sábado, 10 de outubro de 2015

O  GOVERNO  CONSTITUCIONAL  DE  VARGAS  (1934-1937)


O último ato da Assembleia Constituinte, antes de converter-se em Congresso Nacional, foi a eleição do presidente da República, para um mandato de 4 anos. E o eleito foi o próprio Getúlio Vargas. Parecia que, enfim, o país encontrara o caminho da democracia e da estabilidade política. Todavia, essa esperança não se realizou, destruída que foi pela radicalização política que se manifestou no país, e serviu de pretexto para Getúlio fortalecer seu poder e, finalmente, instalar um regime ditatorial, a partir de novembro de 1937. 

1. A radicalização política de direita e de esquerda 

A radicalização política que se deu no Brasil refletia um fenômeno semelhante ao que ocorria na Europa, onde se verificava a ascensão de partidos radicais, num processo que teve início na Rússia, alcançou a Itália, a Alemanha e chegou a outros países.

A Primeira Guerra e depois a Crise Mundial de 1929 haviam criado uma situação de dificuldades extremas nesses países, que evoluíram para regimes ditatoriais, de esquerda ou de direita. No Brasil, a radicalização política ficou a cargo da Ação Integralista Brasileira (AIB), de direita, e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), de esquerda.

I) Ação Integralista Brasileira. Foi criada em 1932, por Plínio Salgado (1895-1975), um intelectual paulista que tomara parte, dez anos antes, na Semana de Arte Moderna. Os fundamentos da AIB foram expostos no Manifesto à Nação Brasileira (1932), em que Plínio Salgado fez a defesa da trilogia “Deus, Pátria e Família”, bem ao gosto da mentalidade de direita.

Seguindo os modelos implantados por Hitler (Alemanha) e Mussolini (Itália), os integralistas defendiam um governo ditatorial, nacionalista, com um só partido e um só chefe. E mais: consideravam como inimigos o liberalismo, a democracia, o socialismo e o comunismo e não deixava de condenar o “capitalismo financeiro internacional”, controlado pelos judeus.
Sigma, símbolo do integralismo

Seguindo seus modelos europeus, a AIB adotava uniformes, desfiles e bandeiras. Tinha como emblema a letra grega Sigma e usava, como saudação, uma expressão indígena, anauê.


A AIB teve um rápido crescimento, chegando a ter 300 mil membros espalhados pelo país. Recrutava seus quadros em elementos da classe média, e contava com o apoio das oligarquias tradicionais, dos altos escalões militares e do clero, ou seja, dos setores mais conservadores da sociedade. Foi pequeno o apoio obtido pelos integralistas no meio operário.

II) Aliança Nacional Libertadora. A ameaça fascista no Brasil, representada pelo crescimento do integralismo, levou muitas pessoas a se agruparem em uma frente popular, denominada Aliança Nacional Libertadora.

A ideologia desse agrupamento também era de inspiração européia. Seu surgimento se explica da seguinte maneira: naquela época, a ascensão do fascismo, em muitos países, motivou a formação de Frentes Populares, com predomínio dos comunistas.

No Brasil, o Partido Comunista, que atuava na clandestinidade, adotou a orientação de organizar uma Frente Popular e fundou, em março de 1935, a ANL, que teve como presidente de honra Luís Carlos Prestes. Pretendia mobilizar o operariado, setores da classe média e das Forças Armadas numa frente que tinha como objetivo o combate ao fascismo, ao imperialismo e ao latifúndio. O seu programa previa:
1.     a suspensão do pagamento da dívida externa,
2.     a nacionalização imediata das empresas estrangeiras, 
3.     a proteção dos pequenos e médios proprietários e lavradores,
4.     a entrega das terras dos latifúndios aos camponeses,
5.     a formação de um governo popular, orientado somente pelos interesses do povo brasileiro.

