sexta-feira, 16 de outubro de 2015

GOVERNO  DE  GETÚLIO  VARGAS (1951-1954)


  Getúlio iniciou seu novo governo no dia 31 de janeiro de 1951. O país que ele encontrava agora era muito diferente do que ele havia governado anteriormente. Para começar, a população brasileira havia chegado a 52 milhões (era de 33,5 milhões, em 1930). A industrialização e a urbanização haviam dado maior importância a três grupos sociais: empresariado industrial, o operariado e a classe média. Isso significava que a sociedade estava mais claramente dividida, e as classes sociais tinham agora maior consciência de seus interesses. O país era uma democracia, com muitos partidos e com total liberdade de imprensa. Os debates políticos eram mais intensos e as pressões, muito maiores. Governar uma sociedade assim ia ser um grande desafio, mesmo para um político de grande experiência como Getúlio Vargas.
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Vargas formou um ministério conservador, com predomínio do PSD. E justificou essa composição alegando que precisava de apoio no Congresso Nacional, o que ele não teria se buscasse elementos apenas nos partidos que o indicaram (PTB e PSP). E o PSD era o maior partido político não só no Congresso Nacional, mas em todo país.

1. A política econômica do governo Vargas

Com o retorno de Vargas à presidência, o governo brasileiro retomou o propósito deliberado de promover a industrialização do país, que havia sido abandonado no governo Dutra. Efetivamente, em setembro de 1951, o ministro da Fazenda, Horácio Lafer, anunciou um plano econômico com duração de cinco anos “de reabilitação econômica e reaparelhamento industrial”. Previa grandes investimentos em indústria de base, e em transporte e energia, setores que se achavam defasados.

Para viabilizar esse plano e gerenciar os recursos, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, hoje BNDES), com a função de orientar a aplicação dos recursos nos setores considerados prioritários. O governo contava com recursos próprios e com a vinda de capitais externos, para financiar os investimentos.

No Exterior, com a aprovação dos Estados Unidos, foram obtidos créditos do Banco Mundial e do Eximbank, cujo montante poderia chegar a 500 milhões de dólares, para aplicação nos setores básicos (energia, transportes, portos, etc.). Mas o governo de Getúlio recebeu apenas uma pequena parte desse crédito. O restante foi suspenso porque logo surgiram problemas entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos.
Vargas preferia empréstimos e financiamentos públicos, isto é, feitos pelo próprio governo, pois ele via com restrições os investimentos diretos feitos por capitais particulares estrangeiros. Ele próprio declarou, certa vez, que iria "facilitar o investimento de capitais privados estrangeiros, sobretudo em associação com os nacionais, uma vez que não firam interesses políticos fundamentais do nosso país".[1]

Quanto aos recursos internos, um dos meios a que o governo recorreu para obtê-los foi o chamado confisco cambial. Era um mecanismo através do qual o governo pagava aos exportadores de café, pelo dólar recebido, um valor menor do que o oficial. Em outras, o governo aplicava de 35% sobre o preço do produto. Essa diferença ficava em poder do governo e era utilizada para financiar o setor industrial. Os cafeicultores ficaram descontentes com a medida e fizeram seguidos protestos contra ela.

2. Um presidente nacionalista

Desde o final do Estado Novo, Getúlio vinha assumindo uma postura nacionalista cada vez mais radical. Num discurso pronunciado em dezembro de 1951, Getúlio criticou as excessivas remessas de lucros para o exterior, feitas pelas empresas estrangeiras. E já no mês seguinte, emitiu um decreto que impunha um limite de 10% para as remessas de lucros que as empresas faziam para o exterior. Essa medida afastava os investidores estrangeiros e por isso nunca pôde ser aplicada com rigor. Mas a denúncia feita por Vargas fortaleceu a latente hostilidade da opinião pública contra o capital estrangeiro.

