terça-feira, 27 de outubro de 2015

PRIMEIRO  GOVERNO  DE  FERNANDO  HENRIQUE  CARDOSO  (1995-1998)

Quando teve início a campanha eleitoral para presidente da República, no começo de 1994, o nome mais forte era Luís Inácio Lula da Silva, candidato do PT, que conseguia os mais altos índices nas pesquisas de intenção de voto. Mas a introdução da nova moeda, o Real, no dia 1º. de julho daquele ano, alterou dramaticamente o quadro eleitoral, colocando o PT diante de um difícil dilema: apoiar ou criticar a nova moeda.

Os economistas do partido se dividiram. Houve os que viram, no Real, a possibilidade de sucesso, e que haveria, portanto, um fortalecimento da candidatura de Fernando Henrique Cardoso, o “pai” da nova moeda. No entanto, a opinião que prevaleceu foi daqueles que previam o fracasso do Real. Um destes foi Aloísio Mercadante, o principal assessor econômico de Lula, que declarou: “O Real é uma ilusão e não precisamos nos incomodar com ele”. Era, sem dúvida, um grave erro de avaliação.

Fernando Henrique toma posse na presidência da República,
sucedendo Itamar Franco. Atrás, aparece o vice-presidente Marco Maciel.
Nos meses seguintes, juntamente com o sucesso da nova moeda, o nome de FHC cresceu vertiginosamente na preferência do eleitorado. Em setembro, um fato surpreendente deu ao PT uma esperança de reverter o quadro eleitoral. Foi a divulgação das fitas contendo declarações imprudentes de Rubens Ricúpero, que substituíra FHC no Ministério da Fazenda. Mas a rápida demissão de Ricúpero, substituído por Ciro Gomes, impediu que o Real sofresse qualquer abalo. FHC venceu a disputa já no primeiro turno: ele recebeu 54% dos votos válidos e Lula, 27%.




1. As reformas constitucionais e o processo de privatização

O Plano Real, na sua primeira fase, não foi mais do que um “truque” inteligente para vencer a inflação, e sua implantação foi relativamente fácil. A segunda fase, porém, seria mais difícil e teria uma importância decisiva, pois dela dependeria a continuidade do sucesso inicial do Real. Para executá-la, FHC intensificou dois processos já iniciados no governo anterior.

O primeiro foi o das emendas constitucionais, que pretendia fazer uma reforma do Estado brasileiro, no sentido de torná-lo menos dispendioso e mais eficiente, e baixar o chamado Custo BrasilEntre as reformas mais importantes estão a administrativa, a previdenciária, a tributária e a fiscal. O processo das reformas, entretanto, mostrou-se extremamente difícil e demorado, por algumas razões:

·        elas afetam setores importantes da sociedade (o funcionalismo público, por exemplo) e alteram direitos tradicionais da população (como é caso da aposentadoria);
·        são muitos os procedimentos legais necessários para a aprovação das emendas: duas votações na Câmara dos Deputados e duas votações no Senado, e o voto favorável, em cada votação, de três quintos dos parlamentares;
·        não houve ainda, por diferentes motivos, um consenso quanto à necessidade das reformas. Muitos consideram que as reformas não são indispensáveis. Outros, particularmente a oposição de esquerda, são contra as reformas (ou são contra as reformas da forma como são propostas pelo governo). Para estes últimos, o problema está no modelo neoliberal, que tem que ser abandonado, como condição para a solução dos problemas.

Por essas razões (e por outras, provavelmente), o governo Fernando Henrique, em seu primeiro mandato, pouco conseguiu avançar no seu intento de fazer as pretendidas reformas.

O segundo processo foi o da continuidade da política de privatizações, iniciado sob o governo anterior. Importantes empresas, nos setores de siderurgia, eletricidade, telefonia, ferroviário, etc., foram transferidas para o setor privado. Uma delas foi a Companhia Vale do Rio Doce, uma das maiores mineradoras do mundo. A privatização dessa empresa exacerbou a discussão entre os que são favoráveis e os que são contrários ao processo de privatização, e representa uma continuidade no velho debate entre nacionalistas e neoliberais.

2. Os problemas do Real

O Plano Real foi bem sucedido em manter baixas as taxas de inflação. Entretanto, o funcionamento do plano se apoiou em alguns pressupostos, que têm sido muito criticados, pelas consequências que têm apresentado:

·        os juros se mantiveram muito altos, reduzindo o consumo e onerando o custo operacional das empresas brasileiras e, portanto, de seus produtos. O que, por sua vez, dificulta a concorrência com os produtos estrangeiros; e, também, eleva a dívida dos governos federal, estaduais e municipais;
·        a excessiva abertura para as importações, necessária para manter baixos os preços internos, tem consequências importantes. De um lado, exige o aperfeiçoamento das empresas nacionais, para competir no mercado; aquelas que não conseguem competir acabam falindo, gerando desemprego. De outro, eleva o volume de importações e gera déficit na balança comercial;
·        a valorização cambial, ou seja, a valorização do Real em relação ao dólar, necessária para baratear as importações e impedir a elevação do custo de vida, mas que tem o grave inconveniente de favorecer as importações e dificultar as exportações;
·        a necessidade de constante entrada de dólares no país, em virtude da obrigação de cobrir o déficit nas contas externas, que ocasiona a extrema dependência ao mercado financeiro internacional, e coloca o país à mercê de ataques especulativos  ao Real e das sucessivas crises internacionais, como a quebra do México (1994), dos países emergentes da Ásia (1997) e, por último, da Rússia (1998).

O Plano Real foi bem sucedido ao reduzir a inflação, mas não conseguiu impedir o crescimento do desemprego no país. Não se pode, entretanto, atribuir apenas ao Real a causa do desemprego; o problema tem muitas causas, destacando-se:

·        O baixo índice de crescimento da economia. É só atentar para os números: entre 1980 e 1992, o crescimento per capita do PIB (Produto Interno Bruto) foi de apenas 0,7%; entre 1993 e 1998, o índice melhorou e subiu para 2,7% anuais. Isso é muito pouco para um país que precisa crescer a altas taxas para gerar empregos.
·        O rápido desenvolvimento tecnológico, promovendo a automação e eliminando muitos postos de trabalho.
·        As deficiências de escolarização e de formação técnica de grande parte da população também contribuem para o desemprego, pois impedem que muitas pessoas possam conseguir emprego, por não possuírem qualificação.

