terça-feira, 15 de setembro de 2015









OS INCAS 

  A  parte  meridional  do  continente americano divide-se de norte a sul pela formidável cadeia de montanhas que constitui a Cordilheira dos Andes, com mais de 6.400 km de extensão. Entre seus elevados picos destaca-se o Aconcágua, medindo 6.960 metros de altura, a mais alta montanha do continente. Sobre esses montes, eternamente cobertos de neve, vive o condor, a maior de todas as aves voadoras.

A América do Sul, como as demais partes do continente, era habitada por um incontável número de povos. Os dois mais importantes, por ocasião da chegada dos europeus, eram os incas e os tupi-guaranis. Estes, divididos em muitos grupos tribais, dominavam grande parte das terras que acompanham o litoral atlântico. Os incas, no lado oposto do continente, haviam constituído um vasto império que incluía uma grande parte dos povos andinos. Mas, da mesma forma que os povos mesoamericanos, ambos os povos tiveram sua história interrompida em virtude da chegada dos invasores europeus. 

I. As civilizações pré-incaicas
Há cerca de 15 000 anos antes do presente, grupos nômades já perambulavam o litoral do Peru, deixando algumas marcas de sua passagem, que os arqueólogos hoje pesquisam incessantemente.
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Llama, um dos poucos animais encontrados nos Andes.
No quarto milênio antes da era cristã, teve início a agricultura e a domesticação da lhama, o único animal de tração existente na América antes da chegada dos europeus. No milênio seguinte, apareceu o milho, o que fez com que a agricultura ganhasse preponderância em relação às demais atividades de subsistência.
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Agricultura de terraços
Desde então, em meio a guerras constantes, a população cresceu e os povoados se multiplicaram, gravitando em torno de centros religiosos, onde foram erguidos templos e pirâmides. A partir deles, desenvolveu-se, no primeiro milênio a.C., (uma primeira) a cultura denominada Chavin, que se tornou o centro irradiador da civilização para toda a região andina, constituiu-se na matriz da civilização andina. No início da era cristã(primeiro milênio de nossa era), a unidade alcançada pela cultura Chavin nos Andes se fragmentou e deu lugar a vários outros centros culturais. Simultaneamente, ocorreu a ampliação das áreas cultivadas, mediante o processo de construção de terraços nas encostas da cordilheira e do prolongamento dos canais de irrigação até as terras áridas do litoral.
A partir do século VIII, destacaram-se dois centros de difusão cultural. Um deles, o mais importante, foi a cidade de Tiauhanaco, nas margens do lago Titicaca, cujas ruínas impressionam pelos enormes blocos de pedra, pesando até 100 toneladas, empregados na construção dos palácios e dos templos. O outro centro foi a cidade de Houari, localizada mais ao norte. Ambas se tornaram capitais de grandes Estados, que desapareceram no século XII, por razões ainda desconhecidas. Mas sua cultura seria herdada pelos impérios Chimu e Inca, que se formaram em seguida.
Os fundadores do Império Chimu se estabeleceram na costa setentrional, onde implantaram uma civilização hidráulica, característica que decorria do desenvolvimento de uma agricultura irrigada, por meio de canais e de aquedutos. Iniciaram, no século XIV, um processo de expansão que os levou ao controle de uma longa extensão do litoral andino. Mas, em meados do século seguinte, o Estado chimu perdeu a independência ao ser absorvido pelo Império Inca. 

II. A CIVILIZAÇÃO INCA

 Quando os espanhóis iniciaram a conquista do Peru, em 1532, os incas constituíam um império que compreendia a região andina do Equador, do Peru, da Bolívia, do norte do Chile e do noroeste da Argentina. Seu centro era a cidade de Cusco. Estendendo-se por quatro mil quilômetros de extensão, chegou a comportar uma população estimada em 10 milhões de habitantes.
reprodução
Império Inca em sua máxima extensão
Era, porém, um império recente, pois os incas, a exemplo dos astecas, seus contemporâneos, tinham aparecido há pouco tempo na história dos povos pré-colombianos. E da mesma forma que o império asteca, o império inca também foi o herdeiro de longa tradição cultural que se havia desenvolvido anteriormente nas regiões onde se estabeleceu. 

