segunda-feira, 26 de outubro de 2015

GOVERNOS COLLOR E ITAMAR (1990-1994)


Fernando Collor de Mello tomou posse em condições muito diferentes das de seu antecessor, pois, tendo sido eleito diretamente pelo povo, tinha a legitimidade que faltava ao presidente anterior. Ele era o primeiro presidente, em 30 anos, que saia vitorioso das urnas, porquanto as últimas eleições diretas haviam se dado em 1960. Havia, pois muita expectativa em torno de seu governo. Mas é interessante registrar que Collor formou seu governo com os mesmos políticos que havia criticado durante a campanha, pois lá estavam políticos do PDS, do PFL, do PTB etc.

O PMDB e o PSDB ficaram de fora do governo, mas prometeram um apoio crítico. Já o PT e o PDT colocaram-se ostensivamente na oposição, desde o primeiro instante.

No momento em que Collor assumiu o governo, toda a nação esperava que o novo presidente resolvesse o problema da inflação, que havia atingido índices insuportáveis. Por isso, em seu discurso de posse, o novo presidente prometeu derrubá-la com um tiro certeiro da “única bala” de que dispunha. O tiro veio no dia seguinte, com o anúncio do Plano Collor.

1. O Plano Collor

O novo plano contra a inflação, como era o costume, já vinha sendo preparado sigilosamente, há algum tempo, pela ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello (apesar do nome, não tinha nenhum parentesco com o presidente), e por seus principais auxiliares Antônio Kandir, secretário de política econômica, e Ibrahim Eris, no importante cargo de presidente do Banco Central. Todos os três eram ilustres desconhecidos.
Em linhas gerais, o plano previa, entre outras, as seguintes medidas:

  • Uma reforma monetária, com a substituição do cruzado novo pelo cruzeiro, sem o corte de zeros;
  • retenção dos ativos financeiros (aplicações, conta corrente, poupança) de pessoas físicas e jurídicas, para serem devolvidos a partir de setembro do ano seguinte, em doze parcelas mensais;
  • novamente congelamento de preços e salários, com reajustes pré-fixados mensalmente.


Além disso, o governo aumentava impostos, elevava os preços das tarifas públicas, fechava empresas estatais, reduzia o funcionalismo (os considerados excedentes foram colocados em disponibilidade), etc. Eram medidas muito duras, principalmente o confisco do dinheiro, que criava dificuldades para todos, em especial as empresas, que ficaram sem meios para saldar seus compromissos imediatos (pagamento de dívidas e salários) e com dificuldades de crédito. Nem o regime militar havia ousado tanto.

Nos meses seguintes, o Plano Collor foi remendado várias vezes, com novos congelamentos, aumentos dos juros.  Mas apesar dos sacrifícios que impôs à nação, ele não alcançou o objetivo pretendido. A economia entrou em recessão, o desemprego cresceu e, apesar disso, a inflação continuava resistindo. A conclusão inevitável era a de que a nação fizera, inutilmente, um enorme sacrifício. Collor conseguiu desagradar a todos. Como disse a economista Maria da Conceição Tavares: “O problema desse governo é que ele mata os ricos de raiva e os pobres de fome”.

Efeitos perversos do Plano Collor. Em 1991, 2,5 milhões de trabalhadores perderam o emprego. O salário-mínimo, que valia US$ 63, em janeiro, caiu para US$ 40, em dezembro. E a inflação acumulada no ano chegou a 460%.

2. O processo de desestatização e de abertura da economia

No início do governo Collor, entrou em vigor o Programa Nacional de Desestatização, aprovado pelo Congresso Nacional. Teve início o controvertido processo de privatização, com a venda de empresas estatais, transferindo-as para o setor privado. A favor da privatização, argumentava-se a que:

  • o Estado não dispunha de recursos para financiar os altos investimentos exigidos para manter a competitividade das empresas estatais;
  • a necessidade do dinheiro da venda das empresas para equilibrar as contas do setor público;
  • a possibilidade de atrair investimentos de capitais externos, através da participação de empresas estrangeiras no processo de privatização. 


Ao mesmo tempo, teve início a redução gradativa dos impostos de importação e, portanto, a abertura do mercado brasileiro para produtos importados. Justificava-se a medida, sob o argumento de que a entrada mercadorias estrangeiros obrigaria as empresas nacionais a aumentar a eficiência e, consequentemente, baixar os preços.

Essas medidas tinham uma importância muito maior do que parece à primeira vista. Elas significavam a ruptura com o antigo modelo da industrialização por meio da substituição de importações. Este modelo consistia basicamente em proteger a indústria nacional da concorrência dos produtos estrangeiros, mediante altas taxas alfandegárias. Havia sido definitivamente estruturado nos tempos de Getúlio Vargas e levado ao grau máximo pelo regime militar, particularmente no governo do presidente Geisel. Com base nesse modelo, o Brasil se tornara uma as dez maiores economias do mundo. Mas também foi responsável pelo círculo vicioso da inflação.

Em 1990, o governo Collor rompeu com essa tradição e partiu para o neoliberalismo, adotando a privatização e a abertura da economia. Evidentemente, essa novidade, que mudava bruscamente uma política econômica de muitas décadas, foi combatida, na época. Os partidários do nacionalismo econômico criticaram as medidas liberais, por estarem levando à falência as indústrias nacionais, provocando o desemprego e atentando contra a soberania nacional.