Mas foi no campo da energia que o nacionalismo de Vargas se manifestou de maneira mais visível. Em dezembro de 1951, o presidente enviou ao Congresso um projeto de lei para a criação da Petrobrás, para atuar na área de petróleo. Esperava-se que uma empresa nacional, estatal, deixaria o país tranquilo quanto ao abastecimento de petróleo, sem ficar na dependência das empresas multinacionais.

O projeto original de Vargas - ao contrário do que muita gente pensa - não previa o monopólio estatal. Este foi incorporado depois, quando o projeto estava tramitando no Congresso Nacional.
Estudantes participando da campanha O petróleo é nosso.


A discussão da Petrobrás e do monopólio estatal dividiu a opinião pública. Os nacionalistas (ou “progressistas”, como se auto-intitulavam) defendiam o projeto com o slogan “O petróleo é nosso”. A Petrobrás era combatida pelos conservadores, que foram acusados de “entreguistas”. Quer dizer, que queriam “entregar” as riquezas nacionais aos estrangeiros. Mas o apoio popular foi tão grande que o projeto foi finalmente aprovado (Lei 2004, de 3 de outubro de 1953), com votos até da UDN, um partido ideologicamente contrário ao nacionalismo e ao monopólio!

Outras propostas nacionalistas de Vargas despertaram grande polêmica, destacando-se o projeto de criação da Eletrobrás, que não chegou a ser aprovado em virtude de haver encontrado grande oposição dos conservadores. Enfim, o que estava em jogo era o confronto entre as duas estratégias de desenvolvimento, estudadas no capítulo anterior.

3. Problemas de Vargas com os EUA

No início de seu governo, Vargas demonstrara estar interessado em manter boas relações com os EUA. Mas uma série de problemas acabaria dificultando as relações entre os dois países. Um desses problemas, talvez o pior de todos, foi o “aquecimento” da Guerra Fria. Em junho de 1951, o Brasil recebeu um pedido da ONU para enviar soldados para combater os comunistas da Coréia do Norte que haviam invadido a Coréia do Sul. Os EUA pressionaram o Brasil para que atendesse ao pedido, e até fizeram ofertas de ajuda econômica, como havia acontecido em 1941-1942. Mas, dez anos depois, a situação política no Brasil era outra. Havia a disputa entre nacionalistas e liberais, inclusive dentro das forças armadas. E a ajuda pretendida pelos Estados Unidos não foi atendida.

Outro problema foi a vitória do Partido Republicano nos EUA, nas eleições de 1952. A nova administração (Eisenhower e Richard Nixon), empossada no início de 1953, não aprovava a ajuda aos países em desenvolvimento na forma de empréstimos públicos. A consequência disso foi uma drástica redução dos créditos que o Brasil ainda esperava receber.

O terceiro problema foi a defesa dos preços do café praticada pelo governo brasileiro, que provocou uma reação dos EUA na forma de boicote ao produto brasileiro.

4. Problemas de Vargas com os militares

A relação de Vargas com a área militar era muito delicada e para entendê-la é preciso lembrar dois componentes ideológicos dominantes entre os militares brasileiros, que ganharam muita importância com o advento da Guerra Fria: o anticomunismo e o apoio à causa dos EUA.

Daí seguia-se que os militares tinham maior identificação com o modelo liberal (pró-EUA), ainda que não concordassem com todos os pontos. Essa era a posição dominante entre os militares brasileiros, mas convém ressalvar que havia uma ala que se identificava com o nacionalismo varguista, mas ela era minoritária.

É preciso lembrar ainda que tinham sido os militares que haviam deposto Vargas, em 1945. E, embora não vissem com bons olhos seu retorno ao poder, em 1951, estavam dispostos a tolerá-lo e adotaram a atitude de “esperar para ver”. Aos poucos, contudo, a convivência pacífica entre Vargas e os militares se deteriorou e, por fim, evoluiu para a hostilidade.

