segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O  BREVE  GOVERNO DE  JÂNIO  QUADROS

(JANEIRO-AGOSTO  DE  1961)




Para as eleições presidenciais de 1960, nenhum dos três grandes partidos tinha o seu candidato natural. Por isso, o PSD e o PTB, mantendo sua aliança tradicional, foram buscar nas Forças Armadas um nome respeitável: o general Lott. E para vice-presidente, João Goulart. A UDN viu-se na contingência de apoiar o nome de Jânio Quadros, que surgia como candidato de oposição aos herdeiros do getulismo.

O general Lott havia se destacado no episódio de 11 de novembro de 1955, quando frustrou um golpe que visava a impedir a posse de JK. Havia, também, apoiado a concessão do voto ao analfabeto e a restrição da remessa de lucros para o Exterior. Era, por isso, bem visto pela esquerda e se enquadrava na moldura do nacionalismo-desenvolvimentista.

Jânio Quadros, por sua vez, era um político conservador, personalista, sem compromissos com partidos políticos. Havia feito uma rápida carreira política em São Paulo, onde fora vereador, prefeito e governador. Prometia um governo moralizador e austero. O símbolo de sua campanha era uma vassoura, tomada como símbolo da luta contra a corrupção. Era um político contraditório. Em matéria de economia, ele se filiava ao modelo neoliberal. Mas como candidato, visitou Fidel Castro, dando a entender que era simpático à revolução cubana.

Diferentemente de Lott, um candidato sem nenhum carisma, Jânio despertava grande entusiasmo. E a frase “Jânio vem aí!”, que se tornou popular em todo o Brasil, revelava a grande esperança nele depositada.
Jânio ao lado da espsa durante um comício na campanha de 1960.


E aconteceu o esperado. Jânio foi eleito com 48% dos votos. Não obteve a maioria absoluta, mas desta vez a UDN não protestou. Quanto aos outros candidatos: Lott obteve 28% dos votos; Ademar de Barros, 23%. Curiosamente, Jango foi reeleito vice-presidente.

Não deve passar despercebido o fato de que o eleitor votou para presidente num candidato da linha conservadora, e, para vice-presidente, num candidato nacionalista. Esse fato não teria maiores consequências se Jânio tivesse governado até o final do seu mandato. Mas como iremos ver não foi isso o que aconteceu.

1. A política econômica conservadora

Jânio foi o primeiro presidente a tomar posse em Brasília, a nova capital, que fora inaugurada no dia 21 de abril do ano anterior. Em seu discurso de posse, criticou seu antecessor e apontou os dois problemas que teria de enfrentar: a inflação e a dívida externa, respectivamente, 30,5% (ao ano) e 3,8 bilhões de dólares.

Jânio toma posse na presidência da República, em Brasília, ao lado de Juscelino.


Formou um ministério apenas com os partidos que o haviam apoiado. Era fácil de prever que ele teria dificuldades no relacionamento com o Congresso Nacional, já que os partidos de oposição tinham ampla maioria. Coerente com a sua promessa de campanha, Jânio adotou um programa econômico ortodoxo, monetarista, de combate à inflação:

·         desvalorização cambial,
·         restrição do crédito,
·         redução dos subsídios ao trigo e ao petróleo.

Com isso, ele ganhou a simpatia do FMI para negociar a dívida externa e obter novos créditos. Mas os efeitos recessivos dessas medidas, como era de esperar, causaram grande descontentamento, e Jânio já ensaiava uma mudança, quando sobreveio a renúncia.

2. A política externa independente

Foi na política externa, que Jânio se revelou mais polêmico e mais audacioso. Ainda como candidato, havia feito uma surpreendente visita a Fidel Castro, em Cuba. Depois, entre a eleição e a posse, fizera uma viagem pelo mundo, e ficara impressionado com a chamada “terceira via” (política de não alinhamento nas disputas da Guerra Fria), que alguns países vinham adotando.

Uma vez no governo, juntamente com seu ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, desenvolveu aquela que ficou conhecida como a “política externa independente”. Isso quer dizer que o Brasil, no governo Jânio, iria agir independentemente dos EUA, nas questões internacionais. Em função dessa posição, Jânio iniciou uma abertura para os países comunistas, anunciou o reatamento de relações com a URSS, rompidas desde 1947, e deixou de apoiar os EUA no bloqueio contra Cuba.

