quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O  GOVERNO  DE  COSTA  E  SILVA

(1967-1969)


O marechal Arthur da Costa e Silva tomou posse no dia 15 de março de 1967 e seu governo não incluiu nenhum ministro do governo anterior. Notava-se uma maior presença de militares nos postos importantes. E, para o Ministério da Fazenda, foi nomeado Antônio Delfim Netto, que ganharia grande notoriedade nos anos seguintes. A composição do ministério indicava que o governo Costa e Silva, em matéria de economia, estaria menos preso à cartilha do monetarismo e adotaria uma linha mais nacionalista.
Embora o presidente tivesse procurado projetar uma imagem conciliadora, havia muitas incertezas quanto ao que realmente faria o governo Costa e Silva, diante das dificuldades do momento. De um lado, as medidas econômicas adotadas pelo governo anterior estavam demorando para surtir efeito, o que provocava um certo descontentamento da classe média, que no princípio tinha visto com simpatia o golpe militar. E, de outro, a oposição vinha se manifestando com mais força.

1. A Frente Ampla: Carlos Lacerda volta à cena

Apesar de haver sido um do patrocinadores do golpe de 1964, Carlos Lacerda passou para a oposição, quando percebeu que o regime militar não lhe dar chance de chegar à presidência da República. Partiu, então, para a formação de um movimento de oposição, que batizou com o nome de Frente Ampla. O objetivo imediato do movimento era forçar a redemocratização do país.
Durante o ano de 1967, ele buscou apoios para seu movimento e conseguiu a adesão dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, dos quais Lacerda havia sido adversário ferrenho nos anos anteriores. Mas a Frente Ampla nunca conseguiu a necessária unidade nem suficiente apoio popular. E desapareceu, em abril de 1968, quando o governo decretou sua proibição.

2. A agitação de 1968

A grande mobilização popular contra o regime militar veio dos estudantes, no ano de 1968. Nesse ano, a agitação ocorreu não só no Brasil, mas em quase todo o mundo. Foi, principalmente, um movimento dos jovens que se rebelaram exigindo mudanças. As formas tradicionais de ensino, o racismo, a Guerra do Vietnã, a repressão sexual, por exemplo, foram temas mobilizadores dos protestos. Lutava-se por um “mundo melhor”, embora houvesse diferentes opiniões de como seria esse mundo.

No Brasil, o elemento catalizador do descontentamento foram os estudantes universitários, que protestavam contra o arcaico sistema de ensino que havia no país. Naquele tempo, as universidades públicas ofereciam poucas vagas, dando origem ao problema dos “excedentes”. Estes eram alunos que conseguiam nota suficiente nos vestibulares, mas ficavam de fora das universidades por falta de vagas.

Os estudantes exigiam reformas no ensino, mais vagas e mais verbas para a educação, mobilizados por algumas entidades muito fortes. A principal delas era a União Nacional dos Estudantes, a UNE, que, embora proibida, conheceu naquela época seus dias mais gloriosos.

O fato que disparou a radicalização dos estudantes ocorreu no dia 28 de março de 1968. Nesse dia realizava-se um protesto contra a qualidade da comida servida no restaurante “Calabouço”, muito utilizado pelos estudantes do Rio de Janeiro. A polícia chegou atirando, e um tiro atingiu Edson Luis, um jovem estudante secundarista. A partir daí, os atos de protesto dos estudantes contra a “ditadura militar” se repetiram por todo o Brasil.

Também se repetiam os choques com a polícia, que era enviada para reprimir os estudantes. O ponto alto da mobilização popular contra a violência do regime foi a “passeata dos Cem Mil”, que se realizou no Rio de Janeiro, no dia 25 de junho. Mas essa mobilização não durou muito, e começou declinar. O golpe definitivo foi a queda do XXX Congresso da UNE, que se realizava clandestinamente num sítio, nos arredores de Ibiúna (SP), resultando na prisão de mais de setecentos estudantes.