3. As crises internacionais e sua repercussão no Brasil

Ultimamente, tem-se criado uma grande interdependência entre as economias de todo o mundo. É o fenômeno da globalização. Por causa disso, uma crise em qualquer ponto do planeta imediatamente repercute no resto do mundo. Os países de economia mais frágil, como é o caso do Brasil, são rapidamente afetados. A crise se manifesta, por exemplo, na queda das bolsas de valores, na fuga do capital estrangeiro e na desvalorização da moeda.

No final de 1994, ocorreu a crise do México, provocando uma reação em cadeia (chamado “efeito tequila”), que se espalhou pelo mundo, e evidentemente alcançou o Brasil. Três anos depois, uma crise iniciada na Tailândia se espalhou pelos países vizinhos, afetando inclusive o Japão, a Segunda economia mais forte do mundo. Foi a chamada “crise asiática”.

O Brasil, mais uma vez, sentiu os efeitos da crise mundial. Na ocasião, o governo brasileiro reagiu prometendo executar o ajuste fiscal, através do aumento da arrecadação e do corte de despesas. Mas as medidas propostas não foram implementadas, o que manteve a economia brasileira vulnerável a uma nova crise. Desta vez, ela começou na Rússia, em meados  de 1998. Seus efeitos, no Brasil, foram tão fortes que logo começaram a dizer que o Brasil seria o próximo estopim da crise. Milhões de dólares começaram a deixar o Brasil. A situação se tornou tão dramática que houve a possibilidade de quebra da economia nacional.

A quebra de uma economia do porte da do Brasil acarretaria uma crise mundial de grandes proporções. Diante dessa possibilidade, os organismos internacionais (FMI, BIRD) colocaram à disposição do país um crédito de 41 bilhões de dólares, mas exigiram do governo brasileiro medidas mais rigorosas para fortalecer a economia. A condição considerada indispensável, do ponto de vista do FMI e dos monetaristas em geral, é o equilíbrio das contas públicas.

Esse também é o entendimento do governo brasileiro. Por isso, ele apresentou, em outubro de 1998, um segundo pacote, contendo as medidas propostas pelo FMI, com a promessa de que desta vez seria executado. Mas o que foi feito, contudo, foi insuficiente. Se, de um lado, o governo conseguiu aumentar a carga tributária, que atingiu níveis insuportáveis, por outro lado não conseguiu reduzir os gastos públicos, em virtude das resistências por parte dos setores que se consideraram atingidos pelos cortes. Consequentemente, a economia brasileira continuou vulnerável.

4 A criação do Mercosul

No mesmo dia em que Fernando Henrique iniciava seu primeiro mandato presidencial, 1 de janeiro de 1995, era oficialmente instalado o Mercosul (Mercado Comum do Sul), como uma União Aduaneira entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A partir desse momento, desapareceram as tarifas alfandegárias existentes, até então, no comércio entre esses países. Explicando melhor, isso significa que

as tarifas no comércio intrazona desapareceram, enquanto as tarifas para o comércio extrazona foram equalizadas. Assim, por exemplo, uma camiseta exportada do Uruguai para o Brasil está sujeita à tarifa zero, enquanto uma camiseta exportada da França paga tarifa de 20% ao entrar tanto no Uruguai quanto no Brasil... Em suma, tarifa intrazona é zero, tarifa extrazona é igual.

Deve-se ressalvar, entretanto, que tarifas alfandegárias foram mantidas para alguns poucos produtos, representando algo como 5% do total de intercâmbio, mas deverão desaparecer com o passar do tempo.

Vale lembrar que o Mercosul não nasceu de uma hora para a outra. Na verdade, é o resultado de um processo de integração econômica que teve início alguns anos antes, a partir de um acordo firmado entre Brasil e Argentina, em julho de 1986. O passo seguinte foi a assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, com a adesão do Uruguai e do Paraguai (a Venezuela tornou-se o 5º. membro a partir de 2012 e a adesão da Bolívia encontra-se em andamento). Esse tratado fixou metas e prazos para levar a cabo o processo de integração econômica dos quatro países formadores do bloco.




Apesar de tropeçar em constantes dificuldades, o Mercosul tem trazido benefícios para o comércio dos quatro países. Basta considerar que em 20 anos, comércio entre os países do Mercosul foi multiplicado por dez: passou de U$ 5,1 bilhões em 1991 para U$ 58,2 bilhões em 2012.

No futuro, espera-se que o Mercosul avance em algumas direções, todas de difícil execução. Uma delas poderá ser a incorporação outros países latino-americanos, tais como Chile e Peru, e a celebração de acordos com outros blocos. A outra direção que o Mercosul poderá tomar será a construção de um Mercado Comum, mais ou menos como se deu na Europa. O Mercado Comum é um intercâmbio mais amplo, admitindo a livre circulação de serviços, mão-de-obra e capitais, além de mercadorias.

A integração regional representada pela criação do Mercosul faz parte do processo mais amplo de interação dos mercados em nível mundial, que se chama globalização. Este é um fenômeno antigo, mas por causa do avanço dos meios de comunicação, adquiriu uma importância dramática nos últimos anos, como já ficou indicado algumas linhas atrás.

5. A campanha eleitoral de 1998

A campanha eleitoral desse ano apresentou uma novidade, em relação às eleições anteriores. Pela primeira vez, um presidente era candidato à reeleição. Isso era possível em virtude da aprovação de uma reforma constitucional que autorizou a reeleição para um segundo mandato, dos ocupantes de cargos executivos (presidente da República, governador e prefeito municipal). O andamento dessa reforma, durante o ano de 1997, foi demorado e causou um grande desgaste político ao presidente Fernando Henrique, acusado de haver feito muitas trocas de favores para conseguir os votos necessários no Congresso Nacional.

Os dois principais candidatos novamente foram Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, que fez sua terceira tentativa de se tornar presidente do Brasil. Lula centrou sua campanha na crítica aos aspectos negativos do governo FHC, particularmente o desemprego. FHC, por sua vez, fez da defesa do Plano Real seu grande argumento para pedir mais um mandato ao eleitorado. Este preferiu acreditar em Fernando Henrique, que venceu a eleição no primeiro turno, com 53,0 % dos votos. Lula ficou em segundo, com 31,7 %. O terceiro colocado foi Ciro Gomes, com 10,9 % dos votos.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

GOVERNOS COLLOR E ITAMAR (1990-1994)


Fernando Collor de Mello tomou posse em condições muito diferentes das de seu antecessor, pois, tendo sido eleito diretamente pelo povo, tinha a legitimidade que faltava ao presidente anterior. Ele era o primeiro presidente, em 30 anos, que saia vitorioso das urnas, porquanto as últimas eleições diretas haviam se dado em 1960. Havia, pois muita expectativa em torno de seu governo. Mas é interessante registrar que Collor formou seu governo com os mesmos políticos que havia criticado durante a campanha, pois lá estavam políticos do PDS, do PFL, do PTB etc.