Como se pode perceber, esse não chegava a ser um programa comunista. Era, antes, um programa nacionalista e popular, capaz de ser apoiado por muita gente, mesmo que não fosse comunista. Com base nele, a ANL cresceu rapidamente, chegando a ter, só no Distrito Federal, 50 mil inscritos. Esse crescimento acabou assustando as elites e o governo. Justamente nesse momento, Getúlio conseguiu que fosse aprovada, pelo Congresso Nacional, uma Lei de Segurança Nacional, que dava maiores poderes ao presidente da República.

No dia 5 de julho de 1935, décimo-terceiro aniversário da Revolta do Forte de Copacabana, a ANL realizou um grande comício no Rio de Janeiro. Nesse comício, foi lido um manifesto de Prestes, em que este lançava a palavra de ordem “todo o poder à ANL”, pregando a necessidade da revolução e da tomada imediata do poder. Era sem dúvida uma proposta equivocada. Afinal, a ANL não tinha condições de tomar o poder pela força e, ademais, Prestes estava dando ao governo um pretexto para usar a recente Lei de Segurança contra a Aliança Nacional Libertadora e seus simpatizantes.

E foi o que Getúlio fez: imediatamente considerou o manifesto de Prestes uma proposta para “subverter a ordem política”, e decretou, em 11 de julho de 1935, o fechamento da ANL, seguindo-se muitas prisões. 

2. A Intentona Comunista de 1935 

Com a proibição da ANL, fechava-se, mais uma vez, o caminho para o PCB atuar legalmente na vida política brasileira, e tentar chegar ao poder, disputando eleições. Diante disso, os comunistas optaram pela insurreição, a partir dos quartéis. Essa intenção refletia a influência dos militantes militares, oriundos do antigo movimento tenentista, que se haviam passado para o PCB acompanhando Prestes. Além dessa influência militarista, pesou também na decisão a avaliação errônea de que o país estava maduro para a revolução comunista.

Essa interpretação foi passada para Moscou, que aceitou apoiar um movimento revolucionário no Brasil, enviando dinheiro e alguns destacados militantes, com experiência no movimento comunista internacional. Entre eles, estavam Prestes e Olga Benário

O levante, que ficou conhecido por Intentona Comunista, foi mal preparado e mal articulado, e resultou num grande fracasso. Começou no dia 23 de novembro, na cidade de Natal, seguindo-se insurreições em Recife e no Rio de Janeiro, todas derrotadas rapidamente.

Para o governo, esse movimento caiu como uma luva. Os comunistas, sem querer, estavam fazendo o jogo de Getúlio e dos militares que o rodeavam, os quais já vinham conspirando para acabar com o regime democrático e para isso se utilizaram da “ameaça comunista”, que assustava muita gente.

De fato, o Congresso Nacional imediatamente autorizou Vargas a decretar o Estado de Sítio, renovado várias vezes. À derrota da Intentona, seguiu-se uma grande repressão em todo o Brasil. Foram presas mais de dez mil pessoas. Entre elas estava o escritor Graciliano Ramos, que posteriormente narrou suas desventuras no livro Memórias do Cárcere (transformado em filme, com o mesmo título, pelo diretor Nelson Pereira dos Santos).  Mas os presos mais famosos foram Prestes e sua mulher, a alemã Olga Benário.

A Intentona teve ainda um outro efeito. O Exército considerou a revolta, que havia custado a vida de alguns oficiais, um ato traiçoeiro. E, desde então, o anticomunismo se tornou muito forte entre os militares, como veremos nos capítulos seguintes. 

3. Os preparativos para o golpe de Estado de 1937 

O levante militar dos comunistas criou uma oportunidade para que Getúlio fortalecesse ainda mais seu poder. Afinal, ele já conseguira, do Congresso Nacional, em abril de 1935, a aprovação de uma Lei de Segurança Nacional, a primeira da história do Brasil. Tinha como finalidade servir de instrumento de controle dos considerados “inimigos do regime”. Agora, com a Intentona Comunista, Getúlio conseguiu autorização para decretar o estado de sítio, transformado posteriormente em Estado de Guerra, e renovado sucessivamente até junho de 1937.

