segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O  GOVERNO  DE  JUSCELINO  KUBITSCHEK
(1956-1961)

Juscelino era formado em medicina, mas encontrou na política sua verdadeira vocação. Trazia a experiência de prefeito de Belo Horizonte e de governador de Minas Gerais. Tinha um estilo dinâmico e sua administração se caracterizou sempre pelas grandes realizações.

O governo de Juscelino, ou JK, como ficou conhecido, é lembrado, nos dias de hoje, como um dos poucos que deu certo no Brasil. Em seu governo, diz-se, a democracia funcionou, a economia cresceu, a vida cultural foi intensa, e até no futebol o Brasil foi campeão mundial. Deixou uma imagem tão positiva que, até hoje, quando um político quer parecer moderno e progressista, toma JK como modelo.

1. O Programa de Metas

Juscelino aproveitou estudos que já vinham sendo desenvolvidos, desde anos anteriores, na elaboração do seu programa de governo, que foi batizado com o sugestivo nome de Plano de Metas. De fato, reunia uma série de “metas” - trinta e uma, ao todo -, que privilegiava o setor industrial (os setores de energia, transportes e indústrias de base), apenas mencionava a agricultura e a educação, e ignorava a saúde. Era tipicamente um programa desenvolvimentista, e ia permitir um esforço bem sucedido, sob a tutela estatal, para promover um crescimento acelerado da indústria nacional.

2. A construção de Brasília

A meta-símbolo do programa de Juscelino era a construção de Brasília, a nova capital. A obra se justificava tendo em vista o que ela representaria como instrumento de integração territorial e de ocupação do interior despovoado. Não é por outro motivo que a transferência da capital para o interior do país já era, na verdade, uma ideia muito antiga. Já havia sido proposta, na época da Independência, por José Bonifácio e depois figurou no texto da primeira Constituição republicana (1891). JK soube perceber a força propagandística que teria a construção de uma nova capital.

O projeto foi rapidamente aprovado pelo Congresso Nacional, que, todavia, parecia não acreditar que a ideia fosse levada à frente. Mas houve aqueles que discordaram da ideia da nova capital. Em primeiro lugar, os funcionários públicos federais, que teriam de deixar o conforto do Rio de Janeiro, e transferir-se para um local distante, no interior do país. A UDN também não gostou. Segundo Boris Fausto, os udenistas alegavam “que a iniciativa era demagógica, resultando em mais inflação e no isolamento da sede do governo”.[1] Brasília, porém, não só foi construída, como o foi em ritmo acelerado, com projetos do arquiteto OscarNiemeyer e do urbanista Lúcio Costa. Como se fora “uma flor solitária”, em pleno planalto central brasileiro, Brasília foi inaugurada no dia 21 de abril de 1960.

3. A política de industrialização

Juscelino havia feito sua campanha prometendo “Cinquenta anos em cinco”. Quer dizer: “Cinquenta anos de progresso em cinco anos de governo”. A rigor, ele não cumpriu a promessa. Nem poderia. Mas ninguém discorda que seu governo promoveu um rápido crescimento da economia brasileira, principalmente da indústria, cuja produção, como um todo, cresceu em 80%. Os resultados mais significativos ocorreram nos ramos da indústria de aço (100%), mecânica (125%), de eletricidade e comunicações (380%) e de material de transporte (600%)...

Outra importante realização do governo JK foi a instalação da indústria automobilística no país, pois até então, essa indústria era de pequena importância no Brasil. Para conseguir esses resultados, Juscelino contou com a boa vontade dos investidores, aos quais ofereceu, além do mercado consumidor e da facilidade para a importação de maquinarias, outras vantagens: aos nacionais, créditos, e aos estrangeiros, possibilidade de remessa de lucros.

Juscelino deu início a um programa de investimentos públicos, procurando modernizar e ampliar adequadamente a infraestrutura de transporte e energia. Fez uma clara opção pelo transporte rodoviário (20 mil km de rodovias e apenas 826 km de ferrovias). Construiu várias usinas hidrelétricas e siderúrgicas, deixando outras em construção. Com isso, JK criou condições necessárias para o estabelecimento das grandes empresas estrangeiras, principalmente as automobilísticas.
Em pé no fusca conversível, sorridente como era de seu estilo, Juscelino
acena para a multidão, inaugurando a fábrica da VW em São Bernardo
do Campo, em 1955.

Coincidentemente, nessa época, combinavam-se duas tendências que vinham favorecer o desenvolvimentismo de Juscelino. De um lado, começava a expansão de um novo setor de consumo no mercado brasileiro, o setor de bens de consumo duráveis (automóveis, eletrodomésticos); de outro, iniciava-se uma nova fase de expansão do capitalismo internacional, dirigindo investimentos aos países subdesenvolvidos. E o Brasil apresentava boas perspectivas, pois já era um grande mercado  e oferecia, a preços baixos, matéria-prima e mão-de-obra.