1. Evolução política do Império Inca 

Os incas apareceram tardiamente na história dos povos andinos. Não há consenso entre os historiadores quanto à sua origens. É possível que fossem uma das tribos que compunham o povo quíchua, cujo idioma era falado numa ampla região dos Andes. No século XIII, estavam estabelecidos na região de Cusco, onde fundaram um pequeno Estado. A tradição conservada por esse povo atribuía a um seu ancestral mítico, Manco Capac, descendente do Sol, o papel de fundador do Estado incaico. Ele e seus sucessores adotaram o título de Inca (nome de uma antiga divindade andina) e a maskapaicha, a franja escarlate que usavam sobre a fronte, como símbolo do poder supremo.
Inicialmente, os incas fizeram parte de uma confederação de cidades existentes na região, que acabaram por dominar, iniciando, então o movimento expansionista. Pouco depois de 1463, impuseram-se à civilização Chimu, que dominava o litoral. Em seguida, incorporaram os Caras (no atual Equador), os Aimarás, na região do Titicaca, bem como as regiões setentrionais da Argentina e do Chile. A sucessão de vitórias e conquistas levou, ao cabo de algumas décadas, à formação do Império Inca. De maneira semelhante ao papel desempenhado pelos astecas, no México, os incas promoveram a unificação política dos diversos povos andinos e, ao mesmo tempo, fizeram a síntese de uma longa tradição cultural.
O grande monarca foi Tupac Iupanqui (1470-1493), o décimo Inca. Além de grande conquistador, foi também um brilhante organizador: criou um serviço de mensageiros, ligando as diversas províncias, e estruturou uma burocracia e um exército capazes de manter a paz inca sobre uma grande parte dos Andes. Enfim, soube melhor do que qualquer outro, antes ou depois dele, aliar harmoniosamente o saber organizador à violência criadora. (Henri Favre) Tupac Iupanqui morreu, em 1493 (um ano depois da chegada de Colombo à América), e foi sucedido pelo filho que ele próprio havia designado como herdeiro.
Seu sucessor tomou o título de Huaina Capac e reinou até 1528. Apesar do longo reinado, não conseguiu repetir a mesma expansão gloriosa de seu pai. Ao contrário, teve de enfrentar demoradas guerras nas distantes fronteiras do norte. Por isso, é bem possível que seu reinado assinale, não o apogeu, mas o início da decadência do poder inca. De fato, ao morrer (talvez assassinado), deixou o império numa terrível crise de sucessão, disputado por dois pretendentes, Huáscar e Ataualpa. Dessa divisão se aproveitou o conquistador espanhol, que nesse momento já vinha rondando o litoral do império.