O PMDB e o PSDB ficaram de fora do governo, mas prometeram um apoio crítico. Já o PT e o PDT colocaram-se ostensivamente na oposição, desde o primeiro instante.

No momento em que Collor assumiu o governo, toda a nação esperava que o novo presidente resolvesse o problema da inflação, que havia atingido índices insuportáveis. Por isso, em seu discurso de posse, o novo presidente prometeu derrubá-la com um tiro certeiro da “única bala” de que dispunha. O tiro veio no dia seguinte, com o anúncio do Plano Collor.

1. O Plano Collor

O novo plano contra a inflação, como era o costume, já vinha sendo preparado sigilosamente, há algum tempo, pela ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello (apesar do nome, não tinha nenhum parentesco com o presidente), e por seus principais auxiliares Antônio Kandir, secretário de política econômica, e Ibrahim Eris, no importante cargo de presidente do Banco Central. Todos os três eram ilustres desconhecidos.
Em linhas gerais, o plano previa, entre outras, as seguintes medidas:

  • Uma reforma monetária, com a substituição do cruzado novo pelo cruzeiro, sem o corte de zeros;
  • retenção dos ativos financeiros (aplicações, conta corrente, poupança) de pessoas físicas e jurídicas, para serem devolvidos a partir de setembro do ano seguinte, em doze parcelas mensais;
  • novamente congelamento de preços e salários, com reajustes pré-fixados mensalmente.


Além disso, o governo aumentava impostos, elevava os preços das tarifas públicas, fechava empresas estatais, reduzia o funcionalismo (os considerados excedentes foram colocados em disponibilidade), etc. Eram medidas muito duras, principalmente o confisco do dinheiro, que criava dificuldades para todos, em especial as empresas, que ficaram sem meios para saldar seus compromissos imediatos (pagamento de dívidas e salários) e com dificuldades de crédito. Nem o regime militar havia ousado tanto.

Nos meses seguintes, o Plano Collor foi remendado várias vezes, com novos congelamentos, aumentos dos juros.  Mas apesar dos sacrifícios que impôs à nação, ele não alcançou o objetivo pretendido. A economia entrou em recessão, o desemprego cresceu e, apesar disso, a inflação continuava resistindo. A conclusão inevitável era a de que a nação fizera, inutilmente, um enorme sacrifício. Collor conseguiu desagradar a todos. Como disse a economista Maria da Conceição Tavares: “O problema desse governo é que ele mata os ricos de raiva e os pobres de fome”.

Efeitos perversos do Plano Collor. Em 1991, 2,5 milhões de trabalhadores perderam o emprego. O salário-mínimo, que valia US$ 63, em janeiro, caiu para US$ 40, em dezembro. E a inflação acumulada no ano chegou a 460%.

2. O processo de desestatização e de abertura da economia

No início do governo Collor, entrou em vigor o Programa Nacional de Desestatização, aprovado pelo Congresso Nacional. Teve início o controvertido processo de privatização, com a venda de empresas estatais, transferindo-as para o setor privado. A favor da privatização, argumentava-se a que:

  • o Estado não dispunha de recursos para financiar os altos investimentos exigidos para manter a competitividade das empresas estatais;
  • a necessidade do dinheiro da venda das empresas para equilibrar as contas do setor público;
  • a possibilidade de atrair investimentos de capitais externos, através da participação de empresas estrangeiras no processo de privatização. 


Ao mesmo tempo, teve início a redução gradativa dos impostos de importação e, portanto, a abertura do mercado brasileiro para produtos importados. Justificava-se a medida, sob o argumento de que a entrada mercadorias estrangeiros obrigaria as empresas nacionais a aumentar a eficiência e, consequentemente, baixar os preços.

Essas medidas tinham uma importância muito maior do que parece à primeira vista. Elas significavam a ruptura com o antigo modelo da industrialização por meio da substituição de importações. Este modelo consistia basicamente em proteger a indústria nacional da concorrência dos produtos estrangeiros, mediante altas taxas alfandegárias. Havia sido definitivamente estruturado nos tempos de Getúlio Vargas e levado ao grau máximo pelo regime militar, particularmente no governo do presidente Geisel. Com base nesse modelo, o Brasil se tornara uma as dez maiores economias do mundo. Mas também foi responsável pelo círculo vicioso da inflação.

Em 1990, o governo Collor rompeu com essa tradição e partiu para o neoliberalismo, adotando a privatização e a abertura da economia. Evidentemente, essa novidade, que mudava bruscamente uma política econômica de muitas décadas, foi combatida, na época. Os partidários do nacionalismo econômico criticaram as medidas liberais, por estarem levando à falência as indústrias nacionais, provocando o desemprego e atentando contra a soberania nacional.

É preciso lembrar duas medidas, sem dúvida, positivas, do governo Collor: uma delas foi a assinatura de um acordo de não proliferação nuclear com a Argentina; e outra foi o cancelamento de um programa de produção de armas nucleares que os militares brasileiros estavam desenvolvendo clandestinamente.[1]

3. O impeachment do presidente

Collor foi rapidamente perdendo o apoio da população, não só por causa do fracasso do plano, mas também em virtude do envolvimento de alguns ministros em casos de corrupção. No início de 1992, Collor promoveu uma importante mudança em seu governo e afastou alguns nomes mais criticados. Entre os novos ministros, a figura de destaque era o diplomata e banqueiro Marcílio Marques Moreira, nomeado ministro da Fazenda. Apesar dessa mudança, continuaram as denúncias de corrupção dentro do governo, alcançando a inclusive o próprio presidente da República e sua mulher.

Denúncias mais graves foram fornecidas por Pedro Collor, irmão do presidente, à revista Veja, em maio de 1992. Na entrevista que concedeu, ele denunciou a existência de um esquema de corrupção dentro do governo, comandada por Paulo César Faria, amigo pessoal e tesoureiro de campanha de Fernando Collor, em 1989. O Congresso Nacional instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias. O trabalho da CPI teve ampla cobertura da imprensa e foi acompanhado por diversas entidades representativas da sociedade brasileira, e logo todos ficaram sabendo que dentro do governo atuava uma verdadeira quadrilha.

