sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A  REPÚBLICA  VELHA  EM  CRISE  E  A  REVOLUÇÃO DE  1930


Passados trinta anos de sua fundação a República havia envelhecido. Dominada pelas oligarquias agrárias, ela havia sido incapaz de assimilar as profundas mudanças que ocorriam no país. Por isso, a partir de certo momento, mais exatamente, na década de 1920, os vícios da República Velha passaram a ser criticados cada vez com mais vigor, evidenciando a crise de um sistema que acabaria de vez em 1930.

1. A urbanização


Uma das mudanças mais visíveis, pela qual passava o país, era o crescimento da população urbana. Observemos, para fazer uma idéia, os dados da tabela abaixo:

Crescimento da população urbana (1890-1920)

1890
1920
Rio de Janeiro
522 651
1 157 000
São Paulo
64 934
579 000
Salvador
174 412
283 432
Fonte: Mendes Jr., Antônio e Maranhão, Ricardo.
Brasil - História. Texto e Consulta. República Velha. São Paulo, Brasiliense, 1983, v. 3, p. 334.

Além dessas três cidades, também Recife, João Pessoa, Porto Alegre e Natal, entre outras, duplicaram o número de seus habitantes entre 1900 e 1920. O crescimento das cidades representava uma contradição, ou seja, era um fator de enfraquecimento para a República Oligárquica, porque a população urbana estava menos submetida ao mandonismo dos “coronéis”.

Todas as cidades cresceram, mas o crescimento mais significativo se deu na capital do estado de São Paulo. A principal causa do crescimento populacional foi o afluxo de trabalhadores, oriundos em boa medida da Europa. A ferrovia foi outro fator de crescimento de São Paulo, propiciando a formação de bairros operários nas proximidades das estações e estimulando as atividades econômicas. Contribuiu, também, ao reforçar o papel da capital paulista como elo entre a região produtora de café e o porto de Santos. Nela se encontravam a sede dos maiores bancos e os principais empregos burocráticos. Outro fator importante foi o aumento do parque industrial que, justamente em São Paulo, como vimos, teve um crescimento mais rápido.

2. O surgimento de novas classes sociais

Ao mesmo tempo em que se dava o crescimento das cidades e da indústria, a sociedade ficava mais complexa, com o surgimento de novos grupos e classes sociais, que nem sempre encontravam espaço no esquema oligárquico, e passaram a apoiar e, até, a exigir mudanças políticas. É esse processo que vamos estudar em seguida. 

2.1. A burguesia industrial 

O crescimento do número de fábricas indica que se desenvolvia um novo setor da classe dominante, a burguesia industrial. De maneira simplificada, podemos dizer que burguesia é a classe social formada por donos de indústrias, de bancos e de grandes estabelecimentos comerciais, e seu desenvolvimento está ligado ao desenvolvimento do sistema capitalista. Ou seja, nos países capitalistas mais adiantados, à medida que o capitalismo se desenvolveu, acompanhando a expansão das fábricas, a burguesia se fortaleceu economicamente e acabou chegando ao controle do poder político. Isso representava uma mudança progressista, porque significava tirar do poder a elite agrária, uma força conservadora.

Em nosso país, porém, as coisas se passaram de maneira diferente. Afinal, o Brasil foi colônia de exploração, e, mesmo depois da Independência política (1822), manteve-se como país dependente economicamente. Por isso, entre nós, o capitalismo teve seu desenvolvimento retardado. Logo, também a burguesia brasileira se desenvolveu tardiamente, e, como vimos, ela surgiu em função da economia cafeeira. No início da República, período que estamos estudando, a burguesia era demasiadamente frágil e não tinha condições de se impor politicamente e tomar o poder. Ficava a reboque das oligarquias agrárias. E limitava-se a pressionar o governo para obter o que era de seu interesse imediato. Por exemplo, a desvalorização da moeda nacional, empréstimos ou adoção de taxas alfandegárias protecionistas.

