terça-feira, 6 de outubro de 2015

A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA


Os acontecimentos históricos nunca acontecem de uma hora para a outra. Sempre exigem um certo tempo de evolução e de amadurecimento. É por isso que, quando o Marechal Deodoro e seus companheiros proclamaram a República, em 1889, esse ideal já era antigo de pelo menos um século no Brasil.

1. A idéia republicana no Brasil

Podemos, efetivamente, localizar as primeiras manifestações do ideal republicano no país ainda no final do século XVIII, nos primeiros movimentos de Independência, a saber, a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana. Posteriormente, foi retomado em muitas revoltas e revoluções ocorridas em diversas partes do Brasil. A última delas foi a Revolução Praieira, ocorrida em Pernambuco, em 1848.

Mas, por volta de 1850, com a estabilização econômica e política do país, o regime monárquico, dirigido pelo imperador D. Pedro II, consolidou-se e a idéia republicana foi posta de lado.
Vinte anos depois, ao final da Guerra do Paraguai (1864-1870), foi lançado, no Rio de Janeiro, o Manifesto Republicano, dando início a uma campanha pela introdução da nova forma de governo. O Manifesto Republicano contava com 58 (ou 57, segundo alguns) assinaturas e foi publicado pelo jornal A República, no dia 3 de dezembro de 1870. 

Nesse documento, os republicanos:
a)     condenavam a manutenção dos privilégios (de religião, de raça, etc.), isto é, “de todas as distinções arbitrárias e odiosas”, criadoras de desigualdades sociais.
b)    responsabilizavam a Monarquia pelas guerras em que o país havia se envolvido.
c)     criticavam a centralização político-administrativa, responsabilizando-a por todos os males do país.
d)    propunham justamente o contrário, isto é, a descentalização (federalismo), que estivera presente em todas os movimentos revolucionários ocorridos no Brasil.
e)     responsabilizavam a Monarquia pela falta de democracia e pelo atraso do Brasil.

E concluíam, afirmando: “Somos da América e queremos ser americanos”, referindo-se ao fato de o Brasil ser a única Monarquia no continente. O Manifesto teve importante papel histórico, ao desencadear, pela primeira vez no Brasil, uma campanha republicana. Em seguida ao Manifesto, foi fundado, em 1871, no Rio de Janeiro, o Partido Republicano. Nos anos seguintes, surgiram clubes e jornais republicanos em quase todas as províncias. Mas foi na Província de São Paulo, na Convenção de Itu (1873), que nasceria o mais forte de todos, o Partido Republicano Paulista (PRP). Sua força decorria do fato de que ele reunia elementos da poderosa classe dos cafeicultores do Oeste paulista.



Figura 1. Convenção de Itu, 1873.

O movimento republicano, embora de maneira lenta, difundiu-se pelo país, principalmente junto à população urbana, à medida que cresciam as cidades. A nascente classe média urbana via na República uma forma de ter direito de voto e de poder participar da vida política do país. O progresso da campanha republicana foi favorecido pelo desgaste da Monarquia perante três setores importantes: a Igreja, os donos de escravos e os militares.

1) O problema com a Igreja, conhecido como Questão Religiosa, resultou de um conflito entre o governo e dois bispos católicos que, por desobediência às leis do Império, chegaram a ser presos e condenados (embora tenham sido, em seguida, anistiados). Esse conflito mostrava a inconveniência da união entre Igreja e Estado, que o Império fazia questão de conservar. E favorecia a causa dos republicanos, que tinham em seu programa a separação entre a Igreja e o Estado.

2) O conflito com os donos de escravos teve a ver com a aprovação da Lei Áurea (13/5/1888), que aboliu a escravidão, sem indenização para os proprietários. Muitos senhores, particularmente os do Vale do Paraíba, foram à falência e perderam suas terras hipotecadas. Descontentes, esses senhores desinteressaram-se da Monarquia. E até houve aqueles que aderiram ao movimento republicano; são os chamados “republicanos de 14 de maio”.

3) O conflito com os militares é muito mais importante por suas conseqüências posteriores. Conhecido por Questão Militar, o conflito consistiu numa série de atritos entre o governo monárquico e alguns militares graduados (tenente-coronel Sena Madureira, o capitão Cunha Matos e o marechal Deodoro da Fonseca, entre outros). A Questão Militar originava-se de três tipos de problemas.

I - O primeiro foi o fortalecimento do exército, a partir da Guerra do Paraguai (1864-1870). Até esse momento, essa força militar tinha pouco prestígio, menos do que a Guarda Nacional ou do que a Marinha. Mas durante a longa guerra contra o Paraguai, o Exército foi bem organizado e cresceu em número e prestígio. Com isso, os militares ganharam um novo status. Criaram o chamado “espírito de corpo”, isto é, uma mentalidade de que formavam um grupo com valores e objetivos próprios. Os militares passaram a achar que os civis, apegados aos interesses materiais, não eram os melhores para cuidar dos interesses da pátria. A partir daí, nascia a idéia da “missão salvadora” dos “cidadãos fardados”, que justificava a intervenção militar na vida política do país.

