quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O  SÉCULO  DA  MINERAÇÃO  NO  BRASIL


Minas Gerais, a síntese da colônia


Durante o século XVIII, a produção de ouro no Brasil alcançou quase
mil toneladas, um volume maior do que aquele que a Espanha tinha
retirado de suas colônias nos dois séculos anteriores. A maior parte dessa produção saiu das Minas Gerais, e seus benefícios se distribuíram
de maneira muito desigual, fazendo com que a riqueza de alguns
convivesse com a pobreza de muitos.




Os viajantes que, como John Mawe, estiveram na capitania na fase da estagnação presenciaram a enorme pobreza em que viviam os habitantes, sendo muito poucas as possibilidades de trabalho para a gente livre destituída de recursos. Entretanto, é menos chocante a constatação da pobreza num período de decadência do que a sua existência num momento em que o ouro era abundante. Quando a capitania das Minas Gerais conhecia o seu apogeu, milhares de homens viviam na miséria, passavam fome, vagavam sem destino pelos arraiais, tristes frutos deteriorados de um sistema econômico doente e de uma estrutura de poder violenta.

Da riqueza extraída das Minas, quase tudo ia para a Metrópole, onde se consumia em gastos suntuários, em construções monumentais, como o convento de Mafra, no pagamento das importações de que Portugal necessitava. Poucos foram os privilegiados que enriqueceram na capitania do ouro, e insignificantes os efeitos produtivos gerados pela mineração, de um lado e do outro do Atlântico. Por isso, muitos economistas da época não se cansavam de apontar o caráter ilusório da riqueza gerada pela extração do ouro, aconselhando como a medida mais certa a volta às atividades agrícolas.
Parte do ouro encontrado foi usado para a construção de
suntuosas igrejas barrocas.

Tendo as Minas como um quinhão do qual deveria extrair o máximo possível, Portugal nunca se conformou com o decréscimo da produção aurífera, atribuindo a queda da arrecadação com o quinto ao extravio e ao contrabando, e, uma ou outra vez, a técnicas inadequadas de exploração dos aluviões e das lavras. Não se colocava em questão a pobreza crescente dos habitantes das Minas, nem tampouco a situação periférica de Portugal no continente europeu, que tornava essa nação econômica e politicamente dependente dos centros dinâmicos, como a Holanda, a Inglaterra e a França.

Santo do pau oco. Imagens como essa era usadas
para contrabandear ouro e pedras preciosas.
Para os colonos mineiros, sempre esteve difusa a percepção da pobreza e da dependência ante a Metrópole; com a situação de penúria extrema que caracterizou os últimos anos do século XVIII, essa percepção adquiriu a forma de uma verdadeira tomada de consciência, que os inconfidentes exprimiram de modo acabado.
Foi também nas Minas que a articulação do poder metropolitano assumiu maior complexidade. Cumpria arrecadar ouro, fiscalizar os quintos e o extravio, sufocar rebeliões de negros, mestiços e brancos, enforcar escravos, aparar as asas de potentados que tentassem voo mais atrevido. Ao mesmo tempo, o arbítrio deveria ser bem temperado, recorrendo-se à moderação sempre que estivesse em risco a integridade do território mineiro e sua sujeição ao poder metropolitano. Nas Minas [...] mais do que em outros pontos da Colônia, a Metrópole deveria procurar suprir as deficiências que a distância impunha ao funcionamento da máquina administrativa, tornando-a mais presente e atuante; mas muitas vezes não se conseguia contornar o desleixo e a pouca capacidade da burocracia colonial, todo o sistema sendo, então, entregue à maior desordem. Foi assim que, naquela capitania, o poder esteve presente e distante, constituindo como que uma síntese privilegiada das diversas formas assumidas pela articulação entre Portugal e Brasil durante o período colonial.

A extrema fluidez da formação social nas Minas também constituiu amostragem do que acontecia em outros pontos da Colônia. A sociedade mineira se apresentou bem definida nos extremos, na camada dos senhores e na dos escravos; entre uma e outra, a camada intermediária se caracterizou pela instabilidade de seus elementos, pelo contato estreito que muitas vezes estes estabeleceram com a camada servil. Mas foi do seio dessa camada que surgiu um grupo definido, composto por artesãos, pequenos negociantes, mineiros de pequeno porte: enfim, o embrião de uma burguesia urbana.
A efervescência que conheceram nas Minas as artes e as letras também teve feição peculiar. Pela primeira vez na Colônia buscava-se solução própria para a expressão artística. Na arquitetura, o barroco se desenvolveu sem a grandiloquência que o caracterizou na Europa: nas Minas, o gênero foi mais recatado, despojado, quase pobre, a não ser por alguns interiores suntuosos. [...] Os músicos, ativos desde os primeiros decênios do século XVIII, criaram nas serranias mineiras uma escola musical cuja importância e alcance foram além dos limites da Colônia, constituindo a manifestação mais rica e original que as Américas conheceram no campo da música durante o século XVIII. 
Prisioneiros envolvidos na Inconfidência Mineira são
levados de Ouro Preto para o Rio de Janeiro, onde
seriam julgados.
Por fim, as poesias dos árcades representaram ruptura com os padrões europeus e retrataram admiravelmente a realidade das Minas, a sua paisagem áspera, a pedra presente em toda parte. Em vários níveis, surge a percepção do “viver em colônias”, a apreensão da natureza mineira, tão diferente da metropolitana.

Por tudo isso, não é de estranhar que as Minas presenciassem a primeira manifestação de independência ante a Metrópole.

Vergueiro, Laura. Opulência e miséria nas Minas Gerais. 2. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 73-9.


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