Mesmo no final da República Velha, apesar do crescimento urbano industrial, a burguesia ainda não havia se fortalecido o bastante para se opor ao domínio das oligarquias com um projeto político burguês para o Brasil. Mas seu aparecimento contribuía para tornar mais complexa a sociedade, o que, de alguma forma, era um complicador para a dominação oligárquica. 

2.2. A classe média 

Com o desenvolvimento urbano-industrial, ocorreu também o crescimento da classe média, principalmente nas cidades maiores, formada por profissionais liberais, pequenos empresários, funcionários públicos, militares e empregados do setor de serviços em geral. A classe média era mais numerosa no Rio de Janeiro, que, sendo a capital do país, concentrava grande número de funcionários públicos, civis e militares. A classe média sofria muito com o aumento do custo de vida e com problema da falta de moradia. Como esses problemas também afetavam o operariado, às vezes essas duas classes se uniam em movimentos de protesto, como aconteceu na Revolta da Vacina.

A classe média, embora não se opusesse ideologicamente à República Oligárquica, sentia que “aquela não era a República dos seus sonhos”, e na expectativa de mudanças tendia a votar nos candidatos da oposição. Foi isso o que aconteceu nas eleições de 1910, 1922 e 1930, as únicas em que houve realmente disputa eleitoral, com alguma chance de vitória do candidato da oposição. Mas o sistema político montado pelas oligarquias, baseado no “voto de cabresto”, acabava prevalecendo, frustrando o desejo de mudanças através da via eleitoral, o que explica, em parte, algumas das revoltas ocorridas no período (Revolta da Vacina, revoltas tenentistas, etc.). 

2.3. O operariado 

Outra classe que ganhou importância social e política, com o crescimento urbano-industrial, durante a República Velha, foi o operariado (ou proletariado). Essa é a classe constituída dos trabalhadores das fábricas, das ferrovias, dos portos. Enfim, dos trabalhadores braçais urbanos.

Suas condições de vida e de trabalho eram muito ruins. Os salários eram baixos, e constantemente perdiam seu poder de compra por causa da inflação.  As jornadas de trabalho eram longas, geralmente mais de dez horas por dia, durante seis dias da semana. Diversos direitos trabalhistas, que conhecemos hoje, não existiam naquele tempo.

Além disso, era muito comum o emprego de mulheres e de crianças, cujos salários eram ainda menores do que os dos homens. Para mudar esse estado de coisas, era preciso organização e muita luta. Os trabalhadores conseguiram atingir algum grau de organização, principalmente na criação de sindicatos. Por ocasião da Primeira Guerra Mundial, havia centenas deles, mas funcionavam precariamente e nunca conseguiram abranger senão uma pequena parcela dos trabalhadores.

Em virtude da grande presença de imigrantes europeus (italianos, espanhóis, portugueses), difundiram-se, nos Brasil, as doutrinas socialistas. A mais difundida no seio do operariado em São Paulo foi o anarco-sindicalismo, uma variante do anarquismo, que fez muito sucesso na Europa e, com a imigração, difundiu-se na América e no Brasil, entre o final do século XIX e o começo do século XX.

O anarco-sindicalismo. No Brasil fez mais sucesso o anarco-sindicalismo, que destacava o sindicato como instrumento da ação libertadora do operariado. O meio para conseguir a transformação da sociedade seria a greve geral revolucionária. Portanto, para os anarco-sindicalistas, as reivindicações imediatas (aumentos de salários, por exemplo) eram apenas uma forma de mobilizar os trabalhadores, preparando-os para a grande ação revolucionária. O anarco-sindicalismo era mais forte em São Paulo, justamente onde era maior a presença dos trabalhadores estrangeiros, italianos principalmente.