4. O nacionalismo-desenvolvimentista

O governo JK se enquadrava no modelo nacionalista-desenvolvimentista, já estudado anteriormente. Seu nacionalismo, porém, diferia, em vários aspectos, daquele de Getúlio: era mais desenvolvimentista do que nacionalista: não fazia críticas aos EUA, nem criava restrições ao capital estrangeiro. Ao contrário, facilitou a vinda de capitais estrangeiros para o Brasil. Juscelino parecia acreditar que a relação entre país desenvolvido e país subdesenvolvido era uma relação de inferioridade e não de exploração.

A ideologia nacionalista de JK insistia na ideia de que era “destino do Brasil tomar o caminho do desenvolvimento” e adotava a proposta da CEPAL de que a industrialização era necessária para superar o subdesenvolvimento. Brasília aparecia, simbolicamente, como a “capital da esperança”, emoldurando o quadro ideológico do discurso nacionalista.

O nacionalismo de Juscelino não o impedia de abrindo o país ao capital estrangeiro. Essa nova posição refletia o esgotamento da capacidade interna de financiamento da industrialização, que vinha sendo feita, sobretudo com capitais nacionais. À ação estatal e à empresa nacional, JK acrescentou o capital privado estrangeiro. Em outras palavras, com JK, o nacionalismo-desenvolvimentista reuniu três elementos fundamentais: a ação estatal, a empresa privada nacional e o capital estrangeiro.

JK inaugurou, assim, uma nova fase no modelo brasileiro de industrialização, a fase do “desenvolvimento associado” (quer dizer, associado ao capital estrangeiro). Essa nova fase, que representava um passo em direção à internacionalização da economia e seria largamente implementado durante o regime militar, iniciado em 1964.

5. Habilidade para obter apoio e lidar com a oposição

Juscelino era um típico político do PSD de Minas Gerais - o “PSD mineiro” era conhecido por sua linha conciliadora - e tinha uma natural habilidade para obter apoio de todas as classes. Tinha atrativos para oferecer a cada uma:

·         para a burguesia nacional, oferecia crédito fácil e garantia o mercado interno, com medidas restritivas às importações;
·         para os produtores rurais, oferecia apoio financeiro e garantia de preços, e não os ameaçava com “reforma agrária”;
·         para os trabalhadores, oferecia reajustes salariais e oferta de empregos.


O setor mais difícil de agradar era a classe média, por causa dos aspectos censuráveis que acompanhavam o desenvolvimentismo, em particular a corrupção e o favoritismo político, denunciados pela oposição. Entretanto, a classe média não se sentia ameaçada em seu status social. JK não misturava seu nacionalismo-desenvolvimentista com o populismo de esquerda, que anteriormente servira de motivo para aproximar a classe média aos militares antigetulistas.

Juscelino fez um apelo especial aos intelectuais, especialmente àqueles mais sensíveis aos argumentos nacionalistas. Nesse sentido, deve destacar-se o papel do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), um centro de pesquisa e ensino voltado para os problemas brasileiros, sediado no Rio de Janeiro.

JK demonstrou também grande habilidade para lidar com os militares, que tanto trabalho haviam dado a Getúlio Vargas. Atendeu aos pedidos de aumento de salários e de recursos para a compra de equipamentos. Além disso, adotou uma postura anticomunista e de alinhamento com os aliados tradicionais do Brasil. Seu nacionalismo era, portanto, centrista e não incluía ataques aos EUA, nem ao imperialismo.

No Congresso Nacional, JK contava com o importante apoio da coligação PSD-PTB, o que lhe garantia ampla maioria. Aos políticos recalcitrantes, o presidente tinha muito que oferecer nas barganhas. A tradicional oposição antigetulista, formada pela UDN e pela grande imprensa, não chegava a criar problemas.

6. Relações de JK com os EUA

Desde o início, Juscelino Kubitschek se esforçou para manter boas relações com as autoridades e os investidores privados americanos, já que isso era importante para seu programa de industrialização. Na área da Guerra Fria, não ocorreu nenhum fato novo que criasse situações diplomáticas delicadas. Convém lembrar que a Revolução Cubana não produziu efeitos durante seu governo.

Juscelino chegou a propor ao governo americano a formulação de um programa de desenvolvimento para a América Latina, envolvendo questões tais como acordos de preços de produtos primários e empréstimos públicos de longo prazo. Esse programa, batizado de OperaçãoPan-Americana, não chegou a ser implementado, mas serviu de inspiração para os EUA lançarem, mais tarde, com idênticos propósitos, a Aliança para o Progresso, que, todavia, não teve vida longa.

