quinta-feira, 8 de outubro de 2015

ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA REPÚBLICA


A forma de governo havia mudado no Brasil, passando da Monarquia para a República. Por isso, era preciso mudar as leis, começando pela lei mais importante, que é a Constituição. É preciso esclarecer que a forma democrática de se fazer uma Constituição é através de uma Assembleia Constituinte, dotada de plenos poderes, integrada por representantes eleitos livremente pelo povo e convocada especialmente para esse fim.
O governo republicano, observando essa regra, convocou a eleição da Assembleia Constituinte, que se reuniu no dia 15 de novembro de 1890 (primeiro aniversário da República), e discutiu um projeto previamente elaborado e que fora revisado por Rui Barbosa, considerado um dos maiores juristas brasileiros da época. Uma vez aprovada, a Constituição entrou em vigor no dia 24 de fevereiro de 1891.

1. A primeira Constituição republicana


A nova Constituição inspirava-se no modelo norte-americano, e instituía, no Brasil, uma República com as seguintes características: federativa, presidencialista, representativa e laica:

a)        federativa, porque o país passava a ser formado por estados autônomos, e dirigido por uma administração federal, também chamada União.
b)        presidencialista, porque o chefe do governo era um presidente.
c)        representativa, porque os dirigentes do país eram eleitos, e portanto eram representantes da nação.
d)       laica, porque separava a Igreja do Estado, e este deixava de reconhecer oficialmente uma única religião.

Foram adotados três poderes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário - “independentes e harmônicos entre si”. Em nível federal, o Poder Legislativo ficava sendo exercido pelo Congresso Nacional, constituído da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O Poder Executivo, pelo presidente e pelos ministros por ele nomeados. O Poder Judiciário, pelo Supremo Tribunal Federal.
Foi definido um mandato de quatro anos para o presidente, de três anos para os deputados e de nove anos para os senadores. Atribuiu-se o direito de voto a todos os maiores de 21 anos, excluídos os analfabetos, as mulheres, os mendigos e os religiosos que faziam voto de obediência. Mas não era obrigatório, e nem a Constituição exigia que o voto fosse secreto. Por isso, durante uma boa parte da República Velha, o voto sempre foi aberto. Isso quer dizer que o eleitor declarava o nome do candidato em quem ia votar.

Como era o direito de voto na Monarquia e como ficou na República. Durante a Monarquia, as eleições eram indiretas e censitárias. Os eleitores de primeiro grau, que comprovavam uma renda anual de 100 mil réis, elegiam os eleitores de segundo grau, que podiam comprovar uma renda de 200 mil réis. Eram estes que elegiam deputados e senadores.
Em 1881, a Câmara aprovou uma reforma eleitoral que proibiu o voto ao analfabeto e eliminou o eleitor de primeiro grau. Com isso, a eleição passou a ser direta, mas o requisito de renda passou a ser de 200 mil-réis (anteriormente exigido do eleitor de segundo grau); a idade mínima continuava sendo 25 anos. Com essas exigências, no final do Império, o número de eleitores reduzia-se para 0,8% da população. (Só para comparar, vale a pena dizer que na Inglaterra, nessa época, o número de eleitores correspondia a 15% da população, aproximadamente.)
A Constituição da República (1891), ao baixar a idade mínima para 21 anos e eliminar a exigência de renda, permitiu um pequeno aumento do número de eleitores, que passou para 2% da população (na eleição presidencial de 1894).
O paradoxal era que a Constituição exigia que o eleitor fosse alfabetizado, mas não obrigava o governo a manter o ensino público gratuito. (CF. Carvalho, José Murilo de. Desenvolvimento de la ciudadania en Brasil. México, Fondo de Cultura Económica, 1995, p. 30.)

E a Constituição permaneceu letra morta...
Era uma Constituição liberal e relativamente avançada para a época. Mas sob muitos aspectos, a Constituição permaneceu letra morta. Na verdade, os líderes republicanos não se preocuparam com a preparação do povo para a participação política, não aumentaram a oferta de educação pública e pouco ampliaram o direito de voto que já existia na Monarquia.
Em consequência disso, estabeleceu-se uma grande distância entre o que a Constituição dizia e aquilo que acontecia na prática. O Brasil das leis não era o mesmo da vida real. O que acabou acontecendo, na realidade, foi a usurpação do poder pelos “coronéis” e pelas oligarquias, originando as expressões “República dos Coronéis” e “República das Oligarquias”.