Mas a luta e a organização dos trabalhadores não eram uma coisa fácil. Na verdade, os problemas eram muitos. Os trabalhadores, em geral, estavam dispersos por pequenas fábricas e os patrões faziam ”listas negras” dos trabalhadores mais combativos. A repressão e a vigilância nas fábricas eram grandes e até havia leis que autorizavam o governo a expulsar do Brasil trabalhadores estrangeiros “incômodos”. Além de tudo isso, o fato de muitos trabalhadores serem estrangeiros também criava dificuldades, pois havia rivalidades étnicas e diferenças de língua. (Uma interessante leitura sobre esse tema é o livro Anarquistas, graças a Deus, de Zélia Gattai)

3. A greve de 1917 

O momento de maior glória do movimento operário, durante a República Velha, se deu entre 1917 e 1920, quando uma onda de greves ocorreu nas grandes cidades do país, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. A causa imediata dessas greves foi a acentuada elevação do custo de vida, que se registrou na época, o que provocava, em consequência, a queda do poder aquisitivo dos salários. O ponto alto desse movimento grevista se deu na capital paulista, nos meses de junho e julho de 1917. No curso da greve, que chegou a paralisar toda a cidade, formou-se o Comitê de Defesa Proletária.

Os principais pontos do programa de reivindicações da greve de 1917 eram: aumento de salários, proibição do trabalho de menores de catorze anos, jornada de oito horas, pagamento de horas extras com acréscimo de 50%, fim do trabalho aos sábados à tarde, garantia de emprego, respeito ao direito de associação, medidas contra a carestia, redução dos aluguéis.


A greve se encerrou por um acordo com a mediação de um Comitê de Jornalistas. Houve um aumento de salários e promessas de que as demais reivindicações seriam atendidas. Mas o aumento salarial logo foi anulado pela inflação e quanto às promessas muito pouco saiu do papel. Em 1919, foi aprovada uma lei que regulamentava indenização por acidentes de trabalho; em 1925, mais duas leis: uma prevendo quinze dias de férias e outra limitando o trabalho de menores. Porém, essas leis nem sempre eram respeitadas e a lei de férias nem chegou a ser regulamentada, de maneira que os direitos trabalhistas teriam que aguardar ainda alguns anos para serem realmente adotados no país.

De qualquer forma, a partir de 1920, a onda grevista declinou. Veio a repressão, com as prisões, o fechamento de sindicatos e a expulsão do Brasil dos líderes operários estrangeiros. O movimento anarco-sindicalista rapidamente tendeu a desaparecer, e seu lugar foi ocupado pelos comunistas.

A fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB) Logo depois que os comunistas se tornaram vitoriosos na grande Revolução Russa, iniciada em 1917, partidos comunistas surgiram nos quatro cantos do mundo. No Brasil, um grupo de comunistas, vindos de diversas partes do país, se reuniram em Niterói, nos dias 25 a 27 de março de 1922, e fundaram o Partido Comunista do Brasil (PCB). Mas em seguida, o partido foi proibido pelo governo e teve de cair na clandestinidade.


Enfim, o que se quer mostrar, ao apontar essas mudanças sociais (o crescimento urbano industrial e o surgimento de novas classes sociais), é que elas criaram no país uma realidade que enfraquecia o domínio político das oligarquias. E foi nesse terreno que atuaram outros fatores que derrubaram a dominação oligárquica. Esses fatores foram o Tenentismo e a divisão das oligarquias, que veremos a seguir. 

4. O movimento tenentista 

Durante toda a República Velha, os militares haviam promovido muitas intervenções na vida política do país. Mas a década de 20 foi marcada por uma intervenção militar diferente e mais visivelmente combativa. Tratava-se do Tenentismo, um movimento de jovens oficiais do Exército que pretendia introduzir, pela força, mudanças na vida política do país. Era herdeiro de uma tradição, cujas origens podem ser encontradas nas pregações positivistas entre os militares, nos últimos anos do Império, passando depois pelo florianismo, no início da República.

O nome Tenentismo veio do fato de que a maioria dos seus participantes eram tenentes. Mesmo quando se tratava de um capitão ou mesmo de um general, desde que participassem do movimento, eram designados genericamente de “tenentes”.

