quarta-feira, 30 de julho de 2014



LEMBRANÇAS DE TEMPOS FELIZES

Uma infância vivida no sertão

Quando criança, vivi no sertão. Não era bem um sertão típico, como a gente imagina quando fala do sertão nordestino. Mas a verdade é que lá não tinha luz elétrica, nem água encanada. Éramos pioneiros e, como costuma acontecer nesses casos, a vida não era nada fácil. Ao contrário: era difícil obter as coisas e, quando dava, elas custavam caro. Então, a mãe criava galinhas e porcos e fazia o próprio pão de cada dia; também costurava nossa roupa e cortava nosso cabelo.
Aos poucos, entretanto, acabamos nos acostumamos ao lugar e logo aprendemos a tirar proveito do nosso “sertão”. Havia muitas coisas gostosas para fazer. O melhor de tudo eram as caminhadas que eu, irmãos e colegas fazíamos através das roças, das pastagens e das matas que ainda restavam na região. Havia os riachos, e muitas vezes seguíamos por dentro deles, topando aqui e ali com uma cachoeira.

Muitas vezes passávamos o dia inteiro nessas andanças, comendo o que a gente encontrava pelo caminho. Era fácil encontrar frutas nas roças. Também a natureza oferecia uma variedade de frutas silvestres: ingá, marolo, gabiroba, jatobá, piúna, jaboticaba e outras de que as crianças de hoje nem imaginam existir.

Bem pensadas as coisas, aqueles foram tempos muito felizes, apesar de os perigos serem muitos, sobretudo quando se anda descalço no meio das matas e dos córregos. Eu mesmo passei por maus bocados, por exemplo quando um galho seco me caiu na cabeça ou quando caí de uma árvore e uma farpa de madeira me fez um buraco nas costas. Nessas ocasiões, só restava ir pra casa e receber os curativos caseiros aplicados pacientemente pela mãe.
O momento de maior perigo, creio, foi no dia em que aprendi a nadar... na marra. Devia ter então uns 9 ou 10 anos. Os garotos estavam nadando num açude e eu estava na beirada com medo de entrar. E eis que um garoto, desses que tem parentesco com o diabo, me empurrou para dentro d´água. Imaginai, amigos, desespero deste filho da dona Dolores, batendo os braços e perninhas. Felizmente deu certo: consegui sair da água, com o coração a mil! Durante algum tempo fiquei ali, na beirada, recuperando fôlego e esperando passar o susto. Então, senti um afago na cabeça, e naquela hora pensei que fosse o vento acariciando meus cabelos. Concluí depois que na verdade havia sido meu anjo da guarda que passara a mão pela minha cabeça e compreendi o que ele me disse na ocasião:
- Garoto, nada tema. Vou estar sempre perto de você.

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