sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O  GOVERNO  PROVISÓRIO  DE  VARGAS  (1930-1934)

Em 1930, quando os revolucionários chegaram ao poder, o mundo vivia as terríveis consequências da Grande Crise, iniciada com a quebra da Bolsa de Nova York, no ano anterior. Por toda a parte, a crise colocou em xeque a democracia liberal, no plano político, e exigiu a intervenção estatal na economia, na busca de saídas alternativas. Foi assim, por exemplo, nos Estados Unidos, onde o presidente Roosevelt implantou o New Deal, ou na Alemanha, onde Hitler impôs o Nazismo. Entre nós, as coisas não aconteceram de forma diferente. A crise derrubou as vendas de nosso principal produto de exportação, que se acumulou, invendável, nos depósitos. Era preciso inventar  novas soluções, e essa era uma tarefa que somente o Estado poderia assumir. Foi nesse cenário que Getúlio assumiu o papel principal.

O político que iria chefiar o governo brasileiro nos quinze anos seguintes à Revolução de 1930, sem intervalo, Getúlio Dorneles Vargas (1883-1954), era filho de estancieiros gaúchos. Embora tivesse se formado em Direito, desde cedo trocou o exercício da advocacia pela atividade política, em que fez uma rápida carreira. Teve como padrinho o todo-poderoso político gaúcho Borges de Medeiros. Elegeu-se deputado estadual mais de uma vez e, em 1923, chegou à Câmara dos Deputados.

Com a eleição de Washington Luís para a presidência, em 1926, Getúlio foi nomeado ministro da Fazenda. Ficou pouco tempo no cargo, pois, em fins de 1927, foi indicado por Borges deMedeiros para sucedê-lo no cargo de governador. Sua eleição conduziria à pacificação do Rio Grande do Sul, agitado por vários anos de lutas entre grupos rivais. Derrotado nas eleições presidenciais de 1930, ele acabaria chegando ao poder por outra via – como o chefe civil de uma revolução vitoriosa. Já era, portanto, político experiente quando assumiu a presidência em novembro de 1930. 


O Governo Provisório, chefiado por Getúlio, tomou posse em meio a muitas incertezas. Havia a crise mundial, que atingia o Brasil em vários sentidos, provocando a queda das exportações de café, a ruína de fazendeiros, falências e desemprego. No plano político, dava-se um novo arranjo entre as forças vencedoras, cada qual querendo ocupar as novas posições criadas pela Revolução.
Como já sabemos, o novo Estado iria ser dirigido por uma elite bastante heterogênea, e foi marcado por disputas entre os elementos que o compunham. E era exatamente essa divergência dentro do governo que acabaria fortalecendo o poder de Getúlio Vargas, uma vez que ele desempenhava o papel de árbitro entre os vários grupos.


Uma vez instalado no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, e munido de plenos poderes, Getúlio Vargas suspendeu a Constituição em vigor e dissolveu o Poder Legislativo em todos os níveis (federal, estadual e municipal). Portanto Getúlio centralizou os poderes Executivo e Legislativo, cabendo-lhe, a partir de então, a prerrogativa de governar por decretos-leis. Para governar os estados, nomeou interventores, função para a qual aproveitou os “tenentes”. Essa situação excepcional deveria perdurar até que fosse possível elaborar uma nova Constituição, que normalizasse a vida institucional do país.
Foram criados dois novos ministérios: o Ministério da Educação e Saúde, entregue ao mineiro FranciscoCampos; e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que ficou com o gaúcho Lindolfo Collor, ambos pertencentes ao grupo dos “tenentes civis”.
O Ministério da Educação preocupou-se, de imediato, com o ensino superior e secundário.
1.     No ensino superior, decretou o Estatuto das Universidades Brasileiras, criando condições para o surgimento de verdadeiras universidades, dedicadas ao ensino e à pesquisa.
2.     Foi reorganizada a Universidade do Rio de Janeiro, a única que havia até então.
3.     Em 1934, foi criada, por iniciativa local, a Universidade de São Paulo (USP), que se converteria com o tempo na maior universidade da América Latina.
4.     Quanto ao ensino secundário, o que havia, até então, não passava de cursos preparatórios para ingresso nas escolas superiores. E, por isso, foi necessário iniciar sua implantação quase do zero.[1]
Por sua vez, a criação do Ministério do Trabalho indicava a nova postura do Estado em relação à chamada “questão social”, ou seja, a luta dos trabalhadores para conquistar melhores condições, que na República Oligárquica constituía “caso de polícia”. Foram concedidos vários direitos aos trabalhadores, tais como:
1.     a regulamentação do trabalho das mulheres e dos menores, da jornada de trabalho de oito horas no comércio e na indústria, das férias nos bancos e na indústria, etc.
2.     a criação e o funcionamento dos sindicatos, tanto de empregados, como de patrões, subordinando todos eles ao Ministério do Trabalho. A política do governo consistiu, portanto, em fazer concessões aos trabalhadores, mas procurando, ao mesmo tempo, controlar seus movimentos. (A política trabalhista do governo Vargas, como ainda veremos, vai ser gradativamente aperfeiçoada até se completar no Estado Novo.)