Collor tentou reagir e conclamou a população a sair à rua, vestida de verde e amarelo, em sinal de apoio ao presidente. Mas o tiro saiu pela culatra. O povo realmente saiu às ruas, mas para protestar contra o que estava acontecendo no país. Foi particularmente importante a atuação dos estudantes, os “caras pintadas”, exigindo a saída de Collor e a punição dos corruptos.


Nas ruas, o povo pede a saída de Collor.
Em outubro, a Câmara dos Deputados aprovou um pedido de impeachment (impedimento) do presidente, que foi enviado para o Senado, a quem cabia o julgamento final. Durante o julgamento, Collor teve de afastar-se do cargo, que foi assumido interinamente pelo vice-presidente, Itamar Franco.

No dia 29 de dezembro, o Senado iniciou a votação do impedimento, cuja aprovação era dada como certa. Antes que isso acontecesse, Collor renunciou à presidência, na esperança de escapar da condenação final. Porém, o Senado prosseguiu o julgamento e condenou Collor por 76 votos contra apenas 5. Incurso em crime de responsabilidade, ele teve os direitos políticos cassados por oito anos. Mas o julgamento pelo Congresso Nacional tinha efeitos apenas político. Quanto aos crimes comuns, o julgamento ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal. Se fosse condenado, iria para a cadeia, mas Collor foi absolvido por falta de provas.

4. O governo Itamar Franco e o Plano Real

No dia 29 de janeiro, Itamar Franco foi oficialmente empossado. Embora tivesse ficado à margem dos escândalos que tomaram conta do governo Collor, Itamar Franco chegava enfraquecido à presidência. Afinal, o mandato ia pela metade e já começavam as especulações em torno da sucessão.

A situação econômica do país continuava se agravando. Os ministros da Fazenda sucediam-se no cargo, mas o problema da inflação parecia sem solução. A situação mudou bruscamente com a nomeação de Fernando Henrique Cardoso (FHC) para o Ministério da Fazenda. Até aquele momento, ele ocupava o ministério das Relações Exteriores.

Ao assumir o novo cargo, FHC reuniu uma equipe de economistas de prestígio. Essa equipe seria responsável pela elaboração de um novo plano para derrubar a inflação. Diferentemente dos anteriores, o novo plano – denominado Plano Real - não foi elaborado em segredo. Desde o começo, FHC anunciou que não haveria congelamentos de preços e nem confisco de dinheiro. Prometeu que a população teria conhecimento prévio de todas as medidas que fossem adotadas, o que de fato aconteceu.

Foram criadas, sucessivamente, duas novas moedas: primeiramente, o Cruzeiro Real e depois o Real. A primeira era ainda uma moeda fraca, que continuava se desvalorizando com a inflação. Mas a segunda – o Real – foi criada para ser uma moeda forte (em relação ao dólar). E para garantir que o Real não seria contaminado pela inflação, foi criada uma moeda de transição - a URV (unidade referencial de valor) – que cumpriu com êxito seu papel, e foi um dos fatores importantes do sucesso do plano.

Outros fatores foram: a abertura do país para produtos estrangeiros, o que impediu o desabastecimento e manteve os preços baixos; a grande reserva de divisas, permitindo pagar as importações; a confiança que FHC transmitia ao mercado, em virtude da credibilidade de que gozava como político e intelectual. Contou, também, a experiência acumulada dos planos anteriores, pois entre os técnicos que formularam o Plano Real, alguns haviam participado da elaboração do Plano Cruzado.
 Plano Real, finalmente o país conseguiu domar a inflação.


Como era de esperar, em virtude do fracasso dos planos anteriores, o Plano Real foi recebido com desconfiança e também recebeu muitas críticas. Mas a desconfiança logo deu lugar ao otimismo com relação à nova moeda. É interessante registrar que o Plano Real fez mais do que derrubar a inflação. Seu sucesso deu a Fernando Henrique Cardoso uma grande popularidade, que viabilizou sua candidatura a presidente da República, nas eleições que se realizaram nesse ano de 1994.





[1] Cf. Skidmore, Thomas. Uma história do Brasil. São Paulo, Paz e Terra, 1998, p. 306-307. 

sábado, 24 de outubro de 2015

GOVERNO  DE  JOSÉ  SARNEY  (1985-1990)


 José Sarney chegou à presidência politicamente enfraquecido, com a difícil tarefa de substituir ninguém menos do que Tancredo Neves, o político cujo prestígio popular chegara às nuvens. Seu governo não ia ser nada fácil. E, ainda, tinha de dar posse a um ministério que não havia sido de sua escolha, mas de Tancredo.

Sarney procurou adaptar-se à nova situação, e fazer o que dele se esperava. No campo político era necessária a imediata revogação das leis autoritárias do regime militar, ainda em vigor - o chamado “entulho autoritário”- e a adoção de medidas que promovessem a rápida redemocratização do país: restabelecimento das eleições diretas para presidente, concessão do direito de voto aos analfabetos, legalização dos partidos ainda proibidos (PCB e PC do B), reatamento de relações diplomáticas com Cuba, etc.

Mas o passo decisivo era a convocação de uma Assembleia Constituinte. Sarney marcou o dia 15 de novembro de 1986 para a eleição e nomeou uma comissão de notáveis para elaborar um projeto de Constituição.

1. Os problemas da economia

No momento em que Sarney assumiu a presidência, a economia continuava o processo de crescimento, iniciado após a recessão de 1981-1983. Em 1984 (o último ano do governo Figueiredo), o PIB havia crescido 4,5% e a balança comercial havia apresentado um superávit recorde: as exportações superaram as importações em US$ 13,1 bilhões. No final desse ano, o volume de reservas em moedas fortes – chamadas divisas - chegava a US$ 9 bilhões. Aparentemente, Sarney estava herdando um país em boa situação econômica.
Havia, porém, outros números que causavam preocupação. A dívida externa havia chegado à casa dos US$ 100 bilhões. Outro dado preocupante era o montante da dívida interna, igualmente enorme. E o pagamento dessas dívidas exigia uma enorme soma de recursos.

Ainda pior do que as dívidas, entretanto, no curto prazo, era o crescimento da inflação. De um índice anual de 99,7%, em 1981, havia pulado para 235%, em 1985. E continuava subindo: no mês de janeiro de 1986, a inflação alcançou 16,2%, o que apontava para um índice anual acumulado de cerca de 400 %.

A inflação havia se transformado num círculo vicioso, desafiando os mecanismos clássicos de controle – leia-se monetaristas -, que teimavam em não funcionar no Brasil.

