sexta-feira, 9 de outubro de 2015

CANGAÇO E CANGACEIROS NO BRASIL

O Brasil da República Velha era um país dominado pelo atraso, pelo analfabetismo, pela miséria de uma grande parte da população e por uma desigualdade social monstruosa. Para as vítimas dessa situação uma saída era procurar refúgio na religião; outra revoltar-se, sabendo de antemão que a derrota era inevitável. Havia ainda outra saída para esses desamparados de qualquer proteção pelo poder público. E qual era? Essa alternativa era o cangaço, que foi um fenômeno típico do Nordeste brasileiro.

Canga, cangaço, cangaceiro - comecemos pelas palavras. “Canga” é a peça que, passando pelo pescoço do boi, prende-o ao carro ou arado. Por analogia, designa o armamento passado sobre os ombros do indivíduo. Este, que vive “sob a canga” ou “debaixo do cangaço, é o “cangaceiro”.

Não se deve, porém, confundir o cangaceiro com o “jagunço”. A diferença entre eles é bem clara. O jagunço, ou capanga, era um dependente do “coronel”, a quem prestava serviço militar, em troca de algum benefício.

Ao contrário, o cangaceiro, ou “cabra”, era independente. Eventualmente, o cangaceiro, mediante um acordo, podia pôr-se a serviço de um “coronel”, mas, nem por isso, perdia sua independência de ação. Certos “coronéis” (espontaneamente ou não) ofereciam refúgio aos cangaceiros em suas terras. Esses locais eram chamados de “coutos” ou “valhacoutos”, e o dono da terra era o “coiteiro”. 

Embora se possam encontrar descrições de cangaceiros desde o início do século XIX, o certo é que o ciclo do cangaço teve início por volta de 1870, num momento em que o Nordeste vivia as consequências da grande seca de 1866-1868. E se prolongou até 1940, tendo atuado em praticamente todos os estados nordestinos. Mas os cangaceiros agiram de preferência nas áreas mais pobres do sertão, controladas por “coronéis” mais fracos e decadentes.

Os cangaceiros inventaram uma maneira típica de se vestir. Esse da foto
era Corisco, o principal cangaceiro do bando de Lampião.

1. Antônio Silvino

Os mais famosos cangaceiros foram Antônio Silvino e Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. O primeiro, cujo nome verdadeiro era Manoel Batista de Moraes, dominou os sertões por dezoito anos (1896-1914). Tinha 21 anos quando o pai foi assassinado. Resolvido a fazer justiça com as próprias mãos, foi autor de alguns crimes antes de ingressar no grupo do cangaceiro Luís Mansidão. Com a morte deste, Silvino torna-se o chefe do bando, que chegou a contar com 60 homens. Adota um estilo próprio de cangaço. “Quando assaltava uma localidade, em geral dava um passeio de braço dado com o prefeito ou delegado de polícia. Em seguida fazia a bolsa, isto é, coletava o dinheiro no comércio e distribuía entre os pobres e os componentes do bando”.[1]
A carreira de Antônio Silvino acabou em 1914,quando ele foi ferido e preso. Julgado, foi condenado a 30 anos de prisão. Faleceu em 1944, aos 79 anos de idade.

2. Virgulino Ferreira da Silva

O mais famoso dos cangaceiros nasceu em 1900, no interior de Pernambuco, numa família de pequenos proprietários rurais. Disputas entre famílias adversárias resultaram na morte do pai. Virgulino, então com 20 anos, acompanhado de três irmãos ingressaram no cangaço, e dois anos depois já era o chefe do bando.

Em 1926, ele foi chamado a Juazeiro, a cidade do PadreCícero. O objetivo era armá-lo para dar combate à Coluna Prestes. Ele entrou em Juazeiro, acompanhado de 40 homens, recebeu uma falsa patente de capitão do exército, armas e munição. Depois de receber a bênção do padre, retirou-se, prometendo regenerar-se.

Mas ele nunca se defrontou com a Coluna. Certa vez, quando os homens da Coluna passavam perto do local onde ele se ocultava, um de seus homens lhe perguntou por que não atirava contra a Coluna, conforme prometera aos chefes políticos de Juazeiro. Lampião teria respondido: “Ah! menino. Isto aqui é meio de vida. Se eu fosse atirar em todos os macacos que eu vejo, já teria desaparecido”.[2] Macaco era o termo utilizado pelos cangaceiros para referir-se aos soldados.

Lmpião e sua companheira, Maria Bonita
Vale a pena registrar a grande a presença de mulheres no bando de Lampião. Mas nem por isso sua atuação deixou de se caracterizar pela extrema crueldade, como ficou registrado na literatura de cordel. “Lampião é um bandido/ de muita perversidade/ no lugar onde ele passa/ vai deixando orfandade...”, escreveu o poeta João Martins Athayde.[3]

Depois da Revolução de 1930, inauguraram-se novos tempos no Brasil. O fortalecimento do Estado levou-o a intensificar o combate aos grupos armados, que insistiam em desafiar o “monopólio da violência” inerente ao poder estatal. Os interventores nomeados por Getúlio Vargas iniciaram um processo de desarmamento dos “coronéis” e de combate aos cangaceiros. Com isso, para Lampião, o “Rei do Cangaço”, os dias de estavam contados. De fato, em junho de 1938, ele foi surpreendido e morto, e seu bando quase desapareceu. Seu lugar-tenente, Corisco, teve o mesmo fim dois anos depois. Esse fato encerrou o ciclo do cangaço.





[1] Dória, Carlos Alberto. O cangaço. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 51.
[2] Facó, Rui. Cangaceiros e fanáticos. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1983, p. 66.
[3] Apud Dória, Carlos Alberto. Op. cit., p. 59.

Nenhum comentário:

Postar um comentário