domingo, 27 de setembro de 2015



 MARÍLIA  E  DIRCEU:  Uma história de amor na terra do ouro


Ela, Maria Dorotéa Joaquina de Seixas, era uma jovem de rara beleza, pertencente a uma rica família mineira. Na flor de seus 15 anos, conquistou arrebatadoramente o coração de um digno magistrado de trinta e oito anos de idade.
Ele, Tomás Antônio Gonzaga, havia nascido em Portugal, na cidade do Porto, em 1744, de pais brasileiros. Aos dezenove anos, tornou-se doutor em Direito pela Universidade de Coimbra e por algum tempo, exerceu a magistratura em Portugal antes de viajar para o Brasil. Em 1782, foi nomeado Ouvidor de Ouro Preto, uma espécie de Juiz de Direito da Vila. Logo ao chegar conheceu Maria Dorotéa e por ela foi tomado de súbita paixão, revelando-a em versos:

Mal vi o teu rosto,
Meu sangue gelou-se

E a língua prendeu-se;
Tremi, e mudou-se
Das faces a cor.

Chamou-a Marília, e Dirceu a si próprio. Dorotéa tornou-se conhecida como a Marília de Dirceu.  Ela era órfã e vivia com os tios em Ouro Preto. Costumava visitar uma tia, que era vizinha de Gonzaga, e ali passava longos dias. Gonzaga a espreitava de sua janela:
Quando apareces
Na madrugada,
Mal embrulhada
Na larga roupa,
E desgrenhada
Sem fita ou flor:
Ah que então brilha
A natureza:
Então se mostra
Tua beleza
Inda maior.

A família dela se opunha ao namoro. Mas o tempo e a persistência finalmente venceram as barreiras e o casamento foi marcado para 30 de maio de 1789.
Imagem idealizada de Maria Dorotéa.


Conforme o costume da época, ele borda o vestido da noiva. Usa fios de ouro.
Mas o casamento não chegou a realizar-se. Uma semana antes do dia longamente esperado, Gonzaga foi preso. Estava implicado na Inconfidência Mineira. Nunca mais voltaria a ver Dorotéa. Levado para o Rio de Janeiro, Gonzaga foi ali mantido incomunicável até o julgamento, que só se deu em 1792. Os juízes portugueses entenderam que ele devia ser punido. Sua pena: foi condenado ao exílio em Moçambique, colônia portuguesa na África.
Em Moçambique, esteve por algum tempo doente. Durante o período de enfermidade, recebeu os cuidados de uma jovem, Juliana de Souza Mascarenhas, e com ela se casou em 1793.
Dorotéa, fiel à lembrança do noivo ausente, nunca se casou. Foi viver na fazenda do pai, e lá permaneceu por muitos anos. Voltou para Vila Rica em 1815, onde viveu o restante de sua vida. Faleceu em 1853, aos oitenta e seis anos de idade. Foi enterrada na Matriz de Antônio Dias de Ouro Preto, a igreja que ela frequentava.

sábado, 26 de setembro de 2015

O  BARROCO  E  O  BARROCO  MINEIRO


1. Origens do Barroco

Antes de falar do Barroco Mineiro, é preciso adiantar alguns esclarecimentos a respeito do Barroco, do qual ele se origina.
Barroco é o estilo artístico que surgiu na Itália, no final do século XVI e prevaleceu nas duas centúrias seguintes. Da Itália, difundiu-se para vários países da Europa e foi levado por missionários religiosos para a América e Ásia.
Quando o Barroco surgiu, a Europa passava por muitas mudanças.
Uma era de natureza religiosa. Tratava-se da Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero, em 1517, e que deu origem ao protestantismo. A religião reformada se espalhou com muita rapidez por vários países europeus, refletindo o descontentamento de muitos cristãos com a Igreja de Roma.
A Reforma representou um duro golpe no domínio absoluto que a Igreja Católica havia exercido, até aquele momento, sobre todos os cristãos da Europa. Mas a Igreja, diante disso, não permaneceu de braços cruzados. Pelo contrário.
Reagiu com muita disposição, declarando guerra aos hereges e iniciando a Contrarreforma,[1] um movimento para renovar e fortalecer a fé católica. Um esforço enorme foi desenvolvido para impedir que mais católicos se tornassem protestantes e, ainda, para tentar trazer de volta aqueles que se haviam desgarrado do rebanho. Nesse esforço, todos os meios foram empregados, sendo o mais eficiente a atuação dos Jesuítas. Outro meio importante, e que diz respeito ao tema deste trabalho, foi a utilização da arte.