Os economistas do governo Sarney desenvolveram, então, o entendimento de que a persistência da inflação se devia a um aspecto particular da economia brasileira, ou seja, o seu alto grau de indexação. Quer dizer, todos os preços eram reajustados pelos índices de inflação. A única forma de romper o círculo vicioso era romper a corrente da indexação. E foi isso que o governo tentou fazer, através do congelamento de preços e salários, ao editar o Plano Cruzado.

2. O Plano Cruzado

Em fevereiro de 1986, o país foi surpreendido com o anúncio do Plano Cruzado. Esse plano vinha sendo preparado em sigilo pela equipe econômica do governo, comandada pelo ministro da Fazenda, Dilson Funaro, e pelo ministro do Planejamento, João Sayad. As cláusulas mais importantes eram as seguintes:

  • substituição da moeda: o cruzeiro, com três zeros a menos, daria lugar ao cruzado. Cada 1000 cruzeiros se transformavam em 1 cruzado.
  • abolição da indexação, através do congelamento das hipotecas e aluguéis por um ano e do congelamento dos preços em geral por tempo indeterminado.
  • reajuste do salário-mínimo pelo seu valor médio dos últimos seis meses, acrescido de um abono de 8%.
  • os reajustes posteriores dos salários seriam automáticos, sempre que a inflação acumulasse um índice de 20% - era o chamado “gatilho”.


Moedas Brasileiras. As moedas que já circularam no Brasil foram as seguintes: Mil-Réis (até 1942), Cruzeiro (1942-1967), Cruzeiro-Novo (1967-1970), Cruzeiro (1970-1986), Cruzado (1986-1989), Cruzado Novo (1989-1990), Cruzeiro (1990-1992), Cruzeiro Real (1992-1994), URV-Cruzeiro Real (1994), Real (a partir de 1994).

A aceitação do plano foi imediata, e muitos cidadãos, atendendo a um apelo do presidente, se tornaram fiscais dos preços, denunciando os comerciantes que estavam violando o congelamento. Levavam no peito um botton com a inscrição: “Sou fiscal do Sarney”. A inflação caiu para índices que há muito não eram vistos no Brasil: nos meses de março-abril-maio, a média mensal ficou em 3,4 %.

Mas houve aqueles que criticaram as medidas. Brizola, por exemplo, foi à TV, poucos dias depois do anúncio do plano, e criticou-o impiedosamente. Também o PT e a CUT criticaram o plano com base no argumento de que os salários haviam sido congelados pela média, enquanto os preços o foram pelo pico (ou seja, pelo preço mais alto) e, portanto, o plano era prejudicial aos trabalhadores. Teria, pois, havido um arrocho salarial disfarçado. Nos meses seguintes, ficou provado que esse argumento era falso, pois com a queda da inflação, houve um aumento do poder aquisitivo da população.

3. O fracasso do Plano Cruzado

Passados os primeiros meses de euforia, começaram a aparecer os problemas e, no mês de julho, os pontos falhos do plano já eram bastante visíveis. O mais evidente de todos era o desabastecimento, ou seja, muitas mercadorias começaram a sumir das prateleiras dos supermercados, dos açougues, das padarias. O problema se devia a mais de uma causa:

  • à sonegação de produtos por parte dos fornecedores, que alegavam não poder vender pelos preços da tabela. Essa alegação, pelo menos em parte, era verdadeira, pois muitos produtores, pegos de surpresa pelo congelamento, ficaram com os preços defasados. Esse problema poderia ter sido evitado através das importações, mas naquele tempo o mercado brasileiro era muito fechado, protegido por altas barreiras alfandegárias.
  • ao excesso de demanda, pois os consumidores estavam comprando mais do que antes: uns compravam mais porque o congelamento de preços havia aumentado o poder de compra do dinheiro; outros estavam fazendo estoques, achando que o congelamento não ia durar muito tempo.
Cartas em supermercado inform a falta de margarina: o desabastecimento
doi um dos grandes problemas do Plano Cruzado.


A consequência foi o surgimento do ágio (um valor maior do que o do tabelamento): para conseguir as mercadorias, as pessoas se dispunham a pagar um preço acima da tabela. O caso mais espetacular estava acontecendo com os automóveis novos. Para se comprar um deles, era preciso esperar meses na fila, ou pagar o ágio.  

Ainda em julho, o governo tentou tirar um pouco do excesso de dinheiro em poder das pessoas, e criou um “empréstimo compulsório” de 20 a 25 %, restituível em três anos, sobre os preços dos carros, combustíveis e sobre as passagens aéreas.

Isso, na verdade, era pouco. Para salvar o plano do fracasso inevitável era preciso adotar medidas mais fortes, de efeitos imediatos, tais como corrigir as distorções do plano, fazer ajustes de preços, etc. Mas isso não foi feito: o governo sofreu pressões dos aliados políticos, principalmente do PMDB, para não mexer no congelamento, antes das eleições que se aproximavam.

4. As eleições de 1986, a Constituinte e a Constituição de 1988

A parte mais importante da transição democrática seria, entretanto, a convocação de uma Assembleia Constituinte, para escrever uma nova Constituição, em sintonia com  o processo de redemocratização que o país vivia. Sarney atendeu a essa aspiração nacional marcando a eleição da Assembleia Constituinte para novembro de 1986. E até nomeou, como já foi dito, uma comissão de notáveis para elaborar um projeto de Constituição.

Constituinte Exclusiva versus Constituinte Congressual. Alguns setores da população defendiam a ideia de que a Constituinte a ser convocada devia ser exclusiva, ou seja, que tivesse como única tarefa escrever a Constituição, e em seguida se dissolvesse. Isso daria, aos constituintes, mais independência em relação a cobrança de eleitores e de financiadores de campanha, e seria, ainda, uma garantia de que eles não legislariam em causa própria. Mas não foi isso o que aconteceu. 

Prevaleceu a forma mais conservadora da Constituinte, a forma congressual (a mesma que fora adotada em 1891, 1934 e 1946). Em outras palavras: a Constituinte seria o próprio Congresso Nacional, eleito em 1986, acumulando as funções legislativas normais com a tarefa de elaborar a Constituição.

As eleições de 1986 deram uma vitória esmagadora ao PMDB, que explorou politicamente a popularidade que o Plano Cruzado ainda desfrutava. Elegeu todos os governadores de estado, com uma única exceção, e a maioria absoluta dos membros do Congresso: 53% da Câmara e 72% do Senado. Portanto, a Constituição que ia ser feita teria, em grande parte, a marca ideológica de um partido, o PMDB.

O Congresso Constituinte tomou posse em fevereiro de 1987. Preferiu ignorar o projeto elaborado pela comissão de notáveis e começar tudo desde o zero. E, por isso, levou quase dois anos para concluir o trabalho. A nova Constituição, que foi finalmente promulgada no dia 5 de outubro de 1988, era a sexta da história brasileira e a quinta da República.

