domingo, 17 de agosto de 2014

ENTRE  NAPOLEÃO  E  A  GRÃ-BRETANHA

Família  real  portuguesa  prefere  fugir  para  o  Brasil

Compreender a trama de interesses contraditórios em jogo na Europa 
no momento em que dom João VI resolve transferir a Corte portuguesa 
para o Brasil é fundamental para não simplificarmos esta ação. Não se tratava de um “rei fujão”, mas de um amplo projeto de preservação de 
um sistema imperial fragilizado.

O período 1807-1808 marca efetivamente um ponto de confluência. Ao príncipe regente dom João migrar para a América, em razão da invasão francesa, significa preservar a dinastia à espera de melhores dias; à Grã--Bretanha interessava não só proteger o aliado valioso na pugna com Napoleão, mas também aproveitar a oportunidade de penetrar mais abertamente nos mercados brasileiros, pois, ocupada a metrópole, tornava-se imperioso suspender o exclusivo do comércio da colônia. 
O mapa mostra como ficou a Europa após a decretação do Bloquio
Continental por Napoleão Bonaparte. A partir desse decreto de, datado
de 21 de novembro de 1806, nenhum país do continente podia manter
comércio com a Grã-Bretanha, sob pena de punição. 

Mais ainda, na decisão da transferência da Corte, aparentemente desconcertante, pesavam imperativos mais profundos de situação. É que, dada a posição que Portugal fora assumindo a partir do século XVII (a partir da Restauração de 1640, quando se liberta da União Ibérica), sua existência dependia mais e mais da colônia: era com esta que jogava, ou melhor, com as vantagens da exploração colonial, no sistema de alianças das relações internacionais.
Cada vez mais, aproximar-se da França, contra a Grã-Bretanha, significava pôr em risco a colônia, devido à supremacia naval britânica; por sua vez, aliar-se à Grã-Bretanha punha em risco a metrópole, devido à supremacia continental francesa (a França alia-se à Espanha depois de 1715). A diplomacia portuguesa procura continuamente a neutralidade, hesita, para finalmente aliar-se à Grã-Bretanha, potência ascendente; e, em 1807, essa opção chega ao limite, com a migração da Corte e “inversão colonial”. 
Dia 29 de novembro de 1807, a Família Real 
embarca apressadamente para o Brasil, pois as 
tropas francesas já se aproximavam de Lisboa. 

Do ponto de vista da classe dominante dos colonos — os proprietários de terras e escravos — nessa conjuntura, essa opção vinha ao encontro de seus interesses e, pouco a pouco, dessa convergência vai-se delineando um projeto de “império” com sede na América. A política de dom João VI no Brasil pôs em andamento esse projeto: mal chegado, ainda na Bahia, edita o famoso alvará de abertura dos portos às nações amigas (janeiro de 1808). 
[...] Ao longo de toda uma década, ou seja, até a eclosão da revolução liberal portuguesa em 1820, implementa-se essa linha política, em que se casam os interesses do senhoriato brasileiro com a perspectiva do Estado metropolitano, agora assimilado e instalado na colônia. À abertura dos portos, segue-se o levantamento das proibições às manufaturas; mais do que isso, passa-se a uma política de incentivo direto às indústrias, e uma série de medidas de política econômica se decreta nesse sentido.
Vista do Largo do Paço, hoje Praça Quinze, quando da chegada ao 
Rio de Janeiro da Família Real no dia 8 de março de 1808. Ao fundo 
do lado esquerdo, avista-se o Morro do Castelo, que foi demolido 
em 1921 e com suas terras  foram usadas para aterrar parte da Urca, 
da Lagoa Rodrigo de Freitas, do Jardim Botânico e outras 
áreas baixas ao redor da Baía da Guanabara.

Ao mesmo tempo, a Corte se instalava, centralizando um complexo aparelho de Estado, numa espécie de “naturalização” do governo português no Brasil. Ao lado dos vários departamentos de administração, organizam-se as forças armadas, criam-se as primeiras escolas superiores. A política externa se orienta na mesma linha, com a expedição à Guiana Francesa e reivindicações no Prata. Assim, em 1815, eleva--se a antiga colônia à condição de Reino Unido.
Mota, Carlos Guilherme; Novais, Fernando A.
A independência política do Brasil. 2. ed.

São Paulo: Hucitec, 1996. p. 32-4.

Nenhum comentário:

Postar um comentário