2. O Barroco e a Igreja Católica

A Igreja Católica atribuiu um papel especial à arte, ao contrário dos protestantes, que aboliram imagens e pinturas de seus templos. A Igreja considerou que a representação de uma história através da arte seria mais eficaz e faria mais pela devoção do que o simples relato dessa história.
Para que a arte cumprisse seu papel nesse processo foi preciso, porém, que também ela passasse por uma profunda mudança. Isto porque os estilos artísticos que estavam em vigor naquele momento eram estáticos, rígidos, pagãos ou muito neutros, incapazes, enfim, de transmitir as novas características que a Igreja queria dar ao catolicismo. Era preciso que a arte contribuísse para despertar nos fiéis uma religiosidade mais intensa.
A Igreja encontrou o estilo artístico adequado aos seus objetivos ao se utilizar de tendências que já vinham se manifestando na arte e que consistiam na livre interpretação das formas clássicas do Renascimento.
Em função disso, modificou-se o interior das igrejas: a ornamentação tornou-se mais rica, mais colorida e mais movimentada. As imagens da Virgem, de Jesus Cristo e dos santos ganharam um novo aspecto, expressando um especial acento de dramaticidade e devoção.
A Igreja converteu a arte num meio de propaganda, transmitindo emoção para, através dela, chegar à mente das pessoas. Como escreveu um importante estudioso do tema: “A arte foi utilizada para propagandear em suas imagens as ideias religiosas revitalizadas e concebidas segundo o novo espírito e para transmitir sentimentos e estados de ânimo às massas devotas”.[2]
Foi nessas condições que surgiu o Barroco. Não se quer dizer que a Igreja tenha inventado o novo estilo, e sim que ela se aproveitou de tendências que já vinham em desenvolvimento e as direcionou no sentido que lhe interessava. O Barroco pode, assim, ser considerado como a arte da Contrarreforma e como uma expressão do pensamento do Concílio de Trento.[3]

3. A Época Barroca

No início, o novo estilo ainda não se chamava Barroco - aliás, não tinha nome algum. Só muito mais tarde, recebeu esse nome, atribuído por aqueles que se mantiveram fiéis ao Classicismo. Na opinião destes, o Barroco era uma arte exagerada, extravagante. De fato, a palavra barroco tinha, na época, um sentido depreciativo: na língua portuguesa, era empregada para designar uma pérola de formato irregular; na língua italiana, designava um raciocínio defeituoso, tortuoso. Apenas no final do século XIX, a palavra barroco assumiu um sentido neutro, designando um estilo artístico que finalmente foi aceito como tal.
Apesar das críticas que recebeu, o novo estilo se impôs. Esse triunfo se deveu a uma conjunção de fatores. Além do interesse imediato da Igreja, certamente o Barroco correspondeu a anseios muito generalizados e, por isso, passou a caracterizar toda uma época - a época Barroca. E mais, com seu apelo à emoção e à devoção, a nova arte reforçava os princípios da autoridade e da hierarquia e, portanto, convinha não apenas à Igreja Católica mas também aos monarcas absolutistas e à nobreza - ou seja, aos setores socialmente dominantes da época. A época Barroca vigorou por cerca de duzentos anos, estendendo-se até o final do século XVIII.
O estilo barroco foi empregado na construção de palácios e na decoração de seus interiores, na estatuária, nos chafarizes etc., não apenas nas artes plásticas, mas em todas as formas de manifestação artística, incluindo o teatro, a música e a literatura. Mas foi, certamente, na construção religiosa que a arte barroca se realizou de forma mais completa.

4. Características do Barroco

Na construção de igrejas aplicou-se um dos princípios básicos do Barroco, que consistia na interação da arquitetura, da escultura e da pintura. Os três ramos da arte plástica se fundiram para criar um ambiente em que o envolvimento emocional do observador seja completo. Houve preocupação maior com o interior do que com o exterior. De fato, foi no interior da igreja que o artista empregou todo seu talento criativo, usando em profusão de materiais ricamente coloridos. Os recursos da policromia foram empregados para realçar as expressões das imagens sagradas. De ouro se recobriram folhas de acanto, rosas, girassóis, pelicanos, fênix, cachos de uva e outras representações de animais e plantas. Figuras retiradas da mitologia greco-romana passaram a ser largamente empregadas e ganharam novos significados. O Barroco converteu ornatos decorativos em símbolos religiosos. Arte e religião se fundiram e se complementaram. O propósito era deliberado: realçar a grandeza da fé Católica, envolver o observador e leva-lo a um estado de encantamento.
O Barroco é, aliás, uma arte ilusionista por excelência. Não é outro o efeito que tinham as majestosas colunas retorcidas dos altares. O movimento ascendente, contínuo, simbolizado pela coluna retorcida, era uma das ideias mais fortes da arte barroca. O movimento também estava presente nas roupagens dos santos talhados em madeira ou pedra, que passam a impressão de estar sendo batidas pelo vento. O artista barroco se esmerou nas expressões das imagens, trabalhadas para transmitir uma determinada emoção - de agonia, de devoção ou de êxtase - e nos gestos teatrais, de que é um exemplo significativo a coreografia dos Profetas criada pelo Aleijadinho que ainda podemos ver em Congonhas (MG). O teto das igrejas passou a ser cuidadosamente aproveitado pelo artista, na perspectiva da arquitetura ilusionista, para simbolizar o movimento de ascensão. É essa a sensação que experimentamos, por exemplo, quando entramos na Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, e contemplamos seu magnífico teto pintado por Manuel da Costa Ataíde. É uma representação grandiosa da Virgem rodeada de anjos. Fisicamente, o teto está ali, a alguns metros, mas se tem a ilusão de que ele se projeta para o infinito, como se fora o próprio Céu.
Outro aspecto interessante da ornamentação barroca é o seu caráter didático, de extraordinária importância, num tempo em que quase toda a população era analfabeta. Ao usar imagens e pinturas reproduzindo passagens da Bíblia e da vida dos santos, a Igreja utilizava-se de recurso poderoso para educar seus fiéis. O Barroco é uma arte de fácil entendimento e assimilação. diferentemente do Classicismo, excessivamente intelectualizado.