O movimento tenentista nasceu de um descontentamento generalizado com o voto de cabresto, com as fraudes eleitorais e com outros procedimentos corruptos, que permitiam o domínio das oligarquias sobre a República. Os “tenentes” se consideravam os responsáveis pela salvação nacional, os defensores da pureza das instituições republicanas. Não acreditavam nos métodos democráticos, representados pelo voto universal e pelas eleições diretas, porque achavam que o povo, ignorante e passivo, era incapaz de lutar por seus próprios interesses. Caberia aos militares - aos “tenentes”, no caso - fazer as mudanças pela força das armas.

4.1. A Revolta do Forte de Copacabana (1922) 

Os tenentes promoveram várias revoltas. A primeira delas se deu em julho de 1922, logo após a eleição do mineiro Artur Bernardes para a presidência da República. Durante a campanha, havia surgido uma hostilidade entre Bernardes e os militares. A causa havia sido a publicação por um jornal do Rio de Janeiro de duas cartas consideradas injuriosas ao Exército, e cuja autoria era atribuída a Bernardes. Numa delas, ele se referia ao marechal Hermes da Fonseca como um “sargentão sem compostura” e fazia outras referências deselegantes aos militares, que consideraram essas cartas insultuosas.

Esse foi o conhecido episódio das “Cartas Falsas”, pois Bernardes negou ser o autor delas - o que foi provado mais tarde. Entretanto, naquele momento, o Clube Militar considerou verdadeiras as cartas. Para agravar as coisas, pouco depois o presidente do Clube Militar, o marechal Hermes da Fonseca, foi preso e próprio clube foi fechado. Nesse contexto de tensões exacerbadas, no dia 5 de julho de 1922, teve início a revolta tenentista em algumas unidades militares, no Rio de Janeiro, tendo no Forte de Copacabana seu foco mais significativo.

Os canhões do forte chegaram a disparar sobre alguns pontos da cidade, mas os revoltosos acabaram cercados, por terra e por mar. Na manhã do dia 6, apenas 28 militares ainda resistiam. Por fim, os últimos defensores do forte, em número de dezessete, saíram pela praia de Copacabana ao encontro das tropas governamentais. No caminho, um civil se juntou a eles. Na fuzilaria que se seguiu, morreram dezesseis. Sobreviveram os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes.[1]

Em novembro, Bernardes tomou posse na presidência, iniciando um governo que viria a ser o mais agitado da história da República Velha. Para se ter uma ideia da agitação do período, considere-se que dos 48 meses do mandato, ele passou 44 sob estado de sítio.

4.2. A Revolução Paulista de 1924 

A segunda revolta tenentista ocorreu em São Paulo, em julho de 1924, exatamente no segundo aniversário da revolta anterior. Foi liderada pelo general Isidoro DiasLopes e contou com a participação de figuras que se tornariam importantes posteriormente. Destacaram-se os irmãos Távora (Juarez e Joaquim), Eduardo Gomes, Estillac Leal e Miguel Costa.

O levante tinha o objetivo expresso de derrubar o presidente Bernardes, que, aos olhos dos “tenentes”, simbolizava as odiadas oligarquias. Os rebeldes dominaram a capital paulista até o dia 27, quando decidiram abandonar a cidade e seguir para o interior. Essa foi a “coluna paulista”, que se dirigiu para o Paraná e se fixou num lugarejo nas proximidades da foz do Rio Iguaçu, enquanto esperava outra coluna que vinha do Sul. Da união das duas forças revolucionárias, formou-se a Coluna Prestes, em abril de 1925.

4.3. A Coluna Prestes 

Esta constituiu a terceira e mais importante manifestação do movimento tenentista. Foi comandada pelo capitão Luís Carlos Prestes e pelo general Miguel Costa. Os revolucionários decidiram percorrer o Brasil para difundir a ideia da revolução e levantar a população contra as oligarquias. Segundo palavras do próprio Prestes, o objetivo da Coluna era desviar a atenção do governo para o interior do país, facilitando um levante na capital para derrubar Artur Bernardes e tomar o poder.

