quinta-feira, 22 de outubro de 2015

GOVERNO  DO  PRESIDENTE  MÉDICI

(1969-1974)


 O terceiro presidente da  República, após o início do regime militar, foi o gaúcho Emílio Garrastazu Médici. Seu período de governo coincidiu com a fase mais dura da repressão. São os chamados “anos de chumbo”. Coincidiu também com os melhores índices de crescimento da economia obtidos pelo governo militar.

Uma promessa não cumprida.


1. Começo e fim da luta armada

Um fato marcante do governo Médici foi a vitória do regime sobre a luta armada. Não é difícil apontar as razões dessa vitória, e algumas delas já foram adiantadas.

Uma foi o aperfeiçoamento dos órgãos encarregados da repressão, que, protegidos pelo caráter ditatorial do regime, puderam recorrer aos métodos mais violentos. Outra foi o sucesso que o governo vinha obtendo na política econômica, dando origem ao chamado “Milagre Brasileiro”, que lhe garantiu o apoio popular, pelo menos por alguns anos.

Essas e outras razões levaram os grupos armados a se distanciarem dos anseios da população e, à medida que se isolavam, iam sendo liquidados.

Já em novembro de 1969, caiu o mais importante líder da luta armada, Carlos Marighella. Ele foi atraído para uma emboscada, montada pelos policiais no centro da capital paulista, e ali morreu fuzilado dentro de um fusca. O segundo nome mais importante foi Carlos Lamarca. Perseguido implacavelmente, Lamarca fugiu para o mais longe que pôde, e foi parar no sertão da Bahia, e ali foi alcançado e liquidado.

A partir desse momento, restaria apenas um grupo político importante ainda tentando a luta armada. Tratava-se de um foco guerrilheiro montado na região do rio Araguaia, no estado do Pará, pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B). Combatidos por forças militares, os guerrilheiros comunistas foram liquidados, e em 1975 a luta estava encerrada.
Cartaz utilizado pelo  regime militar no combate à luta armada


2. O “Milagre Brasileiro”

O período que vai de 1968 a 1973 ficou conhecido como o “milagre brasileiro”. Nesses anos, combinaram-se duas coisas positivas. De um lado, a inflação se manteve baixa, ficando na média anual de 17%; de outro lado, houve um grande crescimento da economia, puxada pelo avanço acelerado do setor industrial.

A evolução do Produto Interno Bruto (PIB) alcançou taxas elevadas, registrando, no período, a média anual de 10%. Esses números espetaculares fizeram a fama de Delfim Netto, o todo-poderoso ministro da Fazenda. Vários fatores contribuíram para o “milagre”:

  • Um deles foram as medidas tomadas anteriormente no governo Castello Branco, que prepararam o terreno para que Delfim Netto aplicasse sua receita “milagrosa”.
  • A grande oferta de capital nos países desenvolvidos. O Brasil, cuja economia estava em crescimento, se tornou um mercado atrativo, e os capitais afluíram em grande quantidade, tanto na forma de empréstimos públicos, como na forma de investimentos diretos.
  • A expansão das exportações, setor que recebeu muitos incentivos governamentais. Nessa perspectiva, até um slogan foi criado, e dizia: “Exportar é o que importa”. As exportações não apenas cresceram, mas também se diversificaram.


Um bom exemplo disso foi o que aconteceu com o café. A exportação desse produto, que havia representado mais da metade de todas as exportações brasileiras antes de 1964, havia caído para 37%, no período 1965-67, e para 15%, nos anos 1972-75.[1] A diversificação das exportações incluía cada vez mais produtos manufaturados, refletindo a crescente industrialização do país.

Mas os números positivos – divulgados pela imprensa e explorados pela propaganda do governo – constituíam apenas um lado do “milagre”. Havia, porém, o outro lado, o lado negativo, representado

  • pela crescente concentração da renda, reforçando uma das mais cruéis características da sociedade brasileira,
  • pela contínua queda no poder de compra do salário mínimo, que atingiu seu ponto mais baixo justamente no último ano do governo Médici. Para se ter uma ideia do real significado desse problema, eis alguns dados fornecidos pelo DIEESE: dando-se um índice 100 para o salário mínimo de 1940 (quando foi criado), esse índice passou a ser o seguinte, durante o governo Médici: 1969: 68; 1970: 69; 1971: 66; 1972: 65; 1973: 59; 1974: 54.[2]


Essa situação era consequência da política econômica do regime militar, que teve no ministro Delfim Netto um de seus principais executores. Ele comparava a distribuição da riqueza a um bolo, e dizia que primeiro, era preciso fazer o bolo crescer, para depois pensar em distribuí-lo. O problema é que o bolo cresceu (e continua crescendo), mas ele nunca é distribuído. Aos pobres sempre sobram apenas as migalhas.