5. Barroco e Rococó

Todo estilo artístico tem sua época após a qual tende naturalmente a desaparecer. O Barroco correspondeu a um determinado momento histórico, agitado por lutas religiosas intensas. Era, sobretudo, uma arte engajada, a serviço da fé Católica, então em luta contra o Protestantismo. Mas, com o passar do tempo, os antagonismos religiosos amainaram. A sensibilidade estética muda e a arte se adapta aos novos tempos e às novas necessidades. Isso também aconteceu com o Barroco.
O Barroco abandona o velho espírito combativo para assumir uma nova fisionomia: surgiu, assim, o Rococó, uma arte controvertida, algumas vezes considerada um novo estilo, outras vezes tomada como a última fase do Barroco, uma espécie de Neobarroco.
Segundo Michael Keatson, o Rococó surgiu quando o rei da França, Luis XIV, pediu uma decoração para os aposentos da jovem duquesa de Borgonha, de treze anos de idade, noiva de seu neto mais velho. “Deve haver uma atmosfera de meninice por toda a parte”, sugeriu o rei. Quando o arquiteto apresentou o resultado, todos gostaram.

Os desenhos mostram-nos que o teto era coberto de desenhos em arabescos mais caprichosos do que quaisquer exemplos anteriores e revelando um toque quase caligráfico. Os motivos consistiam em elos e gavinhas de folhas de acanto, grinaldas de flores, fitas, setas e arcos rústicos estilizados, tudo desfiado como trabalho de filigrana, com cães de casa, pássaros e figuras de donzelas suspensos entre as folhas e os ramos [4]

A menção ao Rococó é necessária porque ele se fez presente no Barroco Mineiro, que assumiu muitas de suas características, em sua terceira fase. Em muitas das igrejas setecentistas de Minas, os artistas empregaram, num mesmo espaço, as ornamentações barroca e Rococó, simultaneamente. E nem por isso o conjunto perdeu a unidade. Contudo, é perfeitamente possível identificar o que pertence a cada um dos estilos.
O Rococó - palavra derivada do francês “rocaille”, rocalha - teve, em sua época, largo emprego como arte decorativa. Na arquitetura, foi utilizado principalmente na ornamentação de interiores, fazendo uso de arabescos, volutas, reprodução estilizada das letras C e S e outros elementos ornamentais. Sua marca é a suavização das formas, dando-lhes leveza e elegância. Seu desejo é alcançar o deleite visual. É, portanto, uma arte que não tem preocupações intelectuais ou didáticas - é intuitiva e amoral. Revelou um acentuado gosto pelo exótico que se revelou, por exemplo, no uso de elementos decorativos orientais.