7. O retorno da inflação

O ponto fraco do programa econômico de JK era o financiamento. No início, esperava-se obter recursos das exportações. Porém, a deterioração da balança de pagamentos comprometeu essa fonte e foi preciso recorrer à emissão de moeda. A inflação voltou a crescer no primeiro semestre de 1958. Começaram as pressões dos credores externos e do FMI.

Fundo Monetário Internacional (FMI) foi criado no final da Segunda Guerra Mundial, com a finalidade de auxiliar a expansão do comércio mundial, assegurar a cooperação financeira internacional e a estabilização das taxas de câmbio.
Os países-membros fornecem uma reserva da qual, em determinadas condições, podem sacar para cumprir compromissos externos durante períodos de dificuldades. Nestes casos, o FMI exige, dos países que solicitam ajuda, a adoção de certas medidas de caráter monetaristas, típicas do modelo neoliberal.

Era, portanto, necessário tomar medidas antiinflacionárias. Mas, Juscelino, espertamente, esperou passar as eleições parlamentares daquele ano para iniciar entendimentos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e adotar um programa de estabilização da moeda.

As medidas de estabilização propostas pelo FMI são sempre medidas monetaristas. E, como já ficou dito anteriormente, essas medidas têm o inconveniente de provocar a redução do crescimento econômico e o aumento do desemprego. O plano ficou a cargo de Lucas Lopes (ministro da Fazenda) e Roberto Campos (BNDE).  O acordo com o FMI era importante, pois dele dependia a liberação de um empréstimo pelo governo americano.

Nos primeiros meses de 1959, o governo começou a aplicar medidas de austeridade, com as conhecidas consequências:

·         redução do crédito - desagradou os empresários;
·         diminuição na compra do café excedente - os cafeicultores reclamaram;
·         redução nos subsídios do petróleo e do trigo - a população urbana protestou.

            Enfim, ninguém gostou. E isso é normal, pois todo programa de combate à inflação implica em medidas recessivas e, portanto, impopulares (como estamos vendo agora, em 2015, no governo Dilma Roussef).

As críticas da oposição começaram a encontrar repercussão. A esquerda criticava a rendição ao FMI e denunciava Lucas Lopes e Roberto Campos como porta-vozes do capitalismo norte-americano. Sentindo a oposição interna crescer, JK deu uma virada espetacular: rompeu com o FMI e demitiu a dupla Lopes-Campos, Considerou que seu governo já ia muito adiantado para iniciar um programa de estabilização e deixou o problema da inflação para o sucessor, como fariam muitos presidentes depois dele. Essa atitude tolerante com a inflação, por parte de nossos governantes, fez com que a inflação se tornasse uma praga muito resistente no Brasil.

8. Balanço do governo JK

Juscelino teve suficiente habilidade política para contornar as crises e pôde passar a faixa presidencial ao seu sucessor no final de seu mandato. Além de Dutra, ele foi o único a conseguir essa proeza, durante a República Populista (1945-1964).

Além de inaugurar Brasília, abrir estradas, construir hidrelétricas e outras realizações, JK conseguiu um grande crescimento da economia, como mostra a tabela abaixo.

Taxas de crescimento da economia (1958-1964)
Ano
Crescimento do PIB (total)
inflação (%)
1958
7,7%
24,4
1959
5,6%
39,4
1960
9,7%
30,5
1961
10,3%
47,8
1962
5,3%
51,6
1963
1,5%
79,9
1964
2,9%
92,1
Fontes: Wanderley G. dos Santos (coord.), Que Brasil é este? Rio de Janeiro, UPERJ/Vertice, 1990, p. 38.

Esse crescimento, entretanto, agravava velhos problemas brasileiros: disparidades regionais, defasagem entre setores arcaicos e modernos da economia, manutenção da miséria no campo e sua ampliação nas grandes cidades, concentração da renda, clientelismo, corrupção.

A inflação era um caso particularmente grave, por ter efeitos mais sensíveis e imediatos. Ao final do governo JK, a inflação chegava a 30,5%, contra uma taxa de 13,5% prevista no Plano de Metas.

Contudo, é inegável que Juscelino deixou o governo com grande prestígio popular e com muitas chances de voltar à presidência numa próxima eleição, o que não foi possível devido à implantação das eleições indiretas pelo regime militar. Juscelino faleceu num acidente automobilístico na Via Dutra, em 1976, quando tinha 74 anos de idade.

  





[1] Fausto, Boris. Op. cit., p. 430.

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