2. Organização do Império

No Império Inca, a sucessão se dava dentro da família imperial, mas o herdeiro do trono não era necessariamente um filho do Inca, mas sim aquele que fosse julgado o mais capaz entre seus parentes. Por isso, ao final de cada reinado, seguia-se uma disputa entre os herdeiros até que um deles tomava para si a maskapaicha. Segundo H. Favre, (Por isso, se pode dizer que) o império renascia a cada novo imperador.  Uma vez vitorioso na disputa, o novo imperador comparecia ao Templo do Sol onde era entronado. Tinha poderes absolutos, e ninguém podia encará-lo de frente.
No início os imperadores era vistos como filhos do Sol, mas o último deles, Huaina Capac, se fez reconhecer como a própria encarnação do Sol e foi adorado como deus vivente (H. Favre). O Estado Inca era, portanto, uma teocracia.
Os incas concebiam o império dividido em quatro partes, a partir de duas linhas imaginárias que se cruzavam no centro da capital, Cusco, umbigo do mundo. E lhe davam o nome de Tawantinsuyu, ou seja, as quatro terras. Cada uma dessas partes se dividia, para fins administrativos, em frações decimais, formando unidades de 10 mil, mil, cem e finalmente dez famílias. Um funcionário era encarregado de cada uma das quatro unidades, enquanto outros eram responsáveis pelas unidades inferiores, constituindo uma pirâmide administrativa em cujo topo estava o Inca.
Um importante aspecto da organização do império foram as comunicações. Nesse sentido, o império foi dotado de um gigantesco sistema de estradas e pontes, cuja extensão foi calculada em 16 mil quilômetros! Eram basicamente duas vias principais, ambas começando no atual Equador, estendendo-se paralelamente para o sul. A primeira delas acompanhava a planície costeira e se prolongava até o Chile. A outra, seguindo através do planalto, alcançava o norte da Argentina. As duas estradas comunicavam-se entre si por inúmeras estradas secundárias que ligavam o planalto ao litoral.
Em pontos determinados das estradas, existiam os tampu, nome dados aos grandes estabelecimentos que serviam simultaneamente de postos de correio, de manufaturas e de armazéns. Graças às estradas e ao correio, o império contava com um eficiente serviço de comunicações, que permitia não só receber ou enviar informações com rapidez, como mandar rapidamente tropas para qualquer parte (do império) onde a ordem estivesse sendo ameaçada.

3. A base econômica
A população andina tirava sua subsistência da agricultura. Esta dependia, em boa parte, dos incontáveis terraços construídos nas encostas da cordilheira e de um complexo sistema de canais para trazer a água de fontes que se localizavam, muitas vezes, a quilômetros de distância. Calcula-se em mais de quarenta o número de espécies vegetais que, por meio de um paciente trabalho de seleção, o campesinato andino chegou cultivar: abóbora, vagem, algodão, pimenta, milho, batata, batata-doce, mandioca, amendoim, abacate, entre outros. 

Quase toda a população era formada de camponeses. Eles estavam agrupados em comunidades, chamadas ayllu, que constituíam a célula básica da sociedade andina (semelhante, em muitos aspectos, ao calpulli asteca). O ayllu reunia grupos familiares que tinham em comum laços de parentesco e a crença de descender de um mesmo antepassado mítico, simbolizado pelo totem. Cada uma dessas comunidades aldeãs tinha seu chefe, chamado curaca, responsável pela distribuição da terra, pela organização dos trabalhos coletivos e pela resolução dos conflitos.

É interessante notar que o ayllu era uma unidade auto-suficiente: possuía terras em diferentes partes do Império, e desse modo explorava mais de um dos muitos micro-climas existentes nos Andes. Com isso, era possível obter uma variedade de produtos, fato que contribuiu para inibir o desenvolvimento do comércio.

A terra era propriedade do Estado e, por meio dos curacas, entregue em usufruto às famílias, para o cultivo. Cada casal, ao se constituir, recebia um lote, do tamanho necessário para sua subsistência. Por sua vez, as terras de pastoreio eram usadas coletivamente. Nelas criavam-se a alpaca, que fornecia a lã, e a lhama, usada para transporte. 
A criação desses animais fez dos Andes a única região da América pré-colombiana onde se praticou o pastoreio. Explorando simultaneamente a agricultura, o pastoreio e o artesanato, essas comunidades aldeãs era praticamente auto-suficientes. No Império Inca não havia comércio, nem moedas. 