6. Os Jesuítas

Os jesuítas, citados anteriormente, eram membros da Companhia de Jesus, criada em 1534 e oficializada em 1540. Seu fundador foi Inácio de Loyola, um nobre espanhol, que servia no Exército. Enquanto convalescia de um grave ferimento, passou por uma transformação radical, convertendo-se num católico fanático. Trocou, então, o serviço das armas pelo estudo de Teologia e consagrou-se à luta contra os hereges.
A Companhia de Jesus foi a instituição católica que mais se bateu em defesa da Contrarreforma. E não só na Europa. Colocaram-se na linha de frente da colonização portuguesa e espanhola e levaram a fé Católica aos nativos da Ásia e da América. Chegaram ao Brasil, em 1549, e aqui permaneceram até 1759, quando foram expulsos pela Coroa portuguesa, temerosa de seu poder.
Durante o tempo em que aqui permaneceram, os padres da Companhia exerceram grande influência. Aliando os trabalhos de catequese e de educação, ergueram colégios e capelas por toda parte. Adotaram na arquitetura religiosa o estilo Barroco, que nascia nesse momento. Efetivamente, antes do final do século XVI, os jesuítas já haviam construído, segundo o novo estilo, igrejas em Roma e Lisboa que foram adotadas como padrão para suas construções em todo o mundo.[5] Não quer isto dizer que tivessem o monopólio do estilo nos domínios portugueses, mas dada a predominância cultural por eles exercida, tanto em Portugal como no Brasil, a expressão “estilo jesuítico” passou a ser tomada como sinônimo de Barroco.
Os jesuítas não atuaram diretamente na região das minas. As ordens religiosas foram ali proibidas. Nada de frades e monges; nada de conventos e mosteiros. A Coroa queria com essa proibição evitar o desvio de ouro que os religiosos faziam através dos “santos de pau-oco”.[6] Somente as Ordens Terceiras, formadas de leigos, e o clero secular,[7] formado de padres e bispos, tinham permissão para trabalhar na região de mineração.
A ausência dos jesuítas teve influência no desenvolvimento da arte barroca na região das minas, como veremos mais adiante.

7. A igreja barroca

A igreja que se tornou padrão se constitui de um edifício, cuja planta baixa apresenta forma de um retângulo, sugerindo uma cruz, a chamada “cruz latina”. No seu interior, encontramos os seguintes elementos:
a) a nave, ocupando a maior parte do retângulo, é o local onde os fiéis permanecem durante os serviços religiosos; dotada de altares laterais, ela serviu também, por muito tempo, de local de sepultamento;
b) a capela-mor, ao fundo, separada da nave pelo arco-cruzeiro; nela se localizam o altar principal e o respectivo retábulo, ambos à vista dos fiéis;
c) a sacristia, ao lado ou atrás da capela-mor, local onde o padre se prepara para o serviço religioso; possui sempre um grande arcaz, usado para guardar vestes e objetos sagrados;
d) os púlpitos, na nave da igreja, num plano elevado, de onde os sacerdotes faziam as pregações dirigindo-se diretamente aos fiéis. São dois, simetricamente dispostos: do lado direito dos fiéis, o das Epístolas (porque ali são lidas as epístolas), e, do lado oposto, o dos Evangelhos (porque são lidos os evangelhos durante a missa).
e) o coro, também na nave, sobre um mezanino situado logo à entrada da igreja.

Do ponto de vista dos objetivos da religião, é uma planta extremamente funcional. Ela sugere um afunilamento, a partir da entrada. Uma vez no interior, o olhar do observador passeia pelos altares laterais e se encaminha naturalmente para o altar-mor, onde resplandece a imagem principal no alto do trono.
Exteriormente, predomina a simplicidade. Em geral, a parte frontal da igreja é dominada por ampla fachada. A torre sineira, que anteriormente ficava em local afastado, foi colocada junto do edifício ainda que do lado de fora. E não apenas uma, mas duas, para garantir o equilíbrio da composição. No alto da fachada, entre as torres, fica frontão sobre o qual se eleva a cruz.
Uma das características marcantes da igreja barroca é a diferença de tratamento dado ao interior, relativamente ao exterior. De fato, desde o século XVI, prevaleceu a norma de fazer-se o interior mais rico do que o exterior, segundo a concepção de que “o interior de uma igreja, por simbolizar o espírito de Deus, simboliza seu corpo”.[8]
Em Minas, no final do período, sob influência do Rococó, esse princípio sofreu uma inversão. Houve uma simplificação paulatina do interior, com uma redução cada vez mais acentuada da talha dourada e da decoração e, paralelamente, cuidou-se mais do exterior, que passou a merecer belos frontões, portadas finamente esculpidas e outros ornamentos embelezadores.