No início de 1937, já se suspeitava que um golpe de Estado* estivesse sendo preparado por Getúlio e seus aliados. o grupo palaciano buscava apoios para o golpe, neutralizando adversários e explorando a “ameaça comunista”. Getúlio fez intervenções em alguns estados e no Distrito Federal, e afastou vários oficiais legalistas dos comandos militares. Esperava um pretexto para agir. E foi nesse clima político tenso que se iniciou a campanha eleitoral, tendo em vista as eleições presidenciais, previstas para o início de 1938.

Enquanto isso, desenrolava-se a campanha eleitoral. O primeiro candidato a apresentar-se foi Armando de Salles Oliveira, governador de São Paulo. Era o candidato da elite paulista e das oposições liberais e oligárquicas, reunidas na recém criada União Democrática Brasileira (UDB).

Pouco depois, foi lançada a candidatura de José Américo de Almeida, escritor e jornalista, que participara da Revolução de 1930, entre os chamados “tenentes civis”. Era considerado o candidato oficial, embora o apoio de Getúlio fosse apenas um disfarce, enquanto o golpe era preparado. Além desses, também Plínio Salgado, embora favorável à articulação golpista, permitiu que a AIB lançasse seu nome como candidato.

O pretexto que Getúlio e seus aliados golpistas esperavam aconteceu no dia 22 de setembro de 1937. Nessa data, o Exército “descobriu” um suposto plano comunista para a tomada do poder, que previa massacres, saques e depredações, violação de lares e de igrejas, e outras barbaridades do gênero. Ficou conhecido com o nome de Plano Cohen. Muitos anos mais tarde, descobriu-se que era falso. Um oficial integralista, o capitão Olímpio Mourão Filho assumiu a autoria do “plano”, mas naquele momento ele foi apresentado como verdadeiro. E foi explorado politicamente pelo governo para assustar o povo e o Congresso Nacional, como uma “ameaça comunista”. Com base nela, Getúlio conseguiu a prorrogação do Estado de Guerra, que lhe dava poderes especiais.

4. O nascimento do Estado Novo

Daí para o golpe foi um passo. É verdade que houve aqueles que tentaram resistir, como foi o caso, por exemplo, do candidato Armando de Salles Oliveira que dirigiu um manifesto aos chefes militares, apelando para que eles impedissem a execução do golpe. Mas seu manifesto teve efeito contrário do esperado, pois os golpistas, receosos de que o apelo surtisse algum efeito nos quartéis, resolveram antecipar o golpe, inicialmente marcado para o dia 15 de novembro (data da Proclamação da República).

No dia 10 de novembro, tropas da polícia militar cercaram o Congresso Nacional, que foi fechado. O Diário Oficial desse dia trouxe o texto de uma nova Constituição. E, à noite, pelo rádio, Getúlio fez um discurso à nação em que alegava que o país estava à beira da guerra civil e que por isso era preciso restaurar a autoridade do Estado.

Quase não houve oposição ao golpe. Os comunistas já haviam sido liquidados. As elites aceitaram o golpe como algo inevitável e, até, necessário diante da “ameaça comunista”. Um exemplo significativo dessa mentalidade conformista foi o fato de que oitenta deputados, após o fechamento do Congresso, foram ao Palácio do Catete cumprimentar Getúlio, no mesmo momento em que vários parlamentares estavam sendo presos. Por sua vez, os integralistas apoiaram o golpe esperando tirar proveito. Quando perceberam que Getúlio não lhes daria nada, tentaram tomar de assalto o palácio para depor o presidente (11/maio/1938). Essa revolta ficou conhecida como Intentona Integralista. Mas foram derrotados e, em seguida, liquidados pela repressão do governo.

Assim nasceu o Estado Novo, como foi chamado o regime ditatorial introduzido por Getúlio. Com isso, o Brasil ia entrar para um clube onde já estavam Portugal, Itália, Alemanha e outras ditaduras.



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