Para isso contribuíram algumas posições do presidente, destacando-se o populismo e a aproximação cada vez maior com os sindicatos, dominados muitas vezes por lideranças comunistas; a recusa em enviar tropas para o conflito na Coréia; o espaço dado aos militares nacionalistas; e as denúncias de corrupção.

Os militares conservadores, ao mesmo tempo em que se fortaleciam nos quartéis, caiam, cada vez mais, sob a influência de Carlos Lacerda (1914-1977), um político de direita, em rápida ascensão dentro da UDN. Lacerda utilizou todo seu grande talento de jornalista e de orador para combater o governo de Getúlio

5. A reforma ministerial de 1953

Em meados de 1953, a situação se agravou para o governo Vargas. Um deles era o custo de vida que vinha aumentando rapidamente, conforme se pode ver na tabela abaixo:

Tabela 6. Inflação no Brasil (1944-1954)
Ano
Inflação (%)
Ano
Inflação (%)
1945
14,9
1950
12,4
1946
14,6
1951
12,3
1947
9,0
1952
12,7
1948
5,9
1953
20,6
1949
8,1
1954
25,8
Fonte: Fundação IBGE. Apud Munhoz, Dércio Garcia. In: História Econômica do Brasil Contemporâneo. São Paulo, Editora Hucitec, 1997, p. 270.

Enquanto isso, o salário-mínimo, decretado oficialmente em 1943, permanecera congelado até dezembro de 1951, quando teve um pequeno reajuste. Os que mais sofriam com o aumento do custo de vida eram os trabalhadores, justamente o setor ao qual Getúlio queria agradar. Coincidentemente, no primeiro semestre de 1953, havia ocorrido uma série de lutas reivindicatórias na área trabalhista, culminando na grande “Greve dos Trezentos Mil”. O aumento do custo de vida também desagradava a classe média, um setor muito sensível aos argumentos da oposição.

Vargas sentiu, então, necessidade de promover uma mudança no ministério, que estava desmoralizado e não tinha nenhuma sintonia com sua pregação nacionalista e trabalhista. No Ministério da Justiça, entrou o político mineiro Tancredo Neves. Mas as mudanças mais importantes se deram nos ministérios da Fazenda e do Trabalho. Para o primeiro, Getúlio chamou o experiente Osvaldo Aranha, seu velho companheiro desde os tempos da Revolução de 1930. Para o Trabalho, trouxe seu conterrâneo JoãoGoulart, um jovem político com prestígio no PTB, e que exercia influência na estrutura sindical. Esta indicação mostrava que Vargas queria fortalecer sua posição junto aos trabalhadores, o que lhe daria condições políticas para por em prática medidas de combate à inflação.

Mas essa era uma manobra arriscada, uma vez que Goulart não era bem visto pelos setores conservadores (incluindo os militares), que consideravam Goulart um agitador e demagogo.

6. Começa a crise

A reforma ministerial só fez agravar as dificuldades de Vargas. No aspecto econômico, o déficit da balança de pagamentos piorava. E a causa disso era o declínio nas exportações de café, provocado pelo boicote dos importadores norte-americanos, em represália aos altos preços praticados pelo Brasil. O custo de vida continuava subindo, criando uma situação difícil para Vargas: o combate à inflação exigia redução dos gastos públicos e restrição ao crédito. Isso inevitavelmente aumentaria o desemprego e, portanto, iria desagradar sua base popular de sustentação política.

O programa de estabilização da moeda estava, entretanto, na dependência de uma decisão que vinha sendo estudada no Ministério do Trabalho. Havia um entendimento generalizado de que o salário mínimo precisava de um reajuste. O empresariado esperava que esse reajuste não fosse superior ao aumento do custo de vida. Pois, se isso acontecesse, o aumento do salário teria de ser repassado aos preços, estimulando a inflação. O Conselho Nacional de Economia recomendava um reajuste de 40%.[2] Mas os boatos que começaram a circular davam a conhecer que o Ministério do Trabalho ia propor um aumento de 100% no salário-mínimo, as oposições intensificaram seus ataques.