8. Evolução da arquitetura religiosa setecentista em Minas Gerais

Sem abandonar a forma ideal da “cruz latina”, a construção das igrejas mineiras passou, no espaço de poucas décadas, por três fases, ou gerações, consecutivas, apresentando diferenças de uma para a outra. Essas diferenças podem ser notadas no tamanho, no material empregado e na decoração.
A primeira geração foi a das capelinhas, construídas pelos primeiros mineradores. O fervor religioso dos bandeirantes fazia com que, em suas andanças, sempre levassem um pequeno oratório, com a imagem do santo preferido. Tão logo se estabeleciam, levantavam uma tosca capelinha, de pau-a-pique, coberta de palha, onde o pequeno oratório era transformado em altar.
Em torno dessa igrejinha logo erguiam-se casas, dando origem a um arraial. À medida que o arraial se consolidava, a capelinha primitiva era substituída por uma construção maior e definitiva. Com essa mudança, tinha, então, início a segunda geração, que perdurou até meados do século. É aquela das grandes igrejas matrizes, que chegaram até os nossos dias. No início, apresentavam uma fachada muito simples, como ainda podemos ver na Matriz de Sabará. Posteriormente, a maioria dessas fachadas sofreu reformas embelezadoras, perdendo um pouco da simplicidade primitiva. Mas, desde o começo, mereceram um interior ricamente enfeitado, obedecendo ao gosto artístico da época, muito próximas do estilo jesuítico. Em sua construção, empregava-se, de ordinário, o tijolo de adobe e a taipa de pilão.
Segundo Fritz Teixeira de Sales, o que ocorreu foi oo seguinte: 

Os primeiros povoadores organizavam, reunindo os ´homens bons´ da terra, a irmandade do Santíssimo Sacramento, que se encarregava da construção da matriz. Depois iam surgindo novos agrupamentos sociais que criavam novas irmandades. Eram então erguidos os altares laterais da igreja. Com o desenvolvimento do processo de aglutinação desses grupos, surgiram conflitos e antagonismos constantes; em consequência desses choques, as irmandades abandonam as matrizes, construindo seus próprios templos, que são capelas filiais espalhadas em todas as direções.[9]

Com essas capelas, teve início, a partir da década de 1760, a construção de igrejas da terceira geração, patrocinadas pelas Ordens Terceiras, com o emprego da pedra e cal. Inaugurava-se aquele que tem sido chamado “estilo Aleijadinho”: portadas monumentais, embelezamento do exterior e simplificação do interior, ornamentação Rococó, predomínio do branco sobre a talha dourada.
Em resumo: a construção das igrejas, implicando o tamanho, o material empregado e a decoração, passou por três gerações, que vale a pena repetir: as capelinhas, as igrejas matrizes e as capelas das ordens terceiras. O leitor deve prevenir-se para não confundir a evolução na construção das igrejas com a evolução do estilo artístico em Minas.

9. Evolução do Barroco Mineiro

Em Minas, a ausência dos jesuítas e o relativo isolamento da região resultaram na incorporação de características locais, o que deu ao Barroco uma fisionomia própria. O artista mineiro, menos sujeito ao rigor dos padrões, misturou, com rara habilidade, elementos de diferentes fases e estilos. Exagerou no uso da talha dourada. Na falta do mármore empregou a pedra sabão. Sentiu-se à vontade para dar traços mulatos na representação das figuras sagradas. Empregou, já no fim do período, as formas arredondadas. Com estas e outras inovações, o estilo regionalizou-se, resultando no chamado Barroco Mineiro, que muitos consideram a primeira manifestação de uma arte genuinamente nacional.
A versão mineira do Barroco passou por mudanças e na sua evolução podemos identificar três fases:
·       A primeira, denominada Nacional-Português, predominou do início do século XVII até 1740, aproximadamente;
·       A segunda fase, denominada Dom João V, estendeu-se pelos vinte anos seguintes;
·       A terceira fase, chamada Rococó, desenvolveu-se a partir dos anos 1760.

Características de cada fase
1)   As igrejas da primeira fase do Barroco Mineiro caracterizam-se pela presença dos arcos concêntricos no retábulo do altar-mor, pela riqueza da talha dourada e pela exuberância da ornamentação, empregando-se, em profusão, elementos inspirados na flora e na fauna.
2)   Na segunda fase, aparecem o dossel no alto do retábulo do altar-mor, uma maior presença de anjos e um espaçamento maior entre as colunas do retábulo, para a colocação de imagens de santos.
3)   Na terceira fase, desaparece o dossel, há pouco emprego da talha dourada e predominância dos fundos brancos.

Mas nem sempre a identificação é tão simples, uma vez que raramente se encontram tipos puros. O que se nota, com mais frequência, é que numa mesma igreja os altares são diferentes entre si, correspondendo a mais de uma fase do Barroco Mineiro. Isso se deveu, em grande parte, ao fato de que a construção dessas igrejas era demorada, contratando-se com diferentes artistas a execução de cada uma de suas partes.