Tornava o Brasil, pelo menos na lei, um dos países mais democráticos do mundo, assegurando, aos brasileiros, um enorme elenco de direitos. Entretanto, os constituintes deixaram para um plebiscito decidir entre República e Monarquia, e entre presidencialismo e parlamentarismo. A votação se deu no dia 7 de setembro de 1993 e venceram a República e o presidencialismo.

Além disso, os constituintes também tinham previsto que, depois do plebiscito, haveria um período de reforma constitucional, para facilitar a aprovação de mudanças na Constituição. Mas quando chegou o momento, o país vivia a ressaca do impeachment de Fernando Collor, e não houve condições para discutir as reformas. E perdeu-se a oportunidade de fazer mudanças que mais tarde se revelaram indispensáveis, porém em condições muito mais difíceis.

5. Outros planos contra a inflação

Passadas as eleições de novembro de 1986, o governo se apressou em corrigir o Plano Cruzado, que vinha sendo minado pela volta da inflação e pelo desabastecimento. E fez o Plano Cruzado II. O novo plano estabelecia novo congelamento de preços, além de outras providências, mas não conseguiu evitar o agravamento da crise. Em janeiro de 1987, sem dólares em caixa, o governo foi obrigado a decretar unilateralmente uma moratória, ou seja, dar-se um prazo para o pagamento dos juros da dívida externa. Era uma péssima medida, pois prejudicava o crédito externo, além de expor o país a um vexame mundial.

Enquanto isso, a inflação continuava subindo. Em maio chegou aos 23%, a mais alta já registrada num único mês em toda a história do país. Sarney mudou o ministro da Fazenda, que passou a ser Luís Carlos Bresser Pereira. O novo ministro trabalhou sigilosamente num novo plano para conter a espiral inflacionária. O plano, conhecido como Plano Bresser, foi anunciado no dia 12 de junho de 1987, que entre outras medidas:

  • estabeleceu um novo congelamento, válido por três meses e substituiu o gatilho salarial por um reajuste trimestral;
  • liberou os preços da carne de primeira, para que o produto reaparecesse no mercado. cortou o subsídio do trigo (o que fez aumentar o preço do pão e das massas);
  • limitou o salário dos funcionários públicos e proibiu novas contratações, entre outras providências.

Bresser Pereira voltou atrás na moratória. Retomou as negociações com os credores, pagou parte dos juros atrasados em troca de novos créditos.

A inflação, entretanto, não dava tréguas. No final de 1987, o índice anual já passava dos 350%. Sarney novamente mudou o ministro. Entrou Maílson da Nóbrega, que começou tudo de novo. Fez o Plano Verão, impondo novo congelamento, nova moeda (Cruzado Novo) e novas promessas.

Mas o governo já estava completamente desmoralizado e ninguém mais levava a sério os planos de estabilização. O presidente sabia disso, e tudo o que ele queria era ganhar tempo e evitar o colapso da economia antes do final do mandato. O descontrole da economia (e da administração pública) chegou a tal ponto que a inflação alcançou 85%, em março de 1990, o último mês do governo Sarney.

Com a alta da inflação, o governo se via obrigado a lançar
cédulas com valores cada vez maiores.

6. A sucessão de Sarney

A Constituição de 1988 introduziu as eleições em dois turnos, novidade que seria testada já nas eleições presidenciais de 1989. O segundo turno seria disputado pelos dois candidatos mais votados no primeiro, desde que um dos candidatos não atingisse maioria absoluta (metade mais um dos votos válidos). Era bom que fosse assim, porque havia muitos partidos políticos e eram muitos os interessados em sentar-se na cadeira presidencial. Se a eleição se decidisse num só turno, haveria o risco de que o candidato vitorioso fosse eleito com uma parcela pequena dos votos, o que lhe retiraria a indispensável força política.

Na sucessão de Sarney, havia nada menos do que sete candidatos com chances de serem eleitos: Leonel Brizola (PDT), Luís Inácio Lula da Silva (PT), Ulysses Guimarães (PMDB), Paulo Maluf (PDS), Mário Covas (PSDB), Aureliano Chaves (PFL) e Guilherme Afif Domingos (PL). Havia mais 15 candidatos apresentados pelos pequenos partidos.

E foi justamente dentre os pequenos partidos que emergiu a surpresa da campanha, que ficou por conta de Fernando Collor de Mello, um político oriundo de Alagoas. Havia sido prefeito nomeado de Maceió e governador eleito de Alagoas. Quando se aproximaram as eleições presidenciais de 1989, junto com alguns amigos, ele fundou um novo partido, o PRN (Partido da Renovação Nacional) e se lançou à campanha.

Collor aparentemente não tinha chances: provinha de um estado pequeno e pobre, não tinha o apoio de um partido político importante, e era muito moço - tinha menos de 40 anos. Apesar disso, ele logo conquistou a simpatia de uma grande parcela do eleitorado. Não é difícil explicar esse sucesso.

Collor apresentava-se como o antipolítico, e isso sempre agrada aos eleitores, que desconfiam dos chamados políticos profissionais. E centrou sua campanha no combate à corrupção, outra tecla de agrado popular.

Como governador, havia conquistado a fama de “caçador de marajás”, como eram chamados os funcionários públicos que recebiam altos salários, e isso lhe deu uma certa credibilidade. Além disso, Collor sabia explorar o marketing político, ou seja, fazer e dizer coisas que agradam o eleitorado, tais como: mostrar dinamismo, fazer promessas demagógicas, pronunciar discursos inflamados.

Graças a esses e outros elementos, tais como a personalidade carismática e o sucesso junto ao público feminino, Collor subiu rapidamente nas pesquisas. E tão logo mostrou ser o único com condições de vencer Lula e Brizola, passou a ser apoiado pela TV Globo e a receber doações de empresários.

Collor e Lula foram os dois candidatos mais votados e credenciaram-se para disputar o segundo turno. Lula foi apoiado pelos partidos de esquerda (PCB, PC do B, PSB); por setores progressistas do PMDB e do PSDB; por setores intelectualizados da classe média e por uma parcela importante da Igreja; pela CUT (Central Única dos Trabalhadores); e por Leonel Brizola, dono de muitos votos, pois havia sido o terceiro colocado no primeiro turno.