Deslocando-se constantemente, a coluna percorreu cerca de 25 mil quilômetros, durante dois anos. Enfrentou principalmente tropas formada pelas polícias estaduais e pelos “jagunços” dos “coronéis”, evitando os confrontos com tropas do Exército. A coluna nunca foi vencida, mas também não conseguiu seu objetivo. No início de 1927, após a saída de Bernardes, os revolucionários consideraram encerrada sua luta, e internaram-se na Bolívia, onde conseguiram asilo político.


A partir daí, os “tenentes” iriam dividir-se em duas correntes. Uma mais radical e outra mais moderada. A corrente moderada acabaria por aproximar-se das oligarquias que estavam na oposição (chamadas “oligarquias dissidentes”) e tomou parte na Revolução de 1930. Com a vitória da revolução, esta corrente organizou-se no Clube 3 de Outubro e exerceu grande influência no governo revolucionário pós-30.

Enquanto isso, a corrente mais radical, liderada por Luís Carlos Prestes, continuaria na oposição. Em 1930, da Argentina, onde se achava exilado, Prestes lançou um manifesto em que declarava sua adesão às ideias comunistas e justificava sua recusa em tomar parte na Revolução, considerando-a uma mera disputa entre oligarquias.

5. A divisão das oligarquias 

Outro fator de enfraquecimento da República Velha foi a divisão entre as próprias oligarquias e a consequente luta entre elas. É preciso lembrar, de início, que essas lutas eram “normais” dentro da lógica do sistema e não chegavam a colocar em risco a dominação oligárquica.

Mas desde 1922, ano da sucessão de Epitácio Pessoa, as divergências entre as oligarquias se aprofundaram. Nessa ocasião, o candidato da política do “café-com-leite” foi o mineiro Artur Bernardes. Mas os estados do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro se uniram contra a candidatura oficial, e lançaram um movimento de oposição, chamado Reação Republicana, indicando Nilo Peçanha para a presidência.

A oposição desenvolveu uma intensa campanha, procurando atrair o voto da população urbana, sempre mais receptiva às críticas ao governo. Propunha o combate à inflação e criticava a política de valorização do café, que favorecia principalmente o Estado de São Paulo.

Apesar de tudo, Bernardes venceu e tomou posse. Seu mandato, porém, foi agitado por lutas prolongadas. Para governar, Bernardes teve de recorrer ao estado de sítio durante a maior parte do tempo, conforme foi citado anteriormente.

As lutas oligárquicas mais dramáticas se deram no Rio Grande do Sul, onde teve início, em janeiro de 1923, uma sangrenta guerra civil que se arrastou por onze meses. De um lado, estava o governador Borges de Medeiros e seus aliados, e, de outro estavam as oposições unidas na Aliança Libertadora. Em dezembro desse ano, os adversários chegaram a um acordo, mas ainda assim as tensões persistiram até 1927, quando se deu a eleição de Getúlio Vargas para governador e sua eleição conduziu à pacificação do estado.

Enquanto no Rio Grande do Sul as forças políticas se uniam, em São Paulo, as divergências levaram à fundação, em 1926, do Partido Democrático, em oposição ao velho PRP. Seus quadros dirigentes constituíam-se de profissionais liberais de prestígio e de jovens provenientes de famílias tradicionais de São Paulo. O partido defendia o voto secreto e a moralização do sistema eleitoral e despertou a simpatia de uma parcela significativa da classe média. Chegou a reunir 50 mil nomes numa lista de apoio, sem, contudo, ameaçar o tradicional domínio político do PRP.

Mas a divisão mais importante, a divisão irremediável entre as oligarquias iria acontecer por ocasião das eleições de 1930, quando se deu a ruptura da política do “café-com-leite”. 

6. As eleições de 1930 e a formação da Aliança Liberal 

Washington Luís, paulista (paulista adotivo, pois era natural do Estado do Rio de Janeiro), que sucedera ao mineiro Artur Bernardes, deveria apoiar um candidato de Minas Gerais para as eleições de 1930. E, na verdade, o governador daquele estado, Antônio Carlos de Andrade, esperava que fosse sua vez no jogo da sucessão presidencial.