2. Proteção ao setor cafeeiro

A cafeicultura continuava sendo a base da economia brasileira. Por isso, diante dos efeitos desastrosos da Crise Mundial de 1929, o novo governo teve que tomar medidas para socorrer o setor cafeeiro. Mas essa proteção ao setor cafeeiro iria ser, porém, diferente da antiga política de valorização do café em muitos pontos.
1.     Fundamentalmente, o governo continuaria comprando o café excedente. Mas agora não adiantava mais mantê-lo estocado já que, com a crise econômica mundial, não havia perspectiva de vendê-lo no futuro. A opção foi a destruição do produto. O governo emitia dinheiro, comprava o café e o queimava. Dessa forma, entre 1930 e 1937, o fogo destruiu quase setenta milhões de sacas do produto.
2.     Nesta nova situação, os cafeicultores passaram a ter menos privilégios, e tiveram que assumir uma parte maior dos prejuízos. Entregavam ao Estado uma parte da produção para ser destruída e outra parte da safra vendiam ao governo, por um preço mínimo. Foram proibidos novos plantios e introduziu-se um imposto sobre o café exportado.
3.     Outra diferença era que, antes, tomavam-se empréstimos no exterior para financiar a compra e a estocagem do café excedente. Agora, com a retração do capitalismo em todo o mundo, não havia onde obter novos empréstimos. Então, o governo se viu obrigado a fazer emissão de dinheiro. A intenção dessa política era a defesa da cafeicultura, mas teve consequências muito maiores do que se podia prever, pois acabou estimulando o desenvolvimento industrial.




























A proteção ao café e o desenvolvimento da indústria. O que aconteceu foi o seguinte: ao decidir comprar os café excedente, o governo injetou dinheiro na economia. Esse dinheiro, ao circular no mercado, manteve a procura por produtos. E dada a dificuldade de fazer importações, por causa da crise, os fabricantes nacionais aumentaram e diversificaram a produção para atender os compradores. E isso explica o rápido crescimento da produção industrial, e explica também por que o Brasil foi um dos primeiros países a sair da crise.


Como se vê, o governo mirou num alvo (o café) e acertou em outro (a indústria). E não se tratava apenas de um surto industrial, como já acontecera antes. Pode-se dizer que, a partir desse momento, teve início o verdadeiro processo de industrialização do país, que iria conduzir à superação da antiga economia colonial agrário-exportadora. Uma indústria impulsionada pela ação estatal, e dirigida ao abastecimento do mercado interno, substituindo as importações.



Em São Paulo, a Revolução Constitucionalista  (1932)

Devemos estar lembrados de que a Revolução de 1930 havia afastado do poder a oligarquia cafeeira de São Paulo, que tinha, por isso, motivos de sobra para estar descontente com a nova situação criada no país. De fato, esse grupo lançou, já a partir de 1931, intensa campanha contra o governo federal, obtendo apoio em outros estados, principalmente em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, cujas elites também tinham motivos para estar descontentes com o governo revolucionário. Esse descontentamento decorria da excessiva centralização do poder nas mãos do governo federal e do intervencionismo nos estados através dos “interventores”. Acusavam Getúlio de proteger os “tenentes” e preparar a instalação de uma ditadura no país.

A oligarquia de São Paulo, representada pelo velho Partido Republicano Paulista, aproximou-se do Partido Democrático. Este havia apoiado a Revolução, mas agora já estava descontente com o governo Vargas. E juntos lançaram uma campanha contra o interventor que o presidente havia nomeado para São Paulo, o “tenente” pernambucano João Alberto Lins de Barros. A oligarquia explorou o “bairrismo” dos paulistas, exigindo um “interventor civil e paulista” e, assim, conseguiu atrair apoios para uma grande campanha contra o governo.

Formação da Frente Única Paulista (FUP

Getúlio procurou atender às exigências. Em 24 de fevereiro de 1932, publicou um novo código eleitoral e marcou as eleições para 3 de maio de 1933. E nomeou um interventor do agrado dos paulistas, Pedro de Toledo. Mas isso não foi suficiente. A oposição já estava muito adiantada e acabou levando à formação da Frente Única Paulista (FUP), reunindo o PRP e o PD.

A continuidade da campanha contra Getúlio deixa claro que a luta pela reconstitucionalização apenas encobria o real objetivo da oligarquia paulista que era retomar o poder. Afinal, se Vargas já vinha atendendo as reclamações dos paulistas, não havia mais motivo para prosseguir na campanha contra o governo.

No Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, as elites políticas demonstraram simpatia pela causa paulista. Isso fortalecia a mobilização em São Paulo, que recebia amplo apoio de setores da classe média, e assumia grandes proporções, através de comícios e manifestações públicas. O movimento atraia principalmente a juventude estudantil.

No dia 23 de maio de 1932, num conflito em frente à sede da Legião Revolucionária (entidade tenentista), morreram quatro estudantes. Das iniciais de seus nomes - Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo -, surgiu o movimento MMDC. A morte dos estudantes era tudo o que os mais radicais queriam: a tensão chegou ao máximo e o passo seguinte foi a luta armada.



O início da luta armada

Esta teve início no dia 9 de julho, na cidade de São Paulo, e ficou conhecida pelo nome de Revolução Constitucionalista, que recebeu o apoio da elite, das forças militares do estado e da classe média. De fato, os voluntários se apresentaram aos milhares. A indústria se mobilizou para produzir armas. As mulheres ajudaram costurando uniformes para os combatentes. As pessoas ofereciam doações para sustentar a luta. De nada adiantou. Os paulistas lutaram bravamente durante três meses, mas os paulistas tiveram de render-se.

E quais teriam sido as razões da derrota paulista? A razão principal foi o isolamento. São Paulo sofreu o bloqueio por terra e por mar, e teve de contar com seus próprios recursos, pois Minas Gerais e Rio Grande do Sul, inicialmente comprometidos com a revolta, preferiram ficar de fora. Não faltaram, na época, boatos de que o levante paulista tinha intenções separatistas.

Outra causa importante foi a desvantagem militar. Além da mediocridade do comando militar, seu exército era menor e o armamento, insuficiente e de péssima qualidade. Um exemplo disso era o uso das “matracas”, que apenas imitavam o ruído das metralhadoras inexistentes.

Deve ser observado, por fim que o movimento não contou com o apoio do operariado, para quem a vitória dos “constitucionalistas” poderia significar a perda das vantagens trabalhistas já obtidas do governo getulista.

4. A Constituição de 1934

Finalmente, em maio de 1933, foi eleita a Assembléia Constituinte. Pela primeira vez, a eleição se fez pelo voto secreto e incluiu as mulheres, que adquiriram, enfim, o direito à plena cidadania. Mas os analfabetos continuaram excluídos do direito de votar. As eleições ficaram a cargo de uma Justiça Eleitoral, encarregada fiscalizar o processo, contar os votos e proclamar os resultados, o que diminuía as chances de fraudes do tempo da República Velha.

Elegeram-se 214 deputados constituintes pelo voto direto. No mês seguinte, foram eleitos mais 40 deputados, que formavam a representação classista ou corporativa (de onde provém a palavra corporativismo). Eram deputados eleitos por associações profissionais e sindicais, de patrões e empregados. A ideia da representação classista era uma exigência dos “tenentes” e visava a reduzir, na Constituinte, o peso das oligarquias.

A Assembleia levou oito meses para discutir e aprovar um projeto previamente elaborado por uma Comissão Constitucional. Era mais democrática que a Constituição anterior (de 1891). Além de confirmar o voto secreto e o voto feminino, apresentava importantes inovações:

1.     Introduzia o mandado de segurança e previa amplos direitos trabalhistas, tais como jornada de oito horas, salários-mínimos regionais, férias remuneradas, etc.
2.     Por pressão dos tenentes foi introduzida, na Constituição, a possibilidade de nacionalização das riquezas do subsolo e de estatização de empresas estrangeiras ou nacionais.
3.     A Constituição estabelecia que a primeira eleição  presidencial seria feita, através do voto indireto, pelos membros da Assembleia Constituinte. E o eleito foi o próprio Getúlio Vargas, para um mandato de quatro anos.

5. O fim do Tenentismo

Depois de promulgada a Constituição, o Tenentismo, movimento que tivera tanta importância nos últimos anos, tendeu rapidamente para o desaparecimento. Que razões contribuíram para que isso acontecesse? Primeiramente, o fato de que o Tenentismo não constituía um grupo homogêneo, e não tinha um programa definido. Outra razão é que muitos “tenentes” foram cooptados pelo Estado, isto é, passaram a integrar a burocracia estatal. E também porque, na década de 1930, surgiram outras formas de atuação política, que absorveram o que restava do Tenentismo.
Uma explicação anedótica do fato diz que certa vez, perguntado como havia feito para se livrar dos “tenentes”, Getúlio teria respondido: “Promovi-os a capitães”.
           





[1] Cf. Fausto, Boris. Op. cit., p. 336 e ss.

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