10. As ordens religiosas

Estas entidades tiveram sua origem na Europa, durante a Idade Média. O iniciador do movimento foi São Bento (em latim, Benedictus) que fundou na Itália, no século VI, o primeiro convento e criou para seus monges uma regra (do latim regulare, daí o nome regular dado a esse tipo de clero). Essa foi a Ordem dos Beneditinos. Depois vieram franciscanos, dominicanos, carmelitas e outros. Inicialmente eram formadas apenas por homens - os monges e os frades - e constituíram a Ordem Primeira. Depois veio a versão feminina - as monjas e as freiras - e constituíram a Ordem Segunda. Por último, apareceu a Ordem Terceira, formadas por leigos.
Com o inicio da colonização, essas entidades foram criadas também no Brasil.
Em Minas Gerais, onde a Coroa, como foi dito anteriormente, proibiu a atuação do clero regular, ganhou grande importância a atuação das Ordens Terceiras. Organizavam-se para realizar festas religiosas, construir igrejas, cemitérios, em benefício dos sócios, devotos do santo padroeiro da irmandade.
Geralmente, elas se organizavam de acordo com critérios raciais e de riqueza. Havia igrejas de brancos, de negros, de mulatos, de ricos e de pobres. Entre as mais ricas, estavam as de São Francisco e do Carmo. Eram extremamente fechadas.
A Ordem Terceira de São Francisco, de Vila Rica, por exemplo, proibia a entrada de mulatos, judeus, mouros, hereges e seus descendentes até a quarta geração.
A Irmandade do Carmo de Vila Rica, por sua vez, admitia somente pessoas de "sangue limpo, boa vida e costumes, e capazes de pagar sua subscrição".

Essas entidades acumulavam grande riqueza e eram responsáveis pelos eventos sociais que ocorriam na cidade: procissões, cerimônias reais, festas dos padroeiros. Emprestavam dinheiro, construíam igrejas, cemitérios e, até, hospitais. Havia grande concorrência entre elas. Cada qual queria erguer uma igreja maior e mais bonita, o que explica a existência de tantas igrejas nas cidades mineiras. E as pessoas, conforme sua cor ou riqueza, filiavam-se a uma ou a outra dessas ordens.

11. Fransciscanos

São Francisco e Nossa Senhora doCarmo tornaram-se os principais santos padroeiros das igrejas mineiras. É justo que dediquemos algumas linhas sobre essas duas devoções tão populares em Minas Gerais.

São Francisco de Assis, o mais querido dos santos católicos, nasceu em Assis, na Itália, em 1182. Seu pai estava na França quando ele nasceu e, ao retornar, encontra-o já batizado; recebera o nome de Giovanni (João). O nome Francisco surgiu depois. Conta a tradição que seu pai, tendo voltado encantado com as coisas da França, teria passado a chamar o filho de “Francesco” (Francês, em italiano). Há uma outra versão, segundo a qual o nome viria da paixão do jovem João pela literatura francesa. De uma forma ou de outra, o apelido Francesco, “Francês”, pegou e ele ficou sendo a primeira pessoa a se chamar Francisco em toda história.
Sua família, os Bernardone, reunia ricos comerciantes no ramo de tecidos. Também nesta atividade estava Francisco, quando em 1202 participou das lutas entre Assis e Perugia e foi feito prisioneiro. Libertado cerca de um ano depois, adoeceu e, ao recuperar-se, teve uma visão de Cristo, que mudou sua vida. Abriu mão da riqueza da família e passou a dedicar-se inteiramente ao serviço de Deus, vivendo como eremita, em constante oração. Apesar de leigo, dedicou-se até a morte à pregação e catequese.
Aos poucos, cercou-se de muitos discípulos que faziam, como ele, voto de pobreza. Foi o fundador da Ordem dos Frades Menores, dos Irmãos e Irmãs da Penitência, das Clarissas (esta juntamente com Santa Clara). Dentre os elementos de sua teologia encontramos sua concepção de que a natureza é um espelho de Deus, e que se deve considerar todas as criaturas ou elementos da natureza como irmãos - irmão sol, irmã morte, irmão passarinho, etc.
Em 1224, no Monte Alverne (Itália), recebeu, numa visão, os estigmas ou os cinco sinais de Cristo. Morreu em 1226 e foi canonizado apenas dois anos depois, em 1228, pelo Papa Gregório IX. Em torno de sua figura surgiram varias histórias fantásticas e lendas, como, por exemplo, a de que falava com animais; a de que, ao cruzar um dia com um leproso, lutou contra a repulsa inicial que a pessoa lhe causava e chegou mesmo a beijá-la, passando a partir daí a conviver assiduamente com leprosos; ou ainda que, indo ao oriente, entrou em campo muçulmano e depois de pregar ao sultão conseguiu dele permissão para visitar os lugares santos da Palestina.
Nas igrejas barrocas mineiras, as representações de São Francisco costumam vir acompanhadas de alguns símbolos característicos, aparecendo com mais frequência as cinco chagas, o sol, uma caveira ou uma ampulheta.
É festejado no dia 4 de outubro.