 

2. O Coronelismo


A adoção da forma federativa significava a descentralização do poder. Certas atribuições, tais como eleger o governador e o prefeito, criar certos impostos, foram retiradas do poder central e transferidas para os estados e municípios. Essa descentralização, introduzida pela República, fortaleceu o poder local, dando margem para o aparecimento dos chamados “coronéis”.[1]
Os “coronéis” acabaram assumindo um grande poder. Embora houvesse aqueles que alcançavam projeção estadual ou nacional, o “coronel” era, sobretudo, uma figura local, exercendo influência nas cidades menores, mais afastadas, e suas imediações. Nessas localidades, aonde não chegava a influência do Estado*, certas funções públicas, tais como polícia, justiça e outras passaram a ser exercidas de forma privada (= particular) pelos “coronéis”. Mesmo que no município existissem o delegado, o juiz, prefeito, etc., essas autoridades, via de regra, encontravam-se submetidas ao seu poder. Era a prática do chamado “mandonismo local”; quer dizer, o poder que o “coronel” tinha de mandar e de ser obedecido. 
Esse poder decorria, quase sempre, de sua condição de grande proprietário, e era proporcional à quantidade de terras que possuía. Quanto mais terras, maior era o número de pessoas que dependia do “coronel”. Estabeleceu-se, em função disso, uma relação de dominação pessoal do “coronel” sobre seus dependentes. Portanto, quando se perguntava a alguém: “Quem é você? ” Em geral, a resposta era: “Sou gente do coronel fulano”.[2] Essas pessoas constituíam a clientela do “coronel”, para a qual ele prestava diversos favores - daí a palavra clientelismo.
Em troca do favor, o “coronel” esperava ser atendido quando precisasse. Por exemplo, quando precisava decidir disputas políticas ou de terras, era na sua clientela que o “coronel” recrutava os jagunços. Na época das eleições, o “coronel” negociava seu apoio político com os candidatos e contava com os votos de sua clientela. Esse tipo de voto era chamado de “voto de cabresto”, para indicar que era manipulado, controlado. E o conjunto dos “votos de cabresto” formava o seu “curral eleitoral”.




Podendo dispor dos votos de sua clientela, o “coronel” negociava seu apoio com os chefes políticos da sua região ou do seu estado (integrantes de uma oligarquia), e esperava ser atendido por eles quando pedia um benefício para si, para um “cliente” ou para sua região. Portanto, duas coisas andavam sempre juntas: o coronelismo, que é o exercício do poder pelos coronéis, e o clientelismo, que é o costume de conseguir favores para os protegidos, à custa dos cofres públicos.
Como regra, a força do coronelismo era maior nas regiões mais atrasadas, porque nesses lugares a população não encontrava ou encontrava poucas possibilidades de viver fora da agricultura. Situação diferente era a população das regiões mais urbanizadas, pois ganhava mais independência política já que podia encontrar empregos no comércio e na indústria.
Essa estrutura sobreviveu à República Velha, e foi desaparecendo aos poucos à medida que a urbanização e a industrialização foram se difundindo pelo país, embora ainda não esteja completamente extinta.

 

3. As oligarquias e a política do “café-com-leite


A palavra oligarquia é de origem grega e significa governo de poucos, ou mesmo de uma família. Na República Velha, era empregada para designar o grupo que exercia um poder mais amplo, sobre toda uma região ou mesmo sobre todo o estado. Esse grupo podia ou não se constituir de “coronéis”, mas sempre se apoiava no poder destes, que controlavam a maior parte dos votos no país.
Na República, o domínio da política estadual se fazia, geralmente, através do controle do Partido Republicano. Em Minas Gerais, onde o PRM era o todo-poderoso Partido Republicano Mineiro, havia uma frase que bem ilustra essa realidade. Dizia-se: “Fora do PRM não há salvação”.
Se no estado houvesse mais de uma oligarquia, o que era frequente, então era inevitável a disputa pelo controle do PR; vale dizer, a luta pelo controle do poder estadual. Essa rivalidade muitas vezes era resolvida a bala; daí a importância de contar com o apoio do maior número de “coronéis”, e dos seus jagunços. Quando não havia disputa, as eleições eram feitas a “bico de pena”, quer dizer, alguém preenchia a ata de votação, e, neste caso, contava até o voto de eleitores mortos.
Dessa forma, os candidatos das oligarquias dominantes garantiam sua eleição. Os candidatos da oposição, por sua vez, não tinham a menor chance de chegar ao poder pelas vias legais; daí o recurso à violência. É por isso que as lutas entre as oligarquias eram frequentes.
A força econômica do café permitiu à oligarquia paulista, através do Partido Republicano Paulista (PRP), exercer o controle da política nacional. E a partir da presidência de Campos Sales (1898-1902), o PRP se uniu ao PR de Minas Gerais, o estado mais populoso e que, por isso, elegia o maior número de deputados. Nasceu, assim, a chamada política do “café-com-leite”, por meio da qual as oligarquias mineira e paulista controlavam a eleição do presidente da República.
Do exposto, percebe-se que as eleições, previstas pela Constituição, acabavam sendo uma farsa. Mas mesmo assim, elas precisavam ser feitas para legitimar a dominação política, do “coronel” e da oligarquia*. Certamente, o novo regime estava longe dos sonhos de muitos dos que haviam lutado pela República, na esperança de que a nova forma de governo corrigisse os desvios da organização social e política do país.






[1] A palavra coronel provém da antiga Guarda Nacional, que tinha no coronel a patente mais alta, conferida a indivíduos de posses. Com a extinção da Guarda Nacional, algum tempo após a Proclamação da República, a palavra coronel perdeu seu significado militar e ficou sendo apenas um título de prestígio, que geralmente se dava aos grandes proprietários de terras.
[2] Cf. Queiroz. Maria Isaura P. de. O Brasil Republicano. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 1989, p. 156. (História Geral da Civilização Brasileira, tomo III, volume 1.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário