terça-feira, 13 de outubro de 2015

O DECLÍNIO DO ESTADO NOVO


O declínio do Estado Novo começou em 1943, e foi provocado por fatores internos e externos. Internamente, houve uma pressão da opinião pública, que cresceu como uma bola de neve, até a deposição de Getúlio Vargas. Os fatores externos, por sua vez,  tiveram a ver com a nova situação internacional, criada pela Segunda Guerra Mundial, na qual o Brasil teve participação pequena, mas importante.

1. A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial 

Ao iniciar-se a Segunda Guerra Mundial, o Brasil era oficialmente neutro em relação aos dois lados envolvidos no conflito. Era uma posição vantajosa, pois permitia ao país negociar com os dois lados. Afinal, embora os Estados Unidos fossem nosso principal parceiro comercial,  o Brasil vinha mantendo um intenso comércio com a Alemanha nazista, como se pode ver pelos seguintes dados: desde 1934, a Alemanha tornara-se o principal comprador de algodão e o segundo de café; e, desde 1938, 25% das nossas importações vinham desse país, e apenas 24% vinham dos Estados Unidos.

No governo, havia elementos simpáticos aos dois lados. O ministro Osvaldo Aranha, por exemplo, era favorável aos Aliados, enquanto que os ministros militares, Dutra e Góes Monteiro, manifestavam simpatia pelo Eixo. Segundo Boris Fausto, quando Getúlio resolveu apoiar os Estados Unidos, estes dois militares, contrariados, apresentaram o pedido de demissão, que foi recusado.

A posição de neutralidade do Brasil começou a ser afetada em dezembro de 1941, quando se deu o ataque japonês à base militar norte-americana de PearlHarbour, no Havaí. Os Estados Unidos entraram na guerra contra o Eixo, e pressionaram para que os países latino-americanos fizessem o mesmo.

Criou-se, assim, uma conjuntura muito favorável, pois os Estados Unidos precisavam do Brasil. Diante disso, Vargas agiu com grande habilidade, e procurou resolver dois problemas importantes naquele momento: o reequipamento das forças armadas e a construção de uma usina siderúrgica. Os norte-americanos não estavam dispostos a colaborar. Então, Vargas pronunciou, a bordo do navio Minas Gerais, o célebre discurso de 11 de junho de 1940, em que manifestou simpatia pelo fascismo. O governo americano entendeu o recado e iniciou negociações. Por isso, à medida que os EUA se dispunham a atender as reivindicações brasileiras, o Brasil afastava-se da Alemanha.

Houve, também, pressões internas para que o governo brasileiro tomasse essa posição. Nessa época, a União Nacional dos Estudantes (UNE), criada em 1937, vinha promovendo uma campanha pela entrada do Brasil na guerra. Exemplo disso foi a Passeata Estudantil Antitotalitária, realizada no dia 4 de julho de 1942.

Foi nessa conjuntura que o Brasil teve alguns navios afundados por submarinos alemães, e declarou guerra aos países do Eixo, em agosto de 1942.

No ano seguinte, foi criada a Força Expedicionária Brasileira (FEB), e, em 1944, os soldados brasileiros chegaram aos campos de batalha. Foram cerca de 25.000 combatentes, que se incorporaram ao Exército norte-americano, e lutaram contra os soldados alemães no norte da Itália. A partir dessa colaboração, cresceu a influência norte-americana nas Forças Armadas brasileiras, que vinha somar-se ao anticomunismo já presente entre os militares nacionais, desde o episódio da Intentona Comunista (1935), conforme vimos anteriormente. Essas duas tendências - a simpatia pelos EUA e o anticomunismo - iriam influenciar muitas das posições políticas que os militares brasileiros assumiram nos anos seguintes.


2. O crescimento da oposição

A entrada do Brasil na Guerra, a partir de 1942, criou uma contradição para o Estado Novo, pois externamente o Brasil apoiava as democracias - EUA, Inglaterra, França - na luta contra o fascismo, e internamente mantinha um regime ditatorial. Nesta nova conjuntura, criada pela participação do Brasil na Guerra, as oposições, até então enfraquecidas, encontram melhores condições para manifestar-se.