4. O trabalho gratuito e obrigatório 

No Império Inca, não havia escravidão. Havia, porém, os dependentes perpétuos (yana), ligado aos curacas e ao Inca. Mas eles não podem ser considerados escravos, pois não eram objeto de troca ou venda. E sua importância econômica era absolutamente marginal.
O que realmente contava no entanto era a mita, uma antiga obrigação de prestar trabalho ao curaca e aos deuses locais, e se revestia de um sentido religioso. Quando se formou o Tawantinsuyu essa obrigação passou a ser prestada também ao Inca, o Filho do Sol. A mita recaía sobre todos os habitantes casados, os quais deviam não só cuidar das terras e dos rebanhos, que o Inca possuía em todas as partes do império, mas também desempenhar as funções que lhes fossem designadas: no exército, nas manufaturas, na construção e manutenção de estrada, de pontes, edifícios ou qualquer outro. Os trabalhadores precisavam revezar-se de forma a prestar um trabalho contínuo.
Por causa disso, era preciso manter um controle preciso da população, de modo que sempre fosse possível saber a quantidade de mão-de-obra disponível. Em função dessa necessidade, procediam-se a recenseamentos minuciosos. Eram realizados periodicamente por funcionários especializados, que se serviam de um sistema numérico decimal, e registravam os resultados utilizando um sistema formado de cordinhas com diferentes cores e tipos de nós, denominados quipu.

5. O sistema redistributivo
O Estado mantinha armazéns onde era guardado o produto obtido através da mita que a população prestava ao Inca.[1] De fato, como foi dito, este reservava para si uma parte das terras do império. Toda a produção nelas obtida era enviada aos referidos armazéns. Os estoques acumulados destinavam-se ao abastecimento do exército e para socorrer a população, em caso de desastres naturais (inundações, estiagens). Na repartição de comida e roupas, dava-se prioridade aos anciãos, às viúvas e aos órfãos.

6. O aparelhamento intelectual e tecnológico dos incas

 Diferentemente dos povos da Mesoamérica, as civilizações dos Andes não conheceram a escrita. Apesar de os quipu informarem acontecimentos, dados estatísticos, batalhas, colheitas e expedições, eles não eram mais do que um sistema de contabilidade. Na verdade, toda a literatura produzida era transmitida oralmente, tarefa para a qual havia os especialistas, chamados amawta, cujos relatos constituíram a matéria-prima para as crônicas registradas depois que os espanhóis introduziram a escrita. (Cf. H. Favre e J. Murra)
Quanto aos conhecimentos científicos, a civilização inca conheceu um calendário, dividido em doze meses. Entretanto, enquanto o ano era solar, os meses eram lunares, o que ocasionava uma diferença de alguns dias entre os dois cômputos, e não se sabe exatamente como os sábios incas procediam para harmonizar os dois sistemas. Os cálculos necessários eram feitos com base num sistema de numeração decimal, utilizando-se uma espécie de ábaco primitivo. Os resultados eram anotados segundo o sistema quipu.
Contavam com uma metalurgia relativamente adiantada para o padrão pré-colombiano. Sabiam trabalhar o cobre e o bronze (uma liga de cobre e estanho), e até mesmo a platina. Desconheciam, porém, o ferro, a roda e o torno, e como meio de transporte tinham apenas um animal muito limitado, a lhama. E ainda utilizavam a pedra para a confecção de suas armas e ferramentas.
Com esse escasso arsenal técnico, foram, todavia, capazes de constituir um império dotado de cidades, palácios, templos, estradas, contabilidade e organização, diante do qual os espanhóis ficaram vivamente impressionados.

 7. A invasão espanhola e o fim do Império Inca

Essa brilhante civilização, cujas realizações deixaram impressionados os espanhóis, mostrou-se, no entanto, muito frágil na hora decisiva. Havia descontentes entre os povos dominados, e alguns deles se aliaram aos invasores. A sucessão imperial não se fazia segundo um critério tranqüilo; ao contrário, abria uma luta entre os pretendentes. E foi justamente num desses momentos que chegou o espanhol, em 1532.
Apesar da bravura com que lutaram, os incas foram incapazes de resistir diante de Francisco Pizarro e sua gente, possuídos por uma fúria conquistadora que não vacilava diante de nenhum obstáculo. A resistência durou quarenta anos e se encerrou, em 1572, quando foi morto, Tupac Amaru, o último imperador. Era o fim do Tawantinsuyu, o Império Inca.
Antes mesmo dessa data, porém, o Peru já fazia parte, desde 1543, da administração colonial espanhola, constituindo o Vice-Reino do Peru.





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