria ser bem menos democrático do que havia sido até 1964. Mas a rigor, não se pode chamar esse regime de ditadura, porquanto, apesar das restrições, continuavam funcionando muitas das instituições que caracterizam um regime democrático. É mais apropriado classificá-lo como autoritário. A ditadura viria pouco tempo depois.

5. A sucessão presidencial

E como seria feita a sucessão de Castello Branco? Já sabemos que o AI-2 havia estabelecido a eleição indireta para presidente através do Congresso Nacional. Mas isso é só meia verdade, porque antes de o candidato se apresentar ao Congresso, ele teria de ser indicado. E quem faria a indicação seria o Alto Comando das Forças Armadas, a cabeça do “Partido Fardado”.

Restava saber quem seria o candidato. A definição do nome dependia de uma luta que se travava nos bastidores do poder, entre os dois grupos em que os militares se dividiam.

De um lado, estavam os membros de um setor que vinha ganhando força entre os militares, e era chamado de linha dura. Como já diz o próprio nome, queriam prolongar e endurecer o regime militar, e mal disfarçavam sua preferência pela ditadura, pura e simples.

De outro, estavam os mais moderados, que tinham no presidente Castello Branco seu líder mais destacado. Declaravam-se comprometidos com a democracia, e queriam um rápido retorno ao Estado de Direito. Seguiam uma ideologia formulada na Escola Superior de Guerra, chamada Sorbonne.

Na disputa pela indicação, prevaleceu a candidatura do general Costa e Silva, um dos líderes do golpe, e que na ocasião se autonomeara ministro da Guerra. Essa indicação representava uma vitória da linha-dura, e, portanto, uma derrota para o grupo castellista, que preferia ter um civil como sucessor.

Para a vice-presidência, o escolhido foi Pedro Aleixo, um veterano político da UDN mineira, que exercera, por algum tempo, o Ministério da Educação e Cultura, no governo Castello Branco.





[1] Skidmore, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, p. 120.

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