Também os operários se mobilizaram, protestando contra o arrocho salarial e fizeram algumas greves importantes. As mais expressivas se realizaram em Contagem (MG), que mobilizou 1.700 trabalhadores da Siderúrgica Belgo-Mineira, e terminou através de um acordo; e em Osasco (SP), com a ocupação pelos operários de uma grande indústria, a Cobrasma, que resultou em intervenção policial.

Ainda em 1968, um outro grupo entrou em ação. Tratava-se da esquerda mais radical, que achou que só a luta política não seria suficiente para derrubar o regime, e partiu para a luta armada.

A agitação estudantil, as greves operárias e as ações dos grupos armados reforçavam a linha-dura dentro das Forças Armadas, que propunha a ditadura, como forma de acabar com os adversários do regime. Mas faltava um argumento definitivo para convencer os chefes militares, que ainda eram favoráveis à manutenção da legalidade.

O fato que iria propiciar esse “argumento” ocorreu em setembro de 1968. Foi um discurso pronunciado, na tribuna do Congresso Nacional, pelo deputado Márcio Moreira Alves. Nesse discurso, ele conclamava a população do país a boicotar os desfiles de 7 de setembro. Era um discurso que, como tantos outros, poderia ter ficado esquecido nos anais do Congresso. Mas os elementos da linha-dura resolveram explorá-lo politicamente e distribuíram cópias do discurso nos quartéis. O efeito foi o esperado: a indignação e a revolta. Os ministros militares resolveram processar o deputado. Mas o processo dependia de autorização da Câmara e esta negou a autorização.

3. O Ato Institucional nº 5. Começa a ditadura

Diante dessa derrota na Câmara, o regime militar muniu-se novamente de poderes excepcionais e, passando por cima da Constituição que ele próprio instituíra, editou o Ato Institucional número 5. Esse documento - o AI-5, como ficou tristemente conhecido - devolveu ao presidente da República, por tempo indeterminado, os poderes para cassar mandatos e suspender direitos políticos; demitir ou aposentar funcionários públicos, intervir nos estados e municípios; e fechar provisoriamente o Congresso Nacional.


Reunião do Conselho de Segurança Nacional que aprovou
o AI-5, em 13 de dezembro de 1968.


Inaugurou-se, assim, um novo ciclo de cassações e demissões, incluindo muitos professores universitários. Entre estes, Fernando Henrique Cardoso, afastado da Universidade de São Paulo. A imprensa e todos os meios de comunicação passaram a sofrer uma censura rigorosa e a tortura passou a fazer parte da rotina dos órgãos repressivos. O regime assumiu, enfim, o caráter de ditadura militar.

Um dos primeiros atos do governo foi enviar o Exército para ocupar o CRUSP, o conjunto residencial da USP, uma espécie de quartel-general do movimento estudantil. Todos os moradores foram presos.

O endurecimento do governo reforçava o argumento dos que defendiam a tese de que apenas a luta armada poderia derrubar o regime, o que levou muitos elementos de esquerda, principalmente estudantes, a pegarem em armas.

4. A luta armada

A luta armada teve início quando Carlos Marighella, um veterano comunista, se afastou do velho Partido Comunista Brasileiro e formou a Aliança Libertadora Nacional (ALN).[1] 

Em seguida, formaram-se outros grupos, que também adotaram a luta armada: a Ação Popular (AP), o MovimentoRevolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), para citar apenas os mais importantes. A luta se concentrou nas cidades, onde era mais fácil enfrentar a repressão. Daí a expressão “guerrilha urbana”, dada a essa forma de luta. Apenas o PC do B optou pela luta armada no campo e montou um núcleo guerrilheiro na região do Araguaia, no Sul do Pará.[2]

No começo de 1969, a esquerda armada ganhou um reforço importante, com a adesão de Carlos Lamarca, um capitão do Exército. Lamarca, que era membro do clandestino VPR, fugiu do quartel de Quitaúna, em Osasco (SP), onde servia, levando consigo uma grande quantidade de armas. As ações mais comuns foram os assaltos a bancos, chamadas “expropriações”, que visavam a obter recursos para financiar a luta e a sobrevivência dos grupos.

