segunda-feira, 7 de julho de 2014

Cuidado com a cartomante!

Em tempos bem recuados, tive um amigo com quem me encontrava sempre que ia ao  Rio. Dada nossa velha amizade, eu o tratava apenas por Machado. Era um homem de uns sessenta anos, aproximadamente; muito elegante, cultivava uma bela barba e usava óculos pince-nez equilibrados sobre o nariz. Era também muito culto e, sobretudo, um grande contador de histórias. Geralmente, encontrávamo-nos no final da tarde na Confeitaria Colombo. Ali, ficávamos horas conversando sobre assuntos os mais diversos, mas a melhor parte eram as histórias que ele contava.
Numa dessas ocasiões, contou-me a história da cartomante, de que tivera conhecimento uns poucos dias antes, e que o deixara profundamente chocado. Machado começou falando do Vilela e do Camilo, dois velhos conhecidos. O primeiro era advogado e o outro, funcionário público. Acontece que o Vilela casou-se com uma bela moça que conhecera no interior, a Rita, e foi morar lá para as bandas do Botafogo. Eram bons amigos e Camilo os visitava com frequência. Quando Camilo ficou doente, Rita passou a cuidar do amigo do marido, dedicando-lhe bastante tempo e muitos cuidados. Estreitaram os laços de amizade, e da amizade chegaram ao amor. O fato é que Rita tornou-se amante de Camilo.
Tudo corria às mil maravilhas, até o dia em que Camilo recebeu uma carta anônima, fazendo-lhe ameaças. Nos dias seguintes, chegaram outras com igual conteúdo. Camilo ficou desesperado e contou tudo para amante, que procurou tranquilizá-lo dizendo que o Vilela de nada desconfiava. Por precaução, Camilo reduziu as visitas à casa do casal, inventando desculpas, até que não apareceu mais.
E o tempo foi passando, mas eis que em dada ocasião Camilo recebeu um bilhete do Vilela que dizia: - Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-lhe sem demora.

Nesse ponto da narrativa, Machado fez uma pequena pausa. Ele falava com certa dificuldade por ser gago. Depois de tomar fôlego, bebeu mais um gole de café, e prosseguiu.

Disse que Camilo ficou transtornado, com medo de que Vilela pudesse ter descoberto tudo. Mas Camilo não podia deixar de atender o pedido do amigo, sob pena de trair-se. Não tendo outra alternativa, tomou uma carruagem e partiu. No caminho, leu e releu o bilhete, e o medo voltou a assombrá-lo. Lembrou-se, então, de que conhecia uma cartomante que morava justamente no caminho para a casa do Vilela. Quando passava em frente da casa, mandou o cocheiro parar e esperar, e entrou na casa da cartomante em busca de um aconselhamento. Ela o mandou entrar e o fez sentar-se junto a uma mesinha; pegou na gaveta um velho baralho, colocou as cartas na mesa e foi direto ao ponto: - O senhor tem um grande susto, e quer saber se lhe acontecerá alguma coisa ou não...

Machado fez uma nova pausa, pigarreou, terminou de beber seu café e continuou:

Como era de esperar, Camilo ficou assombrado com brilhante intuição da cartomante. Experimentou uma grata sensação de alívio quando ela lhe disse: - Não tenha medo. A moça lhe quer muito e o marido não desconfia de nada.
Era tudo que queria ouvir. Pagou generosamente à cartomante, retornou à carruagem e pediu para o cocheiro apressar-se. Não havia mais motivo para preocupação. Camilo sentiu-se com a alma leve, e até chegou a pensar em retomar as antigas visitas ao Vilela.
Em mais alguns instantes chegou à casa do amigo. Bateu à porta e foi recebido pelo próprio Vilela, que o levou para uma saleta no interior da casa. Ao entrar, Camilo não pôde evitar um grito de terror: Rita jazia morta e ensanguentada sobre um sofá. Antes que Camilo pudesse esboçar qualquer reação, Vilela pegou-o pela gola do paletó e deu-lhe dois tiros de revólver.


Era visível que Machado ainda estava emocionado com a tragédia que envolvera seus amigos. Levantou-se com alguma dificuldade, apoiando-se na bengala, consultou o relógio: - Ainda tenho que trabalhar um pouco, hoje à noite, disse ele. E se despediu. Eu continuei sentado mais algum tempo, pensando na história que acabara de ouvir, refletindo nas tragédias do amor, na finitude da vida e outras questões dessa natureza. A noite já havia descido sobre a cidade. Levantei-me no momento em que pensava nos perigos de confiar em cartomantes.

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