Já aprendemos que, conforme a Constituição de 1937, Getúlio deveria promover eleições em 1943. Mas ele adiou-a, alegando que, por causa da guerra, não havia condições de fazer eleição naquele ano. Essa atitude de Getúlio desagradou muita gente. Por isso, não foi mera coincidência o aparecimento, em outubro de 1943, do Manifesto dos Mineiros, em que um grupo de oposição, timidamente, defendia a volta à normalidade. A certa altura, o Manifesto dizia:

Se lutamos contra o fascismo, ao lado das Nações Unidas, para que a liberdade e a democracia sejam restituídas, a todos os povos, certamente não pedimos demais reclamando para nós mesmos os direitos e as garantias que os caracterizam...

Esse documento circulou clandestinamente e difundiu-se aos poucos, mas a sua existência mostra claramente que já se dava o afastamento de setores da classe dominante em relação ao Estado Novo.

No decorrer de 1944, as oposições cresceram rapidamente, conduzindo à formação de uma União Democrática, que reunia todos os que se opunham à ditadura varguista. Continuando as pressões sobre o Estado Novo, em fevereiro de 1945, um jornal do Rio de Janeiro publicava a entrevista de José Américo de Almeida, um antigo aliado de Vargas, em que pedia a redemocratização. O fato de essa manifestação haver sido veiculada através de um jornal da grande imprensa mostra que o DIP já não conseguia mais impor a censura aos jornais.

Os fatos se sucederam rapidamente:
a) nesse mesmo mês de fevereiro, Vargas reagiu e tomou a iniciativa da redemocratização, publicando um decreto que marcou um prazo de 90 dias para a convocação de eleições;

b) em abril, concedeu anistia aos presos e perseguidos políticos. Nesse momento, o preso político mais famoso, Luís CarlosPrestes, saiu da cadeia onde estava desde março de 1936; e

c) em seguida, foi concedida liberdade de organização partidária.
Portanto, em apenas dois meses, o país deu um grande passo em direção à democracia.

3. O surgimento dos partidos políticos

O primeiro partido a se registrar foi a União Democrática Nacional (UDN), originária da União Democrática (citada acima), que apressou-se em dar início à campanha presidencial, indicando o nome do brigadeiro Eduardo Gomes. A partir desse momento, a UDN iria defender o afastamento de Getúlio da presidência da República, como garantia de independência do processo eleitoral. No caso de afastamento de Getúlio, a chefia do governo passaria para o presidente do Supremo Tribunal Federal, já que, no Estado Novo, não havia vice-presidente, nem Congresso Nacional.

Vargas reagiu a esse avanço das oposições, orientando a criação de dois partidos políticos:

a)    O Partido Social Democrático (PSD), que reuniu a burocracia do Estado Novo, latifundiários e elementos da alta burguesia industrial e financeira, favorecidos pelo regime. O PSD indicou, como candidato a presidente, o general Eurico Gaspar Dutra (que então deixou o Ministério da Guerra, sendo substituído pelo general Góes Monteiro).

b)   O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), apoiado na estrutura sindical controlada pelo Ministério do Trabalho, contando com o apoio dos trabalhadores urbanos, beneficiados pela legislação trabalhista de Vargas. O PTB apoiou o nome de Dutra.

Outro partido que entrou em cena nesse momento foi o antigo Partido Comunista do Brasil (PCB), cuja legalização foi autorizada. Nessa época, criara-se uma conjuntura favorável aos comunistas. Além do reconhecimento da contribuição decisiva que a União Soviética havia dado para a derrota do nazismo, o Brasil havia sido aliado da União Soviética durante a guerra. Como resultado, houve uma mudança no tratamento até então dado aos comunistas, chegando o governo Vargas, inclusive, a estabelecer relações diplomáticas com a URSS.