12. Carmelitas

Os carmelitas tiram seu nome do Monte Carmelo, localizado na Palestina, onde nos tempos bíblicos o profeta Elias teria fundado uma comunidade. Muito tempo depois, os membros dessa comunidade se converteram ao Cristianismo ao ouvirem as pregações de São Pedro em Jerusalém, e ergueram uma capela em homenagem à Virgem Maria.
A origem histórica da ordem dos carmelitas pode ser atribuída a Bertoldo, que no tempo das Cruzadas, encontrando-se no Oriente, retirou-se com um pequeno grupo para o Monte Carmelo, adotando uma rigorosa regra de vida eremítica, aprovada em 1226 pelo Papa Honório III. Com o fracasso das Cruzadas, os carmelitas migraram para o Ocidente. Em 1247, abandonaram a austera disciplina da vida monástica, espalhando-se pelo Ocidente e se tornando uma das mais populares ordens mendicantes. Como de praxe, constituíram as três ordens: a primeira para os homens, a segunda para as mulheres e a terceira para os leigos.
Uma reforma completa da ordem carmelita foi realizada por Tereza de Ávila (1515-582) que fundou, na Espanha, um pequeno convento e restabeleceu, com a ajuda de São João da Cruz, a antiga disciplina.
A devoção a Nossa Senhora do Carmo está intimamente ligada à prática do escapulário. Consta que a Virgem teria aparecido a São João Stock, Superior Geral dos Carmelitas, a quem apresentou o escapulário, uma faixa de lã marrom que se coloca no ombro e atravessa o peito e as costas; entre os favores que o escapulário acarreta estaria retirar a alma do portador do purgatório no primeiro sábado após morte.
Os carmelitas chegaram ao Brasil praticamente no começo da colonização e fundaram, em Recife, seu primeiro convento.




[1]As decisões da Contrarreforma foram tomadas no Concílio de Trento (1545-63). O concílio é uma reunino de altos dignitários da Igreja em que se tratam assuntos dogmáticos, doutrinários ou disciplinares. Via de regra, o concílio leva o nome da cidade onde se reúne.

[2]Werner Weisbach - El barroco, arte de la contrarreforma. p. 58.
[3]Roland Mousnier - O  sJculo XVII. In: Os sJculos XVI e XVII; os progressos da civilizaHno europJia.       p. 205.
[4]Michael Keatson - O Barroco. In: O mundo da arte. p. 124.
[5]A  igreja construída em Roma pelos jesuítas foi a Igreja de Jeus, com projeto de Vignola, de 1568; em Lisboa, a Igreja de São Vicente de Fora, com projeto do italiano Filippo Terzi, iniciada em 1582. Segundo J. Bury, as fachadas das igrejas jesuíticas, no mundo português, podem ser identificadas como misturas mais ou menos bem sucedidas dessas duas igrejas. John Bury - Arquitetura e Arte Colonial no Brasil. p. 51.

[6]Santo de pau-oco era uma imagem de madeira utilizada para o contrabando do ouro, escondido em seu interior.
[7]Do latim seculare, referente a século. Diz-se do clero que vive no século, no mundo, em oposição àqueles que pertencem às ordens religiosas, e se dedicam a uma vida de reclusão.
[8]John Bury - Op. Cit,. p. 52.
[9]Fritz Teixeira de Salles- Vila Rica do Pilar, p. 46.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015








O  POVOAMENTO  DE  MINAS  GERAIS  E  O  SURGIMENTO  DAS  CIDADES  HISTÓRICAS

 A região onde nasceram as cidades históricas já era, desde há muito, conhecida dos vaqueiros do norte, que subiam o rio São Francisco formando fazendas. Também era conhecida dos paulistas, que por ali andaram em busca de metais preciosos ou de índios para capturar. Mas o mérito de uma exploração mais minuciosa pertence ao bandeirante paulista Fernão DiasPais Leme, que durante sete anos (1674-81) andou por esses sertões à procura de esmeraldas. Como se sabe, ele não conseguiu encontrar as desejadas esmeraldas, mas sua expedição foi importante, pois abriu caminhos e nelas plantou roças, e preparou o terreno para os exploradores que vieram depois.

Fernão Dias Pais Leme
Os primeiros achados de ouro ocorreram a partir de 1690, sendo 1693 a data mais provável. Também não se conhece com certeza o nome do descobridor. Há fortes indícios de que essa glória pertença a Antônio Rodrigues Arzão, um bandeirante de Taubaté. Outro que pode figurar entre os primeiros descobridores é Borba Gato, genro de Fernão Dias.

