segunda-feira, 21 de julho de 2014

O SETE DE SETEMBRO DE 1822

O ano de 1820 foi particularmente significativo não apenas pelo início da revolução em Portugal, mas também pelo avanço dos movimentos de indepen­dên­cia na América e pelas revoluções liberais na Europa. Nesse contexto, as tentativas das Cortes de Lisboa de recolonizar o Brasil só aceleraram e amplia­ram a propa­gação das ideias de independência na antiga colônia.
Temendo perder a autonomia e a liberdade de comércio conquistadas com a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, a aristocracia rural brasileira deixou de lado suas hesitações e abraçou finalmente a causa da independência.

O retorno de D. João VI a Portugal
Apesar da exigência das Cortes de Lisboa, Dom João VI procurava retardar ao máximo seu retorno a Portugal. Mas seus últimos dias no Rio de Janeiro não foram nada tranquilos. Em fevereiro de 1821, a população do Rio de Janeiro e vários militares exigiram que o rei jurasse obediência à Constituição que seria elaborada pelas Cortes portuguesas.
Com o aumento das pressões e temeroso de perder o trono, dom João decidiu retornar a Portugal. Para governar o Brasil, nomeou seu filho, dom Pedro, príncipe regente e anunciou eleições para a escolha dos representantes brasileiros nas Cortes de Lisboa.
Em 21 de abril de 1821, o governo convocou a população do Rio de Janeiro para uma assembleia que seria realizada na praça do Comércio, com a finalidade de prestigiar o príncipe regente. Muitas pessoas compareceram, mas o objetivo da assembleia mudou durante o ato público. Aos gritos de “Aqui governa o povo!”, a multidão exigiu também a permanência do rei em território brasileiro.
Diante dessa atitude da população, dom Pedro ordenou às tropas que reprimissem a manifestação. A praça se transformou em campo de guerra, com confrontos de rua e disparos dos soldados contra a multidão. Saldo da batalha: três manifestantes mortos, diversos feridos e muitos presos.

Chega finalmente o dia da partida
No dia 26 de abril, dom João VI e sua corte embarcaram para Portugal, enquanto manifestantes exigiam no cais do porto que o rei deixasse aqui as joias e outros bens do Tesouro. Ao retornar a Lisboa, dom João tinha certeza de que mais dia, menos dia, o Brasil se tornaria independente. Por isso, deixou seu filho dom Pedro à frente do governo do Brasil. Era uma forma de manter a monarquia na antiga colônia e, ao mesmo tempo, viabilizar a continuidade da dinastia de Bragança à frente do governo em uma eventual declaração de independência. Em Lisboa, contudo, as Cortes anularam a nomeação de dom Pedro para o cargo de príncipe regente, cobrando seu pronto retorno a Portugal.

Organizam-se as forças políticas no Rio de Janeiro
Enquanto isso, consolidavam-se no Brasil três correntes políticas. Embora duas delas sejam chamadas de partidos — Partido Português e Partido Brasileiro —, a rigor não existiam nessa época partidos políticos no Brasil. Na verdade, as pessoas com ideias afins se reuniam em torno de órgãos de imprensa e de líderes políticos, constituindo grupos informais que apareciam e desapareciam ao sabor dos acontecimentos. Apesar disso, esses grupos foram decisivos no processo de formação de uma opinião pública  nos meses que antecederam a independência.

No Partido Português se reuniam todos os que tinham interesse em restabelecer a antiga subordinação colonial a Portugal. Desse grupo faziam parte, principalmente, comer­ciantes portugueses, descontentes com a perda de privilégios e monopólios, altos funcionários e militares estabelecidos no Rio de Janeiro e em algumas cidades portuárias do Norte e Nordeste.

Já o Partido Brasileiro representava os interesses dos grandes proprietários rurais, em particular os de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Contava com a simpatia de altos funcionários, militares e comerciantes brasileiros e estrangeiros beneficiados pela abertura dos portos. O projeto desse grupo consistia basicamente em manter o Brasil como reino unido a Portugal, resguardando as vantagens já adquiridas. Um de seus principais articuladores era José Bonifácio de Andrada e Silva, irmão mais velho de Antônio Carlos de Andrada, que participara da Revolução Pernambucana de 1817.
Essa corrente defendia o estabelecimento de uma monarquia dual, ou seja, um sistema de poder em que Brasil e Portugal fossem considerados nações irmãs dotadas de administrações autônomas, mas sob o governo do mesmo monarca. A opção pela independência só foi assumida mais tarde, quando as Cortes insistiram em obrigar dom Pedro a deixar o Brasil.