Collor, por sua vez, recebeu o apoio de grande parte do empresariado, dos partidos de direita (PFL, PDS, etc.), de setores mais conservadores do PSDB e do PMDB e de importantes líderes sindicais de São Paulo, entre eles Medeiros e Magri. Collor recebeu votos de todas as classes sociais, sobretudo do eleitorado pobre, a quem o candidato chamava de “descamisados”. E contou com o apoio da TV Globo, que foi um fator decisivo na campanha.


Eram duas candidaturas radicais, extremamente diferentes, e que provocaram uma polarização ideológica do eleitorado. As fortes diferenças entre os candidatos levava muitos eleitores a votarem num deles para evitar a vitória do outro, daí que ambos tinham altos índices de rejeição. Como sabemos todos, Collor venceu e, no dia 15 de março de 1990, tomou posse na presidência da República, substituindo José Sarney. 

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O GOVERNO DO GENERAL FIGUEIREDO

(1979-1985)


O novo presidente deu continuidade ao processo de abertura política, e até chegou a prometer “fazer deste país uma democracia”. O difícil processo de abertura ficou a cargo de um habilidoso articulador político, o general Golberi do Couto e Silva, auxiliado pelo ministro da Justiça, Petrônio Portela. O comando da economia permaneceu nas mãos de Mario Henrique Simonsen, dirigindo um superministério do Planejamento, e Delfin Netto voltou ao governo, ocupando a pasta da Agricultura. A economia brasileira já vinha enfrentando muitas dificuldades e por isso o novo período de governo não ia ser nada fácil.

1. A continuidade da abertura, a anistia e a resistência da linha-dura

Pressionado pela sociedade, em 1979, Figueiredo deu importante passo no processo de abertura política ao enviar ao Congresso Nacional um projeto de anistia, ou seja, um perdão aos “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”. Aprovado o projeto, líderes políticos que estavam no exterior desde o golpe de 1964, tais como Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, puderam, enfim, voltar para o Brasil. Mas a anistia acabaria sendo criticada, pois perdoava também aqueles que, nos porões dos órgãos da repressão, haviam torturado e, às vezes, matado presos políticos.

A linha-dura continuou agindo, tentando prejudicar o processo de abertura. Bombas foram colocadas em bancas e sedes de jornais, e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Uma foi enviada à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e acabou matando a secretária da entidade. O caso mais grave foi o atentado ao centro de convenções do Riocentro, onde se realizava um festival de música, que poderia ter provocado muitas mortes. Felizmente, falhou e as únicas vítimas foram os próprios terroristas, atingidos pela explosão da bomba que eles carregavam. Eram um sargento e um capitão do Exército; o primeiro morreu e o segundo ficou gravemente ferido.

2. Reforma partidária de 1979

A manutenção do bipartidarismo havia se tornado inconveniente para o governo, em virtude do caráter plebiscitário que as eleições assumiam, expondo o governo a sucessivas derrotas, que os casuísmos não conseguiam mais evitar. Diante disso, o governo fez o que era mais sensato. Enviou ao Congresso um projeto de reforma partidária que foi aprovado, em dezembro de 1979. A nova lei eleitoral extinguiu os partidos existentes (ARENA e MDB) e regulamentou a criação de novas agremiações políticas, que deveriam conter no nome a palavra “partido”.

O partido do governo, a ARENA, passou a chamar-se Partido Democrático Social (PDS). O partido da oposição, o MDB, tentou sobreviver acrescentando um P à sigla: PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). E esperava, com isso, manter reunidas as diversas forças que até então atuavam através do MDB.

Mas isso não aconteceu. Logo começaram a surgir novas siglas: PT (Partido dos Trabalhadores), PDT (Partido Democrático Trabalhista). Outros foram recriados (PTB, PSB). Os partidos comunistas (PCB, PC do B) continuaram proibidos.

3. As eleições de 1982

A estreia dos novos partidos se deu nas eleições gerais ocorridas em 1982, pois as eleições municipais, de 1980, haviam sido adiadas para coincidir com as eleições para governador, e estes seriam, pela primeira vez desde 1965, eleitos diretamente pelo povo. Mais de 48 milhões de eleitores compareceram às urnas, para escolher candidatos para todos os cargos eletivos (exceto para presidente da República). O governo havia criado o voto vinculado, ou seja, a obrigação de o eleitor votar em todos os candidatos do mesmo partido. Essa medida visava a ajudar o PDS, que era mais forte nas eleições municipais.

Apesar desse casuísmo, o PDS obteve apenas uma pequena vantagem. Elegeu 12 dos 23 governadores, manteve a maioria na Câmara (elegeu 234 dos 479 deputados), no Senado  e no Colégio Eleitoral, que deveria eleger o sucessor de Figueiredo. Mas o dado importante era a continuidade no crescimento da oposição, incluindo a vitória nos três estados mais importantes: São Paulo, com Franco Montoro; em Minas Gerais, com Tancredo Neves; e no Rio de Janeiro, com Leonel Brizola.

4. A recessão econômica de 1981-1983

Inicialmente, o ministro Simonsen anunciou um plano recessivo para tentar acertar a economia brasileira, que vinha apresentando problemas desde o governo anterior. Mas as pressões foram tantas, que o ministro renunciou, apenas cinco meses depois. O cargo foi entregue a Delfim Netto, que alimentou a esperança de um novo “milagre”, com o lançamento do III Plano Nacional de Desenvolvimento.

Mas a situação econômica continuou piorando. Em 1979, a inflação chegou a 77%, quase o dobro do ano anterior. Nesse ano, ocorreu o segundo “choque do petróleo”, com nova elevação dos preços do produto. As taxas internacionais de juros continuavam subindo, jogando a dívida externa cada vez mais para cima. Nessas circunstâncias, ficou mais e mais difícil obter novos créditos. As alterações introduzidas não surtiram efeito e as reservas em dólares estavam esgotadas. Por isso, tão logo passaram as eleições de 1982, o governo iniciou negociações com FMI (Fundo Monetário Internacional). Recebeu uma pequena ajuda financeira, em troca do compromisso de reduzir a inflação e, através de um ajuste fiscal, acertar as contas internas do país. A fórmula era a mesma de sempre: corte de despesas, aumento da receita e arrocho salarial.

Como sabemos, essa receita sempre produz retração da economia e eleva os índices de desemprego. Mas derruba a inflação. Nessa ocasião, porém, não funcionou: a inflação se manteve alta, em torno de 100%, ao ano, ao mesmo tempo em que a economia se mantinha estagnada. Era o fenômeno que os economistas chamam de “estagflação” - uma mistura de estagnação e inflação.