II - O segundo foi a difusão do positivismo entre o militares, feita por um pequeno grupo, liderado pelo  coronel Benjamim Constant Botelho de Magalhães. Essa propaganda era feita na Escola Militar, do Rio de Janeiro, responsável pela formação da oficialidade do exército.

positivismo foi uma filosofia fundada, na França, por Auguste Comte (1798-1857), e teve uma relativa divulgação no Brasil, a partir da década de 1870. Propugnava pelo desenvolvimento da ciência e do progresso, pelo respeito à autoridade e contra os abusos do individualismo. Politicamente, era favorável à existência de um governo ditatorial, sob a forma republicana, o que o  levava a uma concordância de ponto de vista com o militarismo nascente no Brasil. E coube ao tenente-coronel Benjamim Constant, professor da Escola Militar, divulgar o positivismo no seio da jovem oficialidade do Exército. É de inspiração positivista o lema “Ordem e Progresso”, estampado na bandeira brasileira.

III - O terceiro problema era constituído pelas queixas corporativas dos militares, tais como baixos soldos, demora nas promoções, ausência de pensões para os mutilados, viúvas e órfãos da guerra do Paraguai.[1]

Para agravar as coisas, muitos políticos do Império, e o próprio imperador, nunca revelaram simpatia pelo militarismo e nem viam necessidade de um exército forte em tempos de paz.


Essa sucessão de problemas - o atrito com a Igreja, com os militares, com os donos de escravos e o movimento republicano - fez com que, aos poucos, a Monarquia fosse perdendo apoios e ficando cada vez mais isolada. Por causa disso, o governo imperial sentiu que precisava fazer mudanças, como forma de esvaziar a propaganda republicana e nomeou, em junho de 1889, AfonsoCelso de Assis Figueiredo, um político moderado do Partido Liberal, para o cargo de presidente do Conselho de Ministros.

O novo ministro, mais conhecido pelo título de nobreza, visconde de Ouro Preto, apresentou à Câmara dos Deputados um amplo programa de reformas que previa a liberdade religiosa, autonomia para as províncias, fim do caráter vitalício do Senado, liberdade de ensino, aumento do crédito para a produção, entre outras. Acreditava que, com essas mudanças, pudesse anular a pregação dos republicanos. De fato, a historiadora Emília Viotti da Costa conta que, ao conhecer as reformas propostas por Ouro Preto, um deputado exclamou: “É o começo da República”. Ao que lhe respondeu o ministro: “Não, é a inutilização da República”.[2]

Porém, a Câmara dos Deputados não aprovou as reformas propostas. Diante disso, o imperador, usando o Poder Moderador, dissolveu-a e convocou novas eleições. Esperava que a nova Câmara, que deveria reunir-se no dia 20 de novembro, compreendesse a necessidade das mudanças e as aprovasse. Mas... a República chegou antes!


Os planos de Ouro Preto foram frustrados pelos republicanos que, nessa época, tramavam um golpe contra a Monarquia. O Clube Militar, reunido nos dias 8 e 9 de novembro de 1889, sob a presidência de Benjamim Constant, iniciou articulações tendo em vista a derrubada da Monarquia, no que foi logo apoiado por civis republicanos. No dia 11, numa reunião realizada na casa do Marechal Deodoro, este aceitou chefiar a revolta. Seu apoio era importante, pois era o oficial de maior prestígio no Exército. Na reunião estavam presentes os militares Benjamim Constant e o Major Solon, e os civis Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo, Rui Barbosa e Francisco Glicério.

A revolta militar começou na madrugada do dia 15. Deodoro colocou-se no comando do movimento, embora estivesse adoentado. Com alguma dificuldade, montou em um cavalo e se dirigiu, com as tropas que se haviam revoltado, para o Quartel-General, onde se haviam refugiado Ouro Preto e outros ministros. Não houve resistência: o marechal Floriano Peixoto, que deveria defender o governo, recusou-se a obedecer as ordens de atirar contra os revoltosos. Suas tropas se confraternizaram com as de Deodoro, e este declarou deposto o Ministério. Pouco depois, a Marinha manifestou seu apoio ao golpe, através do almirante Eduardo Wandenkolk.

D. Pedro II, ao saber dos fatos, deixou Petrópolis, onde residia a maior parte do tempo e desceu para a cidade do Rio de Janeiro. Ainda tentou contornar a situação, com a formação de um novo ministério. Mas foi inútil. A Monarquia deixara de existir. De fato, naquela mesma tarde, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, foi proclamada a República. E, à noite, os líderes republicanos se reuniram e organizaram o Governo Provisório.

Ao longo de todos esses anos, a República brasileira teve uma vida política bastante tumultuada, apresentando momentos de continuidade e de descontinuidade. Com base nesses momentos, podemos estabelecer a seguinte cronologia desse período:

         Cronologia do período republicano:


1889-1930
República Velha, que dividimos em:
1889-1894 - República da Espada
1894-1930 - República Oligárquica
1930-1945
Governo Vargas
1945-1964
República Democrática/Populista
1964-1985
Regime Militar
1985- ...
O Brasil Contemporâneo





[1] Cf. Schulz, John. A crise financeira da abolição.  São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo: Instituto Fernand Braudel, 1996, p. 73.
[2] Costa, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo, Editorial Grijalbo, 1977, p. 325.

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