Washington Luís, todavia, insistiu em indicar Júlio Prestes, governador de São Paulo, como candidato oficial. É difícil entender por que Washington Luís tomava uma atitude tão temerosa. É possível que quisesse, como sucessor, alguém que garantisse a continuidade da política de estabilização da moeda que vinha seguindo.

Antônio Carlos de Andrada não aceitou ser passado para trás. Aliou-se a Borges de Medeiros, chefe político do Rio Grande do Sul, e a João Pessoa, governador da Paraíba e sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa. Lançaram a Aliança Liberal, um agrupamento político de oposição formado especialmente para disputar as eleições presidenciais. Foram indicados Getúlio Vargas e João Pessoa como candidatos a presidente e a vice-presidente, respectivamente.

A Aliança Liberal apresentou um programa que previa mudanças importantes. Entre elas, destacavam-se o voto secreto, a anistia política, o voto feminino, a regulamentação do trabalho da mulher e do menor, a jornada de trabalho de oito horas, a aplicação da lei de férias e o incentivo à produção nacional em geral e não apenas ao café. Como se vê, era um programa amplo, que pretendia agradar a população urbana, obter o apoio do movimento tenentista e também das oligarquias não ligadas ao café.

Apesar disso, as chances dos candidatos aliancistas eram mínimas, tendo em vista o maior número de apoios que a candidatura oficial conseguia reunir. A eleição realizou-se no dia 1º de março. O resultado foi o esperado: Júlio Prestes obteve 1.027.000 votos, contra 809.307 dados a Getúlio. Houve acusações de fraudes de ambos os lados, mas como isso fazia parte do jogo, a atitude inicial dos líderes aliancistas - Antônio Carlos de Andrada, Borges de Medeiros, Getúlio Vargas e João Pessoa - era no sentido de aceitar o resultado da eleição. 

7. Os preparativos da Revolução 

Nem todos os aliancistas, contudo, concordavam com essa atitude. Havia um setor mais radical que pretendia recorrer às armas para reverter a situação. Era formado por políticos mais jovens, tais como Osvaldo Aranha, Lindolfo Collor (avô de Fernando Collor, que foi presidente do Brasil), Francisco Campos e outros, que ficaram conhecidos como “tenentes civis”, assim chamados porque, embora civis, identificavam-se com os ideais reformistas dos militares.

Esse setor vinha mantendo contatos com os “tenentes” com o objetivo de lançar um movimento revolucionário. Muitos deles, tais como Juarez Távora, João Alberto, Siqueira Campos, que inclusive já haviam apoiado a Aliança Liberal, concordaram em tomar parte no movimento.

Essa posição não foi acompanhada por Luís Carlos Prestes, que liderava a ala mais radical do Tenentismo. De Buenos Aires, onde se encontrava exilado, desde o fim da “Coluna Prestes”, lançou, em maio de 1930, um manifesto em que se declarava comunista e contra uma revolução que seria feita pelas oligarquias.

A falta de apoio dos líderes aliancistas e o manifesto do Prestes esfriaram o entusiasmo revolucionário, e, em meados de 1930, eram poucos os que ainda acreditavam que a revolução pudesse ocorrer. Foi então que um acontecimento inesperado mudou completamente a situação. 

8. O assassinato de João Pessoa e o início da revolução 

No dia 26 de julho, João Pessoa, que havia sido candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, foi assassinado numa confeitaria, em Recife. O crime foi cometido por razões particulares, mas naquele momento foi explorado politicamente. A oposição culpou o presidente, já que o assassino pertencia a uma oligarquia ligada a Washington Luís. O corpo de João Pessoa foi trazido para o Rio de Janeiro e seu sepultamento reuniu uma grande massa.
Você deve ter notado a expressão "Presidente João Pessoa". Isso acontecia
porque na República Velha os governadores
tamém éra chamados de "presidentes".

A partir daí, o projeto revolucionário foi retomado pelos “tenentes” e os preparativos se aceleraram, recebendo o apoio dos chefes aliancistas. A posição das oligarquias dissidentes pode ser resumida na frase do líder político mineiro, Antônio Carlos de Andrada: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”.