A situação, todavia, para alívio geral, melhorou a partir de 1984. A substituição gradativa da gasolina pelo álcool e a queda dos preços internacionais do petróleo reduziram as despesas com a importação. Por outro lado, houve um aumento das exportações. Apesar dessa melhora, os números da economia brasileira eram preocupantes.

Observe a tabela abaixo.

Evolução do PIB (total e per capita) e da inflação, 1978-1984.
Ano
Variação do PIB Total (%)
Variação do PIB per capita (%)
Inflação anual (%)
1978
4,8
2,4
40,8
1979
7,2
4,8
77,2
1980
9,1
6,7
110,2
1981
- 3,1
- 5,3
95,2
1982
1,1
- 1,2
99,7
1983
- 2,8
- 5,0
211,0
1984
5,7
3,4
223,8
Fonte: Wanderley G. dos Santos. In: Fausto, Boris. História do Brasil. S. Paulo, Edusp, 1995, p. 40-41

O PIB per capita teve crescimento negativo em três anos sucessivos, o que significa que, nesses anos, a população cresceu mais do que a economia. Paralelamente, a inflação anual saltou de 40,8% para 223,8%, ao ano. E a dívida externa, no mesmo período, havia mais que dobrado: saltara de 43,5 para 91 bilhões de dólares! Era como se uma bomba-relógio estivesse sendo armada, para explodir nas mãos dos futuros governos.

5. A campanha das “Diretas Já”

Em 1983, teve início uma campanha que pedia a eleição direta para presidente da República. Iniciada pelo Partido dos Trabalhadores, a campanha foi imediatamente assumida por uma frente que reunia vários partidos políticos, liderada pelo PMDB. E acabou se transformando num movimento popular, de âmbito nacional. A volta da eleição direta, contudo, dependia da aprovação, no Congresso Nacional, de uma emenda que alterasse a Constituição. Com o objetivo de introduzir essa alteração, o deputado federal Dante de Oliveira apresentou uma emenda que levou seu nome, e se tornou a bandeira do movimento das “Diretas Já”.

Multidões acorreram aos comícios. As pessoas viam na campanha uma forma de protestar contra o regime militar e, ao mesmo tempo, tinham a esperança de que, através de eleições diretas, fosse possível eleger um presidente da República realmente comprometido com os interesses populares, e que tivesse vontade política de resolver os problemas que afetavam o povo.

Mas de nada adiantou. Apesar da pressão popular, a emenda foi derrotada na Câmara dos Deputados. Ela recebeu 298 votos favoráveis, quando precisava de 320. A eleição presidencial continuaria sendo indireta.

6. A disputa no Colégio Eleitoral e a vitória da chapa Tancredo Neves-José Sarney

Com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, a disputa iria se dar no Colégio Eleitoral, formado pelos membros do Congresso Nacional e por representantes das assembleias legislativas estaduais, conforme estava previsto na Constituição. Apresentaram-se dois candidatos.

Pelo lado do governo, o candidato foi Paulo Maluf, um político em rápida ascensão. Havia sido, por nomeação, prefeito da cidade de São Paulo e, por eleição indireta, governador do Estado de São Paulo. E, em 1982, elegeu-se deputado federal, com uma votação expressiva. Ele não era o preferido do presidente Figueiredo, mas conseguira sair-se vitorioso na disputa interna do PDS, e havia obtido a indicação.

A candidatura de Maluf desagradou a muitos políticos importantes do PDS. Entre eles, estavam Aureliano Chaves, José Sarney e Marcos Maciel, que acabaram rompendo com o governo e formaram um novo grupo político, chamado Frente Liberal (que pouco depois deu origem ao Partido da Frente Liberal, o conhecido PFL, e hoje se chama DEM).

Passo seguinte, a Frente Liberal aproximou-se do PMDB e juntos formaram uma aliança, que recebeu o nome de Aliança Democrática,[1] para concorrer com Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. Como candidatos a presidente e vice-presidente, a Aliança Democrática apresentou os nomes de Tancredo Neves e de José Sarney, respectivamente.


Tancredo Neves e de José Sarney (de bigode).
Não era uma tarefa nada fácil ganhar no Colégio Eleitoral, pois Maluf era considerado imbatível em eleições indiretas, já que era capaz de recorrer a todos os meios para vencer. Mas se Maluf era um político esperto, Tancredo Neves não o era menos. Certa vez, alguém resolveu alertar Tancredo Neves e lhe disse que Maluf nunca havia perdido uma eleição. Sem se abalar, Tancredo comentou: “É por que, até agora, ele só enfrentou amadores”.

A eleição se deu no dia 15 de janeiro de 1985. E o resultado foi, até certo ponto, surpreendente. A chapa Tancredo-Sarney recebeu 480 votos e Maluf, apenas 180. O regime militar havia sido vencido em seu próprio terreno.

Tancredo Neves era um político veterano, que havia participado de alguns momentos dramáticos da vida política brasileira. Em agosto de 1954, por exemplo, quando do suicídio de Vagas, ele era o ministro da Justiça e se manteve leal ao presidente até o último instante. Em 1961, quando sobreveio a crise da renúncia de Jânio Quadros, foi Tancredo quem negociou a solução parlamentarista, tendo sido o primeiro a exercer o cargo de Primeiro-ministro.

Ao longo de uma carreira política de mais de cinquenta anos, havia sido sempre um homem de princípios. Experiente, moderado e conciliador, Tancredo parecia ser o homem indicado para executar a transição para o regime democrático.

7. A morte de Tancredo Neves

Depois de eleito, Tancredo viajou pelo país e fez uma viagem ao Exterior. Nas entrevistas que concedia, o presidente eleito falava com clareza e objetividade dos problemas nacionais. Suas maneiras simples e seu jeito de homem honesto inspiravam confiança e conquistaram a simpatia da população. E ele acabou se tornando o depositário das esperanças do povo.

Mas, no dia 15 de março de 1985, Tancredo não pôde tomar posse na presidência da República. Adoeceu alguns dias antes, vindo a falecer no dia 21 de abril, coincidentemente o dia da morte de Tiradentes. Seu corpo foi levado de São Paulo para Brasília, depois para Belo Horizonte e finalmente para São João del Rei, onde foi sepultado.

No lugar de Tancredo, quem tomou posse, no dia 15 de março, foi o vice-presidente José Sarney. Mas Figueiredo, considerando Sarney um traidor, não compareceu à cerimônia para transmitir-lhe a faixa presidencial. E deixou a presidência com um pedido melancólico: “Que me esqueçam!”





[1] Não confundir com a Aliança Liberal, formada em 1930, para disputar a eleição presidencial daquele ano.