A economia brasileira tornou-se a oitava ou a nona maior economia do mundo, mas a riqueza continuava extremamente concentrada. É por isso que o Brasil conseguiu tornar-se um país industrializado, conservando, no plano social, as piores características de um país subdesenvolvido. O próprio presidente Médici, em plena era do “milagre”, numa visita ao Nordeste, vendo o grande número de miseráveis, declarou: “A economia vai bem, mas o povo vai mal.”

3. O apogeu do regime militar

Ao mesmo tempo em que intensificava a repressão aos grupos armados de esquerda, o regime militar, no tempo do presidente Médici, procurou ganhar a simpatia popular através da propaganda. Esta era feita através dos meios de comunicação, principalmente através da televisão.

Nesse tempo, muitas famílias já possuíam um aparelho de TV, cuja aquisição fora facilitado pela ampliação do sistema de crediário. Mas também o rádio, os jornais e o cinema foram utilizados. Os símbolos nacionais, a música e o cinema foram largamente explorados para difundir uma ideologia que associava o regime militar a valores positivos como patriotismo, segurança nacional e desenvolvimento.

Procurava-se por todos os meios difundir a mística do Brasil como grande potência. E até o esporte ajudou nesse esforço. Em 1970, a seleção brasileira conquistou o tricampeonato mundial de futebol, disputado no México. O povo comemorava cantando uma marchinha que fez grande sucesso, Pra frente Brasil.

Era a época em que os brasileiros que haviam conseguido comprar um carro, e estavam satisfeitos com o regime, colavam no vidro traseiro um adesivo com os dizeres: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Nas eleições que se realizaram nesse ano (1970) para o Congresso Nacional, o partido do governo, a ARENA, obteve uma ampla vitória. Elegeu 40 senadores, contra apenas 6 do MDB, e para a Câmara o governo conseguiu eleger 220 deputados e a oposição, apenas 90. Mas houve muitas abstenções e um número muito grande de votos nulos.

4. A resistência legal ao regime

Havia, contudo, os que denunciavam as violências praticadas pelo regime militar. Um dos principais focos de resistência e de denúncia era a Igreja, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O próprio papa, falando no dia 21 de outubro de 1970, referindo-se ao Brasil, disse: “As torturas, isto é, os métodos policiais cruéis e desumanos para extorquir confissões dos lábios dos prisioneiros, devem ser condenadas totalmente”. [3]

Também o MDB, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) deram importante contribuição, através da denúncia e do protesto. Mas o alcance era pequeno, em virtude da censura imposta a toda a imprensa. Os jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, submetidos à censura prévia, entre 1972 e 1975, substituíam as notícias censuradas por versos de Camões e por receitas de bolo. Alguns músicos populares fizeram sua parte, destacando-se Geraldo Vandré (Pra não dizer que não falei de flores) e, principalmente, Chico Buarque (Apesar de Você, Acorda amor e tantas outras), compondo canções que tiveram grande aceitação popular.

A propósito, depois do sucesso da canção Apesar de você, que foi posteriormente proibida, a censura passou a proibir qualquer canção que fosse do Chico Buarque. O compositor, então, inventou um autor, Julinho da Adelaide, e passou a atribuir-lhe a autoria de várias músicas. Uma delas foi Acorda amor. E assim driblou a censura.

Se, internamente, a imprensa estava sob censura e não podia publicar notícias desfavoráveis ao governo, no Exterior, jornais e publicações especializadas relatavam com detalhes as notícias das violências praticadas pelo regime militar. Em 1970, a Comissão Internacional de Juristas denunciou o Brasil pela violação dos direitos humanos no tratamento que dava aos presos políticos.


5. A sucessão de Médici

Para a sucessão de Médici, o “partido fardado” indicou o nome do general Ernesto Geisel. O MDB, desta vez, atreveu-se a lançar uma candidatura de oposição. O MDB sabia que ela não tinha nenhuma chance, mas serviria para a oposição fazer uma campanha nacional e denunciar a falta de democracia e os problemas decorrentes do modelo econômico. Como candidatos, o MDB lançou os nomes de Ulisses Guimarães e do jornalista Barbosa Lima Sobrinho, para os cargos de presidente e vice-presidente, respectivamente. A eleição, indireta, realizada em janeiro de 1974, não apresentou surpresas, confirmando o nome do general Ernesto Geisel para a presidência da República.





[1] Cf. Fausto, Boris. Op. cit., p. 486.
[2] Apud Mendonça, Sonia R. e Fontes, Virginia Maria. História recente do Brasil. 1964-1980. São Paulo, Ática, 1991, p. 67.
[3] Silva, Hélio. Os presidentes. Emílio Médici. São Paulo: Grupo de Comunica’~ao Três, 1983, p. 41.


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