5. A Junta Militar

Para complicar ainda mais a política nacional, no dia 28 de agosto de 1969, o presidente Costa e Silva foi vitimado por uma trombose cerebral e não pôde mais continuar governando. Deveria ter sido substituído por Pedro Aleixo, um civil que era o vice-presidente. Mas sua posse foi vetada pelo “partido fardado”. No dia 31 de agosto, mais um ato institucional – o de número 12 - foi decretado, determinando que uma Junta Militar, formada pelos três ministros militares, assumisse o governo provisoriamente.

Nessa época, os grupos armados de esquerda intensificaram as ações políticas mais audaciosas. Apenas quatro dias depois da posse da Junta, dois grupos de esquerda (ALN e MR-8) sequestraram o embaixador dos Estados Unidos, e em troca da vida dele exigiram a libertação de 15 presos políticos.[3] Os guerrilheiros esperavam ganhar a simpatia do povo e consequentemente fortalecer-se para derrotar o regime militar.

Mas aconteceu o contrário: o regime militar se fortaleceu ainda mais. Com base no AI-5, baixou leis ainda mais duras. Um exemplo foi a pena de banimento, que seria aplicada a todos aqueles que, no entendimento do regime militar, representassem um perigo à segurança nacional. Os primeiros banidos foram justamente os presos trocados pelo embaixador norte-americano. Outro exemplo foi a introdução da pena de morte para ser aplicada em certos casos envolvendo a segurança nacional.

Junto com as leis mais duras, o regime recorreu aos órgãos de repressão. Uns já existiam, outros foram criados naquela época. Alguns órgãos se tornaram conhecidos pelas siglas, que ganharam fama pelo terror que inspiravam. Entre eles, destacaram-se o DOPS, a OBAN e o DOI-CODI, responsáveis por prisões, torturas, mortes e desaparecimentos de presos políticos.

A vitória do regime militar foi favorecida também pelo bom desempenho na área econômica. A inflação havia caído drasticamente, ao mesmo tempo em que a economia retomava o crescimento, puxado pelo setor industrial e pela construção civil. Essa fase da economia, que se iniciou em 1968, foi denominada de “milagre brasileiro”.

Em outubro, Costa e Silva ainda estava vivo, mas já estava claro que ele não poderia mais voltar ao governo. (Ele faleceu no dia 17 de dezembro de 1969.) Diante dessa situação, a Junta Militar declarou vagos os cargos de presidente e vice-presidente da República. E providenciou a eleição de novos governantes.

Nesse momento, o assunto já vinha sendo debatido no interior das Forças Armadas, e alguns nomes eram cogitados. No fim prevaleceram os nomes do general Emílio Garrastazu Médici e do almirante Augusto Rademaker, para os cargos de presidente e vice-presidente, respectivamente. Esse mandato deveria durar de 30 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974.

Mas era preciso revestir essa escolha de um mínimo de legitimidade, e para isso os nomes dos dois militares foram formalmente confirmados pelo Congresso Nacional, especialmente reaberto para essa finalidade (pois estava fechado desde dezembro de 1968). Oito dias antes da reunião do Congresso, a Junta Militar decretou, sob o título de Emenda Constitucional, uma nova Constituição.

No dia marcado para a eleição, o MDB compareceu ao Congresso Nacional, mas em protesto não tomou parte na votação, e isso era o máximo que o único partido de oposição podia fazer.






[1] Não confundir com a Aliança Nacional Libertadora (ALN), que existiu em 1935, à qual pertenceu o líder tenentista e (depois) comunista, Luís Carlos Prestes.
[2] Um guerrilheiro que participou da luta no Araguaia é José Genuíno, conhecido líder do Partido dos Trabalhadores (PT)..
[3] O sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick, foi narrado no livro O que é isso companheiro, escrito por um dos sequestradores, Fernando Gabeira. Posteriormente, foi tema de um filme, com o mesmo título, dirigido pelo cineasta Bruno Barreto.

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