É preciso lembrar duas medidas, sem dúvida, positivas, do governo Collor: uma delas foi a assinatura de um acordo de não proliferação nuclear com a Argentina; e outra foi o cancelamento de um programa de produção de armas nucleares que os militares brasileiros estavam desenvolvendo clandestinamente.[1]

3. O impeachment do presidente

Collor foi rapidamente perdendo o apoio da população, não só por causa do fracasso do plano, mas também em virtude do envolvimento de alguns ministros em casos de corrupção. No início de 1992, Collor promoveu uma importante mudança em seu governo e afastou alguns nomes mais criticados. Entre os novos ministros, a figura de destaque era o diplomata e banqueiro Marcílio Marques Moreira, nomeado ministro da Fazenda. Apesar dessa mudança, continuaram as denúncias de corrupção dentro do governo, alcançando a inclusive o próprio presidente da República e sua mulher.

Denúncias mais graves foram fornecidas por Pedro Collor, irmão do presidente, à revista Veja, em maio de 1992. Na entrevista que concedeu, ele denunciou a existência de um esquema de corrupção dentro do governo, comandada por Paulo César Faria, amigo pessoal e tesoureiro de campanha de Fernando Collor, em 1989. O Congresso Nacional instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias. O trabalho da CPI teve ampla cobertura da imprensa e foi acompanhado por diversas entidades representativas da sociedade brasileira, e logo todos ficaram sabendo que dentro do governo atuava uma verdadeira quadrilha.

Collor tentou reagir e conclamou a população a sair à rua, vestida de verde e amarelo, em sinal de apoio ao presidente. Mas o tiro saiu pela culatra. O povo realmente saiu às ruas, mas para protestar contra o que estava acontecendo no país. Foi particularmente importante a atuação dos estudantes, os “caras pintadas”, exigindo a saída de Collor e a punição dos corruptos.


Nas ruas, o povo pede a saída de Collor.
Em outubro, a Câmara dos Deputados aprovou um pedido de impeachment (impedimento) do presidente, que foi enviado para o Senado, a quem cabia o julgamento final. Durante o julgamento, Collor teve de afastar-se do cargo, que foi assumido interinamente pelo vice-presidente, Itamar Franco.

No dia 29 de dezembro, o Senado iniciou a votação do impedimento, cuja aprovação era dada como certa. Antes que isso acontecesse, Collor renunciou à presidência, na esperança de escapar da condenação final. Porém, o Senado prosseguiu o julgamento e condenou Collor por 76 votos contra apenas 5. Incurso em crime de responsabilidade, ele teve os direitos políticos cassados por oito anos. Mas o julgamento pelo Congresso Nacional tinha efeitos apenas político. Quanto aos crimes comuns, o julgamento ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal. Se fosse condenado, iria para a cadeia, mas Collor foi absolvido por falta de provas.

4. O governo Itamar Franco e o Plano Real

No dia 29 de janeiro, Itamar Franco foi oficialmente empossado. Embora tivesse ficado à margem dos escândalos que tomaram conta do governo Collor, Itamar Franco chegava enfraquecido à presidência. Afinal, o mandato ia pela metade e já começavam as especulações em torno da sucessão.

A situação econômica do país continuava se agravando. Os ministros da Fazenda sucediam-se no cargo, mas o problema da inflação parecia sem solução. A situação mudou bruscamente com a nomeação de Fernando Henrique Cardoso (FHC) para o Ministério da Fazenda. Até aquele momento, ele ocupava o ministério das Relações Exteriores.

Ao assumir o novo cargo, FHC reuniu uma equipe de economistas de prestígio. Essa equipe seria responsável pela elaboração de um novo plano para derrubar a inflação. Diferentemente dos anteriores, o novo plano – denominado Plano Real - não foi elaborado em segredo. Desde o começo, FHC anunciou que não haveria congelamentos de preços e nem confisco de dinheiro. Prometeu que a população teria conhecimento prévio de todas as medidas que fossem adotadas, o que de fato aconteceu.

Foram criadas, sucessivamente, duas novas moedas: primeiramente, o Cruzeiro Real e depois o Real. A primeira era ainda uma moeda fraca, que continuava se desvalorizando com a inflação. Mas a segunda – o Real – foi criada para ser uma moeda forte (em relação ao dólar). E para garantir que o Real não seria contaminado pela inflação, foi criada uma moeda de transição - a URV (unidade referencial de valor) – que cumpriu com êxito seu papel, e foi um dos fatores importantes do sucesso do plano.

Outros fatores foram: a abertura do país para produtos estrangeiros, o que impediu o desabastecimento e manteve os preços baixos; a grande reserva de divisas, permitindo pagar as importações; a confiança que FHC transmitia ao mercado, em virtude da credibilidade de que gozava como político e intelectual. Contou, também, a experiência acumulada dos planos anteriores, pois entre os técnicos que formularam o Plano Real, alguns haviam participado da elaboração do Plano Cruzado.
 Plano Real, finalmente o país conseguiu domar a inflação.


Como era de esperar, em virtude do fracasso dos planos anteriores, o Plano Real foi recebido com desconfiança e também recebeu muitas críticas. Mas a desconfiança logo deu lugar ao otimismo com relação à nova moeda. É interessante registrar que o Plano Real fez mais do que derrubar a inflação. Seu sucesso deu a Fernando Henrique Cardoso uma grande popularidade, que viabilizou sua candidatura a presidente da República, nas eleições que se realizaram nesse ano de 1994.





[1] Cf. Skidmore, Thomas. Uma história do Brasil. São Paulo, Paz e Terra, 1998, p. 306-307. 

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