Havia ainda outra corrente, integrada por liberais radicais. Esta última reunia pessoas de vários setores da população urbana: comerciantes, funcionários menos graduados, artesãos, padres, professores, intelectuais, jornalistas, entre outros. Suas principais lideranças eram o jornalista Joaquim Gonçalves Ledo e o comerciante português José Clemente Pereira. Gonçalves Ledo e seu amigo Januário da Cunha Barbosa tinham fundado o jornal Revérbero Constitucional Fluminense, que pregava a imediata independência do Brasil e a instalação no país de uma República semelhante à dos Estados Unidos.
Em fins de 1821, quando ficou claro o projeto das Cortes de impor ao Brasil o status de colônia, os liberais radicais se uniram ao chamado Partido Brasileiro no esforço de manter dom Pedro no Rio de Janeiro. A partir desse momento, até mesmo Gonçalves Ledo abandonou a proposta republicana e passou a defender a independência regida por uma monarquia constitucional.

O Dia do Fico
Em dezembro de 1821, o Rio de Janeiro agitou-se com a chegada de novos decretos das Cortes de Lisboa. Entre outras resoluções, as Cortes exigiam o retorno imediato de D. Pedro a Portugal. A resposta dos liberais radicais foi organizar uma campanha para coletar assinaturas a favor da permanência do príncipe no Brasil. Era um modo de rejeitar a pressão e de fazer com que o príncipe decidisse ficar. No dia 9 de janeiro de 1822, Clemente Pereira, presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, entregou a dom Pedro o abaixo-assinado com cerca de 10 mil assinaturas.




Os acontecimentos se aceleram
1. Nesse mesmo dia, o príncipe anunciou sua decisão a uma comissão liderada por Clemente Pereira: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto: diga ao povo que fico”. A partir desse momento, dom Pedro entrava em rota de colisão com o governo de Lisboa. A independência era agora uma questão de tempo.

2. Logo após o Fico — nome pelo qual ficou conhecido o episódio —, dom Pedro demitiu os ministros nomeados por seu pai e criou o primeiro ministério integrado só por brasileiros. Entre eles, estavam dois Andradas: José Bonifácio, no Ministério do Reino e Estrangeiros, e seu irmão Martim Francisco, no Ministério da Fazenda.

3. A reação do Partido Português veio em fevereiro, quando o general Avilez, comandante das tropas portuguesas estacionadas no Rio de Janeiro, exigiu que dom Pedro obedecesse às ordens das Cortes. Na disputa que se seguiu, o general Avilez foi vencido e expulso do Brasil com suas tropas.

4. Ainda no mesmo mês, José Bonifácio convocou o Conselho dos Procuradores das Províncias do Brasil para assessorar o príncipe regente. Naquele momento era importante consolidar a ligação política entre o Rio de Janeiro e as províncias, procurando, assim, garantir a unidade territorial.

5. Em maio, dom Pedro decretou que ne­nhuma ordem das Cortes seria aceita no Brasil sem o “cumpra-se” do príncipe regente. No mês seguinte, o cenário político foi tumultuado pelas divergências entre os partidários de José Bonifácio e os de Gonçalves Ledo quanto à convocação de uma Assembleia Constituinte, cuja função específica seria elaborar uma Constituição para o Brasil. Bonifácio, que havia proposto a criação do Conselho dos Procuradores, era contra a ideia. Gonçalves Ledo, contudo, mobilizou a opinião pública e a imprensa em defesa da convocação. A pressão, mais uma vez, levou dom Pedro a aprovar a iniciativa, e a Assembleia foi convocada.

6. Em julho, a população da Bahia pegou em armas contra o governo provincial, chefiado pelo general português Madeira de Melo, defensor dos projetos das Cortes. Era o início efetivo das guerras de independência.

“Independência ou morte!”
No final de agosto, o príncipe regente viajou para a província de São Paulo, onde havia eclodido uma rebelião contra José Bonifácio. Dom Pedro esperava acalmar os ânimos na província.
D. Pedro viajou para Santos, cidade dos Andradas, e ao retornar para São Paulo, já nas proximidades da capital paulista, às margens do riacho do Ipiranga, chegaram às suas mãos os últimos decretos das Cortes de Lisboa.
Eram ordens severas para que ele se submetesse ao rei e às Cortes e anulasse a convocação do Con­selho dos Procuradores. Com os decretos, o príncipe recebeu duas cartas pessoais. Em uma delas, José Bonifácio aconselhava dom Pedro a romper defi­nitivamente com Portugal. Na outra, a esposa do príncipe, D. Leopoldina, apoiava a sugestão do ministro. Diante do impasse, dom Pedro teria gritando “Independência ou morte!”, proclamando o rompimento definitivo com Portugal. Era o dia 7 de setembro de 1822.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, o príncipe foi aclamado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, com o título de dom Pedro I.


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