A região onde o metal precioso foi encontrado localiza-se no âmbito da Serra do Espinhaço e nela se formaram basicamente três núcleos produtores. Um se formou nas margens do rio das Mortes, que corre para a bacia do rio Paraná; originaram-se ali as vilas de São João del Rei e Tiradentes. Outro nas barrancas do rio das Velhas, um dos formadores do rio São Francisco; nesse trecho surgiu Sabará. O terceiro núcleo surgiu no alto da serra. Ali estão as nascentes do ribeirão do Carmo, afluente do rio Doce; Nesse lugar, se formaram as atuais cidades de Mariana e Ouro Preto.

A notícia da descoberta do ouro rapidamente se espalhou, atraindo gente do Rio de Janeiro, da Bahia e de outras partes da Colônia. A boa nova do achamento do ouro logo atravessou o Atlântico e chegou a Portugal. E atraiu levas e mais levas de portuguese, que tomaram o caminho do Brasil, em busca da riqueza que estava ao alcance das mãos. Eram tantos que o governo português teve que tomar medidas para impedir que o Reino ficasse despovoado. Foi uma verdadeira “corrida do ouro”. Multidões tomaram o caminho das minas, sem sequer se preocupar com o fato de que lá não haveria comida para todos. Em consequência, muitos foram os que morreram de fome, mesmo estando com os bolsos cheios de ouro!

Mas a expectativa de enriquecer em pouco tempo compensava qualquer sacrifício e, a despeito de toda sorte de dificuldades, rapidamente a região se encheu de gente.

Quanto mais a notícia da descoberta do ouro se difundia, mais a população crescia. Surgiram as inevitáveis disputas pelo controle das minas. De um lado, os paulistas, descobridores, que se achavam com mais direitos; de outro, os que vieram depois, a quem os paulistas depreciativamente chamavam “emboabas”.[1] As tensões foram se agravando e culminaram em um conflito, que entrou para a nossa história com o nome de Guerra dos Emboabas (1708-9). Esse clima de tensão entre os mineradores deu a oportunidade para a Coroa portuguesa impor a sua autoridade na região. Ela enviou para a região o governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho. Lá chegando, o governador tomou providências para obter a pacificação geral em benefício do interesse de todos, que era a extração do ouro.

Uma importante medida administrativa do governador foi elevar à condição de Vila os vilarejos mais significativos. Foi assim que, em 1711, foram instituídas as três primeiras vilas mineiras: Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo (Mariana), Vila Rica de Ouro Preto e Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará.

Instituir uma vila significava criar a Câmara, a Cadeia, erguer o Pelourinho, nomear funcionários e estabelecer, enfim, as instituições públicas necessárias ao funcionamento da vida organizada. Mas tudo isso tinha um custo, e esse custo é pago pela população na forma de impostos.

Os impostos exigidos pelo governo de Portugal, desde o começo, eram difíceis de suportar. O descontentamento mantinha a região continuamente agitada. Revoltas eclodiram aqui e ali: em 1715, em Morro Velho; em 1718, em São João del Rei e no Rio das Velhas. Nesse clima de tensão, chegou um novo governador, D. Pedro de Almeida, mais conhecido pelo título de nobreza, Conde de AssumarAssumar trazia ordens de ser duro com os mineradores. Entre outras tarefas, devia aumentar a arrecadação do quinto, o imposto que incidia sobre todo o ouro extraído. Para isso, cabia-lhe instalar as Casas de Fundição, para onde os mineradores deviam levar todo ouro encontrado, para ser fundido. 

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O ouro depois de fundido era
transformado em barras
Esse era o momento em que a Coroa cobrava o quinto. Os mineradores não aceitaram, e decidiram pegar em armas. A insurreição explodiu em Vila Rica, no ano de 1720. Pego de surpresa, Assumar recebeu os revoltosos e fingiu atender suas exigências. Mas tão logo estes voltaram para suas casas, o governador desencadeou a repressão. O castigo foi imediato e severo. O emboaba Felipe dos Santos, principal acusado, foi enforcado e seu corpo, atado à cauda de um cavalo, arrastado pelas ruas da vila. Outros implicados foram enviados para Portugal. Controlada a situação, as Casas de Fundição puderam começar a funcionar pouco depois como queria a Coroa portuguesa.


Havia muito ouro e a produção cresceu sem parar.[2] A população, também. Além dos brancos, havia os negros, trazidos da África como escravos, e os mulatos. Os povoados e as vilas se multiplicavam e prosperavam, enchendo-se de casas, praças, chafarizes e igrejas. Muitas igrejas. E foi principalmente nestas que se materializou o estilo artístico conhecido como Barroco Mineiro.






[1]Emboaba era o nome de uma ave de pernas longas, e, para os paulistas, que andavam descalHos, assemelhava-se aos portugueses que usavam botas.
[2]Estima-se que, entre 1700 e 1770, o Brasil tenha produzido cerca da metade do ouro obtido em todo o resto do mundo em três séculos (XVI, XVII e XVIII).