Uma vez legalizado, o Partido Comunista entrou na campanha eleitoral, indicando um nome desconhecido, Iedo Fiúza, o que era surpreendente, já que o partido tinha Luís Carlos Prestes, um nome de enorme prestígio nacional.

4. O fim do Estado Novo

Apesar do cerco das oposições, Vargas ainda se mantinha ativo. Nas comemorações do Primeiro de Maio desse ano, 1945, discursando para os trabalhadores, Vargas deu uma resposta àqueles que queriam vê-lo fora do governo. Destacou suas realizações em favor do proletariado, falou de seus esforços para conduzir o processo eleitoral e criticou as oposições, reunidas na UDN. No dia 28 de maio, novo decreto marcou eleições gerais para o dia 2 de dezembro.

Entretanto, as coisas continuavam se complicando para Vargas. E, à medida em que ele perdia apoio das classes dominantes, passava a apoiar-se cada vez mais nas massas populares, chegando até a aliar-se ao Partido Comunista. Além de se aproximar das forças políticas populares - vale dizer, de esquerda -, Vargas passou a assumir uma postura nacionalista, que iria acompanhá-lo pelo resto da vida. Nessa nova postura, em junho, Vargas assinou a Lei Antitruste, chamada “Dos Atos Contrários à Economia Nacional”. Era uma lei nacionalista, que restringia a ação do capital estrangeiro no Brasil.

Com isso, Vargas, que já se colocava politicamente a favor do populismo e do trabalhismo, agora se posicionava também como um líder nacionalista. Essa postura de Vargas aumentou o leque de inimigos, que pois, externamente, desagradava o capital estrangeiro e os Estados Unidos, que nunca tiveram simpatia por governos nacionalistas. E, internamente, desagradava os que defendiam a volta do regime democrático e os militares simpáticos aos EUA. O partido político que fazia oposição a Vargas era a UDN. (Durante toda sua existência, a UDN combateu Getúlio e, depois da morte deste, seus herdeiros).

Vargas, entretanto, recebeu o apoio dos comunistas. Essa atitude se explica por uma orientação que partia de Moscou, segundo a qual “os partidos comunistas de todo o mundo deveriam apoiar os governos de seus países, integrantes da frente antifascista, fossem eles ditaduras ou democracias”. Além disso, Getúlio havia tomado várias medidas do agrado dos comunistas, tais como a legalização do Partido Comunista e o reconhecimento diplomático da U.R.S.S.

Os comunistas, inclusive, apoiaram um movimento político, iniciado pelos petebistas, em meados de 1945, o Queremismo, que pretendia a permanência de Getúlio no poder, até a elaboração de uma nova Constituição.

O crescimento do Queremismo assustou a UDN e os demais oposicionistas, que passaram a temer uma manobra golpista de Vargas, como acontecera em 1937. Do ponto de vista das oposições, era preciso antecipar-se, e afastar o ditador. Faltava apenas um pretexto, e este se deu quando Getúlio nomeou seu irmão Benjamim Vargas, para o importante posto de chefe da polícia do Rio de Janeiro. A nomeação de “Beijo”, como era apelidado o irmão de Vargas, aumentou as suspeitas da oposição de que o ditador manobrava para continuar no poder. A reação foi rápida e no mesmo dia, 29 de outubro, os chefes militares forçaram Vargas a renunciar. 

Era o fim do Estado Novo. Assumiu o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, que promoveu as eleições presidenciais na data prevista e deu posse ao eleito, o general Dutra, candidato do PSD, com apoio do PTB. Linhares teve pouco tempo para outras realizações, sendo uma delas a revogação da lei antitruste.

O fim do Estado Novo não impediu que deixasse uma grande herança, que em alguns aspectos sobrevive até os dias atuais. Entre outras coisas, deu um caráter irreversível ao processo de industrialização, criou a legislação trabalhista, instituiu o sindicalismo atrelado ao Estado, realizou a centralização política e, enfim, promoveu a intervenção estatal na vida nacional.


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