Tudo isso, num momento em que a Guerra Fria se agravava com a crise cubana. A política externa, evidentemente, não agradou aos EUA, nem aos conservadores internos, civis e militares, que haviam apoiado Jânio.

3. A renúncia e a crise

Internamente, Jânio se desgastava com medidas antipáticas como a proibição do lança-perfume no Carnaval e do uso de biquíni nas praias. Sem procurar o apoio do Congresso Nacional, ao mesmo tempo em que perdia o apoio da própria UDN, Jânio tendeu para o isolamento político, o que é fatal para qualquer governante.

Como se isso não bastasse, Jânio resolveu condecorar Che Guevara, um dos principais líderes da Revolução Cubana, e arqui-inimigo dos EUA. Guevara fez uma escala em Brasília, quando voltava de uma reunião da OEA, que se realizara no Uruguai. Para espanto de todos, até do homenageado, Jânio conferiu-lhe a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta distinção da heráldica brasileira.

Para os conservadores, Jânio havia ido longe demais. Na noite de 24 de agosto, Carlos Lacerda fez um violento discurso pelo rádio, e acusou o presidente de estar tramando um golpe de Estado.

No dia seguinte, numa atitude que pegou de surpresa toda a nação, Jânio Quadros encaminhou ao Congresso sua carta de renúncia. Em seguida, Jânio viajou para São Paulo, e daqui partiu para o Exterior. Seu governo durara apenas sete meses.

Justificando a renúncia, Jânio alegava estar sendo impedido de governar, “esmagado por forças terríveis”. Mas a explicação que, em geral, tem sido dada para sua atitude tresloucada é diferente.

Como explicar a surpreendente renúncia de Jânio Quadros?

Tudo indica que o gesto de Jânio foi uma tentativa de golpe de Estado. Provavelmente, ele esperava que o Congresso Nacional não aceitasse sua renúncia, pelos problemas que isso causaria. Porém, ao contrário, a renúncia foi aceita prontamente e Ranieri Mazzili, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu provisoriamente a presidência da República, pois o vice-presidente estava no Exterior, em viagem oficial.

Jânio contava com o apoio do povo paulista, que, na sua avaliação, sairia às ruas para pedir sua volta, mas isso também não aconteceu. Outra suposição de Jânio era que os militares, que temiam o populismo do vice-presidente, iriam pedir-lhe para ficar.

Se seus cálculos dessem certo, ele então aceitaria voltar à presidência, porém, com mais poderes. Mas o golpe fracassou completamente. E com seu gesto inesperado, Jânio lançou o Brasil numa terrível crise política.

4. A solução parlamentarista

Em agosto de 1961, ocorreram, na verdade, duas tentativas sucessivas de golpe de Estado. A primeira, foi a própria renúncia de Jânio Quadros. A segunda foi o veto que os militares impuseram à posse do vice-presidente, como veremos a seguir.

No momento da renúncia, João Goulart estava fora do Brasil, porque Jânio, interessado em estabelecer relações comerciais com os países socialistas, enviara-o em missão oficial à República Popular da China. Ao ficar sabendo da renúncia, o vice-presidente iniciou uma demorada viagem de volta ao Brasil, realizando várias escalas. Finalmente, chegou ao Uruguai, e ali ficou aguardando o desfecho da crise criada pelo veto militar.

O veto militar caracterizava claramente uma violência contra a Constituição, já que Goulart era o vice-presidente constitucional, democraticamente eleito.

Mas o povo tinha uma opinião diferente dos militares. Desencadeou-se um amplo movimento popular de apoio à posse, destacando-se a participação de Leonel Brizola, cunhado de Jango, que era governador do Rio Grande Sul. Os militares se dividiram. O país esteve à beira de uma guerra civil.

Foi então que partiu do Congresso Nacional uma solução conciliatória, uma “solução de compromisso”, como foi chamada. Era a proposta parlamentarista. De acordo com ela, Jango assumiria a presidência, mas dividiria os poderes com um primeiro-ministro, indicado pelo próprio Congresso. Ficava previsto que, em 1965, haveria um plebiscito para decidir pela continuidade do parlamentarismo ou pela volta do presidencialismo.

João Goulart aceitou, retornou ao Brasil e tomou posse no dia 7 de setembro; no cargo de primeiro-ministro, assumiu Tancredo Neves.

Nenhum comentário:

Postar um comentário