Vamos entender essa frase: Antônio Carlos quis dizer que se a revolução fosse feita no nível das elites, apenas mudariam as elites dominantes; tudo o mais continuaria como sempre tinha sido (“mudar para deixar tudo como está”). Mas uma revolução que partisse do povo poderia derrubar do poder todas as oligarquias.

A revolução começou às 17h30min horas do dia 3 de outubro, simultaneamente no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais. E no Nordeste o movimento foi iniciado na madrugada do dia seguinte, a partir da Paraíba, sob o comando de Juarez Távora. Rapidamente, um a um, os estados foram caindo em poder dos revolucionários. O governo federal concentrou sua defesa no sul do Estado de São Paulo, nas imediações da cidade de Itararé, para impedir o avanço das tropas revolucionárias.

Mas a “Batalha de Itararé”, que deveria ser a maior da história da América Latina, nunca chegou a acontecer. Um pouco antes do conflito, veio a notícia de que o presidente Washington Luís havia sido deposto, no Rio de Janeiro, por uma junta militar, formada pelos generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e pelo almirante Isaías Noronha. A junta chegou a pensar em permanecer no poder, e até nomeou um ministério, mas acabou se rendendo às evidências e passou o governo a Getúlio Vargas, o chefe da revolução vitoriosa.

Getúlio tomou posse no dia 3 de novembro, exatamente um mês depois do início do movimento. Era o fim da República Velha. Começava uma nova fase na história do Brasil, aquela que seria chamada a Era de Getúlio Vargas.

9. O significado da Revolução de 1930 

O estudo feito nas páginas anteriores nos permite conhecer um pouco do funcionamento da República Velha, e, portanto, como era o Brasil naquele tempo, e nos capacita a melhor avaliar a importância da Revolução de 1930 e das mudanças que ela introduziu no país.

Em primeiro lugar, podemos dizer que, com o fim da República Velha, ocorreu uma troca da elite no poder. Acabou o domínio da política do “café-com-leite” e chegou ao fim a hegemonia política da oligarquia cafeeira de São Paulo. A elite que chegou ao poder era bastante heterogênea, reunindo as forças que haviam combatido o adversário comum.

Entre os vitoriosos, além dos velhos oligarcas (Antônio Carlos de Andrada, Borges de Medeiros, etc.), que pretendiam poucas mudanças no Brasil, encontramos os “tenentes” e jovens revolucionários (os chamados “tenentes civis”), que estavam sinceramente empenhados em promover mudanças mais profundas no país. Cabe ressaltar que a classe operária não tomou parte na revolução.

Em segundo lugar, porque fez nascer um novo tipo de Estado, caracterizado por uma maior centralização das decisões econômico-financeiras, bem como das decisões políticas. Isso significava reduzir drasticamente o grau de federalismo que predominara na República Velha.
Em terceiro lugar, o novo Estado distinguiu-se do antigo Estado oligárquico, na medida em que após 1930, a atuação estatal:

  • no aspecto econômico, estaria gradativamente voltada para a industrialização;
  • no campo social, procuraria dar proteção aos trabalhadores urbanos;
  • contaria com uma participação cada vez maior das Forças Armadas, principalmente o Exército.


Por tudo isso, é forçoso concluir que os acontecimentos de 1930 representaram “um profundo corte no processo histórico brasileiro”, como escreveu Boris Fausto. Efetivamente, o Brasil depois de 1930 tenderia, rapidamente, a ser cada vez mais diferente do Brasil pré-1930, como veremos em capítulos futuros.





[1] Siqueira Campos faleceu, em 1930, quando voltava de Buenos Aires, aonde fora para se encontrar com Luís Carlos Prestes. O avião que o trazia caiu no Rio da Prata, à vista de Montevidéu. Quanto a Eduardo Gomes, ele seria, mais tarde, por duas vezes candidato a presidente da República, em 1945 e 1950, saindo derrotado nas duas oportunidades

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