No setor civil, a oposição era conduzida pela UDN e por alguns partidos menores. O principal porta-voz da UDN era Carlos Lacerda, que dirigia o jornal Tribuna da Imprensa. Na área militar, as coisas não iam melhor para Vargas. No dia 20 de fevereiro de 1954, começou a circular o Manifesto dos Coronéis, assinado por 81 oficiais superiores, fazendo críticas ao governo e revelando que, nos quartéis, o descontentamento havia aumentado.

Apesar das pressões em contrário, dois dias depois, o Ministério do Trabalho confirmou o aumento de 100% no salário-mínimo.  A consequência foi imediata, e uma torrente de críticas desabou sobre o presidente, que teve de demitir João Goulart.

À medida que a oposição conservadora apertava o cerco pela direita, Vargas se voltava para a esquerda, em busca de apoio. Radicalizando seu compromisso com o nacionalismo, denunciou a espoliação do país pelo capital estrangeiro e encaminhou ao Congresso o projeto que criava a Eletrobrás. Nas comemorações do dia Primeiro de Maio desse ano, no discurso que fazia tradicionalmente nessa data aos trabalhadores, Vargas confirmou o reajuste de 100% no salário mínimo.

7. O suicídio

Depois de derrubar o ministro João Goulart, a oposição passou a dirigir seus ataques diretamente ao presidente, pedindo seu afastamento. Os ataques mais agressivos partiam de Lacerda. Foi, então, que alguns amigos de Vargas pensaram em eliminar o jornalista, recorrendo a um pistoleiro. O atentado foi cometido na noite de 5 de agosto, no momento em que Lacerda chegava ao prédio em que morava, na rua Tonelero. No episódio, conhecido como o “atentado da rua Tonelero”, Lacerda sofreu apenas um ferimento no pé, mas morreu seu guarda-costas, o major da Aeronáutica Rubens Vaz da Costa. (Veja neste blog o artigo “O atentado da rua Tonelero, publicado no dia 17 de julho de 2014.)

Esse fato lamentável complicou de maneira irremediável a posição do presidente. Imediatamente, o Ministério da Justiça abriu um inquérito. Mas a Aeronáutica começou sua própria investigação, que apontou o chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato, como o mandante do atentado e revelou que ele mantinha muitas ligações com o mundo do crime. Chocado com as revelações, Vargas chegou a comentar: “Tenho a impressão de me encontrar sobre um mar de lama”, expressão que ganhou grande destaque na imprensa, e deu mais força aos que queriam tirar Vargas da presidência.

Vieram sucessivos manifestos militares (primeiro da Aeronáutica, depois da Marinha e por último do Exército), pedindo a renúncia do presidente. O vice-presidente, Café Filho, fez o jogo dos golpistas: em discurso no Congresso, propôs que ele e Vargas renunciassem. Vargas demorava para reagir e o cerco se fechava rapidamente.

Na noite de 23 de agosto, Vargas reuniu pela última vez seu ministério para discutir a crise. Concordou em tirar uma licença. Essa decisão foi comunicada aos chefes militares reunidos no Ministério da Guerra. Mas os militares não aceitaram o afastamento temporário e insistiram na renúncia.

Amanhecia o dia 24, quando essa última exigência chegou ao Palácio do Catete. Getúlio, porém, preferiu dar ao drama um final diferente: suicidou-se com um tiro no coração. Além de um bilhete, escrito na última hora, Getúlio deixava uma carta, explicando as razões de seu gesto, logo batizada de “Carta-testamento”.

Trechos da Carta-testamento de Getúlio Vargas:

“Mais  uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim.
“Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes...
“Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado...
“Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calunia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”.






[1] Apud Skidmore, Thomas. Brasil: de Getúlio... Op. cit., p. 126.
[2] Skidmore, Thomaz, Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, p. 171.

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